quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Reações 3: Está na hora de interromper as peregrinações ao Oriente Médio

Querido irmão,

A chamada terra santa (não sei porque este nome) não depende de movimentos humanos para que as mudanças aconteçam. Na região existem coisas que só Deus pode mudar. Qualquer movimento do tipo vá ou não vá é uma posição perigosa.

Não concordo com tanta violencia, nem lá nem em outro lugar, mas posso lhe dizer que o mundo estará mais violento em 2009 do que foi o ano passado, e na terra santa(?) as coisas estarão ainda piores até que venha o Pacificador?

Reações 2: Está na hora de interromper as peregrinações ao Oriente Médio

Meus comentários ao longo do texto..

.... É verdade... Jesus deixou bem claro que não é num monte que Deus deve ser adorado, mas em espírito e em verdade.

..... Mas também com relação a isso, creio que há uma ruptura quando Paulo diz que somos "peregrinos e forasteiros", portanto a nossa pátria não é daqui. Ainda que possamos nutrir o desejo de conhecer nossas origens, creio que nos basta o que Deus quis inserir na Sua Palavra.

.....Pois é, a fé em Jesus Cristo não requer evidências externas. A Palavra de Deus é suficiente, como bem declararam os reformadores.


.....Você acha que é com o dinheiro do turismo que Israel se arma para a guerra?! O que entra com o turismo é mu ito pouco para esse fim. Por outro lado, aqui no Brasil, nossos impostos são desviados para causas excusas, muitos roubam o dinheiro para causas sociais e nem por isso deixamos de pagar o que nos é cobrado, inclusive porque a Bíblia nos ordena que honremos as autoridades, independente de quem elas sejam.


.... Podemos até nos silenciar para as pessoas, mas para Deus nossas orações e súplicas devem ser constantes. Não podemos nos deixar por influências políticas, sociais, armamentistas ou de qualquer outra natureza . Abraço e feliz ano novo pra ti...... Marcos

Reações 1: Está na hora de interromper as peregrinações ao Oriente Médio

Prezado Eduardo

Este é o primeiro email que recebo de você sobre a situação envolvendo Israel e os árabes palestinos. Quando o Hamas e outros grupos terroristas estavam atacando Israel, você nunca escreveu nada. Agora, como um Ricardo Gondim em festa com a turma da Ultimato, você aparece numa atitude de boicote a Israel.

Sugiro-lhe visitar o irmão ...... e subir os morros do Rio para conhecer o que é violência.

Minha esperança é que, vendo os grandes problemas de segurança pública no Brasil, você não tenha tempo de opinar impensadamente sobre as medidas de segurança de Israel para a sua própria defesa.

Mas se você continuar com tais pensamentos, logo a revista Ultimato o chamará para escrever artigos ali.

Nunca fui a Israel, mas no que se refere à vida humana, a esquerda é literalmente doente. Todo esquerdista merece manicômio. Eles deploram quando Israel reage a terroristas, mas matam sem o mínimo remorso bebês em gestação. Eles salvam da pena de morte assassinos perigosos, mas condenam os inocentes a uma cruel pena de morte por meio da eutanásia e do aborto.

Graças à minha visão cristã na Bíblia, sou um coerente. Sem a Bíblia como forte suporte, é impossível ter tal coerência.

.......

A Vingança da Ilusão

"O que caracteriza e marca a ilusão não é sua oposição à verdade, mas o menosprezo que demonstra diante das condições da realidade, levada por sua atenção exclusiva ao mundo dos desejos."

Frase importante de Morano, que diz algumas outras coisas que desejo destrinchar. Ilusão e verdade não são, necessariamente, autoexcludentes. Ilusão aqui é definida como aquilo que recusa a enxergar além de si mesma. E olhar além de si mesmo não significa autonegação, mas a aceitação de que a realidade a transcende; a ilusão está contida na realidade, e não o contrário. A ilusão se torna ilusão quando somente enxerga o desejo, e nega o mundo no qual o desejo tem a única chance de deixar de ser desejo e tornar-se fato.

Quando Freud analisou a religião partiu de um ponto de vista materialista e positivista. Ele fez uma escolha metodológica e uma escolha filosófica, e toda escolha implica em uma não-escolha, a do rejeitado. E o único critério real é o desejo de que a opção seja a minha, tenha significado para mim, esteja inscrita no meu desejo.

Psicanalistas posteriores a Freud viram na religião "a experiência de uma confiança básica e inata na vida". O campo do ilusório como "uma dimensão essencial do psiquismo humano que cumpre funções de vital importância para seu desenvolvimento e amadurecimento...a necessidade da ilusão como domínio em que a pessoa pode se expressar de um modo fundamental".

A ilusão é o campo onde o subjetivo e o objetivo se encontram, em diálogo permanente. E como todo diálogo, pode ser frutífero ou infrutífero. No primeiro caso, o subjetivo aceita o questionamento da realidade, ao menos como matéria de reflexão, permitindo-se modificar-se, ou não; ou, partindo para atitudes que tentam transformar a realidade segundo a subjetividade. Diálogo infrutífero quando, na verdade, não há diálogo entre as partes, mas apenas teimosa onipotência da ilusão em afirmar-se como toda a realidade.

Dentro da ideia do diálogo frutífero, a ilusão "pode ser concebida como um modo de trânsito para a realidade e não como  um simples impedimento a experimentá-la".

A oração sincera é, portanto, um descortinar-se perante o Outro, abrindo-se consciente e inconscientemente, expressando tanto desejos infantis quanto adultos, tanto a necessidade de onipotência (que tem de ser transformada em aceitação da não-onipotência), quanto os desejos de transformação da realidade, seja interior (em direção a um padrão moral mais exigente) seja exterior (uma sociedade mais justa e fraterna, por exemplo).


(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Está na hora de interromper as peregrinações ao Oriente Médio

Aliás, por que deveríamos ir a assim chamada "terra santa"?

 Não acreditamos em graças advindas automaticamente de atitudes. Diferentemente do islamismo, onde o fiel obrigatoriamente deve ir a Meca ao menos uma vez na vida, nem remotamente no cristianismo há mandamento semelhante. Também não acreditamos em espaços sagrados, enquanto tabu.

 Mas somos históricos. Nossa interpretação bíblica leva em conta a gramática e a história. Somos Igreja porque descendemos, espiritualmente, dos apóstolos que nos legaram a fé. Somos evangélicos porque nascemos do movimento histórico da Reforma no século XVI.

 Faz parte da psicologia humana a busca pela origem, o fascínio pelo começo. Nos documentos  que nos identificam as origens estão lá, expostas a todos: pais, cidade, nação. A posse destas informações é um dos fatores que nos constituem como indivíduos, que nos torna, cada um isoladamente, ser único, sem igual no universo.

 Os locais históricos, sejam pessoais ou coletivos, são evidências não subjetivas que nos falam de nós mesmos, quem somos, a quem pertencemos. Atrevo-me a dizer que esta é uma razão para as visitas ao Oriente Médio. Ver onde tudo se desenrolou, há centenas ou milhares de anos. Consolidar a fé através de evidências externas (que, com tal objetivo, são bastante frágeis).

 Pois está na hora de interrompermos as peregrinações a Israel. Por que, devido às razões acima, vamos injetar dinheiro em um país comprometido com a lógica da guerra? Não vou discutir aqui as razões históricas, políticas, sociológicas (ou o que seja) - mesmo porque me falta a competência necessária. Mas vou questionar as razões para continuarmos a suportar Israel com o dinheiro do turismo religioso quando ele não dá outra resposta à questão palestina que o uso da força bruta. Confortável minha posição, criticando um país que não é o meu, sentado na tranquilidade e segurança do meu lar. Mas meu conforto é perturbado pelas cenas de morte e destruição dos últimos ataques israelenses à faixa de Gaza. Minha capacidade de pensar não pode ser paralisada pela minha tranquilidade.

 O que podemos fazer além de orar? Protestar em frente aos consulados e embaixada israelenses, à representação palestina; escrever cartas aos respectivos governantes e àqueles que suportam a carnificina de ambos os lados...e parar de visitar nossos locais histórico-sagrados em solo israelense até que haja paz. Nossa presença em tempos como este provavelmente funciona subliminarmente como apoio à política de estado atualmente em curso, mesmo que seja o contrário. Nossa ausência, ao menos uma razão para se questionarem o por quê; um protesto, não necessariamente silencioso, com viés econômico. A efetividade? Não sei... Mas a quem servem nosso silêncio e nossas visitas solenes e devotas?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Diário de Wesley, Janeiro de 1737

Sábado, 1º de janeiro de 1737. Nossas provisões ficaram escassas, já que nossa viagem foi mais longa do que esperávamos, mas tendo um pouco de carne de urso assada (isto é, secada ao sol) [que tínhamos reservado para uma ocasião como esta], a cozinhamos e ela nos pareceu uma comida saudável [embora não muito agradável]. No dia seguinte chegamos no assentamento dos montanheses escoceses em Darien [cerca de 20 milhas de Frederica]. Um povo sensato, habilidoso, cordial e hospitaleiro, cujo ministro, o Sr. McLeod, é um homem sério, determinado e, espero, piedoso.


Na noite de segunda-feira deixamos Darien [numa canoa longa e estreita] e, na quarta, dia 5, chegamos em Frederica. A maior parte daqueles com quem nos encontramos estava, como já esperávamos, fria e insensível: não encontramos ninguém que tinha conservado seu primeiro amor. 'Ó, lança Tua luz e Tua verdade, para que elas possam guiá-los! Não deixes que outra vez eles sigam suas próprias imaginações!' 

Após ter me esforçado inutilmente neste local infeliz por vinte dias, no dia 26 de janeiro [ao meio-dia] dei meu último adeus a Frederica. Não foi por receio de que algum perigo pudesse me acontecer (embora minha vida tivesse sido ameaçada muitas vezes), mas uma total desesperança de melhorar a condição daquele lugar, o que me deixou satisfeito com o pensamento de não vê-lo mais.


A caminho de casa, tendo obtido um renomado livro (As Obras de Nicolau Maquiavel), pus-me a cuidadosamente lê-lo e considerá-lo. Comecei com uma predisposição favorável acerca dele, tendo sido informado de que ele tinha muitas vezes sido mal compreendido e apresentado de forma muito inadequada. Examinei cuidadosamente as opiniões que eram menos comuns, transcrevi as passagens nas quais elas estavam contidas, comparei uma passagem com outra, e tentei formar um julgamento moderado e imparcial. E meu julgamento moderado é, que se todas as outras doutrinas dos demônios que já se comprometeram em escrever desde que o alfabeto foi inventado fossem reunidas em um único volume, estaria ainda faltando este, e, que se um governante moldasse a si mesmo por este livro, que tão tranqüilamente recomenda a falsidade, a traição, a mentira, o roubo, a opressão, o adultério, a prostituição e o assassinato de todos os tipos, Domiciano ou Nero seriam um anjo de luz comparado a esse homem.


Tradução: Paulo Cesar Antunes

Portal dos Metodistas Online - http://www.metodistasonline.kit.net/

Capturado em 17/12/08

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As 95 teses de Lutero

Com um desejo ardente de trazer a verdade à luz, as seguintes teses serão defendidas em Wittenberg sob a presidência do Rev. Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes, Mestre de Sagrada Teologia e Professor oficial da mesma. Ele, portanto, pede que todos os que não puderem estar presentes e disputar com ele verbalmente, façam-no por escrito.

Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Amém.

1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.

2. Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).

3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.

4. Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.

5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.

6. O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoados os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações, a culpa permaneceria.

7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.

8. Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.

9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.

10. Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.

11. Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.

12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.

13. Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.

14. Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais quanto menor for o amor.

15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.

16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.

17. Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror devesse diminuir à medida que o amor crescesse.

18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontrem fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.

19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza disso.

20. Portanto, por remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.

21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.

22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.

23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.

24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.

25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.

26. O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.

27. Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].

28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, pode aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.

29. E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas, como na história contada a respeito de São Severino e São Pascoal?

30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.

31. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.

32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.

33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Ele.

34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.

35. Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência, estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristão.

36. Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência.

37. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.

38. Contudo, o perdão distribuído pelo papa não deve ser desprezado, pois – como disse – é uma declaração da remissão divina[2].

39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar simultaneamente perante o povo a liberalidade de indulgências e a verdadeira contrição.

40. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, ou pelo menos dá ocasião para tanto.

41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.

42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.

43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.

44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.

45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.

46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.

47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.

48. Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (assim como tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que do dinheiro que se está pronto a pagar.

49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.

50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extorquem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.

52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.

53. São inimigos de Cristo e do Papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.

54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.

55. A atitude do Papa necessariamente é: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.

56. Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.

57. É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.

58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.

59. S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.

60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem estes tesouros.

61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos especiais, o poder do papa por si só é suficiente.

62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.

63. Mas este tesouro é certamente o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam os últimos.

64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é certamente o mais benquisto, pois faz dos últimos os primeiros.

65. Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.

66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.

67. As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tais, na medida em que dão boa renda.

68. Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade da cruz.

69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.

70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbidos pelo papa.

71. Seja excomungado e amaldiçoado quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.

72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.

73. Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,

74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram fraudar a santa caridade e verdade.

75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.

76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa.

77. A afirmação de que nem mesmo São Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o Papa.

78. Dizemos contra isto que qualquer papa, mesmo São Pedro, tem maiores graças que essas, a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da cura), etc., como está escrito em I. Coríntios XII.

79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.

80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes sermões sejam difundidos entre o povo.

81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil nem para os homens doutos defender a dignidade do papa contra calúnias ou questões, sem dúvida argutas, dos leigos.

82. Por exemplo: Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas –, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?

83. Do mesmo modo: Por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?

84. Do mesmo modo: Que nova piedade de Deus e do papa é essa que, por causa do dinheiro, permite ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, mas não a redime por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta por amor gratuito?

85. Do mesmo modo: Por que os cânones penitenciais – de fato e por desuso já há muito revogados e mortos – ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?

86. Do mesmo modo: Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?

87. Do mesmo modo: O que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à plena remissão e participação?

88. Do mesmo modo: Que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações cem vezes ao dia a qualquer dos fiéis?

89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências, outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?

90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e fazer os cristãos infelizes.

91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.

92. Portanto, fora com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo "Paz, paz!" sem que haja paz!

93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!

94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno.

95. E que confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança da paz.

[1517 A.D.]

segundo http://www.espacoacademico.com.br/034/34tc_lutero.htm



sábado, 13 de dezembro de 2008

Oração e Onipotência

A realidade está em constante conflito com  o desejo. Realidade é tudo que reporta aos limites, a impossibilidade de ter todos os anseios realizados, ao fato de termos uma origem, às vicissitudes do desenvolvimento e, em última análise, a morte. A criança tenta, a todo custo, não enfrentá-la. Para tal, supervaloriza suas próprias ideias, sentimentos e afetos. Nesta perspectiva, adulto é aquele que abriu mão dos seus sentimentos de onipotência infantis.

 Esta necessidade de onipotência, do ponto de vista do nosso aparelho inconsciente, é transferida para o pai e para a figura da deidade. Deus é aquele que existe, em algum lugar, com a imortalidade, com o todo-poder e com o todo-saber. O diálogo com ela, então, garante a quem ora o contato com aquele que encarna o desejo da criança por afastar-se da realidade. E mais, a capacidade de influenciá-la a ponto de ter os desejos satisfeitos. A oração se torna um recurso mágico frente às imprevisibilidades, tanto do mundo exterior, quanto dos próprios sentimentos enterrados nas profundezas da alma.

A crítica freudiana é aplicável a todos os fiéis? Pouco provável, sejam estes cristãos ou não. Não é inútil repetir o preconceito subjacente desta crítica desde o seu nascedouro. Contudo, mesmo não sendo verdadeira para todos os crentes, o é para muitos. E pode ser tomada como crítica ou como alvos do crescimento espiritual.

Mas o Deus bíblico é aquele que não permite a fuga da realidade, mas faz questão que seus filhos a encarem e a vivam em plenitude. A realidade da perseguição, da solidão, das dificuldades ordinárias do cotidiano é ofertada a todos, e o autor de Hebreus, no capítulo 11, faz um longo discurso a respeito da "certeza das coisas que se esperam, e da convicção dos fatos que não são vistos" e daqueles que viveram a fé dentro desta realidade. São chamados de "homens dos quais o mundo não era digno".

"Agrada-te do Senhor e Ele satisfará aos desejos do seu coração" não é uma promessa de inviolabilidade, de onipotência ou conforto permanente, mas de refrigério ocasional. E Jesus, que foi torturado e morto, ao qual adotamos como Senhor, viveu esta promessa na sua integralidade. Assim como nós devemos fazer...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Criacionismo e Evolucionismo nas Escolas

No dia 06 de dezembro de 2008, a Folha de S Paulo publicou, na página A3, seção "Tendências / Debates", duas posições distintas sobre o ensino do criacionismo nas escolas em aulas de ciências. A primeira, da autoria  de Charbel Niño El-Hani, biólogo, mestre e doutor em educação, professor da Universidade Federal da Bahia e Estadual de Feira de Santana".," o segundo, de Christiano P. da Silva Neto, mestre em ciências, professor universitário, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa da Criação (www.impacto.org.br).

 O professor Charbel intitulou sua opinião "educação e discurso científico" e a iniciou com as seguintes palavras: "em minha visão, a resposta à questão aqui proposta deve ser 'não'  - mas com importantes qualificações."

 Declara ser importante a tomada clara de posição e evidenciar o que está em jogo, no lugar de usar argumentos com intenção proselitista. Para ele, o professor não deve ignorar a diversidade de visões de mundo representadas em sua sala de aula, sejam cristãs ou não. As diferentes perspectivas sobre fenômenos que a ciência explica devem ser discutidas. Por outro lado, não deve ser perdida o objetivo do ensino de ciências, que é ensinar o conhecimento científico tal como atualmente é aceito, O respeito às diferentes tradições não pode eclipsar o contrato estabelecido entre escola / professores / alunos.

 O professor deve explorar as ideias discordantes, explorar os diversos discursos humanos, distinguindo entre pressupostos ontológicos (o que constitui o mundo) e epistemológicos (o conhecimento válido). O discurso científico tem caráter empírico - ou seja, suas afirmações tem de passar pelo crivo da experimentação. Por isso, seu discurso é do naturalismo metodológico. O naturalismo metafísico fala do que não pode ser testado: deuses, espíritos, etc.

 A diversidade não pode anular a legitimidade do discurso científico. E o criacionismo não tem propostas passíveis de serem testadas empiricamente. Seria desrespeitoso não levar em conta também estes aspectos.

 "A teoria da evolução e os contos de fadas" foi a escolha que o professor Christiano fez para seu texto, que se inicia com "a visão das origens que emana da religião é, obviamente, criacionista. Opositores do criacionismo tem, então, feito uso deste fato para descaracterizá-lo como científico e, assim, não permitir sua entrada nas aulas de ciência". Chama a atenção que o conceito adotado por um dos articulistas da Folha, Marcelo Leite, sobre o que é criacionismo é equivocado. Criacionismo não é "a doutrina segundo a qual Deus criou o mundo", mas o resultado de perguntas como "o que nos dizem os fatos da natureza e os resultados das pesquisas realizadas pelos cientistas (não importando suas ideologias) acerca das origens do universo e da vida? Falam eles de uma origem naturalista ou sobrenaturalista?"

 A academia é dominada pelo pensamento evolucionista, que além de impedirem o acesso do criacionismo às salas de aula, obstaculizam a publicação de trabalhos científicos. Aponta que mesmo evolucionistas não estão atribuem o status de prova científica a diversas evidências, se dispõe no endereço abpc.impacto.org/folha.htm a sustentação desta afirmativa.

 Dois fatores impulsionaram a teoria da evolução, dentre outros. A questão ideológica é uma delas, pois ateísmo e evolucionismo são simpatizantes. Vários autores evolucionistas demonstram aversão à religião. O desconhecimento da teoria das probabilidades é o outro fator. "Tivessem algum conhecimento dessa parte da matemática, saberiam que não basta imaginar acontecimentos para que eles se tornem reais". Cita como exemplo deste último os cucos, que colocam seu ovos no ninho da chiadeira, substituindo o dela. Crer que este tipo de comportamento, que se repete ao longo das décadas, é fruto do acaso, corresponde a crer nos contos de fada.

 São duas posturas diferentes. A primeira, procura demonstrar o que é o discurso científico, e neste ponto aponta uma falha no criacionismo: até agora não criou respostas que não sejam "assim Deus determinou", em um modelo análogo ao evolucionismo. O segundo, repete a tática antiga de mostrar as falhas, frequentemente ocultas, da teoria da evolução, onde, apesar de toda a racionalidade dos argumentos, é necessária fé para crer nela.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A Nada fácil vida do cristão

Apesar do avançar da hora, os presentes ao culto matutino na Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte no último dia 07, foram brindados com minutos especiais. Toda a liturgia e intervenções se combinaram com a mensagem, entregue pelo pastor José Roberto, secretário do Conselho Coordenador da Igreja Presbiteriana Unida.

Transcrevo a mensagem como entendi, como refleti sobre ela, sem a preocupação de relatar, palavra por palavra, o que foi dito. E o título que dou a ela é "a nada fácil vida do cristão", para contrastar com a postura sacrílega da assim chamada teologia da prosperidade. O texto de Hebreus 11, que não me havia ocorrido até então, descreve a vida de pessoas vocacionadas por Deus ao longo da história:

1. Abel, morto pelo irmão, que ficou com ciúmes de sua oferta

2. Enoque, que não morreu - nada é falado dos seus sofrimentos

3. Noé, que salvou a si e a sua família, em que pese o escárnio que o vitimou enquanto construía a arca

4. Abrão, peregrino sobre a Ásia Menor

5. Abraão, testado de forma cruel (o texto  bíblico nada fala das emoções do patriarca, apenas que ele cumpriu a ordem de sacrificar seu único filho, através do qual Deus cumpriria sua promessa. Teria ido ele isento de sentimentos?)

6. Isaque abençoa seus filhos

7. Jacó pagou caro pelos seus erros

8. José sofreu o ódio dos irmãos, e sobreviveu à tentativa de assassinato e à possibilidade de vingança

9. Moisés se torna menor abandonado por decreto de faraó

10. Moisés prefere a desonra, a peregrinação pelo deserto, a incredulidade do povo

11. Raabe, para não ser morta, trai seu povo, tornando possível o juízo divino sobre Jericó

 Do verso 35 em diante as bênçãos divinas sobre os amados de Deus são descritas: torturas, zombarias, açoites, correntes, prisão, apedrejamento, serrados  pelo meio, mortos pela espada, peregrinação, pobreza, aflição e maus tratos. O mundo não era digno deles. Apesar disto, não negaram a fé, mas a mantiveram. Não amaram mais a própria vida, mas a obediência à palavra - mais uma vez insisto, como já fiz antes, que a vida não é o bem supremo nas Escrituras, mas a obediência. E não estou dizendo que sou um exemplo!

 Deus não nos chama para uma vida tranquila - que pode até acontecer. Chama para uma vida de trabalho ao próximo, servindo-o independente de sua aceitação do Evangelho, porque o cristão é aquele que atualiza a presença de Cristo neste mundo caído.


sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Religião e Intolerância

Paulo de Castro


Religião é a tentativa humana de definir seu relacionamento com a divindade. A religião não é definida por Deus, ao invés disto, pela interpretação humana do que tal relacionamento demandaria.

Existe um grande conflito na busca da verdade. Percorremos caminhos inúmeros, nossas mentes vagam à procura de uma resposta, que muitas vezes não existe ou não se define como a imaginamos em primeiro lugar. Isso nos atordoa e confunde, logo, nos obrigamos a escolher uma abordagem, um lado do espectro para que nesse ambiente possamos encontrar um lado da verdade, que em última análise, corresponde à verdade, não obstante ser apenas um de seus muitos aspectos.

A vida é maior que cada um de nós. Como podemos analisar algo que nos envolve? Como nos distanciarmos daquilo que nos contém para obter uma visão do todo e então podermos afirmar do que se trata?

Cada um de nós, marcado por sua vivência e experiência, traz consigo um modo peculiar de perceber a verdade e interpretá-la, e embora todos estejam certos, ao mesmo tempo, incorrem no erro de impor sua parcela como sendo a expressão máxima do saber e que por consequência excluiria todas as outras opções automaticamente. Se eu estou certo, e eu estou, logo, você tem que estar errado. Inúmeros são os argumentos que tentam descredibilizar o outro ao invés de argumentar a favor da própria causa.

As guerras e contendas que vêm de nossos desejos, dos nossos deleites que inquietando-nos, nos atormentam a ponto de exigirem de nós a execração pública de nossa própria ignomínia, manifestada e personalizada naqueles que de nós discordam e conduzem sua existência de forma diferente. Bem-aventurado aquele que não se condena naquilo que aprova. Portanto, somos indesculpáveis quando julgamos quem quer que seja, porque nos condenamos a nós mesmos naquilo em que julgamos os outros.

Pensarmos de maneira diferente não nos separa. A forma como lidamos com a diferença nos separa. Afinal, de tudo que nos diferencia o que realmente é relevante? Não seria paradoxal que o mesmo Deus que nos criou únicos, singulares em todos os aspectos também quisesse que fôssemos produtos de uma linha de montagem, assumindo todos a mesma forma, a mesma função?

Ainda me incomoda a intolerância. Pensamos de forma diferente, somos diferentes e por isso não há alternativa a não ser eliminar da minha presença tudo o que aquele que é diferente representa, inclusive ele mesmo.

Sou da ciência, não posso ter religião. Sou da religião, não posso ter ciência. Até onde eu saiba a religião não ofereceu todas as respostas para que enfim definida, possamos dizer o que ela exclui ou não. A ciência por sua vez, acredita que tem as respostas até que uma nova descoberta mude tudo o que se acreditava e somos convidados a aprender (e crer em) tudo de novo.

Eu creio. E por isso mesmo questiono por que o Criador nos teria criado desta forma 'imperfeita'. Não naturalmente inclinados a reconhecer Sua própria divina existência. Por que somos capazes de recusá-lo? Negá-lo? Por que não fomos naturalmente pré-dispostos a procurá-lo e aceitá-lo, já que Ele é em si mesmo a fonte de toda vida e sem Ele nada do que é permanece? Onde estava a onisciência divina na criação do homem? Criaria eu um mundo sabendo de antemão que este ato levaria a morte, e uma morte terrível, do meu próprio filho? Por que um deus que quer tanto ser achado se esconderia com uma eficiência tamanha por tanto tempo?

Embora questione isso e muito mais, não me sinto abalado na fé. Continuo crendo na perfeição da criação e no sacrifício de Cristo por mim.

A beleza das coisas está na sua efemeridade ou em sua eternidade? Por que a vida é tão bela? Seria justamente porque cada momento pode ser o último, por isso vivamos intensamente o presente já que não sabemos o que virá amanhã? Precisamos do estímulo da morte para percebermos a vida?

Em nenhum momento a religião se faz tão necessária como quando confrontamos a morte. Não conseguimos explicá-la, entendê-la, aceitá-la. Precisamos da panaceia religiosa para aceitarmos o fato que somos mortais... Ou será que a fé, neste momento, é a atitude mais subversiva que se pode tomar diante da intrusa morte, que se impõe como um convidado que não estava na lista, como um desconcertante elemento que não estava no plano original do Criador? Porque assim diz o SENHOR que tem criado os céus, o Deus que formou a terra, e a fez; ele a confirmou, não a criou vazia, mas a formou para que fosse habitada. O que é a morte? Se Deus tudo criou, e Deus é vida então o que é a morte? O que o Todo Poderoso criou que é o oposto d'Ele mesmo e anula sua mais preciosa dádiva: a existência?

A melhor definição da Divindade que já ouvi é esta: não se pode dizer o que Deus é, mas podemos dizer o que Ele não é. Ele não é homem, não é mulher, não é nada que já tenhamos visto ou definido e ao mesmo tempo também é.

Nada corrompeu mais o relacionamento humano com o Eterno do que a busca do poder. Homens buscando justificar sua posição creditaram ao mundo dos espíritos a fonte do seu poder. Declararam representar o Criador, ou uma instância qualquer do mundo espiritual e que, portanto deveriam ser respeitados, obedecidos, recompensados e seguidos sem questionamento. Chegam a se declarar infalíveis. Cheios de si mesmo e de seus desejos promovem a fé em um sistema de crenças baseado em suas próprias demandas e objetivos. Inebriados pelo poder, se alimentam de sua própria versão santidade, se fortalecem pela imposição das convicções. Prefiro votar em candidatos que não se declarando cristãos agem como se fossem a votar em candidatos que proclamam aos quatro ventos sua filiação religiosa, mas envergonham cotidianamente, por suas atitudes anti-éticas, toda uma nação.

Agora vemos em parte, mas então veremos face a face. A resposta para tudo??? A minha por enquanto é o amor. Não creio em um Deus que peça que eu me vingue por ele se alguém o ofendê-Lo. Nosso dever é amar a todos. TODOS. Amar é a verdadeira religião.

 


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A Crítica Freudiana da Experiência Religiosa: o deus trágico

Após a crítica ao "deus ilusório", a psicanálise freudiana constrói a ideia do "deus trágico". O trágico está na ambivalência do deus que é amado e odiado. Ele é amado na medida que se constitui em um reflexo do pai, visto pelos olhos do infante: tudo sabe, tudo pode, mas dele se depende completamente. É odiado porque enquanto absoluto, exclui tudo o que não é ele, moldando todos a sua vontade, obrigando-os à submissão, dependência e subjugação. Assim como a criança, deus passa a ser amado pelo seu cuidado, e odiado pela exigência de uma submissão incondicional.

 O ódio não pode ser vivido em sua plenitude, por ser desagregador e destruidor. Também não se pode desafiar impunemente o detentor da onipotência absoluta. Mecanismos então são criados para dar vazão a este sentimento: rituais religiosos elaborados, eleição de um grupo estranho como alvo deste ódio e o desvio deste mesmo ódio sobre si mesmo, na forma de sentimentos de culpa.

 Portanto, à luz deste esquema, de um lado se põe o prazer, como o momento de reivindicação de si mesmo e autoafirmação, e por outro, a culpa pela oposição àquele que é fonte de toda tranquilidade mas que por ela cobra caro.

 O sacrifício do homem é exigido como prova de sua submissão, mas deus também se sacrifica: um e outro perdem algo de sua própria definição.

 Portanto, uma personalidade que não aceitou a realidade tende a construir um relacionamento imaturo com a deidade, onde nunca se expressará como si mesma, mas sempre através de um conjunto de atitudes que disfarçam o ódio e, em última instância, a insubmissão final.

 A psicanálise freudiana parece ter construído este esquema, aqui ultrassimplificado, de casos clínicos analisados por Freud ("notas sobre um caso de neurose obsessiva" = o homem dos ratos) assim como de grandes textos onde, já no final de sua vida, ele, como confessa, procura filosofar ("totem e tabu", "Moisés e o monoteísmo", "o mal estar na civilização"), assim como em trabalhos do início do século XX ("atos obsessivos e práticas religiosas" e "psicologia de grupo e análise do ego").

 É bem provável que um sem número de fiéis se encaixem no comportamento infantil delineado acima. Não é impossível que as explicações sejam, no mínimo, aplicáveis. Contudo, pretender aplicar a toda prática religiosa, inclusive a oração, este esquema, é uma demonstração de onipotência psicanalítica. Primeiro, porque a psicanálise não se resume àquela construída pelo grupo freudiano; existem outras, como a construída por Jung e seu grupo. Segundo, porque mesmo sendo uma ferramenta muito útil para a análise da realidade, ela não é abrangente (não capta todos os aspectos envolvidos). Terceiro, porque se julgasse ser "a" ferramenta, adotaria uma postura dogmática e não testável empiricamente. Quarto, porque a descrição que faz da deidade não tem nada a ver com o Deus bíblico. Quinto, porque ignora a fé cristã em toda a sua complexidade e multiformidade teológicas, reduzindo-a a uma determinada manifestação cultural geograficamente estabelecida.

 Este é fonte de tudo o que é bom. Cria o homem não como extensão de Si mesmo, mas como ser autoconsciente e capaz de decidir por seus próprios caminhos. Não lhe exige submissão absoluta no sentido de interditar-lhe sua autoexpressão, mas libera-o para criar as culturas, para dominar a natureza e cultivar o jardim, sem lhe dizer como. A submissão se dá na aceitação dos limites: homem/mulher é homem/mulher, Deus é Deus - não haverá troca de lugar.

 Este mesmo Deus não deseja crianças perpétuas, mas Pessoas com quem dialoga, discute, convence e Se deixa convencer - e desde quando um Deus absoluto não pode ser assim? Vamos dizer-lhe o como é ser Absoluto?


(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Madre Teresa de Calcutá



fonte original

"Madre Teresa - Venha, seja minha luz", Brian Kolodiejchuk, Ed. Thomas Nelson Brasil, 2008-11-28

Neste livro, resplende a frase lapidar: "Se alguma vez vier a ser Santa – serei certamente uma Santa da"escuridão". Estarei continuamente ausente do Céu – para acender a luz daqueles que se encontram na escuridão na Terra" (Madre Teresa de Jesus). À imitação de santa Teresinha, Madre Teresa afirmou de forma ainda mais angustiante que o céu não será para ela um lugar de descanso. Como a carmelita francesa, no céu, "trabalharia pelo bem das pessoas"; isto é, do seu canto obscuro, Madre Teresa, fora do céu, iluminaria muitos corações atormentados nas trevas. Arroubos místicos, dirão! Na mística cristã, grandes santos padeceram a "noite escura" de São João da Cruz. Sem nenhuma consolação, vitimados por uma angústia abissal, estes, entre os quais Madre Teresa se inclui, serviram a Deus na pessoa dos crucificados na história, sem se preocupar com paz interior ou alegria do coração. Infelizmente, somos só sentimento. Na onda "Paulo Coelho" e pensamento positivo, só apreciamos o que levanta o nosso "astral". O deserto nos assusta. Neste livro, conhecemos a aridez espiritual da "Santa de Calcutá". Madre Teresa viveu crises de fé, que todos vivemos. Nós fugimos dos desertos, como fugimos de Deus e de nós mesmos. Somos narcisos. Recomendo este livro, pois ele confirma: crer não é um exercício da razão. É um abandonar-se nos braços do Deus escondido, atravessando as penumbras interiores. Como santa Teresinha, Madre Teresa falou e viveu de um amor, que na verdade, em breves ocasiões, experimentou.

Pe. Antonio Damásio em O Absurdo e a Graça

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Crítica Freudiana da Experiência Religiosa: o Deus ilusório

Após  Freud, a  experiência religiosa passou a ser vista por muitos como prenha de motivações obscuras que muitas vezes comportam infantilização e  alienação. E a oração, ápice desta experiência, seria o campo de manifestação de uma série de fantasias e ilusões infantis. E por ilusão se entende  o menosprezo que  o fiel devota diante das condições da realidade, levado por sua fixação exclusiva ao mundo dos desejos.

E qual seria esta realidade? O fato do mundo não ser feito para o homem ser feliz. Seus desejos não são satisfeitos, tem de aprender a lidar com as barreiras que se erguem a todo instante a eles. No relacionamento social injustiça, mentira, desonestidade e competição são a tônica. O mundo interior não é menos turbulento, pois os desejos não formulados do inconsciente enfrentam ideais e normas introjetados e o consciente se confessa impotente em conciliar tantas solicitações contraditórias. E por último, a morte como elemento final.

Segundo Freud, a realidade é calada pela construção de um mundo onde não há pranto, nem luto, nem dor. Por um Deus bondoso que proporciona total segurança e proteção. Por recursos os mais variados que remetem o fiel a sua infância e a ilusão sobre o poder do pai. Para ser justo, ele reconhece que não é somente a religião que fornece esta ilusão, mas o Estado, a política, a ideologia e a ciência também o fazem, cada qual ao seu modo.

No fim, é o desejo inconsciente que fala, e não a análise da experiência e dos fatos.

Na atualidade, as chamadas "confissão positiva" e  "teologia da prosperidade" parecem vestir a carapuça proposta pela psicanálise. Negam o significado da encarnação ao negar que Deus se faz homem para com os homens compartilhar, nem que seja por um átomo de tempo, das mesmas vicissitudes da natureza inclemente. Blasfemam contra a cruz do Calvário ao transformar o sacrifício substituto de Deus Filho / homem perfeito em um meio para ser retirado da comunhão completa com a comunidade humana. Deus se torna um servo das ilusões infantis, não permitindo que Seus filhos (que também são servos) enfrentem oposição, dúvida, dor, desilusão e derrota. Nada disto lembra o Evangelho "pregado de uma vez só aos santos", ao qual "nada se pode acrescentar ou tirar".

 

(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Oração e Psicanálise Introdução

INTRODUÇÃO

A psicanálise é uma ferramenta para se entender a atividade mental humana, e, como tal, revolucionou a imagem que tínhamos de nós mesmos. Ainda que não concordemos com a abordagem freudiana, outras se apresentam. Fatores antes ignorados ou não levados à sério passaram a contar na análise de situações, propostas de abordagens e em tomadas de decisões, seja a nível individual, seja em nível social.

Quando esta ferramenta é aplicada a uma tarefa complexa como é o ato de orar, muitos podem ser os objetivos, desde demolidores a aperfeiçoadores do mesmo. Nesta ótica, as dificuldades e receios do fiel (ou do não crente), os desvios e os autoenganos são alvos que podem ser buscados.

A psicanálise mostrou que nosso imaginário pode (e o faz) interferir no diálogo com Deus a ponto de não permitir que questões inconscientes aflorem de modo terapêutico, mas antes mantendo-as longe do consciente e, portanto, da capacidade do fiel de enfentá-las em conjunto com Ele.

Deus é alguém que nunca vimos, cuja imagem construimos por analogia a partir do mundo que conhecemos e que não nos responde pelas vias habituais. Decidir se, como e qual é a resposta é um exercício de fé que não está imune aos recôndidos de nossa alma. E é curioso que as Escrituras estimulam, e mesmo ordenam, a prática da oração, mas não dão diretrizes claras para distinguir a voz dEle da nossa inconsciente.

A psicanálise coloca em jogo inclusive o nosso desejo: aquilo que expressamos é o que realmente desejamos? Na sua face demolidora, afirma que toda resposta é suposta resposta, produto apenas de desejos não expressados.

Na sua oração didática Jesus pontuou "seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu". Quando o colocado em oração é genérico (p. ex. a paz entre os homens, o fim da fome, a conversão do próximo) nada questiona a vontade de Deus. Caso a resposta demore, é porque faz parte dos Seus planos, está dentro de como Ele desenrola a história. Mas quando oramos por motivos pessoais (p. ex. a escolha profissional, a vocação sacerdotal) perscrutar o Seu desejo no meio do nosso torna-se uma tarefa prenha de armadilhas e enganos.

Segundo J.C. Sagne (La oracion, invocacion de la presencia invisible e silenciosa del Padre em Concilium 79, pg 319-329, 1972): "Quem ora pode desenvolver uma espécie de ateísmo espiritual em que as representações de Deus e os modos de oração, demasiadamente tomados pelo imaginário, levantam-se como barreiras contra a presença de Deus e como impedimento de sua livre intervenção". Supostos exemplos: quantas pessoas se tornam intolerantes, fechadas, descomprometidas à medida que se entregam a uma vida visível de oração? quantos se tornam acríticos e submissos? alheios e distantes do mundo real? quantos se distanciam mais e mais dos frutos do Espírito (amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, modéstia e autodomínio) em direção aos do "instinto" (Bílbia do Peregrino): inimizades, rixas, invejas, cólera, ambição, discórdias, facções?

(texto produzido a partir do livro "Orar depois de Freud", de Carlos Domínguez Morano, Edições Loyola 1994)