terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A adúltera de Deus

Luiz Felipe Ponde

O Deus de Israel sempre amou as adúlteras. Jesus também dispensou cuidados especiais para com elas, e para com as prostitutas, os ladrões e os desgraçados de todos os tipos. Deus parece não resistir à sinceridade do pecador, assim como a filosofia parece amar a verdade do melancólico. 

Na Bíblia hebraica, Raquel, a segunda esposa de Jacó (depois chamado de Israel), por muitos anos uma mulher estéril e idólatra por raiva de Deus, enterrada fora do "cemitério da família" por ter sido uma vergonha para esta mesma família, será escolhida por Deus como consoladora do povo eleito no sofrimento. 

Raquel é a "mater misericordiae" do judaísmo. Quando Israel sofre, é o nome dela que deve ser lembrado. Deus ama as infelizes e as elege como suas conselheiras. Qual o segredo da infelicidade? 

restante do texto em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/81472-a-adultera-de-deus.shtml

domingo, 2 de dezembro de 2012

Experiências do apóstolo Pedro

Othoniel Justiniano Ribeiro
(meu avô)

Pedro ocupa lugar de proeminência acentuada na história do cristianismo. Poucos passaram por experiências tão variadas e tão significativas. Bem pode ser tomado como exemplo típico da transformação do homem pelo poder santificador de Cristo. A trajetória acidentada de sua carreira cristã põe de sobre aviso todos nós, pobres e míseros acompanhadores de Cristo que, não raro, o aceitamos como Mestre e Senhor. Chamados para Sua companhia, recebemos pelo batismo um nome novo. Nos arroubos às vezes passageiros de nosso entusiasmo O defendemos com ardor e nos dispomos à luta, na defesa intransigente de integridade reconhecidamente intocável da pessoa do Mestre, como admiradores da doutrina sem mancha e sem jaça por Ele pregada e vivida, sem discrepância, incontraditável, pura, santa e santificadora.

A mísera contingência humana, porém, nos induz a, como Pedro, embora amigos de Cristo e admiradores de Seus ensinamentos, segui-lo de longe, nos momentos mais críticos, quando mais devêramos estar ao alcance da Sua mão poderosa ou de Seu olhar alentador.

Comodamente nos assentamos em torno do fogo falazmente aquecedor, na participação criminosa e cheia de perigos dos que não querem reconhecer que mais calor existe na alma contagiada pela santidade criadora, do que no corpo alheio aos imperativos superiores de Templo Vivo do Espírito Santo.

Nem nos lembramos de que o manso Jesus, que tudo sabe, tudo prevê e tudo provê, nos avisa, como avisou ao inexperiente noviço de Seu colégio: ”Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça, e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.” (Lucas 22:32)

Simão discípulo, membro do colégio apostólico de Mestre, escolhido como um dos doze, ainda fora admoestado: ”Quando te converteres”! O que lhe faltava, então? Não era ele um convertido? Um discípulo? Um apóstolo? “Quando te converteres”.

Qual a condição de um convertido? Por que cadinho teria de passar aquele metal para revelar a sua pureza, o seu peso específico, a sua estrutura livre e libertadora da amálgama humana cheia de misturas e impurezas?

Não estará o Mestre a nos dizer hoje, pela profética advertência feita a Pedro- “Quando te converteres”? Somos seus acompanhantes tão somente ou já passamos pelas experiências que levaram Pedro à conversão?
-”Estou pronto a ir contigo até a prisão e à morte.”
-Não cantará hoje o galo antes que três vezes me negues.”

Quem sabe que, ainda hoje, antes que cante o galo, negássemos o Jesus a quem pregamos?

Quem sabe já o tenhamos negado, haja o galo cantado e o nosso olhar não tenha se cruzado com o doce olhar de Jesus. Não tenhamos nos recolhido tristes, amargurados, arrependidos para chorar amargamente?

-Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?”
-”Simão, filho de Jonas, amas-me?”
-”Simão, filho de Jonas, amas-me?”

Entristecido, entre lágrimas escaldantes, talvez, o néo-converso, o regenerado, o salvo por Cristo, diz humilde, mas sinceramente, a alma genufletida, o olhar embaçado pelo pranto, mas franco fito nos olhos mansos de Mestre: ”Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo”. Tu sabes que estou regenerado; tu conheces a minha fraqueza; não te digo que a tua igreja te ama; não te afirmo que te amos mais do que estes; não sei se os outros te amam; tu sabes, porém, que o pacto do Pai que vem desde o Edem, me alcançou e que o teu sacrifício e o teu amor por mim, me induziram a te amar. “Tu sabes que te amo!”

Sim, Simão, eu sei que tu me amas e é por isso que te comissiono: ”Apascenta as minha ovelhas” (João21:17). Agora és convertido e eu outorgo aos conversos e missão gloriosa de serem minhas testemunhas, pregando, por amor de mim, o meu Evangelho.

Pedro convertido foi testemunha itinerante. ”Mais importa obedecer a Deus que aos homens”. E no pentecostes, com os demais, recebeu o poder do Espírito Santo. Proferiu o discurso mais memorável de que há notícia e milhares se converteram.

Porque Pedro amava a Jesus.

Às portas de uma semana tradicionalmente dedicada por esta congregação, a um esforço intensivo de reavivamento espiritual e de oração, seja-nos benéfica a rememoração sucinta das experiências maravilhosas de Pedro.

“Quando te converteres”- advertiu o Senhor a Pedro.

“Simão, tu me amas?” inquiriu o Senhor de Pedro no momento inesquecível de sua vida, quando diante do Mestre e perante o colégio apostólico, proferiu a sua solene profissão de fé.

Não questionava o Mestre se o discípulo acreditava e aceitava como real Seu sacrifício pela salvação de humanidade. O problema não era se Pedro tinha a Jesus na qualidade de Filho de Deus. Se reconhecia nele todo o poder para curar enfermidades e de, como Deus verdeiro, ressuscitar ao 3º dia de sua morte e apresentar-se aos discípulos naquele momento, tal qual o conheceram. Queria o Senhor saber o que significava para Pedro , na vida de Pedro no pensamento de Pedro, no coração de Pedro. Se o discípulo o amou e se, por amor, e tão somente por amor, seria capaz de receber a missão de entregar-se inteiramente a propagação da causa de seu Mestre, entre os seus próprios inimigos de corações empedernidos.

“Tu me amas?”

A pergunta três vezes repetida a quem três vezes demonstrara que não tinha verdadeiro amor ao seu Senhor e Mestre – ressoa nos ares ainda hoje e tem que chegar, pelo poder de Espírito Santo, a cada ouvido e as cada coração desta igreja, quando pretende que o Espírito vivificador encha cada alma, “Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu”.

O Senhor que quer a conversão de seus escolhidos pergunta a mim, pergunta a cada um de nós:_ Tu me amas ?

É por amor que quer dedicares partilhar de uma semana de dedicação e oração? Para quê?

Se me amas és um convertido e, como tal, receberás o dom do Espírito Santo e me testemunharão aqui e em toda parte.

Não olhes para o teu irmão. Não deixes a resposta para a tua igreja. A pergunta não foi dirigida aos discípulos em conjunto, mas a um na presença de todos.

O resultado da semana de reavivamento está subordinada à pergunta de Cristo.

“Simão, filho de Jonas”- depois de tuas quedas e fraquezas, depois que “Satanás te cirandou como trigo”, depois que te dei forças e poder, depois que choraste amargamente (Lucas 22:62), depois que experimentaste o meu amor por ti - “Simão, tu me amas”?

Já que te converteste, apascenta as minhas ovelhas (João 21:17).

Obs. - O trabalho não tem data, mas é anterior ao ano de 1963, quando Othoniel transferiu sua residência para Patos de Minas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Direitista e Esquerdista

Frei Beto
Nada mais parecido a um esquerdista fanático, desses que descobrem a nefasta presença do pensamento neoliberal até em mulheres que o repudiam, do que um direitista visceral, que identifica presença comunista inclusive em Chapeuzinho Vermelho.
Os dois padecem da síndrome de pânico conspiratório. O direitista, aquinhoado por uma conjuntura que lhe é favorável, envaidece-se com a claque endinheirada que o adula como um dono a seu cão farejador. O esquerdista, cercado de adversários por todos os lados, julga que a história resulta de sua vontade.
O direitista jamais defende os pobres e, se eventualmente o faz, é para que não percebam quão insensível ele é. Mas nem pensar em vê-lo amigo de desempregados, agricultores sem terra ou crianças de rua. Ele olha os deserdados pelo binóculo de seu preconceito, enquanto o esquerdista prefere evitar o contato com o pobre e mergulhar na retórica contida nos livros de análises sociais.
O esquerdista enche a boca de categorias teóricas e prefere o aconchego de sua biblioteca a misturar-se com esse pobretariado que nunca chegará a ser vanguarda da história.
O direitista adora desfilar suas ideias nos salões, brindado a vinho da melhor safra e cercado por gente fina que enxerga a sua auréola de gênio. O esquerdista coopta adeptos, pois não suporta viver sem que um punhado de incautos o encarem  como líder.
O direitista escreve, de preferência,  para atacar aqueles que não reconhecem que ele e a verdade são duas entidades numa só natureza.
O esquerdista não se preocupa apenas em combater o sistema, também se desgasta em tentar minar políticos e empresários que, a seu ver, são a encarnação do mal.
O direitista posa de intelectual, empina o nariz ao ornar seus discursos com citações, como a buscar na autoridade alheia a muleta às suas secretas inseguranças. O esquerdista crê na palavra imutável dos mentores do marxismo e não admite outra hermenêutica que não a dele.
O direitista considera que, apesar da miséria circundante, o sistema tem melhorado. O esquerdista vê no progresso avanço imperialista e não admite que seu vizinho possa sorrir enquanto uma criança chora de fome na África.
O direitista é de uma subserviência abjeta diante dos áulicos do sistema, políticos poderosos e empresários de vulto, como se em sua cabeça residisse a teoria que sustenta todo o edifício de empreendimentos práticos que asseguram a supremacia do capital sobre a felicidade geral.
O esquerdista não suporta autoridade, exceto a própria, e quando abre a boca plagia a si mesmo, já que suas minguadas ideias o obrigam a ser repetitivo. O direitista é emotivo, prepotente, envaidecido. O esquerdista é frio, calculista e soberbo.
O direitista irrita-se aos berros se encontra no armário a gola da camisa mal passada. Dedicado às grandes causas, as pequenas coisas são o seu tendão de Aquiles.
O direitista detesta falar em direitos humanos, e é condescendente com a tortura. O esquerdista admite que, uma vez no poder, os torturados de hoje serão os torturadores de amanhã.
O direitista esbraveja por ver tantos esquerdistas sobreviverem a tudo que se fez para exterminá-los: ditaduras militares, fascismo, nazismo, queda do Muro de Berlim, dificuldade de acesso à mídia etc. O esquerdista considera o direitista um candidato ao fuzilamento.
Direitista e esquerdista – os dois são perfeitos idiotas. O direitista padece da doença senil do capitalismo e o esquerdista, como afirmou Lênin, da doença infantil do comunismo.
Embora mineiro, não fico em cima do muro. Sou de esquerda, mas não esquerdista. Quero todos com acesso a pão, paz e prazer, sem que os direitistas queiram reservar tais direitos a uma minoria, e sem que os esquerdistas queiram impedir os direitistas de acesso a todos os direitos – inclusive o de expressar suas delirantes fobias.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Olhos abertos para o diálogo

 Ricardo Wesley Morais Borges

 Dois episódios, envolvendo ateus, cristãos e muçulmanos, além de um documento escrito por várias mãos. Com isso encerro a breve reflexão sobre o testemunho cristão no mundo, iniciada aqui antes com dois artigos (Entre a cruz e o papa e Missão rima com diálogo). Essa curta série levanta ideias sobre como viver e comunicar bem o evangelho de Cristo no mundo de hoje.

Episódio 1
 
Terminada a palestra na Universidade Federal de Viçosa, fui abordado por um ávido e gentil grupo de estudantes interessados em dialogar. Faziam parte de uma agrupação autodesignada “Incrédulos”. O primeiro súbito desafio: “Prove que Deus existe!”. Intuí que o caminho deveria ser outro: “Aprecio que tenham essa disposição para ouvir e conversar. Eu não posso lhes ‘provar’ que Deus exista, do mesmo modo como vocês também não poderiam ‘provar’ que não exista. Assim, o que acham de começamos de maneira diferente? Eu lhes falo sobre como cheguei a crer naquilo em que creio hoje, desde minha perspectiva existencial. Mas além de subjetiva, ela é também algo objetivo, porque se trata de uma perspectiva histórica que se constrói a partir de uma visão e compreensão dos fatos. Mas antes eu gostaria de ouvir sobre o que vocês creem ou não creem, ou ao que aderem, e como foi que chegaram às suas conclusões”.
 
O resultado foi uma boa e longa conversa. No final, quando nos despedíamos, animei-os a continuar lendo e investigando. Mas não somente aquilo que reforçava o que eles já pensavam – um conselho que eu também busco seguir. Então um deles me disse algo assim: “excelente diálogo; espero que voltemos a nos encontrar no futuro; pode ser que você então tenha mudado algo na sua fé como fruto de nossa interação ou que a gente também tenha revisado a nossa posição, quem sabe?”.  Fui embora feliz e esperançoso. Aquele “quem sabe”, para mim, já era promissor.
 
Episódio 2
 
Minha esposa e eu estávamos, antes de nossas filhas nascerem, estudando teologia na Inglaterra. Durante um trimestre encontrava-se em nosso meio um acadêmico de uma universidade do Oriente Médio, um muçulmano convicto e estudioso das relações inter-religiosas. Depois de um período no Vaticano, sua universidade o havia enviado ali para outra etapa de estudos e observação em um instituto do ramo protestante do cristianismo. Houve debates públicos interessantes, como um com nosso professor árabe cristão sobre violência e fé. Mas o mais fascinante era o diálogo pessoal, à mesa ou logo após o momento em que cada um se dedicava, a seu modo, às orações matinais.
 
Perto do final de seu tempo de intercâmbio, esse brilhante e devoto estudioso convidou alguns amigos nossos para acompanhá-lo nessa hora de orações. Esses amigos cristãos não compartilhavam aquela mesma devoção do “scholar”, mas respeitosamente o acompanharam e ouviram, para sua surpresa, sua prece a “Allah”: “Abra os olhos de meus amigos para que eles vejam toda a verdade. E se há algo que eu não esteja vendo bem, abra também meus olhos para que eu entenda toda a verdade”. A intercessão pelos olhos abertos, de um ou de outro, foi uma oração que me surpreendeu com esperança.
 
Um documento
 
Há pouco recebi um documento através de uma professora que tive, a brasileira Rosalee Velloso Ewell, quem atualmente desempenha a função de diretora executiva da Comissão Teológica da Aliança Evangélica Mundial: “O Testemunho Cristão em um Mundo Multi-Religioso”, um texto produzido pela Aliança Evangélica Mundial, o Concílio Mundial de Igrejas e o Vaticano. Me pareceu uma cooperação pouco comum, mas que resultou em um documento relevante para provocar o debate e para resgatar alguns princípios para o diálogo com pessoas de outras crenças. É bem possível (ou mesmo desejável) que não se concorde com tudo o que está escrito aí, mas o fato de que seja possível o diálogo entre diferentes tradições cristãs pode ser um sinal auspicioso do caminho para que com respeito e integridade se possa viver e comunicar melhor o evangelho de Cristo entre aqueles que professam outras religiões ou o ateísmo.
 
Espero aprender a ouvir, a dialogar, anseio ser coerente e íntegro, na mensagem e na vida. Oro para que sempre meus olhos se abram e “quem sabe” eu consiga revisar em minha atitude e missão o que precise ser mudado ou melhorado. Aprender com a atitude de meus amigos ateus e muçulmanos pode ser um bom começo.
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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pedido de perdão aos negros


Mesmo a mais tendenciosa História não pode escapar de ver a realidade em que vieram, viveram e vivem hoje no Brasil milhões de afro-descendentes, nossos irmãos negros e nossas irmãs negras. É inegável que houve participação das Igrejas históricas na luta pela abolição, pela igualdade e oportunidade de todos os negros e negras de nosso país. Todavia, foram atitudes pontuais, sem a força do comprometimento, sem arriscar de fato e de verdade a própria pele, como nos manda o Senhor da Igreja quando nos fala dos seus pequeninos, isto é, de todos os injustiçados, discriminados e relegados à miséria, doenças e morte.
A concepção ocidental da superioridade branca não é só risível, é criminosa. Alimentou  e alimenta a escravidão e tinha o direito sobre a vida e a morte dos escravos, como ocorre na escravidão contemporânea, camuflada nos empregos domésticos sem a carteira assinada, com valores abaixo do salário mínimo; como ocorre em grande parte na prestação de serviços, no uso de mão-de-obra não especializada no campo e na cidade. Isso todo mundo está cansado de ver por meio da imprensa comprometida com a Justiça e a Paz decorrente.
A concepção da Igreja como Corpo de Cristo nos é muito útil agora. Se um membro sofre, todos sofrem com ele. Se um membro é honrado, todos se alegram com ele. Mas existem patologias estranhas: alguém que fere o seu próprio corpo, como se rejeitasse sua mão, seu pé, seu ouvido. Patologias religiosas. Patologias espirituais. A Igreja de Cristo, desde os tempos apostólicos, sabe da dignidade do outro em sua plenitude. Sabe que Jesus Cristo conquistou essa dignidade por meio da cruz. Sabe que, sem a cruz, sua religião é falsa, diabólica e destina-se ao inferno. Assim, como Corpo de Cristo, a Igreja antiga e contemporânea reconhece, se é fiel e sensata, a sua participação direta e indireta na alienação, discriminação e obstáculo para todos os que trazem na pele uma cor diferente da branca.
Como CORPO DE CRISTO todos participamos do bem ou do mal praticado contra estes irmãos e estas irmãs. Quando não fomos os algozes diretos, não nos importamos que outros o fossem. Quando víamos e sabíamos, nos calamos. Quando gritavam, fechamos os ouvidos. Quando apelavam às leis, encontramos os melhores advogados, cujos custos eram e são muito superiores à prática da Justiça.
Sim, como CORPO DE CRISTO, nós também discriminamos na discriminação ignorante, na interpretação tendenciosa, na leitura de uma só ótica. Como pessoas e cidadãos, não temos oferecido o que manda o Senhor oferecer ao nosso próximo que foi derrubado pela maldade humana: azeite para as suas feridas, apoio para sua caminhada, abrigo para as suas tempestades, disponibilidade e generosidade para as suas necessidades presentes e futuras. O Senhor grita aos nossos ouvidos: “Vão e façam o mesmo”. E também: “Peçam perdão para poderem orar como lhes ensinei”.
Assim, em nome da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil – IPU, pedimos perdão a vocês, irmãos e irmãs afro-descendentes de nosso país, pelos males bem identificados, geralmente arrolados sob o nome de discriminação, que nós praticamos contra vocês na história passada e presente, por todo tipo de pensamentos e palavras insidiosos, malévolos, satânicos que deixamos entrar nos nossos ouvidos e deixamos sair da nossa boca, por todo tipo de má vontade decorrente de sua condição de negro e negra que manifestamos ao longo da nossa vida. Pedimos perdão por considerarmos inferiores a sua religião, a sua religiosidade, a sua música, os seus símbolos, o seu modo de viver. Pedimos perdão a vocês que são cristãos e cristãs, a vocês que são muçulmanos, a vocês que são umbandistas, a vocês que seguem outras tradições de matriz africana, a vocês sem qualquer religião ou fé, a vocês todos, como um povo, a quem devemos amar como nos ama Jesus Cristo.
 
As suas lutas todas por Justiça são as nossas lutas, sem favores. Seus gritos por socorro são os nossos gritos e atingem nossos ouvidos prioritariamente.
Pedimos a Deus Pai-Filho-Espírito Santo que nos desperte a todos desse mal consciente nos adultos, inconsciente nas crianças, mas real e intransferível, a não ser para Jesus, que o levou à cruz, a qual Ele nos convida a ajudá-lo a carregar como gratidão pelo Seu amor.




domingo, 4 de novembro de 2012

Religioso busca catolicismo de massas, mas menos atento às questões sociais


RICARDO MARIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A guinada conservadora católica, o acelerado declínio numérico da filial brasileira da Santa Sé e a avalanche pentecostal acirraram a competição entre católicos e evangélicos a partir de 1980. Essa peleja deflagrou uma disputa religiosa pelo espaço público e uma desenfreada ocupação religiosa da mídia e da política partidária.

Desde então tele-evangelistas, padres-celebridades e cantores gospel tornaram-se onipresentes na mídia eletrônica, emissoras de TV pentecostais e católicas brotaram como cogumelos, rebanhos religiosos viram-se tratados como currais eleitorais, igrejas passaram a formar bancadas parlamentares, a expandir seu poder nos Legislativos e a controlar partidos, discursos moralistas reacionários de inspiração bíblica tomaram de assalto as eleições.

restante do artigo em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/75807-religioso-busca-catolicismo-de-massas-mas-menos-atento-as-questoes-sociais.shtml

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Jonas, um profeta ressentido ou Você tem razão em estar irado?

Eduardo Ribeiro Mundim

Introdução

A história do profeta Jonas é bem conhecida, talvez por duas diferentes razões. A primeira, o grande peixe que o engole e o vomita, inteiro e incólume, três dias depois. A segunda, sua experiência é citada frequentemente como um exemplo a ser evitado – não desobedeça a Deus, ou você será perseguido por Ele, que moverá céus e terra para obrigá-lo a fazer a Sua vontade.

Mas será que estes dois pontos ocupam o principal lugar neste curto livro profético de quatro capítulos e 48 versículos?

Meu objetivo nesta reflexão é mostrar que, do meu ponto de vista, não. A mensagem é bem diferente das duas ideias citadas.

Se fosse reduzir o livro todo em um único título, várias propostas seriam possíveis: Jonas, um profeta ressentido; Jonas, um profeta transparente; Jonas, um profeta como você; Jonas, o profeta que não amava...

Se fosse escolher o versículo chave da sua história, seria “você tem alguma razão para esta fúria?”, que aparece pela primeira vez em 4.4 e é repetida em 4.9.

Algumas questões precisam ser pinceladas.

Seria o livro de Jonas todo ele uma alegoria? Ou uma história literal?

Seria possível aceitá-la como uma história real com todos os encadeamentos de atos miraculosos que o perpassam do início ao fim?

Como situá-lo historicamente? Quando os eventos teriam ocorrido? A Nínive descrita existiu? Se existiu, porque não há registros extrabíblicos da sua conversão?

Estas dificuldades acadêmicas frequentemente dominam as discussões, deixando à margem a real mensagem do livro. E este fenômeno não ocorre somente com este profeta, mas com muitos outros textos bíblicos. Certamente estas, e outras, questões são pertinentes, e merecem ser avaliadas. E não é incomum usar a história de Jonas como ilustração dos absurdos históricos e científicos que estariam disseminados por toda a bíblia. Mas o objetivo desta reflexão é a mensagem que o livro traz, as reflexões que levanta, o Deus que ele mostra, e os homens que ele retrata.

Como concessão aos mais exigentes, digo que aceito com tranquilidade a possibilidade de toda a história de Jonas ser literal. Afinal, quando creio no credo apostólico do início ao fim, creio em milagres específicos do início ao fim que tornam os deste livro um tanto quanto insignificantes.

Partindo do ponto de vista tradicional, este profeta é o mesmo citado em II Rs 14.25. Seu ministério se insere no reinado de Jeroboão II, o último grande rei de Israel. Pelo menos duas circunstâncias externas deram a ele a possibilidade de restaurar as fronteiras de Salomão e trazer prosperidade econômica há muito não vista: a fraqueza da Síria, pelos conflitos com o Império Assírio, e a preocupação deste Império com sua fronteira noroeste. Contudo, a prosperidade não foi igualmente distribuída, tendo Jeroboão enfrentado as profecias de Amós, que denunciavam sua iniquidade, a religiosidade vazia e a segurança sob falsas premissasi. E foi ele quem predisse o sucesso político de Jeroboão II – seria ele um nacionalista?

Apenas a fração do ministério de Jonas retratado pelo livro é conhecido. E do pouco que se sabe sobre ele, é que se pode construir algumas hipóteses sem, aparentemente, possibilidades de verificação.

A Missão

Jonas foge de uma outra comissão! A ele é ordenado se dirigir à maior potência militar da região, um verdadeiro perigo para sua nação (o Império Assírio teve longa duração, com diversas fases, e seu exército era conhecido pela dureza com que tratava os vencidos), para levar-lhe uma palavra profética. E esta, segundo o narrador da história, deve ser dura: “anuncia junto a ela que a sua maldade chegou até mim” (BJ).

Não há mais detalhes sobre o conteúdo – o que nos é diretamente contado é apenas a revelação de que a maldade da cidade é conhecida por Deus, Juiz de toda a terra, e que por isto seria destruída 40 dias após a pregação pelo profeta (3.4).

Contudo, a Pomba (o significado do nome Jonas) entende que o objetivo de sua missão não era a destruição da nação rival e ameaçadora, mas a sua conversão. Ao discutir com Aquele que o comissionou, semanas mais tarde, conta a razão de sua fuga: "Senhor, não foi isso que eu disse quando ainda estava em casa? Foi por isso que me apressei em fugir para Társis. Eu sabia que tu és Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que promete castigar mas depois se arrepende.” (Jn 4.2)

Este coração perdoador deixava sinais evidentes na história do povo eleito. Afinal, apesar da desobediência de toda a nação, Israel ainda não tinha sido destruído. Diversas vezes ao longo de sua história, o Deus de Abraão ensinara que o pecado traria castigo, mas o arrependimento, perdão. E Jonas foi capaz de intuir que esta palavra de salvação, o perdão divino como consequência do real arrependimento do homem, dada ao povo da aliança, tinha um alcance universal! Era destinada inclusive aos inimigos de morte do seu próprio povo!

A Nova Versão Internacional traduz o versículo 2 com uma urgência explícita: “vá depressa à grande cidade de Nínive” (na segunda comissão, não há urgência, na mesma tradução: “vá à grande cidade de Nínive”). Reunindo as informações espalhadas ao longo da história podemos intuir como Jonas entendeu sua missão: o Juiz de toda a terra abrira uma demanda contra a opressora e iníqua cidade de Nínive, a quase 1000 km de Jerusalém, prometendo-lhe a destruição em muito pouco tempo caso não houvesse uma conversão e era urgente que esta mensagem lá chegasse. Teria a Pomba entendido como ironia suprema o fato dele, profeta filho do pacto com os patriarcas, um estrangeiro aos olhos assírios, súdito de uma nação pequena que poderia ser engolida por eles assim que possível, que havia informado a Jeroboão II que a glória dos tempos iniciais da monarquia unida seria parcialmente retomada, o agente de perdão e transformação do inimigo?

Sendo o Império extenso e poderoso, sua maldade afetava milhares de pessoas naquele mundo conhecido. Uma possível conversão daquele povo levantaria a possibilidade de benefícios indiretos a outros...

Jonas rompe com seu Senhor. Este fato é explicitado pelo texto por duas informações complementares: “Mas Jonas fugiu da presença do Senhor, dirigindo-se para Társis.” Ele escolhe um destino que, para o hebreu daquela época, significava o fim do mundo do ponto de vista geográficoii. A localização desta cidade é incerta, havendo várias candidatas, como o litoral da atual Espanha e a ilha de Sardenhaiii. E ele não quer simplesmente ficar bem mais longe do seu alvo missionário – ele quer fugir da presença de Deus. Esta presença não deve ser como a imaginada pelo general sírio Naamã, que ligava Deus a um local geográfico (II Rs 5.17-18), já que ele claramente aceitava a jurisdição dEle sobre a longínqua cidade. Muito provavelmente sinaliza uma completa ruptura de comunhãoiv,v. Rejeitava a comissão dada por discordância fundamental sobre um tema que lhe era muito caro. E no lugar de debater, como Jó, ou de ficar parado onde estava, foge como para demonstrar a força de sua decisão, sua irrevogabilidade. A vontade do profeta não estava em sintonia com a divina, e recusou uma reavaliação frente àquela novidade. Por quê? A explicação mais lógica é que ele não deseja nenhum bem aos assírios, e considerava que qualquer benefício aos povos conquistados seria muito melhor pela destruição dos conquistadores, e não pela sua conversão. Jonas era um profeta que odiava; um profeta que deixava-se governar por suas emoções; uma pessoa que tinha maior prazer na destruição do não crente que na sua regeneração Um profeta que não lia a história do relacionamento do seu povo com o Deus de seus pais por diversos pontos de vista complementares, nem atentando para particularidades e seus desdobramentos. Qual seria sua opinião sobre Rute, a moabita, ou Raabe, a prostituta?

Não deve ser acidental o jogo de palavras que se repete no primeiro capítulo: levantar / descer são dois verbos que se repetemvi. O primeiro, relacionado à comissão divina; o segundo, a reação humana.

A Fuga

É importante tentar se colocar dentro do coração de Jonas, e pensar com seus sentimentos. Sem isto, a história fica um tanto quanto incompreensível nos detalhes; e se estes não são importantes, por que estão no texto?

Como compreender o fenômeno de Jonas ser encontrado dormindo? Ainda que a tradução para o português use o termo “porão”, o original poderia ser literalmente traduzido como “partes internas da coberta inferior”4. E não se está falando de um moderno navio de aço, mas de uma embarcação do século VII antes de Cristo, onde toda a agitação deveria ter sido percebida (como parece estar nas entrelinhas do texto). O uso de qualquer droga potente pode ser descartada, já que não há nenhuma menção deste recurso no livro, nem em toda a Escritura. Pode ser levantada a possibilidade de uma exaustão física e emocional intensa. A primeira, pela fuga para Tarsis, via Jope (uma fuga apressada?), cidade costeira distante de Jerusalém ou do Reino do Norte. A segunda por um conflito interno. Seu pai era Amitai, “minha verdade”. O profeta rompe relações com seu Deus que lhe revela uma verdade que ele não está disposto a aceitar (há perdão disponível até mesmo para os ninivitas – não há pessoas excluídas desta possibilidade) mas que ele não pode negar como sendo a vontade de quem tem o direito e poder de tê-la. Pode ser acrescida a profunda desilusão de um profeta nacionalista, inspirado pelo renascimento econômico e militar de sua pátria.

A tripulação daquele navio mercante era religiosa – o que não é de se estranhar. Após terem feito tudo o que sabiam fazer, com perdas financeiras significativas (afinal, as mercadorias que eram o seu ganha pão foram para o mar), põe-se a orar, cada um a seu deus. E o capitão busca a todos para, ecumenicamente, pedirem auxílio divino. O desespero de todos os tripulantes não os impede de tecer elucubrações teológicas – já que não estamos vencendo esta tempestade, ela deve ser sobrenatural; portanto, deve ter um causador. O sorteio aponta Jonas. E a religiosidade dos marinheiros é ética, pois mesmo com a ameaça real à sobrevivência de todos, recusa a solução apontada pela pomba: “Peguem-me e joguem-me ao mar, e ele se acalmará. Pois eu sei que é por minha causa que esta violenta tempestade caiu sobre vocês". Somente a aceitam, a contragosto, quando percebem que não será possível vencer a tempestade, que aumenta de intensidade, e que a morte chegaria a todos, inocentes e culpado. Sobra apenas o sacrifício humano proposto por aquele que ofendera o seu próprio Deus: ”o que foi que você fez?”. E o fazem aceitando como divinamente inspirada a sugestão do profeta: "Senhor, nós suplicamos, não nos deixes morrer por tirarmos a vida deste homem. Não caia sobre nós a culpa de matar um inocente, porque tu, ó Senhor, fizeste o que desejavas".

Mas, por que Jonas lhes dá esta solução, estranha ao modo hebraico de culto, no lugar de se ajoelhar, confessar sua culpa e seu pecado, prometer mudar de atitude?

Apenas conjecturas podem ser feitas, já que a narrativa não fornece pistas a este respeito. Talvez considerasse seus pecados (desobediência aberta, recusa de conversão e ruptura de relacionamento) como merecedores da pena de morte. Afinal, quando o casal adâmico pecou, a ruptura do relacionamento foi assim punida. Talvez o mortífero fosse uma característica do profeta, pois ao final de sua história (4.1-3) ele pede para morrer (e não parece que era figura de linguagem) porque sua missão tinha sido bem sucedida, ao contrário do que desejava de coração. Talvez ele ainda não tivesse convencido (se é que em algum momento ficou) de que estava errado, e preferisse a morte (que ele imaginava salvar os tripulantes inocentes) a mudar de ideia.

O Peixe

Lançado ao mar, o profeta é engolido por um grande peixe. E este ponto da história é o preferido para questioná-la. Como é possível?

O texto é claro, inclusive no original: um grande peixe. Grande o suficiente para reter, no seu interior, um homem adulto por três dias. Novamente, apenas hipóteses podem ser levantadas sobre o animal. Aparentemente, o único animal marinho capaz seria uma baleia. Mas este termo não é encontrado em nenhum lugar nas Escrituras.

Teria ele ficado na boca do grande peixe, ou no seu estômago? Segundo o narrador, de uma posição onisciente, foram três dias e três noites; portanto, um bom período de tempo. A leitura do salmo proclamado pelo profeta sugere que ele foi engolido já prestes a morrer afogado. É aceitável imaginar que a última lembrança que ele tinha era estar perdido, sem senso de direção (como ocorre nos afogamentos), sem ar e, repentinamente, acordado em um lugar absolutamente escuro. Deve ter consumido uma boa porção do tempo ele conscientizar-se de que, de alguma forma, estava vivo. Pensava, recordava, provavelmente conseguia palpar-se em alguma extensão. Imaginando que o peixe tenha tentado comer outras vezes com ele no seu interior, ocasionalmente grandes quantidades de água salgada deveriam passar por ele, junto com os animais marinhos escolhidos como alimento.

Jonas mostra-se grato por estar vivo, além de desejar retomar o relacionamento rompido. O momento de tensão, ou seja, a fuga e o mar revolto, ficam para trás e no tempo, que deve ter sido do tamanho da eternidade para ele, disponível, ele parece reconsiderar, ao menos parcialmente, sua atitude. Sua oração, na forma de salmo de louvor, termina com “o que eu prometi, cumprirei totalmente”. Exatamente qual foi a promessa, não se sabe.

Sua vida é mantida, ganha um tempo para reconsiderar, absolutamente sozinho, apenas consigo mesmo. É, então, devolvido à terra pelo vômito do peixe – foi aí que ele descobriu como tinha sido salvo? Teria ele se dado conta de que houvera pelo menos dois milagres? A tempestade no mar por sua culpa, e a salvação por um meio absolutamente inusual e absolutamente seguro? Teria ele pensado diferente, caso tivesse ficado à deriva no mar, apoiado em algo que flutuasse, com frio à noite e exposto ao sol durante o dia? Seria o ventre do grande peixe algo semelhante ao útero materno, ou ao berço de um recém-nascido?

A Missão II

Curiosamente, é necessário que Deus novamente o chame. Por quê? Não parece um desenvolvimento lógico da história que Jonas fosse a Nínive assim que se visse em terra? Não era isto que as entrelinhas do seu salmo permitiam supor? Afinal, o que ele quis dizer com “o que eu prometi cumprirei totalmente”(2.9).

Parece que a gratidão pela preservação da sua vida, o reconhecimento da extensão do poder do Deus de seus pais (afinal, enviara uma tempestade ao seu encalço, fizera-o ser sorteado como responsável pela mesma, providenciou um peixe para salvá-lo do afogamento, manteve-o vivo e são no seu interior e por fim, por sua ordem, foi vomitado na praia), o perdão inerente a este fato, não foram suficientes para predispô-lo à missão. É necessário ser novamente chamado, e desta vez ele se dispõe imediatamente.

A mensagem entregue era condicional: estabelecia um prazo de autoavaliação dos ninivitas frente à proclamação divina entregue pelo profeta. Bem diferente da situação de Sodoma e Gomorra, onde a destruição das duas cidades era assunto decidido, sem espaço para arrependimento (Gn 18 e 19). Teria Jonas a mesma compaixão que Abraão teve daquelas duas cidades? Ou esperava ele que o destino de Nínive, arqui-inimiga de sua pátria, fosse o mesmo do daquelas cidades?

Ele faz um serviço mal feito e propositadamente. Afinal, Nínive era uma cidade a ser percorrida em três dias (3.3) e ele a percorre em apenas um (3.4). Sendo a mensagem de vida ou morte para eles (o núcleo dela era “ainda quarenta dias e Nínive será destruída”) pareceria lógico que um pregador misericordioso tentasse por todos os modos convencer seus ouvintes – e havendo tempo suficiente, quarenta dias, poderia esforçar-se diligentemente. Logo, sua rapidez não era altruísta.

E o resultado do seu trabalho mal feito, e repleto de más intenções, é a conversão dos ninivitas. Talvez este seja o maior dentre todos os milagres da história: centenas de pessoas mudaram seu modo de agir após uma mensagem ameaçadora, pouco elaborada e, provavelmente, pouco racional aos seus olhos. E frente a mais esta maravilha, no lugar de reconhecer o poder de Deus, Jonas “ficou profundamente descontente...e enfureceu-se” (4.1). No lugar de alegrar-se com as inúmeras possibilidades que a vida traz, sempre sob a direção santa de Deus, ele pede “tira a minha vida, eu imploro, porque para mim é melhor morrer do que viver". E por quê? Porque seus sonhos homicidas não foram satisfeitos. E não há a menor sugestão no texto de que a sua reação fosse ditada por razões “de Estado” - sobram apenas as razões pessoais.

A Lição Final

Jonas se retira da cidade, e se instala a uma certa distância, esperando os acontecimentos. Talvez ainda houvesse alguma expectativa de que o arrependimento não era “p'ra valer”. Constrói um abrigo no deserto, não completamente suficiente. O que lhe faltava, um abrigo do calor, é-lhe dado gratuitamente, em mais um ato milagroso. Satisfeito e afeiçoado a situação, vê a planta morrer e o calor aumentar, a ponto de, novamente, pedir a morte.

O contexto sugere uma certa afeição pela planta e é a esta situação que Deus lhe apresenta a última lição: como é possível ele ter misericórdia de uma planta (ser de curta duração, vegetal e não gente) e Ele, Deus, não ter de centenas de pessoas que podem mudar suas vidas?

Deus e Jonas

Jonas é um profeta que necessita de conversão. Apesar de dialogar com seu Deus com bastante familiaridade, não se deixa contaminar pelo que Ele é – procura preservar o máximo que pode de suas opiniões e inclinações.

Por duas vezes Deus lhe pergunta “você tem alguma razão...?”. Parece que nenhuma vez Jonas se pergunta por qual razão Deus se empenha tanto para que Nínive ouça a Sua voz; por qual razão Deus se empenha tanto para que Jonas seja o mensageiro.

O que a Pomba-que-é-um-falcão não percebe é que ele também é campo de missão! Tanto quanto Nínive! A mensagem de condenação e de esperança poderia ser entregue por qualquer um, mas a mensagem para Jonas somente poderia ser entregue pelos ninivitas! Ele, com tanta intimidade com Deus, é cru sobre a mais básica característica divina: a santidade. Santidade que é descrita nas Escrituras principalmente em termos de justiça, misericórdia e verdadevii. E a justiça de Deus é a salvação de uma situação de opressão para que se possa viver melhor, dentro do pacto a que Ele chama. A Sua misericórdia, o Amor que a tudo sustenta, inclusive a relação com a humanidade absolutamente depravada. A Sua verdade a plena confiança de que Ele é o que é, sem “mudança nem sombra de variação” (Tg 1.17).

Apesar da desobediência declarada e da obediência incompleta, Jonas não é eliminado, como poderia ter sido se a ele fossem aplicados seus próprios conceitos sobre como Deus deveria agir para com os pecadores. O ensino é igual para o profeta e para os ninivitas: Deus os ama e os chama ao arrependimento.

Dentro do seu orgulho de ser descendente dos patriarcas, da arrogância de ser verdadeiro profeta em uma terra cheia da falsos profetas (que, inclusive, bajulavam Jeroboão II, o rei que Jonas talvez prezasse tanto), da prepotência de ser porta-voz do Altíssimo, ele não se via como deveria ver.

Estar perto de Deus, ser por Ele comissionado, entender Sua mensagem e pregar seu Evangelho não são garantias de retidão pessoal, de amor ao próximo e de não ser cego.

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i Novo Dicionário da Bíblia, vol II, pag 803-4, 3ª ed, 1979, Ed Vida Nova
ii Bíblia de Jerusalém, nota a, pag 1.765, 9ª ed, 1985, Ed Paulinas
iii Novo Dicionário da Bíblia, vol III, pag 1.563, 3ª ed, 1979, Ed Vida Nova
iv Novo Comentário da Bíblia, vol II, pag 871-7, 1ª ed, 1963, Ed Vida Nova
v Alison, J. Fé sem ressentimento, pag. 137-61, 1ª ed, 2010, É Realizações
vi Wondracek K, Hoch LC, Heimann T. Sombras da alma: tramas e tempos da depressão, pag. 205-22, 1ª ed, 2012, Ed Sinodal
vii Lillie W. Studies in new testament ethics, pag.4-6, 1ª ed, 1963, Westminster Press

compartilhado com a Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte no culto matutino de 04/11/12