sábado, 30 de junho de 2012

James Alison: O amor homossexual. Um olhar teológico-pastoral


O teólogo católico James Alison é padre e escritor inglês. Estudou, viveu e trabalhou no México, Brasil, Bolívia, Chile e Estados Unidos, bem como sua terra natal, a Inglaterra. Obteve o doutorado em Teologia pelas Faculdades Jesuítas de Belo Horizonte. É autor de, entre outros, Knowing Jesus (London: SPCK 1992), Raising Abel (New York: Crossroad, 1996), The joy of being wrong (New York: Crossroad 1998) e Faith beyond resentment: fragments catholic and gay (London: Darton Longman & Todd 2001). Seu site pessoal é www.jamesalison.co.uk. Teólogo sistemático, Alison busca uma compreensão não violenta do desejo associada a René Girard, procurando elaborar as intuições de uma nova relação entre criação e salvação a partir das suas experiências no campo acadêmico e pastoral. Ele trabalha atualmente como um pesquisador itinerante, acompanhando uma imensa variedade de públicos, em leituras acadêmicas, seminários de pós-graduação, cursos de catequese para adultos, retiros para padres, e encontros católicos e ecumênicos de gays e lésbicas. Quando não está na estrada, Alison chama Londres de sua “casa”. Confira, a seguir, a entrevista que ele concedeu por telefone para a IHU On-Line, quando falou sobre sua concepção acerca da homossexualidade, principalmente relacionada com a Igreja. " 

IHU On-Line - Como entender a relação homossexual a partir da compreensão não violenta do desejo, com base no pensamento de René Girard? 
James Alison – O pensamento de Girard  com relação à questão do desejo se explica pelo fato de que o desejo de todos nós é mimético, ou seja, aprendemos a desejar segundo o desejo do outro/da outra. A partir do nosso nascimento, nos encontramos no desejo de outra pessoa, ou seja, dos nossos pais, guardiões, professores, e todos aqueles que nos ensinam a ficarmos “viáveis” como seres humanos. Isso significa que o desejo, em si, é algo bom. Se não fosse por ele, não chegaríamos à categoria de seres humanos. Porém, como ocorre com todos, começamos a receber esse desejo de forma distorcida. Recebemos tanto a capacidade de desejar sem obstáculos quanto o desejo cheio de rivalidades. Por exemplo, se dermos várias bolas vermelhas para duas crianças brincarem, dentro de pouco tempo, apenas uma dessas bolas será desejada, embora as outras sejam idênticas. Elas terão menos prestígio, menos valor, do que aquela bola que ficou sendo cobiçada pelo grupo de crianças. Em outras palavras, aprendemos a desejar segundo o desejo do outro, e isso nos leva a uma rivalidade. Neste momento, vamos trazer isso para a questão gay. Todos aprendemos a desejar o outro sexual a partir da nossa imitação, daquilo que nos é parecido. Ou seja, a partir da imitação das pessoas do mesmo sexo, aprendemos a desejar as pessoas do outro sexo. Segundo a maneira tradicional de pensar, algumas pessoas considerariam o desejo homossexual como uma distorção disso, em que pessoas do mesmo sexo não apenas aprendem a desejar segundo o desejo do próprio sexo, o qual é totalmente normal, mas de, alguma forma, aquele desejo é fixado no rival. Ou seja, ao invés de desejar o objeto apontado como rival, eu começo a desejar o próprio rival. Essa é uma explicação que as pessoas têm usado para afirmar que o desejo homossexual é intrinsecamente desordenado. A contribuição de Girard em toda essa área é para mostrar que, na verdade, o desejo é mimético, independentemente do objeto. Tanto que uma pessoa heterossexual pode desejar uma pessoa do outro sexo de maneira rivalística como também pode aprender a desejar de maneira não rivalística, aprendendo a “segurar” essa pessoa não como objeto a ser “preso”, mas para fazer crescer, frutificar. O mesmo é possível para pessoas gays. É possível para uma pessoa gay amar outra do mesmo sexo, não só como “presa” para olhos cobiçosos, mas de maneira pacífica, de forma a querer o bem dela, a fim de que ela frutifique. Essa é a importância do pensamento de Girard: distinguir entre o desejo possessivo/rivalístico, por um lado, e o desejo pacífico/criador, por outro.

IHU On-Line - A partir das suas experiências no campo acadêmico e pastoral, como podemos pensar na elaboração de uma nova relação entre criação e salvação? O que fazer dentro da teologia moral para que o ser humano homossexual se sinta tão amado por Deus quanto aquele de orientação heterossexual? 
James Alison – No atual estado da teologia católica, esta é a pergunta-chave. O ensino tradicional da Igreja católica, com respeito à relação entre natureza e graça, indica que a natureza humana é boa e que Deus, ao salvar-nos, não estava abolindo a natureza humana, mas abrindo a possibilidade de que ela chegasse à sua perfeição. Lembramos, aqui, a frase de São Tomás de Aquino  “A graça aperfeiçoa a natureza”. Isso significa que é impossível considerar que uma pessoa humana tenha, em uma parte de si, um desejo que seja intrinsecamente perverso. O desejo de todos nós é, em si, a princípio, uma coisa boa, mesmo que todos vivamos numa distorção e desordem muito grande. Há uma grande diferença entre dizer a uma pessoa “Olha, eu te amo, você vai crescer a partir de quem você é, para chegar a ser ainda maior do que você possa imaginar”, ou dizer a essa mesma pessoa “Você é radicalmente depravado. Do jeito que você é não vai a lugar nenhum. Eu vou precisar fingir que você é outra coisa, para te aperfeiçoar a partir de algo que você não é. Dessa forma, vou te salvar. Mas o custo é que você precisa abolir tudo o que é originalmente seu”. Há muita diferença entre essas duas posições. Curiosamente, a posição da Igreja Católica é a primeira. O olhar de Deus diz isso: “Eu te quero e, a partir de quem você é, você é capaz de chegar a ser algo que ainda não é, em harmonia orgânica com aquilo que faz parte de você de forma ainda bagunçada, por enquanto”. Porém, o atual ensino da Igreja, nessa matéria, tende a sugerir que o desejo homossexual é uma desordem objetiva. Na medida em que esse ensino insiste na depravação radical do desejo pelo mesmo sexo, ele está caindo numa heresia, a partir do ensino tradicional do ponto de vista da graça e da natureza. É importante que recuperemos o ensino mais tradicional nessa matéria. Por exemplo, será que o desejo homossexual pode ser considerado como um desvio parecido com o fato de ter canhotos e não sermos todos os humanos destros? Aprendemos que há uma considerável proporção da humanidade que é canhota, e isso não é nenhum empecilho ao desenvolvimento dessas pessoas. Será que a homossexualidade é um tipo de “anomalia” como o fato de ser canhoto, ou uma patologia, como o alcoolismo ou a cleptomania, que consideramos como desordens objetivas e que fazem as pessoas se autodestruírem? Assim como é verdade que a graça aperfeiçoa a natureza, é verdade que ser gay e lésbica é uma anomalia, e não uma patologia. Então, o crescimento moral e humano das pessoas passa pelo reconhecimento disso de forma íntegra, honesta e sem medo.


IHU On-Line - Como o senhor vê a postura do Vaticano em não admitir homens gays no exercício do sacerdócio? O que orientação sexual tem a ver com a vocação? Um padre gay pode não ser um “bom exemplo” para a moral a ser pregada pela Igreja? 
James Alison – Sobre esse tema, vocês podem ler no meu site um artigo chamado “Uma carta a um jovem católico gay”. A melhor e mais suave leitura possível do documento da Igreja sobre o assunto é a de que o próprio Vaticano sabe que, por enquanto, não está preparado para falar a verdade em relação à questão gay. Ele não ousa reconhecer a verdade e vai demorar um certo tempo até que este assunto da vivência não patológica do ser gay seja tão evidente que até o Vaticano possa aceitá-lo. Sendo assim, podemos ler o documento como se fosse uma maneira de dizer: “Olha só, por favor, enquanto nós não conseguirmos falar a verdade sobre esse assunto, é imoral tentar convencer pessoas gays honestas a entrar no sacerdócio, pois sendo pessoas honestas não vão encontrar uma moradia sadia para a sua vivência, pois serão obrigadas a viver num mundo onde há muita caça de bruxas, muita hipocrisia, muitas pessoas que são doentes patologicamente, ou seja, gays que só conseguem perseguir outros gays”. Por outro lado, pode-se fazer uma interpretação fantasiosa do documento. Porque, se eles pensam que esse decreto terá alguma função verdadeira, estão enganados. Eu não acredito que, de repente, todos os seminaristas são heterossexuais. Seria muito extraordinário se assim fosse. Conheço vários seminaristas, em diversas partes do mundo, que são gays, e simplesmente foram obrigados a viver com mais duplicidade do que antes diante das situações. Muitos bispos que, em tese, dizem ao público que defendem o ensino da Igreja, na verdade, no âmbito privado, dizem sim ao ingresso de um seminarista gay. Contanto que o cara seja uma pessoa mais ou menos estável, não se quer saber se ele é heterossexual ou não. Muitos bispos e cardeais no mundo driblaram o referido decreto. 

IHU On-Line - Podemos pensar na possibilidade de pessoas do mesmo sexo se unirem com a benção de Deus e da Igreja? Elas poderiam receber o sacramento do matrimônio?
James Alison – É evidente que podemos pensar na possibilidade de pessoas do mesmo sexo se unirem com a benção de Deus e da Igreja. Isso já acontece em alguns lugares. No entanto, é importante fazer uma distinção aqui. Todos os movimentos civis que têm acontecido, seja na Espanha, na Holanda, na Bélgica, nos Estados Unidos, no Estado de Massachusetts, são para exigir uniões civis. Não confundamos as coisas. A união civil e o sacramento do matrimônio não são a mesma coisa. Existem muitas pessoas, nesses países, que, além de terem feito o matrimônio civil, também têm procurado fazer algum tipo de celebração religiosa para festejar a ocasião. Eu tenho participado dessas festas. Não há nada, absolutamente, que impeça duas pessoas em se unirem civilmente, numa parceria, reconhecida pelo estado, realizando, depois disso, uma liturgia de celebração com a presença de amigos, pessoas da família, padres etc. E isso acontece muito, porém de forma mais discreta. No entanto, isso é diferente da questão do matrimônio como sacramento. Este, no pensamento da Igreja Católica, é visto como a celebração feita pelos próprios noivos, que são duas pessoas batizadas, de sexo oposto, com três elementos básicos: fé, a possibilidade de ter filhos e a unidade de autodoação até que a morte as separe. Veremos ainda de que forma a Igreja vai celebrar publicamente a união entre pessoas do mesmo sexo. Evidentemente, seriam duas pessoas batizadas, que estão fazendo sua autodoação até que a morte os separe, mas sem a abertura à possibilidade de poder procriar, evidentemente. É muito interessante ver que os casais do mesmo sexo que organizam liturgias para receber a benção de Deus para suas uniões estão inventando diferentes formas de liturgia, porque ainda estamos em fase de descobrimento de que tipo de testemunha de vida divina essas uniões vão dar para a Igreja.      

IHU On-Line - Quais dilemas e dificuldades um homossexual católico (homem ou mulher) costuma enfrentar? Que tipo de conflito interno e de fé aparece aí? Como um jovem católico gay se sente em sua Igreja? Como ele é recebido? 
James Alison – Isso é curioso e varia muito de país para país, de cultura para cultura. Pessoas que vivem em países católicos de tradição abrangente e liberal têm pouca dificuldade em relação a isso. Há pessoas assim, e o importante é que floresçam como são. Há outras que crescem em ambientes ideológicos muito fechados, nos quais a maior tragédia que poderia acontecer para os pais é ter um filho gay. Então, ouvimos aquelas frases famosas, como “prefiro ter um filho drogado do que gay”. Vai depender totalmente em qual desses mundos a pessoa cresce. Não há nem uma tragédia universal, nem uma benção universal. O que eu tenho notado é que nos países de tradição católica, no universo mais jovem, a mudança com relação à aceitação e a autoaceitação da homossexualidade é muito grande. É enorme a aceitação pacífica desta realidade entre as pessoas de 40 anos para baixo. Mas quando a Igreja não aceita é triste, porque há pessoas que seriam ótimas atuando nela e se sentem rejeitadas. Também há aquela que são muito sensíveis ao ensino da Igreja e o assunto é recebido de maneira muito trágica, porque sentem no fundo do coração o ódio transmitido pelas palavras oficiais, como se fossem palavras de Deus. E isso é terrível. É escandalizar os pequenos. 

IHU On-Line - Como a mensagem de amor pregada por Jesus Cristo pode ser associada na defesa pela luta da união entre pessoas do mesmo sexo? 
James Alison – Jesus não diz nada nem a favor nem contra essa matéria. Não sou muito a favor de instrumentalizar Jesus. Acho importante usá-lo nem como arma de defesa de valores conservadores, nem como arma de defesa de valores liberais. Sendo Jesus o próprio Deus, tendo aparecido no meio de nós para nos perdoar e abrindo a possibilidade de nos descobrirmos como filhos de Deus, precisamos ter muito respeito em relação a Ele. Porém, não tenho dúvida de que pessoas vão tratar de utilizar a fé, a religião, a Igreja, como arma para combater a possibilidade de pessoas gays se casarem. A fé católica é uma religião da presença de Jesus. Onde está Jesus: nas pessoas que atiram pedras ou nas pessoas que lutam para construir um mundo melhor?


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Fé sem ressentimento

Girard ao nos desvelar o mecanismo do bode expiatório, oferece a possibilidade de fazer uma autocrítica institucional constante. Isso em termos eclesiásticos talvez seja a contribuição mais interessante, se é que estamos dispostos a fazê-lo, afirma o teólogo inglês.

“Como teólogo, penso que as contribuições de Girard são múltiplas. Uma das maiores é que ele permite uma nova maneira de conceitualizar nossos discursos sobre Deus, tirando qualquer violência dele”, reflete James Alison na entrevista exclusiva que concedeu por telefone à IHU On-Line. Ele analisa a possibilidade de uma fé para além do ressentimento. Em sua opinião, isso é possível “quando você está disposto a ocupar o lugar vitimário sem se pensar heroico, mas simplesmente estando lá sem ter necessidade de se contrastar com ninguém”. E frisa: “Nenhuma catequese ou evangelização que não estejam dispostas a ir ao encontro das pessoas podem ser consideradas algo diferente de uma maquiagem”.
Outro tema da conversa com Alison foi a questão do desejo rivalístico. James explica que o desejo não nasce em nós, mas nos outros. “Assim, nossos desejos são ‘emprestados’”. E pondera: “Nossa capacidade de desejo, como vem do outro, sempre traz consigo o risco de ser um desejo rivalístico”.

James Alison (foto) (Londres, 1959) é teólogo católico, sacerdote e escritor. Com estudos em Oxford, é doutor pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, de Belo Horizonte. É considerado um dos principais expositores da vertente teológica do pensamento de René Girard. Atualmente é Fellow, da Fundação Imitatio, instituição que apoia a divulgação da teoria mimética. Há mais de 15 anos é um dos raros padres e teólogos católicos assumidamente gays. Seu trabalho é respeitado em todo o mundo pelo caminho rigoroso e matizado que tem aberto nesse campo minado da vida eclesiástica. Seus sete livros já foram traduzidos para o espanhol, italiano, francês, holandês e russo. Em português podem ser lidos Uma fé além do ressentimento: fragmentos católicos numa chave gay (São Paulo: É Realizações, 2010 com introdução de João Batista Libânio, SJ) e O pecado original à luz da ressurreição (São Paulo: É Realizações, 2011). Seu trabalho mais recente é A vítima que perdoa – uma introdução para a fe cristá para adultos em doze sessões (www.forgivingvictim.com). A versão em língua inglesa será lançada em texto e vídeo ainda em 2012 com a possibilidade de versões em outros idiomas em andamento. James Alison reside em São Paulo, onde está iniciando uma pastoral católica gay e viaja pelo mundo inteiro dando conferências, palestras e retiros. Textos seus podem ser encontrados no site www.jamesalison.co.uk. Mais detalhes sobre a Fundação Imitatio encontram-se disponíveis no link endereço www.imitatio.org.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que o dogma do pecado original sempre foi alvo de críticas?
James Alison – O pecado original tem sido alvo de dois tipos de críticas. A primeira delas é porque vem sendo associado, há muito tempo, com uma visão muito primitiva da antropologia ou das origens humanas em termos de paleontologia, ou seja, aquilo que já se sabe sobre as origens. À medida que as pessoas imaginam que a doutrina do pecado original tem a ver com Adão e Eva no Jardim do Éden (e tudo fica em torno dessa questão) parece que, na mente popular, a doutrina está vinculada a uma visão ultrapassada das origens humanas. Acrescento que, na verdade, trata-se de uma falsa caracterização da doutrina essa associação de Adão e Eva no Jardim. O segundo motivo é porque desde o Iluminismo o pensamento ocidental não tem gostado muito da ideia de que a nossa razão seria, digamos, viciada. O mundo da ilustração gosta de pensar que somos “inocentes”, e que o mal está nos outros, que nascemos inocentes e estruturas sociais ruins fazem com que a vida seja difícil. Procuram, assim, salvar a suposta inocência da humanidade e acham que a doutrina do pecado original é uma acusação provinda de um deus cruel e vingativo. Essa segunda crítica é muito menos ouvida ultimamente. Nos últimos 50 anos ouve-se falar no colapso da mente ilustrada como um crescente entendimento de como somos violentos desde os nossos começos. É muito menos difícil agora pensar os seres humanos como não inocentes do que era há umas cinco décadas atrás.

IHU On-Line – Em que aspectos o pecado original é a base indispensável de toda a doutrina da salvação?
James Alison – Não é a base indispensável, porque a base é de onde começa. O pecado original é uma das conclusões de toda a doutrina da salvação. A doutrina do pecado original é uma visão retrospectiva, ou seja, no centro da fé cristã está a vivência entre nós, da morte, da paixão e da ressurreição de Jesus. A partir da ressurreição como dom do Espírito Santo é que o grupo apostólico começa a poder olhar para trás, pensando que imaginávamos como era a vida e agora podemos encará-la de outra forma. Jesus abriu nossos olhos sobre que tipo de pessoa o ser humano é capaz de ser: um ser humano não fadado à morte, não necessariamente movido pelas violências que estão na base de toda a comunidade humana. A partir desse momento em que se olha retrospectivamente, percebe-se que desde o início da humanidade (e a palavra Adão é uma espécie de atalho para se refletir os começos de toda humanidade) a cultura humana tem sido, de alguma maneira, desenvolvida na morte. Agora estamos entendendo essa cultura como contingente, e não necessária. Não fomos feitos para isso, mas para outra coisa. A doutrina não é a base, mas a visão retrospectiva a partir da ressurreição, e algo necessário. É o sinal de quanta diferença fez Jesus.

IHU On-Line – Em que sentido a salvação conseguida por Cristo é a superação de toda religião sacrificial?
James Alison – Essa é a proposta de Girard, e eu a compartilho. Na base de toda a forma de cultura humana existe aquilo que ele chama de bode expiatório. Temos a tendência de criar uma unidade entre nós por contraste com um outro ruim, que é “jogado fora”, seja sacrificado, expelido ou banido, mas que, desde o começo, dos nossos antepassados mais próximos aos macacos, quando os antropoides estavam desenvolvendo uma capacidade de imitação cada vez maior, começou a haver as possibilidades de uma cultura humana com base neste mecanismo sacrificial de construir unidade e distinguir quem está dentro, e quem está fora. Segundo Girard, o que Jesus teria feito é voltar diretamente ao cerne de um assunto do passado, ocupando o lugar da vítima de maneira voluntária, não porque Deus precisa castigar alguém, mas para abrir os nossos olhos para nossa necessidade de castigar alguém. O típico de nossa vivência humana é imaginar que dependemos de um outro julgado ruim, perigoso, contaminante, vergonhoso para mantermos a nossa própria unidade e bondade no sentido de comunidade. Ao ocupar voluntariamente este lugar, Jesus estaria explodindo a partir de dentro o mecanismo de manutenção da ordem, da lei e bondade de toda cultura humana. Por isso poder-se-ia falar na morte de Jesus como sendo precisamente a superação de toda religião sacrificial. A partir disso, não faz mais sentido o sacrifício.

IHU On-Line – Como a hipótese mimética de René Girard ajuda a compreender esse dogma?
James Alison – Quero enfatizar a importância do que é uma visão retrospectiva no sentido daquilo que o pensamento de Girard nos permite fazer, e entender melhor essa visão restrospectiva. A partir da ressurreição, quando se percebe como os humanos podem ser, olhamos para trás e nos damos conta de que pensávamos algo como normal, e depois nos espantamos com isso. O que parecia destino era, na verdade, contingência. Não somos seres fadados à morte, mas à vida. Isso altera todas as relações entre nós.

IHU On-Line – A partir do pensamento de Girard, como é possível distinguir entre o desejo possessivo/rivalístico e o desejo pacífico/criador?
James Alison – O centro do pensamento de Girard é que desejamos segundo o desejo do outro. O desejo não nasce em nós, mas no outro. Isso nos incita a desejar. Assim, nossos desejos são “emprestados”. Isso significa que tipicamente nos achamos dentro de rivalidades antes mesmo de nos darmos conta de que isso está acontecendo. Para que haja um desejo, em primeiro lugar, este precisa ser pacífico. É o caso da criança desejante. Muito do que ela quer é incitado pelos próprios pais. É interessante notar o quanto o desejo tende a ser rivalístico inclusive nas crianças pequenas. Desde cedo, os pequenos podem ficar com raiva se percebem que outras crianças ao seu lado estão sendo atendidas primeiro. Não pensemos que somos inocentes durante muito tempo e que depois não o somos mais. Nossa capacidade de desejo, como vem do outro, sempre traz consigo o risco de ser um desejo rivalístico. Ninguém de nós consegue viver sem rivalidade, inclusive para construir nossa identidade por contraste com os outros. Em nosso caso, esse desejo possessivo ou rivalístico é o normal, tal como se apresenta em nossa vida. É o que mais há, e aquilo que todas agências de publicidade conhecem muito bem. Se você quer vender algo, você tem que dar a impressão à pessoa de que ela precisa daquilo. Quando uma modelo aparece vendendo alguma coisa, tem-se a impressão de que, se adquirirmos aquilo, seremos como ela. O difícil em todos os casos é voltarmos a descobrir aquilo que é possível dentro do nosso desejo, que é a possibilidade de uma emulação, uma imitação não rivalística. Quando recebemos o que vem do outro sem a necessidade de “agarrar” esse desejo. É o sentido saudável, e o que chamo de desejo pacífico. Girard fala em desejo mimético sobretudo para a versão mais negativa do desejo. Em princípio, existe o desejo apropriativo, que aparece “agarrando”. E há o desejo pacífico, aquele que é de imitação sem essa necessidade de “agarrar”.

IHU On-Line – O pensamento de Girard oferece subsídios para pensarmos uma fé para além do ressentimento?
James Alison – O que é interessante no pensamento de Girard é que ele aceita o desafio de Nietzsche, o pensador que acusou o cristianismo de ser ressentido e dependente desse sentimento. Alguns dos textos mais bonitos de Girard são, justamente, textos em que ele discute Nietzsche. Descobri que Girard, ao desmascarar o mecanismo do bode expiatório, da vitimização que há na base da sociedade, também nos oferece a possibilidade de pensar de forma não vitimária. Essa é a grande novidade para mim. Em vez de se pensar o herói ou vítima, que na verdade são a mesma pessoa, trata-se de reconhecer a cumplicidade dentro daqueles mecanismos sem ser levado por eles. Isso é a possibilidade da fé além do ressentimento. É dar-se conta de que se é partícipe de um mundo no qual a vitimização está por todas as partes. Mas estou disposto a aprender a amar mesmo dentro de toda essa confusão. Isso Nietzsche não entendeu no cristianismo, mesmo que chegou muito próximo disso, segundo Girard. Mesmo que Nietzsche tenha optado por Dionísio em lugar do Crucificado.
Uma fé além do ressentimento é quando você está disposto a ocupar o lugar vitimário sem se pensar heroico, mas simplesmente estando lá sem ter necessidade de se contrastar com ninguém. Em termos de vivência pessoal, isso é o mais fundamental: como deixar de se considerar vítima ou herói. Como perder o ressentimento e chegar a desenvolver o papel de irmão, ou irmã em vez de vítima ou herói, um processo de humanização. É o que busco elaborar.

IHU On-Line – O pensamento de Girard oferece subsídios para uma melhor compreensão da questão gay em nossa sociedade?
James Alison – Sim, oferece, mesmo que a questão gay não seja um dos interesses principais de sua obra. É possível vermos como Girard entende os mecanismos violentos de exclusão que os diferentes grupos humanos fazem com uma série de grupos considerados perigosos, contaminantes, diferentes. A partir disso, chegam a ser bem compreensíveis os mecanismos irracionais que levam à exclusão e tratamento indigno das pessoas gays e lésbicas em nossa sociedade precisamente porque chegam a ser portadores de acusações estereotipadas, como se estivessem causando o colapso da sociedade, da família e da moral.
Essas acusações são feitas contra alguém que é “dispensável”, que você quer convenientemente jogar fora, sem ter que olhar para as causas reais do que está acontecendo. Dizer que os gays estão provocando o colapso da família é uma declaração que só pode partir de uma pessoa que não quer prestar atenção nas dinâmicas reais das famílias modernas. Atribuem esse poder maléfico aos gays, que são um grupo muito pequeno para uma realidade social grande, que são as mudanças na maneira de ser família. Isso é ridículo, especialmente em se considerando que os próprios gays são membros de famílias. Chega-se a dizer que deixar os gays casarem irá provocar o colapso do matrimônio.
O que, na verdade, provoca o colapso do matrimônio é o comportamento dos heterossexuais em seus relacionamentos matrimoniais. Já é muito para nós, pessoas gays ou pessoas heterossexuais, arcar com os fracassos de nossos próprios relacionamentos! Para a mentalidade sacra, contudo, esses argumentos não importam. O que importa é poder desenhar o mal, e, uma vez que este fique desenhado, torna-se possível construir uma falsa bondade às costas da vítima. Esse é o mecanismo que Girard desvela. Nossas sociedades são, sim, sacrificiais, seguindo padrões arcaicos, nos pensando modernos e ilustrados.

IHU On-Line – Quais são as maiores contribuições de Girard para a filosofia e a teologia no século XXI?
James Alison – Suas maiores contribuições são um desafio de uma antropologia nova, entendendo a maneira como os “bichos” humanos, que se comportam de maneira imitativa, se comportam e como constroem suas sociedades, sem recorrer para ideias muito idealistas. Precisamos nos fixar num entendimento de mecanismos muito humanos na construção da sociedade. Isso é a insistência girardiana.
Como teólogo, penso que as contribuições de Girard são múltiplas. Uma das maiores é que ele permite uma nova maneira de conceitualizar nossos discursos sobre Deus, tirando qualquer violência dele.
Sabe-se que grande parte do discurso sobre Deus tem sido viciado pela atribuição de violência para poder entender a morte de Jesus de maneira salvífica. Várias teorias da salvação, expiação e redenção pensam assim. Então, pela primeira vez em muitos séculos, Girard nos permite entender de uma nova forma a maneira pela qual a morte de Jesus é salvífica sem que isso atribua qualquer tipo de violência a Deus. Essa é uma questão fundamental.
Outra área na qual Girard faz muita diferença na Teologia é na questão da leitura bíblica. Isso porque Girard é um leitor de textos a partir de sua intuição mimética. E é como leitor de textos que nos ajuda a ler o Antigo e Novo Testamento e mostrar, pela primeira vez em séculos, uma maneira de perceber como o Novo Testamento se aninha dentro do Antigo. Isso nos permite avançar além daquelas tendências do cristianismo que não prestam atenção ao Antigo Testamento porque é demasiado violento, ou aquela posição fundamentalista de deixar que o Novo Testamento seja totalmente dominado pelo Antigo.

IHU On-Line – Em que medida suas ideias podem ajudar a “arejar” a Igreja Católica?
James Alison – Na verdade, só o Espírito Santo poderia arejar a Igreja Católica, uma vez que ela ainda é muito resistente... Girard nos permite elaborar um novo paradigma da fé, entender de novo a fé cristã. Em vez da explicação da fé que recebíamos nos catecismos antigos, muito moralistas, chega a ser possível agora entender a fé de maneira orgânica, como boa nova, com o pensamento de Girard como catalizador. Esse é o dom fundamental que esse autor nos oferece.
É a possibilidade de uma nova evangelização que seja autenticamente boa nova, e não o moralismo antiquado disfarçado de alta tecnologia moderna, muito chique e atual, mas que ao ter seu véu retirado, mostra a mesma incapacidade de tratar com questões como a relativa aos gays, por exemplo. Nenhuma catequese ou evangelização que não estejam dispostas a ir ao encontro das pessoas podem ser consideradas algo diferente de uma maquiagem.
Em segundo lugar, destaco que ao nos desvelar o mecanismo do bode expiatório, Girard nos oferece a possibilidade de fazer uma autocrítica institucional constante. Isso em termos eclesiásticos talvez seja a contribuição mais interessante, se é que estamos dispostos a fazê-lo. A partir do Cristo ressuscitado, da vítima que está no nosso meio, começarmos a ser autocríticos com os posicionamentos vitimários de nossos mecanismos eclesiásticos. Mesmo fora do âmbito da igreja isso é algo de fundamental importância.
Na sociedade moderna nos damos conta do quanto pesam as instituições sobre nós. Como seres humanos dependemos fatalmente das instituições. Ao mesmo tempo, nos damos conta de que elas nos movem fora do nosso controle. É difícil tomarmos responsabilidade por nossa vida institucional. As vozes dissonantes são as de pessoas “jogadas fora”, que passam a protestar e se colocar contra essas instituições. Por isso a possibilidade de uma vivência autocrítica, que não tem necessidade de recorrer a estes jogos vitimários, seria um dom muito, muito grande para nós todos.
fonte ihu - 19/05/2012, via http://gilmarzampieri.blogspot.com.br/2012/05/fe-sem-ressentimento.html

veja também: James Alison: O amor homossexual. Um olhar teológico-pastoral

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Igrejas Ecocidadãs na Rio+20





Mobilização Evangélica para a Rio+20
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Juntos, na Rio+20!

O coletivo Igrejas Ecocidadãs participa da Rio+20, entre os dias 15 a 22 de junho, com mesas de diálogos e mobilização pública na Cúpula dos Povos e também como observador na Conferência Oficial da ONU.

Queremos convidá-lo(a) a estar conosco em oração! No dia 16 de junho (sábado) realizaremos o Mutirão de Oração por um Mundo Justo e Sustentável. Organize uma reunião de oração em sua igreja, junte a família e amigos. Participe como puder! Se estiver sozinho, separe um tempo e ore.

Interceda junto a Deus pelos pobres, que são na sociedade os mais vulneráveis e diretamente afetados pelos agravos causados ao meio ambiente; peça perdão pelo silêncio da Igreja diante de tanta injustiça social e ambiental; peça que Ele se manifeste na Cúpula dos Povos e na Rio+20; e agradeça por TODA a Sua CRIAÇÃO.

Para incentivá-los, elaboramos um vídeo  e criamos uma sugestão de liturgia (clique para baixar o PDF).

Participe, compartilhe, divulgue! Abaixo segue nossa agenda de atividades na Cúpula dos Povos! Se puder, esteja conosco!

Radar Rio+20

Saiba o que é a Rio+20, acompanhe notícias e documentos.
Divulgaremos também em nosso site fotos e notícias de nossa participação!








Igrejas Ecocidadãs · Alameda Tangará, 115 · Dom Cabral · Belo Horizonte, MG CEP 30.525-220
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veja também: Entre o Rio+20 e a cúpula dos povos

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A cura do cego desde o nascimento



ou
Enxergar ou não, eis a questão


Eduardo Ribeiro Mundim


Este episódio talvez seja um dos mais conhecidos do Evangelho segundo João.

O Cego

Diferente do cego de Jericó (Lc 18.35-43) que bradou insistentemente “Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim” e, respondendo ao questionamento de Jesus solicitou-lhe a cura, o de Jerusalém (Jo 9) nada pediu. Parece que ele foi involuntariamente convocado a participar de um drama de alta carga emocional, simbólica e teológica. Cego de nascença (9.1,20), era figura conhecida onde esmolava (9.8). Não é possível determinar sua idade, mas já contava com anos suficientes para responder por si (9.21) – e a introdução o coloca como “homem”, e não jovem. Portanto, uma pessoa que nunca enxergou, supostamente avaliada pelos médicos da época e submetida aos tratamentos oficiais e populares1 de então (o que inclui o uso de barro sobre os olhos2). Sua situação familiar não é discutida no texto, mas é bastante curiosa a reação dos seus pais frente ao milagre. Ao contrário do filho, que enfrentou com ousadia crescente as autoridades da época, estes acovardaram-se (9.21) não o defendendo nem se posicionando sobre um milagre extraordinário na vida do filho. Este dado permite imaginar que o cego não estava inserido em um ambiente familiar de proteção e de amor.

Cegueira, seja congênita ou adquirida, não era incomum no oriente médio naquela época, por diversos fatores. A lei mosaica não dispunha de uma regulamentação especifica sobre o cuidado com os cegos. Provavelmente porque sua ideia básica era a de que não deveria haver pobre na terra, sendo a solidariedade uma ação efetiva, e não uma vaga ideia. Especificamente, a libertação de todos os escravos no ano do jubileu, a proibição de tratar o devedor que se vendia a si mesmo como escravo (Lv 25.39) e a obrigação de sustentar aquele que empobrecia (Lv 25.35). É curiosa a evolução para o conceito de desonra da mendicância profissional (que, segundo a Lei, não deveria existir): os fundos caritativos das comunidades judaicas não podiam ser usados para auxiliá-los3. A situação na época de Jesus deve ter se acentuado pela falta de uma política de cuidados para com o pobre, assim como pela excessiva taxação romana4.

Ainda que excluído de diversas situações sociais pela deficiência visual, estava inserido na sinagoga – pois dela foi expulso (9.34). Se fosse descendente de Arão, estaria excluído do ofício sacerdotal (Lv 21.17-20).


Os Fariseus5

Como grupo dentro do judaísmo daquela época, sua origem pode remontar ao tempo de Esdras, e da construção do segundo templo. Eles parecem ter surgido como consequência do estupor provocado pelo exílio: como era possível para a raça dos filhos de Abraão, Isaac e Jacó amargarem o exílio? como era possível que das doze tribos, dez tenham desaparecido enquanto tais? A resposta, biblicamente enraizada, encontrada por eles, foi "não termos cumprido a lei" (Dt 28)6.

Impactados pela dura lição da realidade, diligentemente procuram um recurso para nunca mais caírem no mesmo erro. Cheios de desejo de fazerem a vontade de Deus, escrutinam a Lei e dela extraem regras para que jamais um judeu piedoso não tivesse referência sobre qual era a vontade expressa de Deus para uma determinada situação. Tornam-se, assim, os maiores especialistas nas escrituras de então. Dentre as diversas escolas, ou seitas judaicas desta época, parecem ser os mais populares entre o povo (os saduceus, por exemplo, eram elitistas e muito mais favoráveis a aplicação literal da Lei) e os mais democráticos.

Frente ao milagre, o povo conduz o ex-cego aos fariseus; não aos saduceus (classe economicamente mais abastada e com ligação política com o dominador romano), ou aos sacerdotes (que eram do partido dos saduceus), já que, diferentemente da “lepra”, não havia disposição legal para que a cura fosse investigada. E por que o fazem?


O Milagre

Esta cura não pode ser classificada como de uma “doença psicossomática”, já que o cego assim o era desde seu nascimento – portanto, fora de uma das definições modernas de doença psicossomática: o corpo adoece, verdadeiramente (e não em uma simulação, como na histeria), em função de conflitos sobre os quais nada pode saber (chamados de inconscientes7).

Diversas pessoas que o conheceram cego o veem agora enxergando, incluindo os pais. Mas muitos duvidaram da sua identidade. Portanto, não pode ser tratada como um caso de hipnose ou histeria coletiva, e nada há no texto que corrobore esta tese.

A história poderia ser encarada como uma lenda piedosa, com o intuito de infundir bons sentimentos e ideais altruístas, além de transmitir um ensino importante (por exemplo, que as doenças ou eventos ruins não são, necessariamente, castigo divino). Se assim fosse, o milagre seria um “recurso pedagógico”, Jesus seria então um homem com boas ideias, destituído de poder real, proclamando, em uma permanente loucura, ser o que não era (Jo 4.26, Mc 8.29, Jo 8.58). O evangelista, um contador de lendas, destituído de comportamento a altura daquele estimulado pelo seu texto – um embuste. Se este milagre não é verdadeiro, então não há razão para se acreditar na gravidez sem relação sexual de nenhuma espécie por parte de Maria, assim como a ressurreição deixaria de ser crível. Estes dois eventos, por si só, minam todo o edifício do Evangelho, tornando toda a esperança que ele traz uma fantasia sem consequência nenhuma (I Co 15).

Por outro lado, por qual razão esta história não seria verdadeira? Assumindo a identidade de Jesus como Filho de Deus que se fez homem uma única ocasião na história da humanidade (portanto, fora da possibilidade de verificação “científica”) qual a dificuldade em acreditar no evento? A disposição preconceituosa de não se acreditar em milagres?

Mas este texto não fala do milagre em si, que é o aspecto de menor importância, mas do que estava envolvido nele.


Os dois principais atores do drama

Curiosamente, neste evento Jesus não é o ator principal – é o secundário. O centro do drama é o cego, ou as consequências da sua cura. E as primeiras palavras dEle nesta história informam que ela é uma manifestação da obra de Deus (9.3).

Contracenando com ele, o segundo personagem, desta vez coletivo, os fariseus. Não todos certamente, mas um certo número deles. Aqueles que acompanhavam Jesus estariam entre eles (9.40)?

É necessário observar como Jesus se ausenta da cena, e como Ele retorna. Em contraste com a cura de outro cego (Mc 8), Ele não está presente para ser encontrado pelo ex-cego na sua volta do tanque de Siloé. A ausência é a chave para que a multidão8, que não sabe o que ocorre, procurar aqueles que melhor poderiam explicar fenômenos miraculosos – os fariseus. Estudiosos e intérpretes experientes da Lei, poderiam fornecer a orientação sobre o que acontecera, já que o provocador – Jesus, se retirara. Este detalhe também parece único entre todos os milagres que Ele realizou.

Jesus retorna após o clímax, e se apresenta ao ex-cego aparentemente de forma discreta, sem alarde. Em contraste com Mc 8, a cura se tornou objeto de uma acalorada e apaixonada discussão, com implicações sociais sobre a parte mais fraca.


Uma Questão teológica

Qual é a questão nesta história?

Ela se inicia com a palavra “pecado”9, e se encerra com ela: “Mestre, quem pecou...” (2) e “não seriam culpados de pecado” (41).

Quem pecou, o cego ou os pais? A questão sugere uma tensão teológica. O profeta Ezequiel deixa claro que cada um leva as consequências do seu pecado (Ez 18), mas, pelo menos do ponto de vista coletivo, toda a nação amargava a derrota e a humilhação porque os pais não seguiram a Lei como deveriam, e foram castigados com o exílio. É provável que esta tensão estivesse no inconsciente de todos10.

Segundo Josefo, fazia parte da crença dos fariseus a reencarnação como modo de castigo11. Esta crença não era uma unanimidade entre os judeus (os essênios e os saduceus tinham pontos de vista diferentes). Mas o conceito de calamidades enquanto castigo pelo pecado, assim como a possibilidade da criança pecar ainda dentro do ventre materno, eram compartilhados por muitos12. Portanto, a questão levantada não era absurda, ainda que fosse estranha às Escrituras veterotestamentárias.

E a resposta de Jesus foi contrária a estes conceitos. Aquela cegueira não era resultado do pecado de ninguém, mas era uma oportunidade para a obra de Deus se manifestar naquela vida. Ou seja, às ideias de então que procuravam explicar a presença do mal no mundo, Jesus retoma o mistério dos sofrimentos do justo Jó. Assim como todas as suas desventuras não tinham explicação nos seus atos, mas em fatos muito além da sua possibilidade de conhecimento, todo o sofrimento daquele homem faria sentido pela ação manifesta de Deus nele, e que, até aquele momento, estava encoberta para todos13.

Jesus introduz uma outra questão teológica, inédita – Ele era a luz do mundo, e estava no tempo de realizar a obra de quem O enviou (9.4-5). A questão não era o pecado cometido por alguém, mas que Deus tinha uma obra a realizar / completar.

A rigor, um cego de nascença é uma obra inacabada. Segundo Gênesis, o homem foi formado do pó da terra, e é este pó que vai completar aquela criação não terminada14. Ao aplicar-lhe lama, feita com sua própria saliva, Ele invoca o ato criador primordial de Deus – invocação poética e teológica através de um ato que, naqueles tempos, poderia ser encarado com “médico”.

Neste ato inédito (9.32), Ele apresenta, dentro da tradição do Velho Testamento de revelação a partir de aspectos cotidianos ordinários (vide o profeta Oseias), a questão teológica que interessa: Ele veio completar a revelação de Deus através de si mesmo, e esta cura é uma demonstração de poder humilde (não há fanfarra, fogos de artifício, trilha sonora ou aplauso da multidão) e de afirmação de autoridade enquanto Filho Unigênito.


Uma vida transformada

Até que voltasse do banho em Siloé, o cego não se pronuncia. Ao retornar, pelo milagre de não mais ser cego, ele passa a ser percebido de modo diferente por aqueles que antes o conheceram.

A cegueira o excluía da vida em comunidade. Caracterizava-o como um fardo social, incapaz de produzir seu próprio sustento e necessitando da “caridade alheia”. Ritualmente, o tornava inapto para o sacerdócio, se fosse descendente de Arão – apenas os fisicamente sem defeitos podiam oficiar. Aquele com algum defeito estava ritualmente inadequado e como impedir que uma impureza litúrgica fosse entendida como defeito moral?15

O ato de completar a criação que Jesus executa o introduz na sociedade do seu tempo. E a adoração do ex-cego a Jesus, ao final da história, reconhecendo-o, o introduz na nova comunidade que Deus propõe, a ser formada após as morte, ressurreição e ascensão de Jesus.

Por outro lado, o ato de completar a criação que Jesus executa o direciona a um rápido caminho de exclusão. Conduzido aos doutores da Lei para que aquele ato, que não tinha paralelo até então, fosse explicado, ele corajosamente toma parte em um acalorado debate sobre uma segunda questão teológica: sua cura era obra divina?

Os fariseus se dividem: de um lado, um ato maravilhoso, inacreditável – portanto, somente poderia ser divina; do outro, o questionamento se Deus atuaria ao arrepio da Lei, que ordenava o descanso no sábado (e o autor do milagre parecia tê-la violado em dois atos: praticado um ato de cura não emergencial através de barro recentemente feito).

Em poucas horas, o ciclo exclusão / inclusão se repete: excluído pela cegueira congênita, incluído pelo milagre de receber a visão (e não de restaurá-la, porque nunca a tivera), excluído por decisão política da sinagoga, incluído na Igreja por sua confissão.


O preço da unidade farisaica16

Os especialistas na Lei são provocados pela multidão a explicar aquele fato. O primeiro passo na investigação, é ouvir o causador do problema. Como os fatos se sucederam? (9.15). Fora feita lama e aplicada aos olhos, no sábado. Eis a primeira questão: um suposto milagre realizado através da violação da Lei – e, no caso desta lei específica, instituída no ato da criação do mundo, muito antes da outorgada no monte Sinai. Se houve uma violação, há um pecador – pode Deus atuar através de um pecador? (9.16) Há uma divisão em função de um fato que desafia a teologia estabelecida. A vida questiona a teoria.

A dúvida não era sobre o fato de Jesus ser pecador – nisto parece que todos estavam de acordo. A dúvida era se Deus todo santo poderia agir através de um pecador. O que foi feito do restante das Escrituras? Neste momento, a critica de Jesus17 ao sistema ético-teológico dos fariseus de sua época ganha um exemplo prático: o sistema casuístico que deveria protegê?-los de infringir a Lei (e, portanto, desagradar a Deus) a substitui.

Não sendo possível encontrar uma saída teórica, devolvem a questão ao curado: “você, que sofreu a ação, qual é o seu parecer?” (9.17) E ele lhes devolve o problema: “é um profeta”. Sem entrar na disputa teológica, ele assume o caráter miraculoso da cura e sua origem divina.

O próximo passo é questionar o fato (9.18). Os pais são convocados a responder dois quesitos: aquela pessoa era o filho deles nascido cego? Como deixou de sê-lo? Não sendo possível negar a paternidade nem a maternidade, temerosos, respondem afirmativamente à primeira, mas se esquivam da segunda (9.20,21). E por que o fazem? Para não serem excluídos, pois a decisão de expulsar quem conferisse autenticidade divina ao fato fora tomada e parece que era pública (9.22). A unidade restaurada às custas da negação da realidade, da recusa de rever conceitos, do medo de abandonar a zona de conforto.

Restava o teimoso do curado, e para ele é direcionado um ultimato conciliador: “dê a glória do fato a Deus, mas negue a autoridade do agente” (9.24). Honestamente, ele responde não ter condições para falar do agente, que ele apenas conhece pelo nome de Jesus – e não há indicação de algum outro conhecimento. Mantem a única verdade que conhece: “eu era cego, e agora vejo” (9.25).

Concedendo-lhe, talvez didaticamente, uma nova chance, os fariseus requerem novamente um relato dos fatos (9.26). Talvez na expectativa de perceberem algo de demoníaco, ou do ex-cego perceber. No lugar de morder a isca, ou aceitar a sugestão, ele demonstra sua compreensão crescente dos fatos. Talvez por não ser fariseu, o que o liberava da lealdade a um esquema fixo para interpretar a vida e seus fatos. Mas não sem uma compreensão teológica da questão que dividira o grupo. E ele a retoma nos termos deles: o milagre aconteceu → é absolutamente inédito → retoma o ato criador primordial → Deus não opera através de pecadores, mas foi este Jesus que conduziu a história → não há explicação para sua origem → logo, não é possível ser ele pecador (9.30-33).

Mantendo a unidade do grupo, escamoteiam a questão teológica inicial e se refugiam no desafio a autoridade. Expulsam-no após desacreditá-lo, ancorados em uma teoria não unânime: suas palavras não podem ser divinamente inspirada porque ele nascera cego em função dos inúmeros pecados cometidos intraútero. E o fazem comparando-o a eles mesmos, como cheios de retidão (Lc 18.10-14).


Conclusão

O que deve ser enxergado?

Os fariseus que acompanhavam Jesus foram alertados: manter-se cego quando se vê a possibilidade de enxergar, é pecado.

Por extensão, as atitudes embasadas na visão que poderia ser transformada, mas é escolhido não fazê-lo, são pecado.

Foi pecado os fariseus terem negado a questão teológica trazida por um fato novo.

Foi pecado contra o seu próprio sistema os fariseus terem excluído o fraco, no lugar de buscarem compreender o novo fato e reavaliarem seu sistema a partir de uma nova compreensão. Não que fossem obrigados a remodelá-lo, mas a tarefa que puseram sobre seus próprios ombros, um sistema que lhes permitisse sempre descobrir / cumprir a vontade de Deus em todas as situações, os obrigava a um exercício intelectual ao qual se recusaram.


1não há razão para se imaginar que aquela sociedade se comportasse, no tocante à busca de saúde, diferente da nossa atual, usando recursos domésticos e profissionais
2Novo dicionário da bíblia, vocábulo “doença e cura”, vol I, pag 440, 3ª ed, Edições Vida Nova, 1979
6HLE, vocábulo “fariseus”, em JD Douglas O Novo dicionário da bíblia, Edições Vida Nova, vol II, 1979, pg 605.
7Filho, Júlio Melo. Psicossomática hoje. Ed Artes Médicas, Porto Alegre, RS. 1992
8É possível falar de duas multidões. Aquela que andava atrás de Jesus e aquela que estava estática no local onde o cego esmolava. A primeira deve ter acompanhado os atos, mas seguiu com Ele em frente; a segunda, talvez nem tenha tomado conhecimento até o retorno do não mais cego.
9Alison, James. Fé além do ressentimento – fragmentos católicos em voz gay. É Realizações. SP, SP, 2010, pg 36.
10Por outro lado, como bem me lembrou o Rev Jorge Eduardo Diniz, o que deveria estar na mente de todos eram os versos “porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. “ (Ex 20.5)
11Josefo, Flávio. História dos hebreus. Casa Publicadora das Assembleias de Deus, vl 2, pg 154, 1990, RJ, RJ.
13O Rev Jorge Eduardo Diniz corretamente apontou que a resposta de Jesus afasta por completo a possibilidade da reencarnação ser uma possibilidade bíblica
14Alison, op cit, pg 39
15Alison, op cit, pg 38
16Alison, op cit. Pg 42-49
17http://crerpensar.blogspot.com.br/2010/07/jesus-e-os-fariseus-uma-analise-de-um.html

texto atualizado em 15/07/12 com as observações 10 e 13

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um Chamado ao Diálogo

O mesmo Deus em ângulos diferentes?

A importância do diálogo

Diálogos teológicos no Brasil são raros e difíceis. É penoso para o “homem cordial” discordar. Gostamos de harmonia, de risadas, e de não ser levados à sério. Mas quando se trata de teologia (e jogos de futebol…) nos transformamos no papa. Nossas declaração se tornam  ex-cathedra. Não há espaço para questionamentos.  Dogmatizamos o indogmatizável em busca de uma segurança teológica que vá nos atribuir uma espiritualidade superior.

Mas como em qualquer área da racionalidade humana, na teologia o diálogo é essencial.  Ouvi alguém dizer recentemente que idéias tem que fazer sexo para gerarem consequências e projetos intelectuais mais duradouros. Não quero levar esta metáfora para frente e sugerir uma “orgia teológica”, mas o fato é que estamos carentes da dialógica da fé, porque não conseguimos discordar uns dos outros sem xingar a mãe.

Ricardo Gondim, Augusto Nicodemus e outros começaram uma discussão sobre a teologia relacional ou teísmo aberto, que  acabou desaguando em estereotipações inúteis. Com muita precaução sugiro que o diálogo seja retomado para o bem senão de nossa teologia, mas  de nossa capacidade de dialogar com respeito.
A natureza da teologia

Teologia sistemática como todas as disciplinas do raciocínio é um exercício dinâmico. Não estamos dissecando o cadáver de Deus, mas buscando revelação.  A cultura, assim como a experiência, e humildade diante de Deus, informam nossa revelação.  Deus não se revela num  meta-contexto mas dentro dele. Por isto o diálogo teológico se intensificou e diversificou desde o momento em que a coerção  deixou de existir (tortura e morte aos hereges!).

O liberalismo clássico seguindo a tradição da filosofia iluminista discutia  a revelação genérica de Deus ao mundo. Esta teologia intuitiva, ancorada no raciocínio filosófico  chama-se   teologia natural.  Foi Karl Barth quem trouxe a teologia bíblica de volta à cena com coragem de enfrentar o liberalismo que adoecia o Cristianismo no início do século 20.

A diferença entre teologia bíblica e teologia natural é que uma se refere à Bíblia como a palavra de Deus, e que deve ser a base de todas as nossas conjecturas, e a outra se vale da lógica filosófica e de nossa experiência existencial.

A chamada teologia de processo que virou no Brasil um “xingamento” dedicado aos teólogos relacionais é teologia natural. Uma coisa não deve ser comparada à outra. A teologia de processo desenvolvida por um matemático Alfred. H. Whitehead. Foi uma tentativa de conciliar a nova visão de mundo científica com a teologia convencional que partia da cosmovisão aristotélica: -o que é perfeito não pode ser mutável. John Cobb é o teólogo mais conhecido desta linha.  Ao contrário do teísmo aberto a teologia de processo não tem  a preocupação  seguir a Bíblia e não é considerada teologia evangélica.

Principais pontos do teísmo aberto

O principal proponente do teísmo aberto é Clark Pinnock que um teólogo respeitado com uma obra extensa em Pneumatologia e Cristologia. John Sanders, Gregory Boyd também escrevem sob este ponto de vista. Pinnock, Sanders e Boyd são evangélicos, e suas propostas teológicas devem ser discutidas dentro da esfera da teologia evangélica. É verdade que o teísmo aberto se inspirou na teologia de processo para algumas de suas críticas ao teísmo clássico, mas isto não é pecado. O teísmo clássico é passível de críticas e tem sido alvo delas muito antes de Whitehead, Chardin, ou do teísmo aberto.

O principais argumentos do teísmo aberto são, primeiro a mudança de foco do Deus da glória para o Deus de amor. Para Pinnock o amor é a principal motivação de Deus em sua interação com a história humana e não a necessidade de manter intacta a sua glória, como afirmam os teístas clássicos.

O outro ponto é uma revisão da influência grega na doutrina de Deus. É ponto pacífico de que a doutrina convencional sobre a pessoa de Deus (teísmo clássico) tem duas origens: a bíblia e o pensamento grego. Pinnock propõe uma revisão ao conceito de imutabilidade. O dogma da imutabilidade que os teístas clássicos consideram indiscutível não é um dogma bíblico, mas uma interpretação grega. O Deus dinâmico, interativo e tribal dos hebreus foi explicado nos conceitos pré-existentes dos filósofos gregos pelos primeiros teólogos cristãos. Seu intuito era sistematizar o conhecimento judaico para combater o politeísmo que grassava o Império Romano.    Pinnock discute esta questão em seu livro “The most moved mover, A Theology of God’ s Openess” (2001).

Outro ponto de discussão proposto pelos teístas abertos é  o livre-arbítrio. Na visão do teísmo aberto ao permitir que os seres humanos desfrutem de livre escolha, Deus se auto-limita. Ao contrário do que disseram alguns este auto-limite não diminui o seu poder. É apenas poder sob controle. Eles não propõem que Deus não é capaz de intervir em detalhes mas que escolhe não fazê-lo. Ele é soberano sobre a história humana e cumpre seus planos mas sua intervenção não é detalhada. Ele não escreve a história individual mas a coletiva. A intervenção divina na jornada de cada indivíduo é ganha pela oração e pela obediência pessoal à sua revelação. Não temos livros desta linha publicados em português, o que empobrece muito nosso o acesso do leitor comum a uma discussão mais profunda.


Conclusão 

O espaço aqui é pequeno, mas espero que o debate continue. É necessário que se tire a teologia brasileira do ar confinado do dogmatismo. Calvinistas, armenianos, relacionais ou não, somos cristãos se nos dedicarmos a proclamar  o mistério da cruz, se nos crermos remidos pelo sangue e não pelas obras, se prescrevemos ao Sola Scriptura da reforma assim como a tantas outras tradições que nos  inserem  na história do Cristianismo.

Quanto às minhas convicções pessoais posso argumentar  e exercitar minha fé em ambos os lados da cerca. Quando estou num avião no meio de uma turbulência me volto para o teísmo clássico e recorro à paz que me traz o conceito do controle absoluto de Deus sobre todas as coisas.  Quando me encontro frente à tentação do pecado, sei com todas as fibras do meu ser que a decisão de pecar é minha.  Mesmo que eu queira culpar  Deus e ao destino inexorável que ele possa ter traçado para mim, a percepção de culpa é real em mim, e no meu coração sei que vou colher as consequências do que semeei, portanto me sinto livre para não pecar como reza a cartilha da teologia relacional.

O que espero que os leitores entendam que estas pequenas discrepâncias técnicas não nos tornam mais ou menos crentes, mais ou menos seguros na nossa fé evangélica. Proponentes do teísmo aberto têm tanta fé, fervor missionário, e compromisso com santidade de vida  quanto calvinistas radicais. Discordar é viver, e um pouco de dúvida de si mesmo não faz mal à ninguém.

Espero que cresçamos em capacidade de diálogo no cenário teológico brasileiro. Nossa teologização tem uma contribuição a fazer mas não vamos alcançá-la sem incentivar-nos uns aos outros  Teólogos só nascem onde se há espaço para respirar. Será que vamos dar este espaço aos jovens pensadores brasileiros?

Bibliografia
Pinnock, Clark H. 2001. “Most moved mover: a theology of God’s openness”. Carlisle, Cumbria, UK: Paternoster Press.
Karkkainen,  Veli-Matti  “The Doctrine of God, a Global Introduction” (Baker Academy, Grand-Rapids, 2004)
Grenz, S.J. “Theology for the Community of God”. (Eerdmans, 2000)
Placher, W. C. (2003). “Essentials of Christian Theology”. (Louisville: Westminster John Knox).

fonte, onde se pode ler reação de diversos leitores: http://ultimato.com.br/sites/brauliaribeiro/2012/06/05/um-chamado-ao-dialogo/

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bugigangas gospel incrementam idolatria evangélica

Terça-feira, 29 de maio de 2012 (ALC) - A comercialização de águas, pulseiras, sais e outros artigos representa uma boa fonte de receita, afora o dízimo, para igrejas evangélicas adeptas da teologia da prosperidade, mas ferem princípios caros aos reformadores.

Para o blogueiro Danilo Fernandes, estagiário de teólogo "meia boca, palhaço semiprofissional e doido por (e em) Cristo", como se define, "80% dos evangélicos não têm moral alguma para criticar católicos, hinduístas ou quem quer que seja por conta de idolatria".

A idolatria "evangélica" não se dá por imagens, mas por pessoas, explica o blogueiro. "Não ajoelham diante de estátuas, mas beijam os pés dos apóstolos, idolatram quinquilharias de Israel, fabricam toda a sorte de porcaria ungida e se babam como vacas por seus ídolos vivos", diz.
O Genizah, nome do blog, não é denominacional. Ele reúne bispo, pastor, missionário de diferentes denominações, que querem levar "a Palavra da salvação sem mistura e sem marketing!"

Sem apresentar números, Fernandes assinala que o volume dos negócios gerados pela comercialização de produtos evangélicos é superior aos recursos arrecadados pelos católicos com medalhas e velas.

"Hoje, evangélicos movimentam mais fabricando e vendendo toda a sorte de bugiganga gospel do que todas as medalhas e santinhos dos católicos. Mesmo mortos e incapazes de interceder por nós, pobres lascados, ao menos os católicos podem reconhecer na maioria de seus santinhos, estátuas e medalhas pessoas cujas virtudes são dignas de serem seguidas e admiradas – grandes mestres, mártires, servos fiéis dedicados ao serviço do Reino", comenta.

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