segunda-feira, 21 de março de 2016

Bioética e Fé Cristâ: A ética na história do aconselhamento genético : um desafio à educação médica


O aconselhamento genético é uma prática que surgiu nos Estados Unidos na década de 1940 e tem se difundido ao redor do mundo com a crescente popularização da informação genética e a profissionalização da genética na saúde pública. É por meio de sessões de aconselhamento que as pessoas são informadas sobre os resultados de testes genéticos e recebem orientações sobre probabilidades, riscos e possibilidades de doenças genéticas. Trata-se de uma prática profissional que combina saúde, assistência e educação. Este ensaio descreve o surgimento e o desenvolvimento da prática de aconselhamento genético e apresenta alguns de seus desafios éticos. 



Licença : Nome do detentor dos direitos: Associação Brasileira de Educação Médica. "A reprodução em papel ou meio eletrônico com fins educativos será autorizada desde que citada a fonte e desde que não represente uma republicação. Neste caso será necessária autorização prévia expressa da Abem." Fonte: http://www.scielo.br/revistas/rbem/paboutj.htm

postado no Bioética e Fé Cristã em 21.03.16

quarta-feira, 16 de março de 2016

Bioética e Fé Cristã: Genetic Information Ethics Statement

As Christian physicians and dentists we affirm:
  • All human beings have been individually created through the providential interest and design of Almighty God. Being created in the image of God, every human being has infinite worth, regardless of genotype or phenotype.
  • The diversity of individuals is part of the wonder and strength of God's sovereign design.
  • Each human life is a composite of genetic, environmental, social, volitional and spiritual factors.
  • God has endowed humans with minds capable of exploring but only partially understanding the magnificence and intricacies of His Creation. Human knowledge and wisdom are limited and may be used for evil or good.
  • God has mandated good stewardship of Creation, both of ourselves and the surrounding world.
Therefore, we believe:
  • The presence of a disability, either inherited or acquired, does not detract from a person's intrinsic worth.
  • The scientific exploration of life, including its genetic foundation, is proper and consistent with God's mandate and humanity's created nature, but must be conducted within biblical constraints.
  • Genetic information may be of legitimate value in guiding the care of patients.
  • Because a minor is unable to give informed consent, for genetic testing of a minor to be performed, it should benefit him during the period of time prior to majority. Therefore, pre-symptomatic testing of a minor should not be performed for disorders that will not either affect his health until after majority or result in therapeutic intervention before majority.
  • An individual's genetic information should be kept strictly confidential.
  • Somatic cell manipulation to replace absent or defective genes is consistent with the goals of medicine, and may be good stewardship of knowledge. Such manipulation should be performed only after extensive study demonstrates the specificity, benefits and risks of these interventions, or as part of an approved clinical trial.
  • Germ cell manipulation as a technology carries with it a much higher risk of harm and abuse than somatic cell manipulation, in that it affects future generations. But, we do not believe it is appropriate to preclude categorically the potential use of this technology. It may become possible to correct safely and specifically some severe deficiencies (e.g. hemophilia) for multiple generations, and we do not wish to condemn such a beneficial use of technology.
We oppose:
  • The search for and use of genetic information to justify destroying an existing life, born or unborn.
  • The use of genetic information for discriminatory purposes including infringement upon the right to procreate.
  • The use of genetic manipulation to augment human attributes.
  • The use of a patient's genetic information for societal benefit if such use harms or could potentially harm that individual.
  • The reductionist belief that humans are simply the product of their genetic destiny.
As more knowledge becomes available, we need to seek humbly and prayerfully God's wisdom and guidance in the use of genetic information and technology.

leia mais em http://cmda.org/resources/publication/genetic-information-ethics-statement


publicado no Bioética e Fé Cristã em 16/03/16

O Deus das ondas gravitacionais

Posted: 23 Feb 2016 10:15 AM PST
A descoberta das ondas gravitacionais na semana passada foi aclamada como o início de uma nova era na astrofísica. Estas vibrações no espaço-tempo, que reivindicam a teoria da gravidade de Einstein cem anos depois que ele a propôs pela primeira vez, nos permitem "ouvir" o cosmos, bem como enxergá-lo.

Cientificamente falando, as ondas gravitacionais são uma nova forma de experimentar nosso universo – e quem pode afirmar o que se irá descobrir, ouvir e ver a partir de agora? Eu sou cristã e astrônoma, então eu não tenho outra alternativa senão considerar o que isso significa para a minha fé quando as fronteiras da ciência avançam de maneira tão expressiva.

Muitos cristãos acham essa descoberta ameaçadora. Eles raciocinam da seguinte forma: Se a ciência é capaz de explicar cada vez mais os fenômenos do mundo natural, então haverá cada vez menos espaço no cenário para Deus. O criacionismo é o exemplo mais conhecido dessa lógica. Um criacionista acredita que a teoria da evolução é insidiosa porque, à sua maneira de pensar, se aceitarmos a ideia de que a vida surgiu a partir da "sopa primordial" e evoluiu para os seres humanos, como podemos reivindicar que ela foi criada por um Criador divino?

Este tipo de raciocínio surge com tanta frequência que o apelidamos de o "Deus das lacunas". Para os cristãos, o problema de raciocínio com o "Deus-das-lacunas" é que ele coloca a ciência e a fé uma contra a outra. Se aceitarmos a premissa de que as reivindicações da Bíblia devem ser sopesadas contra as teorias científicas, então, inevitavelmente tem-se que escolher uma e desprezar a outra. Como ocorrem as descobertas científicas e as "lacunas" em nosso conhecimento científico diminuem, precisamos cada vez menos da ideia de Deus para explicar o mundo físico. Em uma batalha fé-contra-ciência, a fé está em desvantagem – pela simples razão de que a ciência é muito eficiente para explicar as coisas que vemos ao nosso redor.

Não é nenhuma surpresa, então, que apontar para o raciocínio "Deus-das-lacunas" é uma tática favorita de Richard Dawkins e outros críticos do cristianismo. Por outro lado, estudiosos cristãos reconhecem que uma imagem como a que eu acabei de descrever não é uma teologia muito robusta.

Ambos os lados parecem considerar insustentável qualquer filosofia que se baseia em nossa falta de conhecimento para criar espaço para Deus.

Não me interpretem mal, mas Deus não é útil enquanto uma teoria científica. Pensar em Deus desta maneira foge do ponto. Toda a noção de um Deus das lacunas depende de uma imagem filosófica em que a ciência tem um ponto final. Por isso, quando descobrimos ondas gravitacionais, ou encontramos um novo número primo, ou fazemos progressos em direção à cura da doença crônica, nos aproximamos do "fim" [finalidade] da ciência.
Esta é uma noção muito empobrecida do que é ciência, e eu ainda não encontrei um cientista que pensa dessa maneira. A ciência diz respeito a um processo de fazer perguntas. A tentativa de responder às nossas perguntas sobre como as coisas funcionam leva a uma compreensão mais profunda do mundo que nos rodeia, mas sempre levanta mais questões. A ciência é uma resposta humana ao desconhecido – por isso, enquanto houver humanos para fazer perguntas, nunca haverá um fim para a ciência.

Pela mesma razão, não devemos ter medo de abraçar o desconhecido – as lacunas no nosso conhecimento do divino – como um caminho para a compreensão de Deus. Na fé, assim como na ciência, fazendo perguntas quando confrontados com o mistério é a natureza humana. É ingênuo pensar que temos a capacidade de diminuir o poder, amor, ou o âmbito da ação de Deus, simplesmente fazendo perguntas. Na verdade, eu defendo que um espírito questionador deve desempenhar um papel importante na vida de fé de um cristão. Longe de desencorajar o pedido, a Bíblia exorta: "Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.", disse Jesus no Sermão da Montanha. [Mateus 7: 7-8]
Nossas perguntas assumem diferentes formas. Podemos usar nosso raciocínio para sondar o universo físico que Deus criou. Podemos desafiar a Deus por respostas em momentos de dor e tristeza; podemos ler a Escritura e perguntar o que ela significa para as nossas vidas. É claro que, em nenhum lugar ela nos garante respostas concretas. Mais frequentemente do que um "não", Deus não dá respostas completas, mas em vez disso ele responde com mais perguntas.

O Livro de Jó é uma exploração profunda deste questionamento dinâmico. Quando Jó desafia Deus, exigindo uma explicação para suas aflições, cada um de seus amigos oferece um raciocínio diferente. Quando Deus o responde, varre ao longe suas respostas simplistas, e, ao invés de uma resposta pronta, interroga Jó: "…porque te perguntarei, e tu me responderás. Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento."[Jó 38: 3-4].

A narrativa da criação que se segue, sob a forma de perguntas dirigidas a Jó, é uma das passagens mais impressionantes nas Escrituras. Quando Deus concluiu, Jó realmente não teve uma resposta para a pergunta original – Por que estou aflito? – Mas ele teve uma nova e mais profunda compreensão de Deus.
"Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem." [Jó 42: 5]

Nós já tínhamos visto o universo com a visão dos olhos, mas agora nossos ouvidos o ouvem. Ondas gravitacionais levantam mais perguntas do que respostas, mas sua descoberta nos dá uma maneira profunda de compreender o cosmo que não tínhamos antes. Se temermos as lacunas em nosso conhecimento, retrocedemos em fazer as perguntas que nos levam a descobertas como essa, e perdemos a oportunidade de conhecer a Deus um pouco melhor através da criação.

Jenna Freudenburg é astrônoma na Ohio State University.
Traduzido e adaptado por Áquila Mazzinghy.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Bioética e Fé Cristã: For your interest? The ethical acceptability of using non-invasive prenatal testing to test 'purely for information'

Non-invasive prenatal testing (NIPT) is an emerging form of prenatal genetic testing that provides information about the genetic constitution of a foetus without the risk of pregnancy loss as a direct result of the test procedure. As with other prenatal tests, information from NIPT can help to make a decision about termination of pregnancy, plan contingencies for birth or prepare parents to raise a child with a genetic condition. NIPT can also be used by women and couples to test purely 'for information'. Here, no particular action is envisaged following the test; it is motivated entirely by an interest in the result. The fact that NIPT can be performed without posing a risk to the pregnancy could give rise to an increase in such requests. In this paper, we examine the ethical aspects of using NIPT 'purely for information', including the competing interests of the prospective parents and the future child, and the acceptability of testing for 'frivolous' reasons. Drawing on several clinical scenarios, we claim that arguments about testing children for genetic conditions are relevant to this debate. In addition, we raise ethical concerns over the potential for objectification of the child. We conclude that, in most cases, using NIPT to test for adult-onset conditions, carrier status or non-serious traits presenting in childhood would be unacceptable. 

artigo original, não disponível gratuitamente, em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bioe.12125/pdf

publicado no Bioética e Fé Cristã em 14/03/16

quinta-feira, 10 de março de 2016

O Cristianismo e a História da Tecnologia – Parte 1

Posted: 02 Mar 2016 11:58 AM PST
por Michael Sacasas – tradução Fernando Pasquini

Texto original: http://thefrailestthing.com/2012/03/01/christianity-and-the-history-of-technology-longform/

Introdução

Desde meados do século XX tem havido um constante e talvez modesto debate acadêmico sobre a relação entre tecnologia e religião. Entre os estudiosos que abordaram especificamente a natureza dessa relação, suas pesquisas concentraram-se no seguinte conjunto de interesses: o papel da religião ao determinar a postura da sociedade ocidental para com o mundo natural, o papel das religiões em incitar o desenvolvimento tecnológico, o papel da religião na formação das atitudes ocidentais para com o “trabalho e as ferramentas de trabalho”, e, mais recentemente, o uso da linguagem e categorias religiosas para descrever a tecnologia. A maioria desses estudos concentra-se quase exclusivamente no contexto europeu e norte-americano; assim, “religião” refere-se ao cristianismo. Jacques Ellul, Lynn White, George Ovitt, Susan White, David Noble, e Bronislaw Szerszynski estão entre os contribuintes mais notáveis deste debate.

Os comentários de Jacques Ellul foram os primeiros, mas não definiram os termos do debate. Essa honra coube a Lynn White, que, em seu ensaio de 1968, “As Raízes Históricas de Nossa Crise Ecológica”, propôs inicialmente que a relação da Europa com a tecnologia foi moldada de forma distintiva pela cosmovisão cristã. Estudiosos repetidamente voltam a White para examinar mais sua tese e seu contexto ecológico.

O livro de George Ovitt, “A Restauração da Perfeição: Trabalho e Tecnologia na Cultura Medieval”, continua sendo o tratamento mais aprofundado no nexo das questões levantadas pelo ensaio de White. Ovitt conclui que há uma boa razão para se restringir significativamente as afirmações de White.

O estudo de Susan White, “Adoração Cristã e a Mudança Tecnológica”, se destaca como uma consideração da influência da tecnologia na liturgia cristã.

David Noble se baseia no trabalho de White e Ovitt para oferecer um relato do que ele chama de “religião da tecnologia”, que diz respeito a um entrelaçamento generalizado das questões religiosas com o projeto da tecnologia, além da tendência de se associar a busca da transcendência à tecnologia.

Finalmente, o livro de Bronislaw Szerszynski intitulado “Natureza, Tecnologia e o Sagrado” oferece uma reconsideração teoricamente sofisticada do argumento de White, abraçando, no que diz respeito ao caráter da sociedade contemporânea, o diagnóstico da sociedade tecnológica feita por Ellul. Szerszynski também transfere o argumento para fora do período medieval argumentando que as transformações realmente decisivas no contexto intelectual e religioso da história tecnológica da Europa devem ser localizados na Reforma Protestante.

Jacques Ellul: Cristianismo A-técnico

O livro de Ellul intitulado “A Técnica e o Desafio do Século” foi publicado em francês em 1954 e teve sua primeira tradução para o inglês em 1964 [NOTA DO TRADUTOR: O livro foi publicado inicialmente em português em 1968, pela editora Paz e Terra, e atualmente está fora de publicação]. Ellul fornece um breve esboço histórico da evolução da técnica e, dentro disso, analisa a relação entre o cristianismo e tecnologia. Conforme acredita Ellul, o cristianismo, na forma era praticado durante o período medieval tardio foi, na melhor das hipóteses, ambivalente com relação ao avanço da tecnologia. Ele reconhece que a opinião geral contrasta as religiões orientais, que eram supostamente “passivas, fatalistas e de desprezo para com a vida vida e a ação”, com o cristianismo, a religião do Ocidente, que era supostamente “ativa, conquistadora, e que transformava a natureza em lucro.”

No entanto, embora esta caracterização tenha sido amplamente aceita, Ellul acreditava que ela está errada. Ela tanto ignora os avanços técnicos reais das civilizações orientais como também não compreende a postura do cristianismo diante do desenvolvimento técnico.

De acordo com Ellul, o aparecimento do cristianismo marcou a “quebra da técnica romana em todas as áreas – tanto no nível de organização, como na construção de cidades, na indústria e nos transportes.”Em sua opinião, Juliano, o Apóstata, e mais tarde Edward Gibbon, não estavam totalmente equivocados ao atribuir o enfraquecimento do Império à ascensão da Igreja. Após o colapso do Império Romano no Ocidente, a sociedade ficou sob a tutela do cristianismo, que Ellul caracterizou tanto como “‘a-capitalista’ como também ‘a-técnico'”. Em cada esfera da cultura medieval, com exceção da arquitetura, Ellul vê “igualmente a ausência quase total de técnica.”

Ellul então passa a desafiar os dois argumentos históricos empregados por aqueles que acreditam que o cristianismo “abriu o caminho para o desenvolvimento técnico.” O primeiro destes afirma que a supressão da escravidão ocasionada pelo cristianismo impulsionou o desenvolvimento da tecnologia, de forma a aliviar as misérias do trabalho manual. Já o segundo afirma que o desencantamento do mundo natural produzido pelo cristianismo removeu os obstáculos metafísicos e psicológicos para a sua exploração com vistas à tecnologia. Ellul afirma que o primeiro argumento falha em considerar as realizações técnicas impressionantes nas sociedades escravistas, e o segundo, embora válido até certo ponto, ignora as outras restrições da fé cristã colocadas em relação atividade técnica, ou seja, suas tendências ascéticas e voltadas para o outro mundo. Além disso, o cristianismo submeteu todas as atividades ao julgamento moral. Assim, atividade técnica era limitada por considerações não-técnicas, e foi dentro deste “escopo restrito” que certos avanços técnicos foram alcançados e propagados pelos mosteiros.

Lynn White: o Cristianismo e o Clima Cultural do Avanço Tecnológico

Em seu ensaio clássico, “As Raízes Históricas de Nossa Crise Ecológica”, Lynn White Jr. demarcou uma posição que discorda de Ellul em quase todos os pontos possíveis. White começa descrevendo a lacuna de avanço técnico que se abriu entre a Europa Ocidental e ambas as civilizações islâmica e bizantina no leste. Esta lacuna antecedeu a “Revolução Científica” do século XVI e já era evidente no final da Idade Média. Consequentemente, White volta-se para a Idade Média para compreender a natureza da tecnologia ocidental.

Embora White esteja, nesta fase de sua carreira, afastando-se da abordagem de um único fator para a mudança tecnológica, alguns elementos dessa abordagem ainda são evidentes em “As Raízes Históricas de Nossa Crise Ecológica”, no qual ele aponta para a introdução do arado pesado como catalisador de uma mudança de atitudes acerca da relação da humanidade com a natureza. Nas palavras de White, o arado pesado “atacou a terra com tamanha violência que o arado cruzado já não era mais necessário.” White também observa que essa nova atitude de dominação logo teve uma expressão pictórica nos calendários francos que mostravam o homem e a natureza em oposição, tendo o homem como mestre.

Neste ponto do ensaio, entretanto, White abandona uma análise baseada em um único fator tecnológico para mudança social e parte para a consideração das influências culturais que condicionaram o desenvolvimento e implantação da tecnologia em uma relação conflituosa com a natureza. White acredita que religião cristã tal como praticada na Europa Ocidental é a principal culpada. “Especialmente na sua forma ocidental,” White conclui, “o cristianismo é a religião mais antropocêntrica que o mundo já viu.” Depois de recordar brevemente os conhecidos conceitos e linguagem da narrativa da criação no primeiro capítulo do livro de Gênesis, White contrasta o cristianismo com o paganismo antigo e as religiões orientais, e crê que o cristianismo “não só estabeleceu um dualismo do homem e da natureza, mas também insistiu que é da vontade de Deus que o homem explore a natureza para seus próprios fins”. O cristianismo realizou esta “revolução psíquica” através de um desencantamento da natureza, tornando “possível explorar a natureza em um clima de indiferença aos sentimentos dos objetos naturais.”

White, então, afirma o segundo argumento que Ellul rejeitou em sua análise da relação entre o cristianismo e a natureza. Ele supera uma das críticas de Ellul – de que ramos orientais do Cristianismo não pregaram a mesma relação com a natureza e, portanto, que a religião não é o fator-chave -, apontando para as diferenças significativas na perspectiva teológica que caracterizaram as igrejas latinas ativistas no Ocidente e as Igrejas gregas contemplativas no Oriente. Ellul havia notado a diferença, e usou a Igreja Ortodoxa Russa como exemplo da questão, mas concluiu que a diferença deveria ser cultural e não religiosa. Mas embora a formação cultural do cristianismo antigo não deva ser esquecida, permanece o fato de que, na Idade Média, tanto o cristianismo oriental como o ocidental assumiram formas distintas e estavam agora, como variações culturais da mesma religião, moldando o clima intelectual de suas respectivas sociedades.

Além disso, White também reforça o argumento apontando para a visão sacramental do cristianismo oriental. A Natureza existia como um sistema de sinais para serem lidos e através dos quais Deus falava à humanidade. Isso é, na opinião de White, uma visão da natureza “essencialmente artística ao invés de científica”. Enquanto o Ocidente inicialmente partilhava esta visão sacramental, no final do período medieval este deu lugar a uma teologia natural mais inclinada a “ler” a natureza entendendo o seu funcionamento, ao invés de meramente contemplar a sua aparência. (Bronislaw Szerszynsk mais tarde irá lidar com este argumento semiótico em profundidade.)

A estrutura retórica do artigo de White se preocupa mais com as fontes da “atual crise ecológica”, mas o corpo de seu argumento se dirige a outra pergunta: Qual a explicação para o avanço da tecnologia ocidental em comparação às suas civilizações rivais? O ensaio de White, embora inicialmente partindo de uma abordagem de um único fator para a mudança tecnológica, no quadro geral utilizou uma abordagem de fatores sociais, focando-se no cristianismo latino como a força motriz da evolução tecnológica da Europa Ocidental. Ao fazer isso, o ensaio definiu os termos e tornou-se um ponto de partida para a discussão posterior do relacionamento da religião com a tecnologia. Mais notavelmente, ele ancorou o debate na Idade Média, apontou para o significado cultural das distinções teológicas aparentemente arcanas, identificou o Cristianismo como o fator cultural mais importante conduzindo a atividade tecnológica no Ocidente, e ligou a questão histórica às preocupações ambientais.

Lynn White desenvolve ainda mais sua tese em um longo artigo de 1971, “Climas Culturais e o Avanço Tecnológico na Idade Média”, no qual ele se dispõe a identificar diretamente as fontes do “impulso tecnológico sem precedentes no Ocidente medieval”.

White começa discutindo a propensão da Europa medieval em tomar emprestadas e elaborar em cima de tecnologias desenvolvidas inicialmente em outras sociedades. A cultura da Europa medieval “foi única no seu clima de receptividade a transplantes” e isso explica, em parte, o vigor da produção tecnológica medieval. No entanto, essa mesma receptividade exige uma explicação, e em resposta White reafirma a lógica de “As raízes históricas de nossa crise ecológica”:

“Aquilo que uma sociedade realiza tecnologicamente é algo influenciado por empréstimos casuais de outras culturas, embora a extensão e usos destes empréstimos sejam reciprocamente influenciados por certas atitudes em relação às mudanças tecnológicas. Fundamentalmente, no entanto, tais atitudes dependem daquilo que as pessoas em uma sociedade pensam sobre seus relacionamentos pessoais com a natureza, seus destinos, e quão bom é agir sobre eles. Estas são questões religiosas.”

No que se segue, White amplia as linhas do argumento sugerido no ensaio anterior, ao mesmo tempo que apresenta linhas adicionais de evidência em apoio de sua tese. O trabalho seminal do historiador medieval Ernst Benz, cujos escritos sobre o assunto apareceram em italiano em 1964 e foram apresentados em inglês em 1966, é introduzido pela primeira vez no argumento de White. O estudo de Benz acerca dos “impulsos anti-tecnológicos” do Zen Budismo levou-o a localizar a aceitação de mudanças tecnológicas pela Europa Ocidental dentro de sua perspectiva religiosa. Ele apontou para o cristianismo em sua concepção linear da história, sua apresentação de Deus como arquiteto e oleiro, sua afirmação teológica da bondade da criação material, e seu pressuposto da ordem criada como uma “obra inteligente” – tudo isso, em sua opinião, algo único no cristianismo – como os componentes daquilo que White chama de um “clima cultural” extremamente hospitaleiro para o avanço tecnológico.

White apresenta os contornos da análise de Benz, mas encontra espaço para melhorias. Baseando-se em dois artigos publicados de forma independente em 1956, White mais uma vez chama atenção para o desencantamento da natureza supostamente realizado pelo triunfo cultural do cristianismo sobre o paganismo antigo. Ele também reafirma e desenvolve a importância da distinção entre o cristianismo ocidental e o oriental. Aqui, White fortalece suas observações anteriores utilizando evidências iconográficas e textuais.

Começando logo após da virada do primeiro milênio cristão, a iconografia ocidental descreve Deus no ato da criação como um construtor, mestre artesão, e mais tarde um mecânico – uma tradição visual jamais adotada nas igrejas orientais. Na questão exegética, White destaca as interpretações ocidentais e orientais da história de Marta e Maria no Evangelho de Lucas. Enquanto uma leitura superficial sugira que a contemplação seja mais importante que o ativismo, os intérpretes latinos, começando com Agostinho, saem dessa interpretação, buscando amenizar e até mesmo reverter a aparente crítica do ativismo e do trabalho.

Com isso, White então se volta a algo que se tornaria outro ponto chave de atenção nas discussões posteriores sobre tecnologia e cristianismo: a atitude em relação ao trabalho nas ordens monásticas, principalmente entre os beneditinos. White observa que, no mundo bizantino, ao contrário do Ocidente, que não sofreu um colapso geral da cultura, as ordens religiosas não foram obrigadas a arcar com o ônus de sustentar todos os aspectos da civilização, sejam eles seculares e religiosos. Entretanto, após o colapso da autoridade romana no Ocidente, as ordens religiosas – notavelmente os beneditinos – encontraram-se na tarefa de exercer funções religiosas e seculares, unindo adoração e trabalho. Esse compromisso com o trabalho e as artes mecânicas, na opinião de White, geraria um ímpeto caracteristicamente religioso para o desenvolvimento da tecnologia.

White apoia sua afirmação com base na obra do pseudônimo Teófilo e Hugo de São Vítor. As obras de Teófilo, que datam do início do século 12, fornecem um registro indispensável do conhecimento tecnológico da época, ao mesmo tempo confirmando a motivação religiosa para a inovação técnica, que White acredita ser característica da época. Nesse mesmo tempo, o contemporâneo de Teófilo, Hugo de São Vítor, incorporou as artes mecânicas em sua influente classificação do conhecimento e das artes. Embora as artes mecânicas estivessem na mais baixa posição na hierarquia das artes, ainda assim elas foram incluídas, e isso não era pouco. Juntas, as obras de Teófilo e Hugo apoiam a tese de White sobre o papel do cristianismo ocidental ao formar o impulso tecnológico da Europa na Idade Média.

White conclui com mais uma evidência iconográfica corroborando sua tese. Uma ilustração do Salmo 63 no Saltério de Utrecht, datada em meados do século IX, apresenta um confronto entre o rei Davi e os Justos com uma força muito maior dos ímpios. Enquanto os ímpios usavam pedras de amolar para afiarem suas espadas, os piedosos empregam “a primeira manivela que se tem registro além da China, usada para rodar o primeiro rebolo conhecido na humanidade”. “Claramente”, White conclui, “o artista está nos dizendo que o avanço tecnológico é a vontade de Deus.”

Assim, embora “As Raízes Históricas de Nossa Crise Ecológica” seja citado com mais frequência e mais frequentemente tomado como ponto de partida, é em “Climas Culturais e o Avanço Tecnológico na Idade Média” que White defende mais persuasivamente a ideia da influência formativa do cristianismo sobre a história da tecnologia na sociedade ocidental. Com sua inclusão da pesquisa de Ernst Benz e sua discussão da espiritualidade beneditina, este ensaio definiu a agenda de pesquisas e discussões posteriores.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Why parents should not be told the sex of their fetus

 
A new technique called non-invasive prenatal testing (NIPT) has been developed, which can detect a range of genetic and chromosomal diseases, as well as fetal sex earlier, more easily and more reliably. NIPT, therefore, potentially expands the market for sex determination and sex selective abortion. This paper argues that both practices should be prevented by not including fetal sex in prenatal test reports. This is because there is a discrepancy between what parents are concerned with (gender) and what the prenatal test can provide (sex). The paper first presents arguments, which indicate a difference between sex and gender before presenting parental motivations for sex selection and sex determination to show that parents are not concerned with their child's sex chromosomes, or even their genitalia, but the gender role that their child will espouse. That, however, is not something that a prenatal test can provide. We are thus left with a situation in which what parents are told, and what they think they are being told, are two different things. In other words, as the conflation of sex with gender is implicit in the disclosure of fetal sex, it may be more accurate to refer to it as misinformation. This misinformation promotes sexism via gender essentialism, which is neither in the interests of the future child nor society. 

Fonte: http://jme.bmj.com/content/early/2016/02/04/medethics-2015-102989.full

publicado no bioética e Fé Cristã em 09/03/16