quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bioética em época de crise III

Eduardo Ribeiro Mundim

Crise não é a mesma para todos os membros de determinada cultura, ou cidadãos de um mesmo país. Subculturas podem passar por crises específicas, que não atingem a sociedade como um todo, assim como podem ser poupadas daquelas que afligem a cultura maior.

Dentro da subcultura evangélica, penso que levam a uma crise específica deste setor:

1. As igrejas (ou seitas) neopentecostais. Chamadas pelo bispo anglicano, e professor universitário, Robinson Cavalcanti de neo-pós-iso-pseudo-pentecostalismo trazem uma grande confusão para o público não-evangélico, e também para o evangélico menos esclarecido. A identidade protestante da IURD e semelhantes é bastante questionável. Ainda que aquela estampe em sua fachada "Jesus é Senhor", suas práticas não respeitam o princípio de "somente a Escritura" na construção de sua teologia, assim como o uso de recursos mágicos dignos da igreja pré-lutero. Os evangélicos menos atentos a detalhes facilmente aceitam a identidade evangélica delas, e a grande massa que nem sequer tem ideia do que é a igreja protestante (genericamente denominada "crentes") aceitam automaticamente. A repetição nauseante na mídia, habitualmente em notícias desastradas, acaba trazendo um desconforto duplo aos protestantes históricos e pentecostais: a tarefa de explicar que "eles não são tão crentes assim...", além de negar as práticas mágicas e a blasfema teologia da prosperidade. Um sentimento de ausência de defesa, de falta de delimitação de territórios, de fragilidade da identidade protestante acaba sendo injetada sutilmente, forçando a um exercício frequente de reforço doutrinário e de identidade para si mesmo - além de um preparo apologético para reforçar "eles não são iguais a nós". E como o Espírito sopra como vento, que não se sabe de onde vem nem para onde vai, há verdadeiros cristãos nestas igrejas-seitas, através do qual Deus opera. O não cristão Luiz Felipe Ponde, articulista da Folha de São Paulo, em artigo recente, pondera: "O que é uma espiritualidade mesquinha? ...é, antes de tudo, uma forma de crença que deforma a face do crente, iluminando seus caninos ocultos. Aquela que sempre medita com o objetivo de nos tornar mais poderosos e bem sucedidos. Esta praga espiritual está em toda parte, porque, simplesmente, não conseguimos entender que, para salvarmos a nossa vida, temos de perdê-la". 

2. A síndrome da igreja única. Aspiração oficial católico-romana (o que não implica na concordância de todos os leigos e sacerdotes católicos-romanos com este conceito) foi absorvida em algum ponto após a primeira reforma, com a noção de inexistência da Igreja entre o fim da era dos pais e a reforma do século XVI. Somente uma expressão da fé cristã é legítima, excluindo-se como inadequadas todas as outras. Aspiração que demonstra a incapacidade de fazer frente a diferentes interpretações biblicas, de conviver com a dúvida em pontos periféricos da fé cristã (alguns erroneamente alçados a dogmas centrais), de aceitar como irmão aquele que adora diferente, ou se comporta, dentro dos limites da moral do Reino, de modo diverso. Incapacidade que sutilmente mina a verdadeira espiritualidade porque a leitura atenta das Escrituras somente demonstra que tal incapacidade é uma infração da moral do Reino, uma desobediência ao Senhor da Igreja. A convivência com este pecado oculto (e muitas vezes não percebido) retira porção de energia vital do cristão, comprometendo seu testemunho no mundo.



Bibliografia:
Ponde LF. Abel. Folha de S Paulo, 16/08/10, caderno Ilustrada

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Bioética em época de crise II

Eduardo Ribeiro Mundim

Crise é, entre outras coisas, momento de dúvida, questionamento, revisão. Este processo de reavaliação pode reafirmar o que estava sendo revisado, transformá-lo ou simplesmente substituí-lo. Ao reafirmar, agora após um escrutínio, sai fortalecido o que foi questionado, não só porque venceu as dúvidas levantadas, mas porque as respostas lhe foram incorporadas. Uma nova análise enfrentará dados mais robustos e trabalhados. Ao transformar, há um empate: o revisado foi encontrado parcialmente insuficiente, sendo necessária sua atualização frente ao questionamento proposto. Há diferentes graus de atualização, e a possibilidade do revisado ser tão modificado que se torna irreconhecível, existe. Ao substituir, há uma derrota completa: não há utilidade.

O conhecimento, a fé, a moral - qualquer realização humana - é passível de criticas e de crise.

Qualquer realização humana é, em certa extensão, filha de sua época, sendo por ela condicionada (mesmo quando a questiona); filha da história pessoal de quem realiza, incluindo seus conceitos e preconceitos, sonhos e temores. Falar de crise atual é estar em regime de ambiguidade máxima, pois quem fala de uma crise pela qual passa, ou na qual vive, fala a partir de um envolvimento pessoal nos fatos. A objetividade científica (que nunca é absoluta) é tão maior quanto maior for o distanciamento entre o cientista e o fato estudado.

Bioética é  uma proposta de discussão sobre a interação do ser humano com a natureza, a partir da sua capacidade de modificá-la, moldá-la, reconstrui-la e destruí-la; sobre a interação do ser humano consigo, principalmente quando adoece e se coloca sob a proteção e/ou cuidado de outro ser humano; sobre a capacidade de sonhar e criar, e sobre o reflexo do resultado desta capacidade sobre si mesmo e sobre os outros.

Bioética em época de crise significa um questionamento sobre as bases que regem a interação homem-criação, homem-homem e homem-desejo. Bioética em época de crise implica estar perdido entre diversas possibilidades, incapaz de efetivar uma escolha através de critérios não passíveis de critica.


Bibliografia:
Goldin JR. Bioética: origens e complexidade. Rev HCPA 2006;26(2):86-92. Disponivel em http://www.hcpa.ufrgs.br/downloads/RevistaCientifica/2006/2006_26_2.pdf 


domingo, 22 de agosto de 2010

Bioética em época de crise I

Eduardo Ribeiro Mundim

Crise é uma palavra que nasce no contexto médico da época de Hipócrates: um momento decisivo para uma pessoa doente, a partir do qual seu destino será decidido, de forma favorável ou não.


Posteriormente o termo foi estendido a outras esferas da vida humana, inclusive transformações sociais.


Crise é um termo que engloba outros, como:
ruptura = rompimento, quebra, corte, interrupção
instabilidade = falta de solidez, de constância, insegurança, incerteza
transição = passagem, mudança, evolução
desequilíbrio = desarmonia, desigualdade, inadaptação


Quando atinge uma situação dinâmica, a crise lhe imprime um rumo diferente, forçando uma tomada de posição, um rumo, que, não importa qual, estabelecerá uma nova situação dinâmica.


Quando atinge uma situação estática, a crise força um movimento, dando-lhe uma condição dinâmica que antes não existia.


O filósofo Saint-Simon propôs que a história evolui em sucessões de épocas "orgânicas" e "críticas". As orgânicas são os momentos de estabilidade, de prevalência de um sistema de crenças bem definido que a tudo norteia, que, em determinado momento, vê o sistema questionado, com o surgimento de outro, gerando novo período orgânico.


Crise não é, necessariamente, percebida como tal por todos as pessoas, ou grupos sociais, ou mesmo por todos os indivíduos de uma comunidade. Ou, nem toda crise é um fato negativo, ou positivo, para todos.


Crises podem afetar toda uma sociedade, como, por exemplo, guerras; ou afetar segmentos específicos, rearranjando os atores no que diz respeito à influência, poder, posição social.


Estará a fé cristã em crise?


Enquanto instituição cultural, o cristianismo vem perdendo poder político gradativamente. As decisões governamentais contrariam, em aparente escala crescente, valores dele originados, ou por ele incorporados e transformados. Por exemplo, a presença de crucifixo em órgãos públicos, ou da bíblia.


Enquanto modeladora dos limites do uso da razão, cerceadora da criatividade através da subordinação da ciência à teologia, o cristianismo é exilado na Academia.


Enquanto revelação divina, perde, para a sociedade em geral, o caráter de exclusividade em relação à verdade; é apenas uma religião dentre outras, tão significativa, ou insignificante, quanto qualquer outra.


Vejo a fé cristã em crise com o mundo no qual ela está inserida: destituída de poder político (quando já o teve), expulsa da universidade (quando foi seu berço, na Idade Média) e rebaixada a manifestação cultural próxima à superstição.


Certamente há diversas explicações. E, provavelmente, nenhuma será, isoladamente, suficiente para entender as raízes desta crise:
- a aliança com o poder político: iniciada com a suposta conversão do imperador romano Constantino, seguida pela autoridade de sagrar reis (e de destituí-los), assim como o exercício específico do poder político (os estados da igreja). As cruzadas contra os muçulmanos e contra setores considerados heréticos dentro do cristianismo são a sua face, e consequência, mais cruel e desastrada;
- o domínio cultural, sendo a matriz durante séculos de todas as manifestações culturais do ocidente. A aliança com o poder político auxiliou na criação de um ranço difícil de apagar.


Parece-me que o resumo das explicações pode ser expresso pelo fato de que o cristianismo perdeu seu significado ao deixar-se corromper pela ideia da sociedade sobre o individuo, ao deixar de lado a necessária conversão pela simples aculturação: ser cristão é nascer de pais cristãos, em um país cristão, e não um ato de vontade, de escolha, de arrependimento e de confissão.


bibliografia:
Abbagnano N. Dicionário de Filosofia, pag 222-3, Ed Martins Fontes, SP, 2000

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Procuradoria Geral interpela o STF sobre o Ensino Religioso

Antonio Carlos Ribeiro


Brasília, quarta-feira, 11 de agosto de 2010 (ALC) - A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), assinada pela procuradora-geral da República em exercício, Déborah Macedo Duprat de Britto Pereira, indaga a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caput do artigo 33 da Constituição Federal e os parágrafos 1º e 2º da Lei 9394/96, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas "só" pode ser de natureza não-confessional.
A orientação vigente no Estado do Rio de Janeiro e no Estado da Bahia, diferentemente da compreensão constitucional e dos outros 25 Estados federados, e por decisão da Assembleia Legislativa (Alerj) já posta em prática, é que o Estado fique à mercê da interpretação teológica das diversas confissões religiosas, realize concurso, proveja vagas e remunere os professores para ensinar suas doutrinas, abrindo mão da laicidade conquistada no advento da República.

A demanda cresceu após um acordo que amarrou interesses políticos, religiosos e econômicos durante o mandato da ex-governadora Rosângela Matheus. Depois veio o Acordo Brasil-Vaticano, feito na surdina e assinado por representantes dos dois Estados, consolidando a interpretação equivocada e estendendo falsos direitos jurisdicionais a diversas áreas da vida pública.
A falha interpretativa inicial foi ampliada na aprovação do documento no Congresso Nacional, com deputados e senadores de diversas igrejas e religiões, que sem pensar nas implicações, apenas incluíram a frase "e de outras confissões religiosas".
Com a expressão presente num acordo internacional, a República Federativa do Brasil começou a ser transformada num Estado religioso, como o Vaticano e as repúblicas islâmicas, iniciando o retrocesso histórico aos tempos do Padroado, negando as principais conquistas republicanas e, consequentemente, desconhecendo a laicidade do Estado, do governo, e impondo juízos de fé – como se todos os brasileiros pertencessem a uma agremiação religiosa ou mesmo professassem uma fé, especialmente quando o número de pessoas que se dizem sem religião cresceu 6,9%, pelo Censo demográfico de 2.000.
Com as implicações e distorções geradas por esta articulação ampla, ingenuamente não percebida pela governadora evangélica do Rio de Janeiro, à época, construiu-se uma estratégia de poder político, com fortes tentáculos jurídicos e traços tipicamente corporativistas, motivada pela perspectiva tradicionalista e com forte presença na vida pública nacional desde os primórdios e, muito provavelmente, por causa da "ameaça" recente do crescimento das igrejas cristãs evangélicas e pentecostais.
A análise desse bem articulado imbróglio aponta para duas questões decorrentes: uma jurídica e outra teológica. A jurídica é que, se permanecer essa situação político-religiosa no Rio de Janeiro e na Bahia, ocorrem evidentes sequestro de poder da autoridade civil, ocupação de espaço público por uma expressão de fé, com aumento da influência na vida nacional e, o que é pior, de controle de áreas da cidadania que implicam decisões de foro íntimo.
Por sua vez, a questão teológica implica conquistas que avançam sobre a cidadania, em tempos pós-modernos que têm na individualidade, na subjetividade e na autonomia suas principais marcas. Significa que ateus e agnósticos terão que viver num Estado religioso, com direito a legislar neste campo, inclusive para os que não professam fé. E, a partir disso, transformar anomalias como o uso de recursos públicos no ensino religioso confessional e na preservação de templos e monumentos em legalidades.
A ser mantida essa jurisprudência e pelo princípio da universalidade, a assinatura de um acordo com uma república islâmica garantirá direitos religiosos de muçulmanos, como o espaço para orar em praça pública, o pagamento dos professores de sua doutrina em escolas públicas e a restauração de seus templos e monumentos no país.
Essas são as implicações que o STF deverá considerar quando for deliberar sobre o mérito desta Adin.
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Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Biógrafo acrescenta adjetivo espião a Bonhoeffer

Antonio Carlos Ribeiro


Rio de Janeiro, terça-feira, 10 de agosto de 2010 (ALC) - O mundo moderno aprendeu a gostar do teólogo luterano que resistiu ao nazismo e participou da conspiração da resistência que planejou o atentado contra Adolph Hitler. Tinha clareza de raciocínio e piedade, era jovem, brilhante, ecumênico, foi pastor na Espanha, residiu em Londres, estudou no Union, em Nova Iorque, atuou no Seminário de Finkenwald e na Igreja Confessante, já que a oficial apoiou o nazismo, e escreveu um clássico da mística moderna: O preço do discipulado (Nachfolge, em alemão).
Esse era o perfil que o tornava intrigante aos olhos do público teológico. Quando se pensava conhecer o básico sobre uma vida cheia de significado desse homem de fé, teólogo agudo e militante ousado, que enfrentou um regime desumano, eis que surge a obra de Eric Metaxas (Bonhoeffer: Pastor, Martyr, Prophet, Spy) acrescentando aos honoráveis títulos de pastor, mártir e profeta, o de espião.

Isso não abala os traços da vida deste profeta moderno que discordou da igreja do Reich e, como João Batista, foi uma voz no deserto. Mas acrescenta certo tempero, sobretudo numa América Latina que ainda lida com violência política, mantida pelo poder estatal e disposta a silenciar os opositores de regimes conservadores e criminosos.

O autor se mostra alegre com a boa crítica, mas sobretudo pelo apoio do mercado editorial e à recepção no público, apesar do volume de texto da obra. Com motivação pessoal, tempo para dedicar à pesquisa e amor pela tarefa de biografar, Metaxas fala da determinação, do empenho e do prazer com que se dedicou à tarefa, informando que foi o período de esforço mais concentrado que já fez, atitude que lembra o depoimento de Umberto Eco em O Nome da Rosa: pós-escrito e, sem falso moralismo, admitindo que desejou que sua obra fosse definitiva.

Também admitiu sua paixão pelo perfil do biografado. "Ele é a pessoa mais autêntica que eu já encontrei, e eu sei que a sua vida fala poderosamente a nós de inúmeras maneiras. Ele é como o herói supremo, e sua história é tão inspiradora que eu tinha que contá-la a uma nova geração de leitores". Imagine como essa motivação o fez voltar mais de 70 anos, revolver documentos como cartas, anotações, artigos e livros, inclusive o inconcluso Ética, além das cartas de amor enviadas à noiva (Love Letters from Cell 92), escritas no momento derradeiro, entre 1943 e sua morte em 1945.

O herói que Metaxas diz ter visibilizado em sua obra vive em meio ao estresse de um regime absolutista e já em crise, movimenta-se numa igreja que lhe vira as costas e intelectuais que não apoiam os riscos últimos de seus envolvimentos, como Karl Barth.
Ao mesmo tempo, Bonhoeffer tem convicções de fé que o impulsionam mar adentro, mesmo com a maré perigosa, que o faz manter a sensibilidade e a ternura, ao lado da disposição de assumir seus postulados. Indagado sobre os defeitos, seu biógrafo lembrou apenas que era fumante. Aliás, a cena cortada na versão brasileira do filme Agente da Graça (Bonhoeffer: Agent of Grace, 90 min., 1999) é a que sua noiva fuma um charuto para lembrar o pai, morto em combate.

O herói cristão da resistência ao nazismo, a quem os anglicanos erigiram um monumento na Abadia de Westminster, parece que vai saltar das páginas desta obra, sobretudo quando traduzida ao espanhol e ao português, por causa da humanidade que o teólogo nunca abandonou em meio ao turbilhão de fatos de impacto mundial em que se movimentou.
A propósito, segundo o autor, sua obra "o humaniza muito e mostra que tipo de pessoa era. Ele surge como alguém acessível e encantador e gracioso, o tipo de pessoa com quem qualquer um adoraria passar o tempo", destacou.

Aquilo sobre o que se tinha algumas informações, como seu trabalho na inteligência militar alemã, a Abwehr, onde obteve informações para salvar a vida de judeus, constitui o elemento que a biografia destaca. Esse fato, que provavelmente o colocou na lista dos que não podiam sobreviver, como uma questão de honra para Hitler, é exatamente o que mais desperta a atenção do grande público nesta biografia. Até então era, provavelmente, o romance com Maria von Wedemeyer.

O outro traço é o perfil de militante, extremamente autodisciplinado, crítico, exigente e eventualmente impaciente. Isso explica opções teológicas firmes – como o raciocínio de que o menino não errou ao mentir para o professor que queria ridicularizá-lo ao falar da bebedeira do pai – e opções éticas drásticas – quando explicou, ao ser preso, que a tarefa do pastor diante do louco que dirige de forma desgovernada um caminhão, provocando acidentes e mortes, não é apenas sepultar os mortos e consolar os enlutados, mas arrancar-lhe o volante das mãos.
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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ateus lucram em cima da crença alheia nos EUA


Um grupo de ateus nos Estados Unidos criou um serviço ideal para religiosos que acreditam  no arrebatamento: eles se oferecem para cuidar dos bichos de estimação dos religiosos em troca de uma pequena taxa.

Todos os ateus registrados no site Eternal Earth-Bound Pets são pecadores e blasfemos confessos, garantindo que serão deixados para trás quando os escolhidos forem selecionados.

O modelo de negócio é uma tentativa irreverente de lucrar às custas da crença — espalhada entre os cristãos americanos — de que os pios serão carregados ao paraíso por Deus em um arrebatamento repentino, deixando descrentes para sobreviver a sete anos no reino do anti-Cristo na Terra,

"Você dedicou sua vida a Jesus. Você sabe que será salvo. Mas quando o arrebatamento vier, o que acontecerá com seus amados bichos de estimação que serão deixados para trás?", pergunta o site do grupo.

"Eternal Earth-Bound Pets tira esse peso da sua consciência."

Por 110 dólares, a firma promete cuidar pela vida toda de quase todos os bichos de estimação domésticos se seus donos forem transportados para o paraíso dentro dos próximos dez anos.

A oferta pode soar forçada ou até mesmo provocativa, mas o grupo insiste que não é brincadeira. Ele alega que possui uma rede de ateus amantes de animais espalhados por 20 estados para garantir velocidade e cuidado animal no local quando o arrebatamento ocorrer, e estabeleceu uma conta no Paypal para receber assinaturas.

Os fundadores também garantem aos crentes que seus animais irão desfrutar de uma excelente qualidade de vida: "Todos os animais viverão em casas amáveis, não em um canil ou oficina de animais."

E enquanto a companhia promete que todos os ateus cuidadores sejam pessoas morais com ficha criminal limpa, afirma que eles não são tão santos.
"Cada um de nossos representantes afirmou para nós por escrito que eles são ateus, não acreditam em Deus nem em Jesus, e que eles blasfemaram de acordo com Marcos 3:29, negando qualquer chance de salvação", afirma o website.

Mas os consumidores em potencial são advertidos a lerem os termos e condições antes de abrir mão de US$ 110,00; se o assinante perder sua fé ou não for arrebatado em 10 anos, eles não poderão receber um reembolso.
 
Tradução de Telegraph.co.uk

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Voto bom é voto laico

Quem determina se Deus é o Senhor é o povo, não seus governantes
Os melhores candidatos não são necessariamente aqueles que professam a mesma fé ou pertencem a determinada denominação
Lembro-me de que, quando eu era criança na igreja, algumas profissões eram consideradas quase do diabo. Entre elas, a de baterista, advogado e político.
Com o tempo, a bateria ganhou seu espaço nos altares das igrejas e os advogados viraram até presbíteros. Mas foi na área política que a coisa mudou radicalmente. Se, antes, a atuação política era desestimulada no rebanho e um crente ser vereador ou deputado era visto como um sacrilégio, agora já temos até bancada evangélica. A cada eleição, pastores candidatos pululam Brasil afora. Até aí, nada demais; cada um usa a plataforma que possui. Quem é radialista, por exemplo, apela aos votos dos ouvintes; sindicalistas recorrem ao pleito dos operários; produtores rurais buscam apoio de colegas agricultores. Portanto, quem vem da Igreja tem mais é que conseguir votos na Igreja e defender seus interesses.

Isso quer dizer então que cristão deve votar em cristão, crente em crente, evangélico em evangélico? Aí minha resposta é um esplendoroso não. Explico. Quando precisamos de um cardiologista, recorremos ao melhor especialista que podemos pagar ou vamos a um médico cristão? Quando o carro quebra, procuramos um bom mecânico ou simplesmente um profissional que se apresente como crente? E se formos comprar um bolo, nossa preferência será pelo mais saboroso ou optaremos por aquele feito por uma irmãzinha na fé, ainda que não agrade tanto ao paladar? E as obras? Confiamos nossos prédios a um engenheiro competente ou damos preferência ao evangélico, simplesmente porque é evangélico?

Ainda que muitos de nós favoreçamos membros de nossa comunidade eclesiástica, só o fazemos porque acreditamos e confiamos nos profissionais em questão. Em primeiro lugar deve vir a capacidade do indivíduo para realizar a tarefa a que se propõe, e depois sua opção religiosa. Por isso, ao votar, todo cristão (e cidadão) tem a obrigação perante a sociedade de tomar a mesma atitude e escolher quem acredita ser o melhor o candidato – o que não necessariamente inclui aqueles que professam a mesma fé ou pertencem a determinada denominação.

Há cristãos na política que dão um grande testemunho e atuam visando ao bem estar da sociedade. Da mesma forma, há pessoas de outros credos extremamente honestas e fazendo um ótimo trabalho parlamentar ou governamental. E há políticos pilantras de todas as crenças, ou de crença nenhuma, que agem só visando aos próprios interesses. Ou seja, religião nenhuma é garantia de caráter ou idoneidade.

Como cristãos, devemos amar nosso próximo como a nós mesmos – o que também significa votar pelo outro, votar pela sociedade. Devemos, portanto, escolher o melhor candidato não apenas para nós mesmos, mas para todo o grupo social ao qual pertencemos. Esta mentalidade de voto, que é absolutamente cristã, é muito mais importante que a religião do candidato. Mas e o versículo que diz "Feliz é nação cujo Deus é o Senhor", em Salmos 33.12? Para começar, Deus ser Senhor é diferente de bispo ser presidente, pastor ser senador e evangélico ser deputado. A religião professada pelos políticos não garante a senhoria divina. Quem garante que Deus é Senhor é toda a nação, toda a sociedade. Um país com um presidente cristão e uma população descrente não terá Deus como Senhor. E um estado com uma população cristã poderá proclamar Deus como Senhor, ainda que seus governantes não professem tal fé. Quem determina se Deus é o Senhor é o povo, não seus governantes. Trata-se da mais pura democracia divina.

Quer dizer então que não voto em cristão? Nada poderia ser mais falso. Nesta próxima eleição presidencial, por exemplo, estou propenso a votar em uma candidata cristã – até porque os outros dois concorrentes me desagradam, um pelo partido e outro, pelo caráter. Mas vou votar nela porque é cristã? Jamais. É porque acredito que ela é a melhor candidata para o país, para mim e, mais importante, para meu próximo. E ainda votaria mesmo se ela declarasse que não acredita em Deus…

Carlo Carrenho
(há comentários na fonte)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Milagres?

  Karl Heinz Kienitz

Somos um povo alegre e festeiro o ano todo, mas é por ocasião do Natal e da Páscoa, que a maioria das famílias brasileiras passa momentos especialmente agradáveis; é quando visitas de parentes e amigos, decoração especial e mesas fartas tornam palpável o aconchego festivo que se instala em nossos lares. O clima de festa de fato se justifica, pois, embora às vezes passe desapercebido, as duas datas existem para a comemoração de dois grandes feitos inusitados de Deus. No Natal comemoramos o nascimento de Jesus, no qual Deus "tornou-se homem e viveu aqui na Terra entre nós, cheio de amor e perdão, cheio de verdade".1 Na Páscoa recordamos um evento absolutamente extraordinário, resumido por Simão Pedro em uma de suas célebres frases: "Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas disso".2


Mesmo assim, para muitos o cristianismo é pedra de tropeço justamente por resultar de uma fé alicerçada em feitos inusitados de Deus, ou milagres, entre os quais os do Natal e da Páscoa são os mais significativos. Foram eventos marcantes – acontecimentos que selaram a fé cristã como única. O problema é que milagres parecem pertencer a uma visão de mundo estranha, pré-científica, supersticiosa, talvez adequada para a Antiguidade ou Idade Média, mas não para hoje.


Ceticismo com milagres já existiu na Antiguidade. Sua manifestação contemporânea, porém, tomou forma durante o Iluminismo. O filósofo David Hume (1711-1776), um dos primeiros mentores do ceticismo atual, dizia, referindo-se ao cristianismo, que "nossa mais santa religião é fundamentada na fé, não na razão", completando em tom de deboche que "a religião cristã não somente foi inicialmente atendida com milagres, mas até este dia não pode ser crida por uma pessoa razoável sem um milagre. Simples razão é insuficiente para convencer-nos da sua veracidade; e quem é movido por fé para aceitá-la, está consciente de um milagre contínuo em sua própria pessoa, que subverte todos os princípios de seu entendimento, e dá-lhe uma determinação para crer o que é o mais contrário ao costume e à experiência".3


Será que, como propalado por Hume e outros, a fé cristã depende de uma "subversão dos princípios do entendimento"? É esclarecedor ler o que o físico Alessandro Volta (1745-1827, homenageado no Volt, a unidade de tensão elétrica do Sistema Internacional de Unidades) tem a dizer sobre o assunto: "Submeti as verdades fundamentais da fé a um estudo minucioso. Li as obras dos apologetas e de seus adversários, avaliei as razões a favor e contra e assim obtive argumentos relevantes que tornam a religião [bíblica] tão digna de confiança ao espírito científico que uma alma com pensamentos nobres ainda não pervertida por pecado e paixão não pode senão abraçá-la e afeiçoar-se a ela".4


Como explicar esta enorme diferença entre as convicções de Hume e de Volta? C.S. Lewis (1898-1963), professor da Universidade de Cambridge e criador de "Narnia", aponta o problema de Hume: "É claro que devemos concordar com Hume que, se ...[milagres] jamais aconteceram, então realmente nunca aconteceram. Infelizmente, só sabemos que a experiência contra eles é uniforme se conhecemos que todos os relatos sobre eles são falsos. E só podemos saber que todos os relatos são falsos se já sabemos que milagres jamais ocorreram. Na verdade estamos argumentando num círculo vicioso".5


G. K. Chesterton, um dos mais prolíficos escritores ingleses do século 20, arremata: "Surgiu de algum modo a ideia extraordinária de que os descrentes de milagres os analisam com frieza e justiça, ao passo que os crentes em milagres os aceitam apenas em conexão como algum dogma. O fato é totalmente o contrário. Os que creem em milagres os aceitam (com ou sem razão) porque têm provas deles. Os que não creem neles os negam (com ou sem razão) porque têm uma doutrina contra eles... Somos nós, os cristãos, que aceitamos todas as provas reais – são vocês, os racionalistas, que refutam as provas reais e são obrigados a fazê-lo pelo seu credo".6


O ceticismo debochado do filósofo Hume é, pois, insustentável. Cientistas cristãos como Volta, sabendo que milagres são eventos extraordinários com significância religiosa, operados por Deus e inacessíveis ao método científico, não têm problemas com eles, pois sabem que não é sua tarefa explicá-los; limitam-se a verificar evidências de sua ocorrência. Francis Collins, cientista chefe do Projeto Genoma Humano, confirma este entendimento: "Eu não tenho problemas com o conceito que milagres podem ocasionalmente ocorrer em momentos de grande significado, onde há uma mensagem sendo transmitida a nós por Deus onipotente. Mas como cientista adotei padrões muito elevados para milagres".7


Por outro lado, um cristão algumas vezes se pergunta onde estão hoje todos aqueles milagres relatados na Bíblia e qual sua relevância para nós. Nessas ocasiões convém recordar como Asafe, o cantor, se dirigiu a Deus numa frase que expressa uma certeza experimentada e compartilhada por muitas outras pessoas: "Deus, eu lembrarei dos teus feitos maravilhosos! ...Tu és o Deus que faz milagres".8


Quanto mais presente tivermos Deus como um Deus que opera também coisas inusitadas, mais confiantes estaremos ao enfrentarmos tempos difíceis. No outro extremo há cristãos pós-modernos que esperam de Deus uma solução para cada dificuldade por meio de milagres sob encomenda e medida. A Bíblia não induz a tal expectativa. Ela ensina que Deus cuida de nós e manifesta seu cuidado conosco até mesmo nas pequenas coisas do dia-a-dia, mas que seus pensamentos e ações estão muito acima dos nossos.9 Em resumo, no caminhar constante com Deus, o cristão reconhece de forma humilde e grata que tudo de bom provém de Deus e que ele é "socorro que não falta em tempos de aflição".10 Pois fé cristã alicerça-se nos milagres de Deus, mas é fé em Deus; não é fé no poder de Deus, nem nos milagres de Deus.


Notas
1. O Livro, em João 1.14.
2. Nova Bíblia na Linguagem de Hoje, em Atos 2.32.
3. David Hume, Enquiry Concerning Human Understanding.
4. Traduzido de J. Gutzwiller, Das Herz etwas zu wagen, Friedrich Bahn Verlag, 2000. Também citado em K.A. Kneller, Christianity and the leaders of modern science, B. Herder, 1911 (disponível em books.google.com.br).
5. C.S. Lewis, Miracles.
6. G.K. Chesterton, Ortodoxia, 1a edição, Mundo Cristão, 2008.
7. Em entrevista à revista National Geographic, número de fevereiro de 2007.
8. Nova Bíblia na Linguagem de Hoje, em Salmo 77.11 e 14.
9. Pode-se ler sobre isto na Bíblia em 1. Pedro 5.7, Atos 14.17 e Isaías 55.7.
10. Nova Bíblia na Linguagem de Hoje, em Salmo 46.1.



• Karl Heinz Kienitz recebeu o doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica Federal de Zurique, Suíça. É professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica em São José dos Campos. Karl mantém uma página na internet sobre fé e ciência no endereço www.freewebs.com/kienitz


fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=5&registro=1327#  (há comentários neste atalho sobre o texto)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O que impede a unidade da Igreja é o pecado, e não a ortodoxia

Aconteceu no dia 18 de junho no templo da Igreja Metodista Central de Belo Horizonte. Dois pastores (Valdir Steuernagel e Welinton Pereira) estavam prestando algumas informações sobre a pré-organização da Aliança Cristã Evangélica do Brasil a um pequeno grupo de líderes da capital mineira.

Steuernagel leu a famosa oração de Jesus sobre a unidade cristã: "Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 17.20-21). Em seguida, lembrou que Deus não desiste daquilo que ele quer e pretende fazer. Uma dessas coisas é aproximar os verdadeiros crentes entre si. Para tanto, é preciso mudar a cultura predominante de cada um por si. Ele foi muito convincente ao lembrar que a igreja brasileira já experimentou uma mudança de mentalidade no que diz respeito a missões. Até pouco tempo atrás, quando se falava em missionários, só se pensava na figura do missionário estrangeiro que vinha para o Brasil. A geração atual entende de outra maneira: o missionário é o brasileiro que sai do país para fazer missões em outro lugar. A igreja deixou de ser recebedora para ser enviadora de missionários. É uma porta aberta ou um incentivo para outras mudanças.

No final, Welinton Pereira convidou um dos pastores presentes para orar. Ele agradeceu pelo esforço em favor da unidade da igreja evangélica em torno de Cristo e confessou mais ou menos assim:

O apego demasiado de cada denominação à sua história, teologia, tradições, liturgia, princípios, alvos, tem dificultado a aproximação maior de seus membros. Porém, os maiores obstáculos são menos importantes e mais carnais. Estamos separados por causa do pecado. A inveja, o ciúme, a vaidade, a concorrência, a competição, a briga pelo poder denominacional nos separam. A falta de amor, a ausência de perdão, as picuinhas, o não esquecimento de problemas anteriores nos separam. O crescimento numérico nos separa. Ficamos no mínimo intranquilos quando outra igreja da mesma denominação é diferente da nossa e "ameaça" crescer mais e mais rápido. Perdoa-nos! Faze-nos chorar! Vence-nos! Amém.

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2696&secMestre=2687&sec=2713&num_edicao=325