sexta-feira, 31 de julho de 2009

Está na hora de repensar o testemunho evangélico

Eduardo Ribeiro Mundim

A crônica do ateu Juca Kfouri publicada no dia 30 de julho de 2009 à página D5 da Folha de São Paulo traz interessantes considerações sobre o testemunho dos cristãos evangélicos, notadamente dos atletas. O título já é provocativo: "Deixem Jesus em paz". Sua argumentação, em síntese, é:
  • violação do mandamento de usar o Nome de Deus em vão;
  • "repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes";
  • "...como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais (que quer) nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madri para contratar seu jovem marido em plena crise mundial"
  • enquanto o goleador evangélico aponta para cima responsabilizando Deus pela façanha do gol, o goleiro evangélico ...
Não é necessário concordar com toda a argumentação do articulista para dar-lhe uma boa dose de razão.

Somente a teologia da prosperidade, artimanha de Satanás para perverter toda a glória do Evangelho, sustenta a declaração atribuída à esposa do jogador (vamos assumir que alguém pudesse tecer tal comentário, apenas para raciocínio acadêmico). A mesma artimanha que fez o imperador Constantino ter a visão da cruz com o dístico "com este símbolo vencerás" (e sepultar a Palavra através do seu vinculo ao Estado).

O que Jesus nos manda testemunhar? Esta é a pergunta que cada cristão deveria fazer antes de tentar cumprir o mandamento.

Como devemos testemunhar? Segunda pergunta.

Ambas devem ser buscadas no estudo cuidadoso das Escrituras, refletindo sobre a experiência acumulada da Igreja em todas as suas ramificações, e ouvindo o mundo sobre as suas necessidades.

Não tenho visto testemunho baseado em I Jo 3:16:
- Jesus deu a Sua vida por nós
- pagou o preço do nosso pecado
- possibilitou o perdão divino para uma dívida impagável
- temos de perdoar da mesma forma que Ele nos perdoa
- devemos dar a nossa vida pelos irmãos.

Pregar que Deus cuida dos seus em detrimento e através do sofrimento dos não-cristãos contraria a graça comum e Seu amor universal, fazendo-O egoísta como nós.

Pregar que a aceitação do Senhorio de Jesus é caminho para a felicidade é negar a cruz que Ele disse que seus discípulos carregariam, insultar a memória dos apóstolos e mártires e transformar o Evangelho em transação comercial.

Juca é uma pedra que esta clamando: este testemunho não me serve, porque fala de um deus que não é diferente do homem!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Colunista diz que ateísmo não é incompatível com a moral religiosa

Cidade do Panamá, quarta-feira, 29 de julho de 2009 (ALC) - "Não temos porque seguir mantendo a crença popular de que o ateísmo não tem moral", escreveu, recentemente, o colunista Ruling Barragán Yáñez, do diário A Imprensa, num artigo que gerou polêmica.

O ateísmo, arrolou, não é incompatível com a moral de diversas religiões e nem é possível pensar que um indivíduo não-religioso é, a priori, moralmente inferior a um crente, basta ver a conduta de fanáticos e fundamentalistas susceptíveis ao ódio por motivos religiosos.

De igual modo, existem humanistas desapegados de qualquer credo religioso, argumentou.

O articulista, com doutorado em filosofia pela Universidade de Saint Louis, Estados Unidos, propõe o assunto como tema que os próprios filósofos não conseguiram resolver por mais de 2,5 mil anos. Ele explicou que o ateísmo não é essencialmente uma teoria moral, senão uma concepção do mundo.

"Para o ateísmo, a inexistência de Deus é um assunto independente da moral. Por isso, a rejeição ou negação da existência de Deus não implica necessariamente uma rejeição ou negação da moral. De acordo com o ateísmo, a moral é algo que basicamente recai no que pensam e decidem os seres humanos entre si", afirmou.

Yañez lembrou que existem religiões que não afirmam a existência de Deus, ou de seres supranaturais, como é o caso do zen budismo, do taoísmo e, em especial, do confucianismo, que podem ser consideradas tecnicamente como "cosmovisões ateístas". Mesmo assim, todas essas concepções religiosas elaboraram sistemas morais, ou ao menos, um apreciável conjunto de idéias de tipo moral, expressou.

O ensaísta, vencedor do prêmio Lorde Acton - Espanhol 2002 por sua pesquisa intitulada Dez breves teses sobre a educação e o Estado, enfatiza que qualquer que tenha estudado um pouco da ética das religiões "poderá notar sem dificuldade que, apesar de suas divergências, muitas delas convergem em concepções éticas fundamentais. O perdão, a caridade, a justiça e a solidariedade são valores éticos sustentados por diferentes religiões e que também são admitidos na moral do ateísmo".

Para muitos seguidores de uma religiosidade, a religião não é tanto um assunto de dogmas ou rituais, senão formas de vidas em que se experimenta uma profunda e incomparável paz interior, a qual se expressa naturalmente na busca da harmonia e do entendimento do mundo.

"Aqui, os dogmas e os rituais são mais ou menos dispensáveis; o fundamental é a espiritualidade – uma ética vivida – não um conjunto de dogmas ou práticas que têm pouca ou nenhuma eficácia", destacou.

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terça-feira, 28 de julho de 2009

Feridos em nome de Deus

Eduardo Ribeiro Mundim

Este é um livro instigante. Já foi acusado de ser oportunista, um modo de fazer dinheiro; de ser repetir à exaustão um tema já conhecido.

Quero discordar. Comprei e li pausadamente - sendo um livro pequeno, não se demora a chegar ao final.

Na minha opinião, reflete sobre um fato que nós evangélicos não costumamos pensar; e quando o faz, é de modo crítico, enriquecendo com pontos de vista de outras pessoas, entre psicólogos e pastores. Reflete sobre um fato que nós evangélicos não costumamos pensar enquanto abuso - na verdade, usamos qual adjetivo?

A autora conceitua abuso espiritual como o encontro entre uma pessoa fraca (emocionalmente abalada, carente, necessitando de segurança por um período de tempo prolongado, buscando ser cuidada de modo infantil por Deus ou por Seu substituto suposto) e outra forte quando esta usa o nome de Deus para influenciar aquela a decidir de modo que se diminua física, material ou emocionalmente.

Os ingredientes do abuso espiritual são:
1) a palavra do pastor transforma-se em palavra literal da boca do próprio Deus
2) o desfrute de benefícios pessoais por parte da pessoa forte, sejam eles emocionais, sociais ou financeiros
3) uma visão de uma obra que é superior às necessidades do indivíduo

O abuso é fruto de uma série de distorções, que contrastam fortemente com as características iniciais da Reforma Protestante; Dentre outras, ele é marcado por:
- liderança inadequada (personalista, isolada, com padrão ético questionável, autoritária e massificada)
- liderança sem formação bíblico-teológica formal e ampla
- liderança que se assume como ídolo (intermediária entre o fiel e Deus, mistificada e portadora/fonte de poder)
- distância entre fé e prática
- apresentação da vontade de Deus como algo fixo; a desobediência a ela traz castigo imediato
- apresentação da vontade de Deus como um segredo que é revelado, extrabiblicamente, a servos escolhidos
- transformação das Escrituras em um "manual do fabricante", fonte de receitas certas para cada detalhe da vida do cristão, e não somente a norma ética-teológica

Mas as características distintivas da Reforma sâo:
= a salvação se manifesta através de uma vida aprovada
= o estudo diligente das Escrituras é estimulado
= não há mediador entre Deus e o homem, a não ser Jesus Cristo, e não há mediador entre o homem e Jesus
= todos os cristãos têm função no corpo de Cristo
= a vida do cristão caracteriza-se por ser uma vida de serviço ao próximo
= o bom pastor é aquele que se torna gradativamente desnecessário

A autora declina pelo menos três diferentes tipos de abuso. A criação de uma atmosfera de medo do pastor, o despertar e o alimentar de sentimento doentio de culpa e a pregação de novas doutrinas.

Apesar do abusador ser ele mesmo vítima de uma série de fatos (que ele poderia ter procurado auxílio profissional para compreender e lidar de modo saudável), o fiel que tinha uma imagem idealizada rompe drasticamente com ele quando o descobre um ser humano normal. Alguns abandonam a comunidade de fé e outros a própria fé.

O líder que se torna um abusador não erra sozinho. Muitos fiéis infantilizados o chamam e o colocam na posição de ídolo. Contudo, a quem cabe a maior responsabilidade: ao que detém o poder ou àquele enfraquecido?

O Cuidar no entardecer da vida

Em breve estará disponível o livro "O cuidar no entardecer da vida" (www.livrodebioetica.blogspot.com). Até onde é do meu conhecimento, trata-se do primeiro livro sobre bioética escrito por evangélicos brasileiros.
Aborda:
- reflexões em bioética, fé cristã e qualidade de vida no contexto de uma visão da fé cristã - Dr Romeu Maffei Jr
- a fé como meio de tratamento - Dra Soraya C F Dias
- envelhecer: um processo - Dr romeu Maffei Jr
vivências físicas, sociais e espirituais no envelhecer - Dr Fabio Ikedo
- qualidade de vida e envelhecimento - Dra lara M Q Araújo
- a compreensão do paciente na terminalidade - Dr Lincoln Miyasaka
- o processo de morrer e alguns dos seus nomes - Chin An Lin, Dr Joaquim E Vieira e Dr Marco Segre

domingo, 26 de julho de 2009

A gripe suína e suas relações-lições

Eduardo Ribeiro Mundim

Após algumas semanas, a gripe suína, ou influenza H1N1, vai caindo na rotina. Sua mortalidade, até agora, parece ser menor que a da gripe comum. Informação verdadeira, mas que precisa de cautela na sua interpretação: a mortalidade é pequena, mas o que ocorrerá se milhões forem infectados?

No seu início, circulou pela internet a foto de uma criança “beijando” um porco, com a legenda “Assim começou a gripe suína”. Logo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou o nome, para poupar o comércio de carne suína. A transmissão não se faz por meio da carne de porco, mas a associação da carne com uma doença transmissível afetaria os negócios, sem dúvida.

O que não foi divulgado de modo amplo é como o vírus foi relacionado àquele animal. Segundo a repórter especializada Laurie Garret, em artigo publicado há dois meses,1 o H1N1 é um vírus que carrega em si partes do código genético de três vírus: um humano, um suíno e um aviário. Ou seja, o vírus tem uma alta capacidade de mutação, de se transformar em outro, a partir daquilo que ele encontra no ambiente. Na sua evolução, a interação entre humanos e animais, potencializada pelo confinamento de grande quantidade de animais em áreas reduzidas, desencadeou um novo vírus (o atual), que já circulava há alguns anos, mas em locais isolados. A famosa gripe espanhola, de 1918, que matou estimados 100 milhões de pessoas em 18 meses, era uma variante do H1N1 que havia sido transmitido do homem para o porco e deste retornado.

Hoje a facilidade de locomoção contribui para a disseminação de qualquer doença transmissível, em questão de horas. É o preço de nossa atual sociedade: produção de alimentos de origem animal em escala industrial (um ambiente favorável à evolução de diversos vírus, no qual circulam funcionários muitas vezes mal pagos e sem equipamentos de segurança individual), associada à nossa capacidade de rápida circulação.

E como respondemos a isto? Os governos devem informar, sem disseminar pânico (sempre indesejável); medidas protetoras devem ser tomadas, sem gerar preconceito. Mudaremos nossos hábitos de viagem? Reduziremos o consumo de carne na tentativa de reduzir o número de animais confinados?

Nos Estados Unidos houve uma onda de xenofobia contra os mexicanos, supostamente a origem da atual epidemia. Contudo, o vírus foi isolado pela primeira vez em solo norte-americano. Como os cristãos de lá se comportaram? Como os profissionais cristãos especializados em infectologia e epidemiologia transmitiram informações?

O que fez o México, uma economia que não está nas melhores situações? Fechou escolas, locais públicos, proibiu eventos. Houve queda de arrecadação por parte do governo e queda de rendimentos nos locais turísticos, entregues às moscas. Quantas vidas foram salvas porque o governo mexicano decidiu que pessoas são mais importantes que negócios?

A Copa Libertadores da América ficou maculada pela recusa do São Paulo em ir ao México, e a COMEBOL lavou as mãos, como se não fosse problema seu. Agora, o Cruzeiro vai a Buenos Aires. Dois pesos e duas medidas...

Quais as possíveis causas de diferentes letalidades entre diversos países? Uma delas é a capacidade do Estado de proteger seus cidadãos (medicina preventiva) e de tratá-los com eficiência. O Estado pratica a boa medicina preventiva quando provê saneamento básico a todos, nutrição adequada e qualidade de vida.

Curiosamente, segundo a revista “Radis”,2 a OMS não incentiva o uso de antivirais genéricos, mas apenas aqueles comercializados por duas gigantes farmacêuticas. Houve até uma tentativa internacional de classificar os medicamentos genéricos como “falsificações”...

Em questões de saúde, o desnível tecnológico ameaça vidas. Pouquíssimos países têm a capacidade de rápido reconhecimento de novos vírus, e o Brasil não é um deles. O medo norte-americano de terrorismo biológico atrasou o reconhecimento do que ocorria no México. Não é à-toa que o Brasil propôs recentemente que os sequenciamentos genéticos de vírus sejam declarados patrimônio mundial.

Além da tarefa de eleger seus líderes, a sociedade deve se informar melhor (precisamos de repórteres habilitados, experientes, bem pagos), discutir mais (por meio de fóruns de discussão com moderação equilibrada, com capacidade de síntese) e agir corretamente (mesmo que isso implique em perda de pequenos ou grandes luxos do dia-a-dia) -- se não quiser ser responsável pelo seu auto-holocausto.

Notas
1. www.newsweek.com/id/195692
2. www4.ensp.fiocruz.br/radis/82/02.html


publicado em http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=5&registro=1089

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Mercado e a alma


Rubem Amorese

Confesso minha confusão, minha dificuldade em compreender o coração pós-moderno. Incluindo o meu.

O que tem me intrigado é a mistura de uma fé saudável com recursos espirituais inusitados.

Veja como nos presenteamos hoje em dia. Nada mais gostoso e legítimo que dar presentes. Vejo aí a graça da graça. No entanto, com o surgimento das listas de presentes de noivos, das "vaquinhas" dos amigos para dar um presente melhor, das cartas a Papai-Noel, dos comerciais em que a mãe diz que, no seu dia, não vai aceitar nada menos que o produto anunciado, começo a ver desaparecer o encanto da graça inesperada, a singeleza da lembrança pessoal e significativa.

Vejo, em vez disso, pessoas decepcionadas porque não receberam o que haviam pedido. Vejo gente obrigada a dar algo do mesmo valor (leia preço) daquilo que recebeu em outra ocasião. Vejo crianças exigindo e adultos encabrestados pelas datas criadas pelo comércio, em que o presente é "commodity" e o presentear se transforma de graça em obrigação.

Tenho ficado confuso, também, com o efeito do consumo sobre a alma. Há alguns anos, o consumismo era sinônimo de mundanismo. De repente, parece-me que as críticas se desvaneceram. Como se um vagalhão tivesse submergido inclusive os críticos. Consumir passa a ser uma exigência da cidadania. E surgem as autoridades recomendando à população que compre, pois esse gesto preserva os empregos em tempos de crise. Como resultado, o cidadão cheio de sacolas, num "shopping", passa a ser visto como um agente econômico. E o crente não precisa ser diferente. Ele não é consumista -- é consumidor, é gerador de postos de trabalho. Mesmo que compre aquilo de que não precisa ou mais do que poderá consumir. O ato de comprar se transforma, então, no próprio consumo.

Quando esse fenômeno chega à alma, confunde-se, por seu poder gratificante, com a própria oração. Comprar acalma. Clareia a mente. Espairece. Diverte. E de repente, ao perceber minha alma entediada, ou mesmo atribulada, vou às compras e adquiro algo bem bonito. Chego em casa feliz, dizendo que "me dei um presente" porque eu merecia. Se percebo que posso encontrar resistência a esse tipo de terapia, trago presentes para os de casa também.

Não quero imaginar que o coração evangélico pós-moderno tenha deixado de confiar em Deus ou tenha apostatado de sua base doutrinária. Não saberia dizer. No entanto, desconfio que algo esteja acontecendo na área da saciedade. Talvez tenhamos perdido a capacidade de nos satisfazer em Deus. Talvez a correria da vida nos impeça de entrar no quarto e ficar mais tempo com aquele que vê em secreto (bastariam, talvez, as mesmas horas que gastamos comprando). Com isso, Deus permanece em nossa mente sendo o que sempre foi. Porém, o poder de gratificação de sua presença pode estar desaparecendo.

Seria o caso de chamar esse fenômeno de "efeito mamon"? De qualquer forma, é hora de buscar, novamente, a presença de Deus, fazendo nossa alma ali sossegar, "como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe" (Sl 131.2). E assim, saciados, poderemos fazer compras e dar presentes, sem problema algum.


Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos. ruben@amorese.com.br

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2427&secMestre=2449&sec=2473&num_edicao=319

terça-feira, 14 de julho de 2009

Povo bakairi pela lei Muwaji

Caro Deputado Luiz Couto:

 Meu nome é Edson Bakairi sou líder indígena do meu povo  Bakairi e  reconhecido por outros povos indígenas aqui no Mato Grosso. É em nome destes que venho respeitosamente  colocar-me  a favor da Lei Muwaji que admite a existência do infanticídio de crianças indígenas e propõe formas de combater essa tradição que em nada beneficia aos povos indígenas.Antes de tudo quero relatar brevemente minha história. Eu fui uma vítima desta crueldade, mas sobrevivi, oxalá outros pequeninos tivessem a mesma sorte que eu para poder contar suas histórias, infelizmente são raros.Minha querida mãe, sofreu forte pressão de meu pai, que não aceitava a gravidez por desconfiar que não era dele a criança, por falta de apoio e em desespero, no momento do parto ela se retirou para a mata e ao nascer  tentou tirar minha vida enforcando-me e pendurando-me com cipós nas àrvores. Minhas irmãzinhas  foram orientadas a  me enterrrarem, mas  não tiveram coragem, ao me ver coberto de sujeira  e de insetos, mas com vida, lutando com  todas as  forças que o Criador me deu, ao invés de me sepultarem com vida, elas me esconderam e cuidaram de mim até convencerem minha mãe. Mais tarde ela me aceitou e me protegeu contra o ódio que me pai alimentou por mim por longo tempo. Mas com o tempo ele também me aceitou e me tornei um filho amado por ambos. Caro deputado esta história de horror tem se repetido em muitas aldeias, lamentavelmente há poucos sobreviventes ou testemunhas com coragem ou condições para relatar. Mas acredite-me isso é real, não é invenção. Essa é a realidade de muitas aldeias ainda. Poucas pessoas vêem isto, e infelizmente aqueles que poderiam confirmar ou combater essa tradição tem se omitido covardemente e convenientemente se escondido  por trás de argumentos antropológicos que na minha opinião só são válidos e servem  para quem os criou, os antropólogos. Contudo os  argumentos a favor da vida, quais sejam a LEI DOS DIREITOS HUMANOS e outros documentos que asseguram o direito a vida não foi criado por cientistas ou por uma parcela da sociedade, ela é UNIVERSAL e deve ser respeitada e nós indígenas, e as criancinhas indígenas que nascem com pequenas deficiências ou sofrem de outro tipo de rejeição, somos dignos e merecemos viver e desfrutar de todos os direitos conferidos a humanidade.  Para sua informação, no ano passado conheci uma senhora da etnia Caiapó que ao saber de minha história admitiu que salvara 4 crianças de sua aldeia de serem mortas. Veja só, Senhor Deputado,   apenas uma  mulher,  numa só aldeia  de um só povo! 4 crianças que estavam destinadas a morte! Ela, uma  viúva, afirmou corajosamente que iria salvar tantas crianças quanto pudessem, por que isto não é bom. Não é bom, e se apenas os indígenas pudessem ser esclarecidos e  ouvidos, com certeza se posicionariam a favor desta lei que protege as crianças que um dia serão a futura geração do povo indígena e a força que pode mudar a história  de sofrimento, massacre, despojo  e desapropriação dos povos indígenas...  Diante destes fatos venho clamar em favor das crianças, por que EU FUI UMA CRIANÇA QUE SOBREVIVEU PARA LUTAR PELA VIDA NÃO SÓ MINHA MAS A DE TODOS OS INDÍGENAS ameaçados, indefesos.  Crianças que não tem voz, que não tem quem interceda ou traduza sua dor e sua vontade de viver. respeitosamente
 
Edson-Kulewâra Bakairi
lider e professor
cursista de especialização do 3o. grau indígena-UFMT

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Pastor propõe cura à intolerância e ao preconceito

Salvador, quinta-feira, 9 de julho de 2009 (ALC) - A Igreja Batista Nazareth, de Salvador, Bahia, usou texto do pastor Gelson Piber em editorial para apontar a intolerância como injustificável sob a luz da teologia cristã e da fé da igreja.

"A intolerância tem cura?" – indaga o editorial ao se reportar à obsessão que muitos têm com a sexualidade alheia, como propostas de "cura" para a homossexualidade. "Por que não há uma preocupação em curar aqueles que são intolerantes, preconceituosos, violentos?"

Igrejas e cristão passam tempo demais obcecados com questões da moral sexual, "mas pouco temos falado contra as muitas formas de violência e preconceito", disse Piber em pregação proferida no tempo da Igreja Batista Nazareth durante culto da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

Na análise do pastor da Igreja da Comunidade Metropolitana, assumida pelo editorial da Batista Nazareth, é tempo de dizer de forma clara: "quem é intolerante, ainda que cuide de ser religioso, não é de forma alguma cristão".

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quarta-feira, 8 de julho de 2009

TABU - Caso raro de trigêmeos entre ianomâmis mobiliza aldeia na Amazônia

Reportagem de Fabiana Parajara, Agência O Globo (02/07/2009)

SÃO PAULO e MANAUS - O nascimento de trigêmeos na aldeia ianomâmi de Ariabú, em Maturacá, no Amazonas, em meados de junho, foi motivo de apreensão entre os profissionais da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsáveis pela saúde dos índios da região. Crianças gêmeas concebidas por índias dessa etnia costumam ser vistas como fonte de azar para a aldeia, de acordo com a tradição ianomâmi. Para eles, os gêmeos têm a 'alma partida', e representam o bem e o mal. Como não dá para saber qual criança representa o mal, ambas são sacrificadas por abandono, sufocamento ou envenenamento. Bebês com deficiência física têm o mesmo destino. As mulheres ianomâmi são encarregadas do trabalho pesado, e não podem cuidar dos crianças com algum tipo de deficiência.

No caso dos trigêmeos, o desfecho foi diferente. Na aldeia de Ariabú, o tabu do sacrifício de crianças de 'alma partida' parece ter sido quebrado. O próprio pai insistiu em ficar com os bebês. E toda a comunidade já se dispôs a ajudar o casal na criação das meninas, que foram concebidas naturalmente, e nasceram de cesariana no Hospital de Guarnição, em São Gabriel da Cachoeira. Os bebês e a mãe, a índia Danila, agora estão na Casa de Saúde do Índio em Santa Izabel do Rio Negro e a alta deve ocorrer em duas ou três semanas. Além da ajuda da comunidade, a Funasa também vai mandar uma técnica em enfermagem para a aldeia.

" Foi muita sorte. Se tivessem nascido em outra tribo, elas talvez não tivessem chance "

- Se as meninas tivessem nascido entre os ianomâmi de Roraima, por exemplo, dificilmente teríamos conseguido atendê-las. Lá as tradições são preservadas. Mas as tribos do Amazonas são diferentes. A mãe das trigêmeas, Danila, até rejeitou uma menina que estava mais fraquinha, mas o pai insistiu que queria a criança e todas estão sendo bem cuidadas. As crianças vão para a aldeia assim que ganharem um pouco mais de peso - explicou Joana Claudete Schuertz, da Funasa de Roraima, responsável pelos índios ianomâmi da Amazônia. Segundo a funcionária da Funasa, a mãe tem outros sete filhos.

- Certamente ela vai precisar de ajuda e vamos acompanhar de perto. Mas o pai e o restante da família se comprometeram a ajudar - diz Joana, que afirmou ser o primeiro caso de trigêmeos que ela conhece entre os ianomâmi.

Joana diz ainda que as crianças estão bem e receberam muitas doações de fraldas e roupas.

- Foi muita sorte. Se tivessem nascido em outra tribo, elas talvez não tivessem chance - diz Joana, referindo-se ao tabu ianomâmi.

Casos como o da aldeia Ariabú, em que toda a comunidade rompe com tradições milenares, são ainda uma exceção entre os ianomâmi. Não há dados precisos sobre infanticídio entre tribos brasileiras, mas sabe-se que a maioria dos casos de morte de crianças com menos de um ano entre os ianomâmi acontece por esse motivo.

Em algumas tribos, os pais decidem enfrentar todo o grupo para quebrar o tabu e salvar os filhos, já que o sacrifício de crianças acaba provocando depressão no casal e, no limite, até casos de suicídio. Em março, uma menina ianomâmi da Amazônia, de um ano , vítima de hidrocefalia, também foi motivo de polêmica entre médicos e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A criança foi internada com tuberculose e pneumonia, além da hidrocefalia, e foi mantida internada no hospital contra a vontade da família.

Os pais e a Funai pediam que o bebê fosse levado de volta à aldeia, apesar do risco de ela não resistir sem tratamento adequado. Segundo os pais, ela deveria ser tratada pela medicina indígena. Havia ainda o medo de a menina ser sacrificada por conta do problema. A Funai recorreu à Justiça, assegurando que ela não seria sacrificada e afirmando que os direitos dos índios estava sendo desrespeitados.

A Justiça negou a volta à aldeia, mas determinou que a criança fosse transferida para uma unidade de Saúde mais próxima da tribo. Desde abril, ela também está na Casa de Saúde do Índio de Santa Izabel do Rio Negro. Apesar de ter uma saúde frágil, a criança tem todo o acompanhamento médico necessário e a família está por perto na Casa de Saúde. Foi outro final feliz.

fonte: http://vozpelavida.blogspot.com/2009_07_01_archive.html#7173851758510355327

terça-feira, 7 de julho de 2009

A Pós-Modernidade e o Pensar Pastoral no Brasil

Bispo Robinson Cavalcanti (¬)

INTRODUÇÃO
Toda divisão histórica tem um quê de artificial, embora seja necessária, útil e inevitável, em sua finalidade metodológica e didática. Trabalhamos com um entendimento que a Igreja viveu uma Pré-Modernidade, da Antiguidade à Pré-Reforma, passando pelo medievo, das catacumbas à Cristandade, em uma cosmovisão com um Cristo débil, santos e anjos importantes e demônios poderosos, e uma Modernidade, vista como um período histórico vivido entre a queda de dois muros: o da Bastilha e o de Berlim. Nesse segundo período tivemos a Reforma e o Iluminismo, o Racionalismo, o Positivismo, o Marxismo e o Existencialismo, a desafiar a tarefa evangelística e a tarefa apologética. Ambas foram eras de certezas. A primeira a partir do monoteísmo de revelação e a instrumentalidade da instituição eclesiástica vinculada ao poder político, e a segunda a partir da autoridade antropocêntrica da razão.

 

Foram quase dois mil anos de lutas entre certezas, entre convicções sólidas, entre verdades.

 

É claro que, nos dias de hoje, há gente vivendo em estágios primitivos, pré-modernos, modernos e pós-modernos, simultaneamente, em seus isolamentos ou integrações espaciais e/ou territoriais.

 

Cada época cabe à Igreja conhecer o seu tempo e conjuntura, discerni-los, interceder por eles e participar dele em sua missão. O evangelismo não se faz separado do polemismo e do apologismo.

 

A Modernidade, como concepção hegemônica de mundo, realmente se foi (ou está indo), com o desabar dos seus mitos fundacionais: o da bondade natural, o do progresso, o do saber racional/científico e o das utopias globais. O mundo se fracionou e se relativizou. Em um certo sentido, os tempos de hoje são similares àqueles da Igreja Primitiva, com a globalização imperial romana, cultural grega, seu politeísmo, suas especulações e seus cultos de mistério.

 

Para a minha geração tem sido uma experiência difícil o perceber que todo o nosso esforço apologético caducou e virou apenas referência histórica, e que estamos desafiados a começar tudo de novo. Mas, como disse, o estudo do mundo mediterrâneo dos primeiros séculos pode servir de ajuda.

 

O pensar cristão não pode – nem deve – separar teoria de prática. De pouca valia é o saber meramente especulativo, e é totalmente sem sentido o que propõe alguns líderes hoje, quando afirmam que o mundo está cansado de doutrinas, o que ele quer é coerência na prática. Mas, você vai praticar o que? A partir do que? Qual é o "programa de governo" existencial que deve ser cobrado coerência? Em uma dimensão, a prática cristã é de natureza pastoral: o acompanhar as ovelhas na caminhada da nova vida em Cristo.

 

Como anglicanos, temos um modo de fazer teologia, em que as Sagradas Escrituras são a base, que pode ser auxiliada em sua compreensão e aplicação (exegese e hermenêutica) pela Tradição, como acúmulo do consenso histórico, a Razão, como senso comum e como senso sistemático filosófico e científico e pela Experiência, da vida de cada fiel e de cada comunidade de fé. Por outro lado, temos um legado mais antigo, de um Cranmer ou um Hooker, temos os autores contemporâneos, e temos um conteúdo docente muito rico, representado pelos documentos de estudo e pelas resoluções das Conferências de Lambeth. Mas não podemos apenas importar, fora do tempo e do espaço, esse conteúdo, diante do desafio da inculturação, que nos exige o conhecimento da história, da literatura e da cultura onde nos inserimos.

 

O Espírito Santo faz o seu trabalho nas mentes e corações de cada um de nós, mas, desde Jerusalém, tem falado de modo especial quando nos ajuntamos, quando pensamos como um Corpo, uma coletividade dos santos. Daí a importância dos Concílios e dos Encontros Teológicos.

 

Também não podemos cair na armadilha da falsa dicotomia entre a docência teológica e o labor pastoral, como se os pensadores não funcionassem como pastores, e como se os pastores não fossem pensadores, apesar de termos que nos defrontar, como desvio, com a petulância intelectual de um lado, e o anti-intelectualismo do outro.

 

Qual é o tempo de hoje na Igreja, na Igreja no Brasil e no Brasil da Igreja?

 

Não somos xenófobos, nem isolacionistas ao que de bom possa vir de qualquer lugar. Mas não dá para fomentar a esterilidade intelectual pela mera importância acrítica de pacotes forâneos, e pacotes oriundos sempre do mesmo lugar.

 

O passado fecundo das Igrejas evangélicas no Brasil, e o nosso potencial de hoje, devem ser levados em conta, se queremos ser inculturados e relevantes.

 

(I)

Creio que devemos destacar alguns aspectos positivos da Pós-Modernidade: houve a derrubada da "deusa razão" do seu pedestal, uma redução da arrogância intelectual do racionalismo, o fim do otimismo das utopias de construção humana, uma nova abertura ao caráter multidisciplinar e interdisciplinar das pesquisas, uma percepção do ser humano muito mais do que um mero "caniço pensante", mas multidimensional em sua composição, além de um "retorno do sagrado". Esses aspectos são positivos, devem ser levados em conta.

 

Mas, os aspectos negativos, por sua vez, são muito fortes: o multiculturalismo, o pluralismo absoluto, o relativismo, e, particularmente, a crença que a verdade não existe, ou se existe não é objetiva, mas subjetiva (subjetivismo), a verdade de cada um. Mas se cada um tem a "sua verdade", a verdade não existe. Tudo é verdade  e nada é verdade.

 

Isso tem concorrido para a ideologia do Secularismo.

 

O monoteísmo é considerado um mal, porque propõe um Deus que se pretende exclusivo, que exclui os outros deuses, e isso geraria a intolerância.

 

O monoteísmo é ligado à ideia de revelação, de um Deus que se comunica; que comunica conceitos e preceitos; que comunica verdades. Então, havendo verdade, há, por outro lado, erros. Isso seria terrível...

 

Como ser pastor em um contexto desses?

 

Mas, seriam as pessoas influenciadas pela Pós-Modernidade já a maioria? Creio que não. Vamos ter que ministrar a pessoas que vivem em um estágio de superstições e crendices, de idolatria, de esoterismo, de sincretismo, de uma religiosidade popular difusa, os nominais, os ateus, agnósticos e indiferentes, digamos, "clássicos". Eles, no caso do Brasil, e do Nordeste do Brasil, são, sem dúvida, a grande maioria.

 

Mas, a fatia da classe média, cada vez mais secularizada, globalizada, pós-modernizada, tende a crescer, via a mídia, a academia, a internet, as viagens, os discursos governamentais, a universidade. Consumistas, materialistas práticos, sofisticados.

 

Mas, seriam os de mente pós-moderna apenas, ou principalmente, os de fora, a serem evangelizados, e que careceriam de uma apologética e de uma estratégia evangelística própria? Creio que não. Há essa dimensão, sim; mas, não tão forte no Brasil. A luta maior, eu creio, se faz no interior da própria Cristandade, com o Liberalismo Revisionista adotando os paradigmas da Pós-modernidade, destruindo dois mil anos de história, e atacando os que defendem o legado apostólico (e, no nosso caso, reformado) da Igreja.

 

(II)

A tarefa pastoral é permanente. Por um lado, os pastores devem, por meio de textos contemporâneos de Política, Economia, Antropologia, pela Literatura e pelas Artes, e pelo jornal do dia, estar sintonizados com o seu tempo e o seu contexto. Assim ele entenderá melhor a si mesmo, as suas ovelhas, bem como os obstáculos e as possibilidades da missão.

 

As pessoas não vivem em um vácuo. Isso também inclui o desenvolvimento de um senso crítico em relação aos "pacotes", principalmente os importados, que não devem nem ser aceitos, nem adotados em bloco, mas examinados e retido o bem. Não se deve demonizar a nossa cultura, nem santificar as culturas forâneas. Somos seres em contexto e servimos a seres em contexto.

 

Isso também se aplica à nossa compreensão do texto das Sagradas Escrituras, e dos textos que procuram entendê-las no passado e no presente. Como entender e aplicar o texto, sem que o mesmo seja aprisionado pelos contextos?

 

Todos nós corremos o risco do etnocentrismo, que é ver o passado pelos olhos do presente, e ver o mundo pelos olhos do nosso lugar. Daí as distorções e preconceitos. Buscamos uma pastoral inculturada em uma missão inculturada.

 

O contexto, a conjuntura, o povo, constituem a pauta do nosso trabalho, mas não a fonte última das nossas convicções. Nem o culturalismo moderno, nem o multiculturalismo pós-moderno.

 

Partimos de um monoteísmo de revelação e de um monoteísmo de encarnação. Temos a Palavra viva, que é Jesus Cristo, a partir de quem discernimos todas as coisas, mas não o conhecemos senão pela Palavra Escrita, pelas Sagradas Escrituras. Essas Escrituras e a fé nesse Cristo foram entendidas e vivenciadas por séculos, por atos e textos, no que chamamos de Tradição da Igreja. Não se pode receber as Escrituras e a Tradição estaticamente, repetitivamente, nem se pode simplesmente ignorá-las, inventar a roda de novo, a partir de zero.

 

Pensadores têm denunciado a distorção protestante posterior, capturada pelo individualismo burguês, moderno e capitalista, de uma fé radicalmente individual, subjetiva, que trocou o livre exame de livre acesso em livre interpretação, trazendo o caos institucional que conhecemos hoje. A fé não é minha, ela é a fé da Igreja, fé revelada, fé recebida, fé sistematizada, fé partilhada, fé transmitida.

 

Além da conjuntura, a tarefa pastoral nos leva a uma abertura para a contribuição de uma Filosofia Humanista e de descobertas no campo da Psicologia, da Psiquiatria e da Psicanálise. Porque o saber teológico, científico e filosófico são apenas métodos para o acercamento do que existe. A Criação e a pessoa de Cristo nos conduz para além do coletivismo e do individualismo, mas para a pessoa humana, pluridimensional, com a sua dignidade intrínseca e com os seus pecados.

 

Alguém já disse que nada mais prático do que uma boa teoria. O pastor é um ser pensante, que pastoreia a partir do pensar teológico, pois somos e fazemos o que pensamos. Denunciamos os riscos de uma pastoral pragmática e macetocêntrica.

 

O ser a quem ministramos – juntamente conosco mesmo – integra uma comunidade de fé, comunidade que deve ser terapêutica e não patogênica. O desafio pastoral se dá no crescimento no Corpo, e no processo de cura-santificação-crescimento-amadurecimento, quando, pelo Espírito Santo, via Comunidade (organismo-organização), Palavra e Sacramentos, vamos sendo moldados à imagem de Cristo, o varão perfeito.

 

(III)

Gostaria de insistir na lembrança do calibre intelectual dos missionários pioneiros do protestantismo no Brasil, bem como da liderança brasileira no primeiro século da nossa história, e sua participação política e cultural, embora fôssemos uma minoria. A fundação dos colégios e universidades evangélicas, as publicações, bem como o legado da Confederação Evangélica (1934-1964), atestam essa tradição intelectual e engajada. Essa tradição honra os Pais da Igreja e os Reformadores, quando evangelização, reflexão teológica, pastoral e engajamento são dimensões inseparáveis da nossa missão.

 

Temos sofrido, desde o regime militar, o crescimento do fundamentalismo, uma maior presença do pensamento ultraconservador norte-americano e o surgimento do pseudo(neo)pentecostalismo, de uma lamentável tendência anti-intelectual. Algo danoso e um retrocesso. Há o anti-intelectualismo do literalismo, o anti-intelectualismo do emocionalismo das revelações particulares, e o anti-intelectualismo da mera adoção dos macetes.

 

É urgente a recuperação de uma visão positiva do pensar e do saber, com o desafio para uma retomada da produção teológica de raízes latino-americanas.

 

Compreendo, também, que a arrogância intelectual, descomprometida e meramente especulativa, quase sempre de caráter herético, dos meios liberais concorre para esse preconceito, ou serve de preceito para os que promovem esse preconceito.

 

Devo, a essa altura, compartilhar outra preocupação.

 

Somos, no geral, um continente credal, aqui incluída a Igreja de Roma. Como protestantes, temos sido, no geral, um continente confessional. Em nosso caso brasileiro, por um século e meio, temos nos movido dentro da tradição evangélica ou evangelical, que incorpora a credalidade e a confessionalidade, adicionadas as ênfases no evangelismo, na conversão e na santidade. Fomos, durante muito tempo, uma contracultura nesse País.

 

Hoje, é evidente que vivemos uma crise, marcada pela presença do pseudo(neo)pentecostalismo (que não considero nem evangélico, nem protestante), com a teologia da prosperidade e da batalha espiritual. O Liberalismo moderno (incluindo a Teologia da Libertação) tem declinado ou formado guetos. O macetismo, seja fundamentalista, seja modernoso, tem concorrido para paralisar a criatividade local. O fracionamento institucional e o coronelismo eclesiástico são uma tragédia, em si mesmos, nos levando mais para o conceito de seitas do que de Igrejas.

 

Mas, a Pós-modernidade tem trazido suas próprias ondas, com o secularismo, o liberalismo revisionista e a agenda GLSTB, como avassaladoras pororocas, levando tudo e a todos de roldão. Aí surge uma geração intelectualmente fragilizada pelo legado negativo das gerações imediatamente anteriores, e ávidas por respeitabilidade, por aceitabilidade. Ninguém quer ser considerado "ultrapassado", "reacionário", ou "homofóbico". Daí a evidente e inegável crise de uma parcela expressiva da liderança protestante brasileira.

 

Líderes se autoflagelam por terem sido evangélicos, e vão em um processo crescente de abjuração, deixando os paradigmas evangélicos e incorporando os paradigmas pós-modernos. O século vai ditando a sua agenda e modo de pensar, em um evidente "mundanismo". Instituições que sugiram e tiveram a sua história ligada ao evangelicalismo e, nosso continente, vão se descaracterizando, adotando um pluralismo ou uma inclusividade ilimitada.

 

Para a maioria que se considera evangélica, a sensação de um vazio, uma sensação de orfandade. Esses ex-evangélicos (alguns dos quais não tiveram a coragem de romper formalmente com a sua antiga identidade), embora numericamente poucos, estão crescendo, e crescendo, também, em influência, porque muita gente ainda não se apercebeu do que está acontecendo, e porque não se está elaborando alternativas de um evangelicalismo que seja fiel ao passado e relevante ao presente.

 

É uma instituição de uma Diocese Anglicana de forte identidade evangélica quem promove esse evento, e quem desafio para o exercício de uma ortodoxia fecunda e verde-e-amarela.

 

CONCLUSÕES

O grande desafio teológico e pastoral da pós-modernidade é que passamos a viver uma era de incertezas. Parafraseando, podemos afirmar que tudo que era sólido parece estar se desmanchando no ar. O monopólio militar e ideológico dos Estados Unidos e o oligopólio econômico de um punhado de nações euro-ocidentais já não se afiguram tão sólidas diante da crise econômica global. A americanização cultural do mundo vai encontrando resistências, inclusive radicais. O ecossistema revela uma terra enferma. Diante da falta de alternativas válidas para o pensamento único, a saída, para muitos, parece ser o hedonismo: alcoolismo, drogas, consumismo, ou seja, "comamos e bebamos, porque amanhã morreremos".

 

O Estado nacional está enfraquecido diante da nova ordem internacional. Há milhões de excluídos, vivendo abaixo da linha de pobreza. Há milhões de refugiados políticos  e econômicos. A maioria do mundo não se beneficia das facilidades tecnológicas e nem do padrão de vida possível e/ou desejável.

 

O Cristianismo enfrenta um agressivo ressurgimento das religiões antigas do oriente, particularmente do Islã, que, pela imigração, está dentro das nossas fronteiras. O esoterismo e o ocultismo parecem preencher o vazio deixado pelo materialismo dialético, e não preenchido pelo materialismo prático. No Ocidente, ex-cristão, o Secularismo vai tomando conta dos governos, da academia, da mídia, das artes, transformando o Estado Laico em Estado anti-religioso, e, particularmente, anticristão.

 

Os cristãos vão sendo expostos ao bombardeio dessas propostas anticristãs, agressivas ou sutis. Não se pode ignorar essa realidade, nem enfiar a cabeça na areia, como avestruzes. Enquanto isso os valores éticos, inclusive no campo da família, da afetividade e da sexualidade vão sendo abandonados. Há uma crise de modelos e uma crise de autoridade. Baixou sobre o mundo o "espírito de Coré". Internamente, a Igreja é atingida pela fragmentação (crise de unidade) e pelas heresias (crise de verdade). O Corpo parece dilacerado e uma nau sem comando em mar revolto.

 

Não é a primeira vez que a Igreja enfrenta "tempos trabalhosos", e não será, ainda, a última, até o retorno triunfal do Senhor.

 

Toda essa realidade nos desafia ao exercício da fé, a serenidade, a confiança no Senhor da História e Senhor da Igreja, enfim, na Providência. O refúgio no fundamentalismo ou no misticismo alienante e mágico nunca será a solução. Sucumbir ao charme do Liberalismo já tem se demonstrado ser um "caminho de morte".

 

Por sua vez, como no milagre da ressurreição de Lázaro, Jesus se reserva o exercício de devolver a vida, mas não de tirar a pedra pesada diante do túmulo, deixando essa tarefa para as pessoas. Temos que continuar a esperar em Jesus o milagre, mas, no que nos cabe, ir tirando as pedras.

 

A polêmica (enfrentamento interno) e a apologia (enfrentamento externo) são tarefas de todas as gerações. Mas, o martírio, também, é um risco, ou um preço, de todas as gerações.

 

O nosso pensar pastoral deve, então, priorizar respostas para uma era de incertezas, sem cair nas falsas certezas, mas devolvendo a verdadeira certeza ao coração dos fiéis, individualmente e em conjunto, para que o Corpo sadio seja uma comunidade terapêutica, melhor habilitada para cumprir a Grande Comissão.

 

Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje, amanhã e eternamente. Ele prometeu estar conosco até a consumação dos séculos. Ele soprou sobre nós o Espírito Santo, que transforma, consola, equipa e outorga poder. Ele nos agraciou com dons e vocações. Ele é o caminho a verdade e a vida. A Sua palavra é a verdade, e Ele como Palavra viva nos tem feito chegar a Palavra Escrita, como sistematização da revelação. Os Sacramentos continuam a alimentar o seu povo, como meios de graça. A Palavra não volta vazia. Há poder em sua Palavra.

 

Respondamos aos desafios da nossa era de incerteza com uma Espiritualidade Integral, que inclui, de forma inseparável, Adoração, Reflexão e Ação. Respondamos aos desafios da nossa era de incertezas com uma Missão Integral, que inclui Proclamação, Ensino, Comunhão, Serviço e Profetismo.

 

Dentro de um espírito de simplicidade e humildade, continuamos a anunciar a mensagem do novo nascimento e da transformação de vida, de compromisso com os estatutos do Senhor.

 

Vivamos, também, o presente de olho no futuro histórico e no futuro pós-histórico, escatológico. Mas, é no passado histórico, na tradição apostólica e reformada, nos credos, nas confissões de fé, nos Pais da Igreja, nas decisões dos Concílios da Igreja Indivisa, onde vamos buscar as nossas raízes, para sermos o que sempre fomos, resistindo às novas intempéries, sem darmos ouvidos aos cantos de sereia do século, e/ou dos inimigos das nossas almas.

 

Mas, é pela renovação do nosso entendimento que descobrimos a vontade de Deus, honrando ao Senhor com o exercício do dom maravilhoso do pensar.

 

Há uma conjuntura diante de nós. Há necessidades, desafios e pautas diante de nós. Essa não será tarefa dos anjos, mas nossa tarefa, a de tornar o Evangelho relevante para a nossa geração, flexíveis no acidental, mas inflexíveis no essencial.

 

Ele aperfeiçoa a sua força em nossas fraquezas, desde que nos disponibilizemos.

 

À novidade da pós-modernidade respondamos, teológica e pastoralmente, não com o antigo, mas com o eterno, que, assumindo a natureza humana, habitou entre nós, cheio de graça e  verdade, e se fez cultura e se fez história.

 

Portanto, meus irmãos e minhas irmãs, trabalho, mentes iluminadas, firmeza, amor e, como afirmamos em nossa liturgia: "Corações ao Alto".

 



¬ Robinson Cavalcanti, cientista político, escritor e bispo anglicano, ex-assessor da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), foi membro fundador e integrante da Comissão Executiva da Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL), da Comissão de Convocação e da Comissão de Continuação (LCWE) do Congresso de Lausanne, da Comissão Teológica da Aliança Evangélica Mundial (WEF) e da Comissão Executiva da Fraternidade Evangélica na Comunhão Anglicana (EFAC). Palestra proferida na abertura do 1o. Congresso Internacional de Teologia Pastoral, em João Pessoa-PB.

domingo, 5 de julho de 2009

Diário de Wesley, setembro de 1736

Quinta-feira, 2 de setembro. Parti em uma chalupa, e por volta das dez da manhã de domingo cheguei em Skidoway, de onde (após ler as orações e pregar para uma pequena congregação) deixei, e cheguei em Savannah à noite.

 Segunda-feira, 13. Comecei a ler com o Sr. Delamotte o livro Pandectæ Canonum Conciliorum do Bispo [William] Beveridge [1637-1708]. Nada poderia tão eficazmente ter nos convencido de que tanto os concílios particulares quanto os gerais podem errar, e têm errado, e que as coisas ordenadas por eles como necessárias à salvação não têm força nem autoridade, a não ser que elas sejam tiradas da Sagrada Escritura.

 Segunda-feira, 20. Terminamos os Cânones Apostólicos (os quais também devo confessar que uma vez tive mais em alta conta do que devia ter), assim chamados, como o Bispo Beveridge observa, "porque em parte estavam baseados e em parte concordavam com as tradições deixadas pelos apóstolos." Mas mais adiante ele observa, (na página 159 de seu Codex Canonum Ecclesiæ Primitivæ: e por que ele não fez esta observação na primeira página do livro?) "Eles contêm a disciplina usada na Igreja na época em que eles foram reunidos, não quando o Concílio de Nicéia se reuniu, pois nesse tempo muitas partes dela eram desnecessárias e obsoletas."

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Tradução: Paulo Cesar Antunes

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sexta-feira, 3 de julho de 2009

"Há abusos em nome de Deus"

Marília Camargo César*

Jornalista relata os danos do assédio espiritual cometido por líderes evangélicos.
A igreja evangélica está doente e precisa de uma reforma. Os pastores se tornaram intermediários entre Deus e os homens e cometem abusos emocionais apoiados em textos bíblicos. Essas são algumas das afirmações polêmicas da jornalista Marília de Camargo César em seu livro de estreia, Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão), que será lançado no dia 30. Marília é evangélica e resolveu escrever depois de testemunhar algumas experiências religiosas com amigos de sua antiga congregação.


ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?
Marília de Camargo César – Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferid a por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.

ÉPOCA – O que você considera abuso religioso?
Marília – Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele diz: "Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso el e está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa". Então, essa mulher pede um conselho e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, que tem melhor reputação.

ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?
Marília – As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais (não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista), que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do "ungido de Deus". É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus Cristo é o único mediador. Mas o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes de sua vida, você precisa dele. Se você recebe uma oferta d e emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar com aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa de sua vida. E ele está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.

ÉPOCA – Você afirma que não é só culpa do pastor.
Marília – Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho. A grande crítica de Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo suas decisões de adulto, que são difíceis, para a figura do pai ou da mãe, substituí­dos pelo pastor e pela pastora. O pastor virou um oráculo. Assim é mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para culpar pelas decisões erradas.

ÉPOCA – Quais são os grande s males espirituais que você testemunhou?
Marília – Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do diabo. Há pastores que afirmam que a terapia fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem de ser forte. E dizem isso apoiados em textos bíblicos. Afirmam que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que, com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele.

ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?
Marília – Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.


ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?
Marília – Os abusos não acontecem da noite para o dia. No primeiro momento, o fiel idealiza a figura do líder como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida da pessoa. O fiel, por sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher ou porque arrumou um emprego. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para legitimar essas práticas.

ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica...
Marília – É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. O pastor evangélico vi rou um papa, a figura mais criticada pelos protestantes, porque não erra. Não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. Mas é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma, e eu concordo com ela.

ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?
Marília – Eu não acho. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.

ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso.
Marília – Desconfie de quem leva a glória para si. Uma boa dica é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como querer ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que se discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado .
REPORTAGEM de Kátia Mello, Revista ÉPOCA, 29 junho 2009 /N.580,pg. 69-70.
*Marília de Camargo César, 44 anos, jornalista, casada, duas filhas. Editora assistente do jornal O Valor, formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero .Seu livro de estreia é Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão

Fonte:
http://zelmar. blogspot. com/2009/ 06/ha-abusos- em-nome-de- deus.html