quinta-feira, 22 de abril de 2010

Está na hora de repensar o testemunho evangélico III

Eduardo Ribeiro Mundim

A igreja evangélica cresceu, e cresce, pela evangelização. Esta preocupação, que varia de intensidade entre as diversas denominações e mesmo entre as igrejas locais de uma mesma denominação, é uma das características que a distingue da católica."É necessário nascer de novo", afirmação de Jesus ao fariseu Nicodemos (Jo 3.7) é a motivação básica e razão da, muitas vezes agressiva, pregação do Evangelho.

Nós, cristãos evangélicos, entendemos que as Escrituras ensinam que não é a mera informação do seu conteúdo, o ensino caprichado das doutrinas ou mesmo a leitura caridosa e atenta delas que fazem de uma pessoa um cristão. Nem mesmo o batismo, seja infantil ou adulto. Mas uma operação efetuada pelo Espírito Santo no interior de cada um, que leva o indivíduo à convicção plena de que a morte de Jesus ocorreu no lugar dele, individualmente; que era ele, indivíduo, que deveria morrer em função dos pecados, mas Jesus o substituiu. A informação do fato, a explicação de toda a história, o embasamento bíblico dos fatos é necessário, mas o assentimento intelectual sozinho não parece ser suficiente, sendo necessária uma radical transformação, na pessoa como um todo.

O temor do inferno, e a certeza do destino dos não-cristãos, é, provavelmente, outro responsável pelo estilo evangelizador.

Contudo, não é o medo do inferno, ou o desejo do céu, a motivação para se tornar um cristão. Como bem citou Peter Rollins em seu interessante e provocador livro "How (not) to speak of God" a única razão válida para tal é uma profunda paixão por Jesus Cristo e Sua mensagem, nada mais - sem expectativa de recompensa, sem medo de castigo.

Ocasionalmente um(a) paciente ou outro(a) queixa de, ao ter buscado o doutor(a) X, teve de ouvir um sermão sobre "como sua vida mudaria se fosse se entregasse a Jesus". Nos dizeres de uma senhora, "eu nem mesmo tive tempo de abrir a boca e falar alguma coisa; ele já foi falando!"

Pode um médico, ou qualquer profissional da área de saúde, usar o espaço do atendimento para evangelização desta natureza? Será isto "testemunhar o evangelho" de modo autêntico?

Acredito que não.

Considero o espaço do meu consultório como "santo". Separado para um auxílio de natureza personalíssima, em que uma pessoa me procurará para obter informação e auxílio sobre sua saúde. Serei remunerado por este auxílio, fonte do meu sustento e de minha família. Esta pessoa me procurará habitualmente em situação de fragilidade, muitas vezes com sofrimento orgânico e psíquico. Confiará em mim, exporá situações de sua vida privada que não me é permitido revelar a ninguém (salvo por estrito dever legal).

Sou apaixonado pela mensagem da cruz. O meu Deus é aquele que se transforma em um igual e vive a vida que eu vivo, incluindo a sua pior faceta (que, espero, jamais viverei). E o faz por amor. Deixa de ser Deus para ser homem e morrer anonimamente uma morte vergonhosa (ao contrário dos quadros, os crucificados eram despidos completamente), dolorosa; no lugar de um ombro amigo e de uma mão segurando a sua no momento final, apenas escárnio da multidão e o acompanhar impotente de poucos amigos e de sua mãe.

Seu amor me obriga a receber o paciente como ele(a) vem, em uma atitude terapêutica em que ouvir primeiro é essencial, saber o que falar, quando falar, porque falar e como falar uma obrigação. Substituir o ato médico executado desta forma por um discurso chavão, pasteurizado, é um insulto ao Seu amor e um testemunho a pessoa que sofre da minha insensibilidade ao seu sofrimento...Nada mais contraditório, nada mais anticristão.

Somente o discurso que nasce da empatia com o(a) outro(a) (e para isto é necessário escutá-lo(a)), honesto, compromissado com seu sofrimento, sem ofertas fáceis e mágicas, compreendendo e aceitando a dureza da vida, e oportuno segundo a necessidade que o(a) leva até o médico será realmente evangelizador, testemunho do amor dEle e da capacidade de transformação (não das circunstâncias da vida, sejam econômicas ou sociais, mas do modo de vida e da capacidade de confessar-se um pecador) do Evangelho. O contrário é um insulto, a ele(a) e ao Evangelho do Senhor.

O mistério dos ateus criacionistas da Terra Jovem

Foi um bocado interessante ver os dados da recente pesquisa Datafolha sobre a crença em Deus e a aceitação da teoria da evolução no Brasil. Não sei quanto a vocês, mas o resultado geral me pareceu mais digno de ser considerado boas novas do que más notícias: a proporção de pessoas que vê pelo menos algum espaço para a evolução em seu universo mental é bem superior por aqui do que nos EUA, por exemplo. Levando em conta o que se conseguiu em educação científica lá e cá, é uma boa surpresa. Mas resta um mistério e, sinceramente, não faço a menor ideia de como explicá-lo: o que poderíamos chamar de ateus criacionistas da Terra Jovem. Ou seja: os 7% dos ateus que disseram concordar com a frase "Deus criou os seres humanos de uma só vez praticamente do jeito que são hoje em algum momento nos últimos dez mil anos".
Ora, essa é justamente a definição de um criacionista da Terra Jovem, crente na narrativa bíblica de Adão e Eva, ou algo similar. Quase tão maluco quanto isso é o fato de que 23% dos ateus concordaram com a frase "Os seres humanos se desenvolveram ao longo de milhões de anos a partir de formas menos evoluídas de vida, mas com Deus guiando esse processo de evolução". Como alguém se diz ateu e ainda assim acha que Deus participa da evolução (sem falar dos que acreditam em Adão e Eva) é algo que me escapa.
O teólogo Eduardo Cruz, da PUC-SP (aliás, ferrenho defensor da teoria da evolução, embora religioso), chegou a propor, na mesma edição, uma hipótese sobre o fenômeno: "O que pode se supor é que o grosso da população brasileira forme suas opiniões não nos jornais, nos cultos ou na escola, mas a partir de uma vaga consciência cristã-católica tradicional que ainda pervade nossas mentes. Valeria o mesmo para os ateus? É claro! Se fosse pelos líderes, tipo Richard Dawkins, poderia se esperar que 100% das respostas seriam C [ou seja, evolução sem 'ajuda' de Deus]. Só 56% o indicaram."
Faz sentido, mas outro ponto importante é que certas questões são filosoficamente complicadas demais, nuançadas demais, para que seu conteúdo seja capturado por pesquisas de opinião. O que significa "Deus guiando" o processo evolutivo, por exemplo? Criar condições no "setup" do Universo para que a vida se desenvolvesse, por exemplo, é "guiar"? É preciso intervenção direta? A intervenção direta precisa ser "detectável"?
Convido o leitor a especular sobre esse divertido e profundo paradoxo nos comentários.
Escrito por Reinaldo José Lopes às 20h18

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Definição de ateísmo

Em minhas discussões com ateus, eles argumentam que “não possuem crença em Deus”. Argumentam que isto é diferente de dizer que não acreditam em Deus ou de afirmar que Deus não existe. Não estou certo da melhor forma de responder a esta questão. A mim, parece que estão fazendo um jogo tolo de palavras que, na verdade, têm o mesmo significado – eles não creem em Deus. Qual seria uma boa resposta a esta questão? Obrigado, Steven...

Dr. William L. Craig, responde:

Seus amigos ateus estão certos no sentido em que há uma importante diferença lógica entre crer que Deus não existe e não possuir a crença de que Deus existe. Artigo completo

sábado, 17 de abril de 2010

E se o cristianismo fosse ilegal?

"Lembro-me de ter visto um adesivo que dizia: 'se o cristianismo fosse ilegal, haveria evidência suficiente para condená-lo?'. Naquela noite eu tive um sonho verdadeiro, e fui convocado à presença de um juiz.

A acusação tinha um caso contra mim. Eles iniciaram oferecendo ao juiz dúzias de fotos onde eu comparecia à igreja, falava em eventos religiosos, participava de orações e louvor. Após, ofertaram  como evidência livros religiosos que eu lera, seguidos por CDs religiosos e botons. Aceleraram o passo e revelaram a corte alguns poemas, textos e anotações de diário que eu escrevera sobre fé. Então, para terminar, a acusação torceu a faca que brilhantemente estavam usando na ferida, oferecendo minha bíblia ao juiz.  Um livro bem encapado, rabiscado, anotado, cheio de desenhos e todo sublinhado - evidência, se fosse necessária, que eu havia lido e relido este livro sagrado.

Durante a apresentação, eu fiquei sentado, tremendo, com medo, impregnado de suor. Sabia, do fundo do coração, que com aquelas evidências contra mim, prisão, ou mesmo a morte, era uma forte possibilidade. Em muitos momentos, eu estivera, por um fio, a levantar e negar Cristo. Mas enquanto esta ideia me assombrava, resisti a tentação e mantive-me centrado.

Após a acusação ter encerrado seu caso, o juiz inquiriu-me se havia algo que desejava acrescentar, mas permaneci em silêncio e resoluto, aterrorizado que, caso abrisse minha boca, seria suficientemente fraco para negar as acusações contra mim. Sou, então, levado enquanto o juiz analisa meu caso.

Após cerca de uma hora, sou novamente convocado de volta a sua presença para ouvir o veredito e a minha sentença. O juiz entrou na sala, ficou defronte mim, olhou profundamente nos meus olhos e declarou: 'das acusações apresentadas eu o declaro inocente'.

'Inocente'. Meu coração para. Então, numa fração de segundo, meu medo e terror são transformados em confusão e raiva. Apesar de mim mesmo, permaneci à frente do juiz e exigi que explicasse porque era inocente das acusações com todas as evidências apresentadas.

'Que evidências?', ele perguntou chochado.

Comecei apontando os vários poemas e as anotações no diário, mas ele simplesmente disse que elas mostravam que eu tinha jeito com as palavras.

Então, falei dos encontros onde discursara, nos cultos que participara e nas conferências que assistira.

Mas novamente ele sorriu simplesmente e disse-me que eram evidências de ser um orador público e com tendências a ator, representando ser o que não era - nada mais. E acrescentou que aquelas bobagens jamais poderiam me condenar.

O sonho termina com ele olhando-me nos olhos, como se informasse de um grande segredo, a muito esquecido: 'a corte é indiferente as suas leituras bíblicas e idas à igreja; não há preocupações em adorar com a boca e com a caneta. Permaneça desenvolvendo sua teologia e pintando telas de amor. Não temos interesses em artistas igrejeiros que usam seu tempo criando imagens de um mundo melhor. Nós existimos para aqueles que desistem da própria vida de modo semelhante ao de Cristo para criar um mundo como aquele.' "

traduzido de How (not) to speak of God, de Peter Rollins, pag 124-5

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Ciência como religião

Eduardo Ribeiro Mundim

Em texto recente (1), concordei com Euler R Westphal que a ciência ocupa o espaço da religião. Baseado emr outro autor (2), pretendo dissecar um pouco mais esta afirmação.

Segundo ele, o que une todas as religiões "é o esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência de que a vida faça sentido" (pg 8). Dar sentido significa explicar, dar um esquema de pensamento sobre algo, tornar algo aceitável e compreensível. Frente ao mistério da existência busca-se um sentido. Provavelmente todo ser humano, ao longo de sua existência, pelo menos uma vez se perguntará "de onde eu vim?", "para onde eu vou?", "a morte é tudo?". Estas questões são tão sérias que a biologia tem uma subárea específca, o evolucionismo, que se propõe a responder, como pode, a primeira questão. Estas questões são tão sérias que o homem dedica parte de sua atividade racional, objetiva e supostamente imparcial para analisar algo que não se transformará em produto comercializável, não será vendido, não subsidiará diretamente medicamentos... mas dará uma resposta. A teoria da evolução, neste particular, é um exemplo do que ele afirma ao final da página 11: "o que ocorre com frequência é que as mesma perguntas religiosas do passado se articulam agora, travestidas, pormeio de símbolos secularizados".

Segundo a psicanálise, o ser humano é "um ser em falta". Governado e estimulado pela permanente certeza de que algo lhe escapa permanentemente através dos dedos, sem saber exatamente o que é. Portanto, dá-se a isto o nome de "desejo". E desejo é aquilo que não se tem no espaço e no tempo vividos. Por serem seres racionais, portanto capazes de se tornar independentes das necessidades imediatas do corpo, os seres humanos constroem mundos diferentes conforme o local que habitam, repletos de construções e realizações que não são necessários ao corpo (pinturas, histórias, leis), ao qual se chama cultura. Mas mesmo ela não retém aquilo que se esvai pela mão fechada...

Neste contexto, onde o espanto pela própria existência inexplicável e o desejo nunca satisfeito tensionam a existência, surge o discurso religioso que "...pretende fazer com as coisas: transformá-las,de entidades brutas e vazias, em portadoras de sentido, de tal maneira que elas passem a fazer parte do mundo humano, como se fossem extensões de nós mesmos" (pg 28) e "a religião aparece como a grande hipótese e aposta de qeu o universo inteiro possui uma face humana".

Há mais de dois mil sistemas religiosos ao longo do globo. Três são, aparentemente, hegemônicos, ainda que estejam subdivididos em centenas de subgrupos: cristianismo, islamismo e budismo. Quais as razões pelas quais estes se sobressaem? Não tenho competência para tentar dar uma resposta, mas Rubem Alves aponta uma direção (pg 38): respostas que funcionam, que constroem. Estas são transformadas em verdade, e as que não funcionam, em mentira. O parâmetro não é um juízo de valor, mas de praticidade. E esta praticidade reveste-se de valor moral, tornando-se verdade inquestionável, reduzindo os contraditórios a mentiras.

À medida que a atividade científica vai satisfazendo desejos, ela adquire a aura de verdade...

A atividade racional de observação, experimentação, conclusão, aplicação, questionamentos novos, nova observação, nova experimentação - num ciclo sem fim - tem se mostrado extremamente eficaz no prolongamento da expectativa de vida, no conforto progressivo, na redução do peso do trabalho, na maior disponibilidade para o lazer. Ela funciona, logo é verdadeira...

A atividade científica tornou o conhecimento mais democrático, livre de amarras éticas ou morais. Não é necessário subscrever nenhum códio específico que invada a vida íntima do indivíduo; basta apenas a legislação civil. Não é necessário crer em um ser superior, nem render-lhe culto. A atividade científica exige o chamado "ateísmo metodológico" - deuses não são levados em consideração.

Como explicar a manchete da Revista Época (3) "traídas pela medicina"? Como é possível a ciência trair? Trair é uma ação, e ciência não existe enquanto entidade, apenas como atividade humana. Portanto, o título mais preciso seria "traídas pelos cientistas da medicina". Mas, por que traídas? Trair é ser desleal, infiel. Em que os cientistas atraiçoaram as mulheres? Um conclusão honestamente equivocada pode ser taxada de infâmia? Trair também é decepcionar. Parece que expectativas além do razoável foram postas sobre conclusões científicas. Não é o que se faz nas religiões? Colocar expectativas vistas como irreais por muitos, mas como possíveis pelo que crê?

Não é uma forma de imortalidade (promessa de todas as religiões, de algum modo) a busca incensante pelo sucesso de manipulação do código genético? A clonagem? A chamada dermatologia estética não promete uma pele sempre jovem, a cirurgia plástica um corpo corrigido, a chamada medicina ortomolecular uma luta contra os agentes promotores do envelhecimento (os oxidantes)...e agora, introduziu-se a "medicina anti-idade"!

A verdade não é uma afirmativa das religiões? Mas a ciência diz que "a evolução é verdade inquestionável" (e não é, a teoria é cheia de buracos).

E as possibilidades tecnológicas trazem transformações éticas: é possível diagnosticar a falta de cérebro de uma criança no útero de sua mãe (nesta hora convenientemente chamada "feto"), portanto impedir seu nascimento torna-se possível e...desejável. A capacidade instrumental adquire o status de promulgador da ética. Não é este o espaço da religião?


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(1) Ciência e bioética: um olhar teológico - a ciência como religião
(2) Rubem Alves, O que é religião. 2ª ed Editora Brasiliense 1981
(3) http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT341671-1880,00.html

terça-feira, 13 de abril de 2010

Ciência e Bioética - um olhar teológico

Ciência e Bioética: diferentes pontos de vista

Eduardo Ribeiro Mundim*

A ciência, enquanto atividade humana, é essencial à sobrevivência desta espécie no planeta Terra. A perspectiva evolucionista aponta que foi com a tecnologia que o Homo sapiens dominou o ambiente, e tornou-se a espécie hominídea única. Mesmo os povos com o menor nível de desenvolvimento tecnológico sobrevivem lastreados pela capacidade inventiva e de solucionar problemas, a partir de alguma análise dos mesmos. E ciência é, antes de tudo, a atividade de observar, questionar, buscar respostas, novamente observar, novamente questionar e novamente buscar respostas. A princípio, é uma atividade sem fim, pois cada nova resposta propõe novas questões, incluindo se a resposta encontrada é a melhor resposta àquela questão específica.

A ciência vive da observação, da prática, do obter resultados. Uma tecnologia qualquer é ciência enquanto está sendo desenvolvida. Terminada, posta em uso, deixa de ser ciência, e passa a ser um produto desta, uma ferramenta, um recurso.

E quando observa, observa uma parte, e não o todo. Observa parcialmente porque aprendemos que trabalhar com o menor número possível de variáveis facilita o raciocínio, e, talvez, conduza a resultados mais rápidos. Observa parcialmente porque frequentemente a pergunta é objetiva e específica: o que é isto? como funciona? como produzir a ferramenta tal? como atingir o objetivo proposto? Observa parcialmente porque o meio utilizado para observar é limitado: a visão não abarca tudo ao mesmo tempo, seja uma montanha (imagem completa, mas sem detalhes) seja uma célula (riqueza de detalhes, mas sem o todo). Ao analisar um monte ele pode ser descrito na sua forma, composição rochosa, tipo de vegetação, fauna presente, microrganismos encontrados, cadeia ecológica existente, impacto sobre o clima da região em que está... O geólogo somente falará das rochas; o botânico, da flora; o zoólogo, na fauna; o biólogo, da ecologia; o microbiologista, dos germes; o meteorologista, do clima. O conhecimento do monte somente será extenso se todos os aspectos forem observados.

E quando o cientista começa com a escolha do objeto de observação, ele construirá uma hipótese, na qual usará de analogia, indução e imaginação. Certo da veracidade dela, verá desdobramentos subsequentes que não foram observados e estudados e "comprovados". Quanto mais longe de sua observação inicial, mais as conjecturas serão frutos de sua imaginação e menos de sua ciência.

E todo este processo, do objetivo ao imaginativo, é mediado pela linguagem - recurso simbólico usado para descrever a realidade por aproximação. E esta sempre parcial, condicionada ao horizonte cultural e imaginário do cientista. A realidade será sempre parcial, e será mais completa quanto mais observadores trabalharem a partir de diferentes instrumentos e áreas de pesquisa (ou, áreas de perguntas). Mas o quadro pintado não é a realidade em si, mas um retrato, e não necessariamente correto no todo, ou em partes.

A bioética compartilha da necessidade de observadores que adotam diferentes pontos de partida. Quanto mais observadores, mais questões e maior grau de riqueza da análise. Ela não pergunta "como?", mas "por que?", "com qual finalidade?", "onde leva?".

A bioética incomoda o cientista quando lhe pergunta se sua metodologia é é moral. Por exemplo, é moral inocular germes em uma pessoa para ver o que se sucede? É moral expor pessoas à radioatividade sabendo dos riscos, "para ver o que acontece"? A bioética questiona se todo conhecimento é um bem; se este suposto bem pertence a todos; se este suposto bem é seguro e traz felicidade a quantos; pergunta por democracia, por autonomia, por liberdade de crença e de vida.

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* reflexões que nascem da leitura do livro "Ciência e bioética: um olhar teológico", de Euler R. Westphal, publicado pela Editora Sinodal

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ciência e Bioética - um olhar teológico

A Ciência como religião
Eduardo Ribeiro Mundim*

A ciência moderna apoderou-se de marcas anteriormente pertencentes à religião: salvação, imortalidade, resposta as angústias da vida, busca de sentidos últimos. Na verdade, quando se fala de ciência neste contexto, há uma generalização obrigatória. E toda generalização é injusta, por afirmar que a menor parte do todo age como a maior parte; e toda generalização revela e esconde. Revela o que a maior parte faz, e esconde o que é realizado pela menor.

A Ciência não existe; existe ciência enquanto atividade humana estruturada que persegue determinado fim. A ciência nada fala; os cientistas, os profissionais que dela tiram seu sustento financeiro, é que falam ancorados na autoridade que a atividade científica verdadeiramente autônoma produz.

Ciência é um meio de entender como a natureza funciona (p.ex., o corpo dos animais), buscando obter os melhores recursos para uma vida mais confortável (p. ex., a engenharia), uma abundância (ou não-escassez) de víveres (p. ex., a agricultura e a meteorologia) e o menor desconforto ou risco ao corpo humano (medicina). É uma atividade que possibilita prever fatos (o que não implica na sua realização em todos os momentos), modificá-los quando possível e necessário.

Quando o cientista salta da observação do seu objeto de trabalho e elabora teorias que não podem ser objeto de experimentação por absoluta impossibilidade real, ele cruza a fronteira que a separa e distingue da religião. Esta prescinde de experimentação clássica, apóia-se em um conhecimento revelado no lugar de um construído, um conhecimento muitas vezes fixo e seguro, no lugar do conhecimento científico, sempre transitório e incerto.

Ao cruzar a linha demarcatória, ciência transforma-se em Ciência, cientista em líder religioso, e há uma subversão da ordem natural de cada instituto. A religião é dogmática, assertiva, não tolera divergentes (que são ora cognominados hereges, ora apóstatas); a ciência é plural, vive da dúvida e alimenta-se do contraditório, crescendo com ele. No coração desta Ciência estão os símbolos  e as estruturas religiosas.

Quando se fala do conflito ciência e religião, está-se falando do conflito Ciência e religião, já que não é possível a esta informar sobre a natureza operacional da matéria, e nem àquela confirmar o dado revelado.

Igualmente, a Ciência tende a apropriar-se da bioética, ditando-lhe os rumos, alijando do debate qualquer outro conhecimento por ela mesma sancionado; na verdade, transforma o debate (que pressupõe diferentes pontos de vista) em monólogo ou, quando muito, diálogo de dois ou três. Ao proceder desta forma, legitima-se através de um círculo vicioso - legitima-se a si mesma. A ciência, ao contrário, é legitimada pela ética quando se processa nos seus limites.

E quais são estes limites?

Infalibilidade, onisciência, onipotência e características semelhantes sempre foram atributos da divindade...

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* reflexões que nascem da leitura do livro "Ciência e bioética: um olhar teológico", de Euler R. Westphal, publicado pela Editora Sinodal

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Religiosos sul-africanos saúdam Kairós palestino

Manuel Quintero


Genebra, quarta-feira, 7 de abril de 2010 (ALC) - Em mensagem de Semana Santa, um grupo de líderes cristãos, judeus e muçulmanos sul-africanos expressou solidariedade aos cristãos palestinos e exortou-os a resistirem contra o despojo e a expulsão de suas terras.

A mensagem saudando o Kairós Palestina é um documento elaborado por cristãos e cristãs da região. Ele afirma que a ocupação militar de suas terras é "um pecado contra Deus e a humanidade", e que qualquer teologia que legitime a ocupação se afasta dos ensinos cristãos.

A mensagem sul-africana recorda as palavras de Nelson Mandela: "Nossa liberdade não será completa sem a liberdade dos palestinos" e expressa a convicção de que "a justiça chegará à Terra Santa, como chegou a nós neste rincão do sul de África".

Os líderes religiosos respaldam o chamado à resistência não violenta do Kairós Palestina, especialmente o chamado a boicotar, desinvertir e aplicar sanções "como uma maneira de exercer máxima pressão não-violenta sobre Israel para que levante a bota de opressão do pescoço dos palestinos".

O Kairós Palestina foi apresentado pela primeira vez em Belém, em dezembro, em evento assistido por representantes de igrejas de todos os continentes. Desde então, mais de 30 organismos e 1.300 cristãos palestinos referendaram o documento, que também recebeu adesões de igrejas, concílios de igrejas e cristãos de outras latitudes.

O bispo Martin Schindehütte, chefe do Departamento de Relações Ecumênicas e Ministérios em Ultramar da Igreja Evangélica Alemã, assinalou a importância do documento para a reflexão interna dessa igreja.

"Por suposto não estamos de acordo em tudo com vocês — e não teria porque ser assim. Mas estamos mais do que desejosos de advogar junto com vocês, e quanto seja possível, pelo direito de existência dos palestinos, bem como o dos israelitas, e a promover sua coexistência pacífica", escreveu Schindehütte.

Em sua resposta ao documento, o teólogo e biblista portorriquenho Samuel Pagán destacou pontos de contato com o contexto latino-americano e a teologia da libertação. Ele sublinhou que o propósito fundamental do mal, tanto na América Latina como na Palestina "é destruir a imagem de Deus que está presente em cada ser humano e em nosso contexto imediato esse mal tenta destruir a alma e o espírito do povo palestino, roubando-lhe sua terra".

O reverendo Arie van der Plas, diretor de programas da Igreja Reformada nos Países Baixos, expressou suas reservas sobre certas seções do documento que se referem à eleição e à presença do povo judeu nessa região, mas advertiu que "os textos bíblicos nunca podem ser uma desculpa ou uma razão para apropriar-se da terra de outro povo ou magoar seus direitos humanos e o direito internacional".

Mark Braverman, um conhecido psicólogo e teólogo judeu, enfatizou que o silêncio dos cristãos frente às violações dos direitos humanos por parte de Israel é um desastre para o cristianismo e a paz mundial.

"Nunca antes foi tão urgente para os cristãos ser fiéis à sua fé na busca de um claro imperativo de justiça social para o povo palestino", destacou.

O rabino Abraham Cooper, decano associado do Centro Simon Wiesenthal, vê neste documento outra tentativa de socavar o apoio a Israel nos Estados Unidos e entende-o como parte de um esforço mancomunado de teólogos e ativistas protestantes para destruir Israel.

Segundo Cooper, o centro da guerra teológica protestante contra Israel é o Conselho Mundial de Igrejas, mas advertiu que há indicações de que alguns cristãos evangélicos estão abandonando sua simpatia por Israel, o que qualificou como "o início de uma perigosa tendência".

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Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pedófilos, celibatários e infalíveis

O psicanalista Contardo Calligaris publicou no dia 1 de abril de 2010, em sua coluna na Folha de S. Paulo (disponível somente para assinantes, mas largamente reproduzido na internete), considerações lúcidas com o título "Pedófilos, celibatários e infalíveis".

Sublinha pontos importantes sobre a recente crise envolvendo padres e pedofilia:
1. toda instituição coloca a si mesma acima de qualquer consideração moral, pois seu projeto dominante é ser eterna. A Igreja Católica não é exceção (e, questiono eu, porque a Evangélica seria? temos comportamento diferente frente aos nossos escândalos, que habitualmente não frequentam, ainda, a imprensa leiga? Não falo daqueles envolvendo ditos evangélicos promotores de falcatruas - políticos, supostos pastores, etc - mas daqueles acontecimentos que ficam restritos aos nossos muros denominacionais).
2. a causa da pedofilia não está no celibato. Sua motivação mais profunda não se resolve na cama com uma mulher, pois o centro da fantasia do pedófilo é "induzir a vítima a aceitar algo que ela desconhece e não entende" - a idade é uma garantia da ignorância e do não entendimento. (Quantas pessoas que publicaram suas opiniões sobre o assunto levaram em conta este dado, pergunto eu. É sempre fácil criticar, "descer o pau" em quem é majoritário, poderoso ou destacado. Mas quantas vezes a crítica mira a si mesma, naquilo que tem de destruidor, sem preocupar em construir?)
3. portanto, propor o fim da exigência do celibato como remédio é um insulto à inteligência, uma redução da sexualidade humana ao seu aspecto animal e uma coisificação da mulher. Resumo meu da argumentação do psicanalista, escrita em outros termos.

No meio da histeria e desejo de manchetes (o que não deixa de ter algum aspecto positivo), o juízo emitido busca colocar a discussão específica nos trilhos próprios a ela, ainda que o autor o encerre com a afirmativa de que a instituição Igreja Católica trata seus membros como criancinhas, e não adultos.