quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Formas de promoção humana: promover pelo ensino

O ensino procura ajudar o necessitado suprindo-lhe a carência, a falta, de conhecimento. Os que não tiveram ensino adequado não sabem usar os instrumentos a sua disposição e também não são capazes de acatar as normas da ordem social, para poder acompanhar a sociedade. Os acomodadores (aqueles que promovem a assistência pelo ensino) entendem que a fome, a doença que está sempre presente (por exemplo, asma, doença de chagas, parasitoses intestinais, malária, dengue, febre amarela, hepatites viróticas, AIDS, hanseníase, tuberculose, etc), a miséria e o abandono são resultados da ignorância e da apatia. E o ensino é o instrumento para reverter a situação.

Os atrasados são aqueles que nunca tiveram escola, aqueles que não terminaram os estudos, os menores explorados (sexualmente ou não), os subempregados, os bóias-frias, os marginais, os prostitutos e prostitutas, os trombadinhas, os índios.

O ensino ocorre das mais variadas formas: cursos profissionalizantes, ensino de atividades específicas (bordado, corte e costura, conceitos básicos de informática), mutirões para melhoria das casas e das condições de vida, alfabetização, educação de jovens adultos são alguns exemplos.

Os acomodadores apoiam, ao final, os valores da sociedade. Não é incomum que eles imaginam estar ofertando meios para que os necessitados façam uma reflexão crítica da sua situação, quando estes, na verdade, desejam apenas se apoderar da ferramenta (o conhecimento que está sendo ministrado) para melhorar as suas condições de vida. Ou seja, se acomodarem em um lugar previamente moldado para ele, que somente poderia ser ocupado se houvesse a educação para isto.

Habitualmente promover pelo ensino acontece através de uma instituição que determina quais são as necessidades dos necessitados, avalia os recursos humanos e financeiros que tem à disposição ("os acomodadores ensinam o caminho a ser percorrido para a conquista de um lugar na sociedade contando com os recursos da sociedade"), estuda as propostas de soluções e seleciona aquela(s) mais adequada(s) para a resposta ao(s) problema(s) encontrado(s). É a instituição que controla todas as etapas do processo, que incentiva, contribui e controla. O sucesso da promoção é percebido pela ascenção social do necessitado.

Promover pela educação dá ao necessitado um instrumento poderoso para se defender e melhorar de vida. Mas como o educador é que tem o controle do saber e do ensinar, este é que ensina como o necessitado deve entender a realidade e as razões pelas quais existem necessitados. A promoção pelo ensino supõe que a sociedade evoluiu de forma satisfatória, e que o que impede a participação de todos é apenas a ignorância. A única alternativa para "subir na vida" é se enquadrando na sociedade. Educa-se para "saber mais para ter mais".

Se a assistência para no ensino, ela tende a promover o individualismo competitivo, próprio da sociedade capitalista agressiva. É esta a visão da Igreja de Cristo?

"O compadecido é assistencialista, pois cria dependência, dando coisas aos necessitados. O acomodador é paternalista, pois dá condições para o necessitado obter as coisas, mas não permite que ele tome sua própria iniciativa."

Postado no Serviço Assistencial Dorcas

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Formas de promoção humana: promover pela assistência

Há diversas formas de promover o desenvolvimento, crescimento, amadurecimento e empoderamento dos seres humanos. Nestas próximas semanas vamos apresentar algumas delas, com suas virtudes e defeitos.

A forma mais antiga e com maior presença na tradição cristã é a promoção do necessitado através da assistência. Ou seja, há um necessitado e um compadecido.

O primeiro é o indigente, o abandonado, o desprezado, o desempregado, o doente, o faminto.

O compadecido entende que promover o necessitado é providenciar recursos financeiros, materiais, sociais e culturais: saúde, abrigo, socorro, alimento, vestuário, habitação, infraestrutura, serviços, consolo. No meio evangélico, o texto do grande julgamento (Mt 25) é um fortalecedor desta visão de promoção humana.

A atuação assistencialista habitualmente ocorre através de uma instituição que trabalha a partir de objetivos explícitos ou implícitos que norteiam a captação e o uso dos recursos. Objetivos e recursos são tão interligados que um influencia o outro. A instituição é a controladora dos recursos, determinando onde e como serão empregados. A instituição também é que escolhe os valores que nortearão a percepção da necessidade.

"Os compadecidos socorrem os necessitados por sentimentos de caridade, de humanismo, de obrigação religiosa, de mitigar sua omissão diante das disparidades sociais etc. Eles dão testemunho de sua fé pelo amor ao próximo, simbolizado pela mão estendida em ajuda ao necessitado...A prática da promoção humana assistencialista reforça os laços que unem a humanidade e ressalta o dever cristão de ser um bom samaritano."

O relacionamento entre o necessitado e o compadecido é unidirecional; o necessitado recebe em função do ter. Aquele que tem, ou controla os meios de ter, dá aquilo que lhe sobra.

Ao lado das virtudes (universalidade de cuidado, real auxílio em situações limites, redução da fome, da miséria, do índice de violência e suicídio, por exemplo) há vícios que não podem ser ignorados.

As estruturas que geram solidão, doença, fome, desemprego, abandono não são enfrentadas. Racionalmente apela-se a Jo 12.8 ("os pobres sempre tereis convosco") para justificar o não enfrentamento destas estruturas.

O compadecido não corre riscos, pode aliviar o sofrimento alheio sossegadamente, e sem aprofundar o diálogo. E ele não é o necessitado, não vivenciou sua história - por mais que ame o necessitado, o compadecido não é um deles, é um estranho!

Racionalmente o compadecido organiza seu pensamento dentro da "certeza" de que a sociedade está no caminho certo, que o desenvolvimento social e econômico reverterá, a longo prazo, as situações que dão à luz o necessitado. É estranho ao evangélico este pensamento, que não se harmoniza com a visão pessimista que as Escrituras têm da sociedade humana corrompida e pecadora...
O poema de Carlos Drummond de Andrade faz pensar:
"A suntuosa Brasília, a esquálida Ceilândia contemplam-se. Qual delas falará primeiro? Que tem a dizer ou a esconder uma em face da outra? Que mágoas, que ressentimentos prestes a saltar da goela coletiva e não se exprimem? Por que Ceilândia fere o majestoso orgulho da flórea capital? Por que Brasília resplandece ante a pobreza exposta dos barracos de Ceilândia, em silêncio, as gêmeas criações do bom brasileiro?"
do livro "Promoção humana - princípios e práticas numa perspectiva cristã", de Frances O'Gorman, Edições Paulinas.


publicado originalmente em Serviço Assistencial Dorcas