segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

[Serviço Assistencial Dorcas] Sistema prisional brasileiro, por um juiz do STF

É lugar comum falar das condições carcerárias do Brasil. Habitualmente, todos os que debatem o assunto concordam que as condições não são adequadas, que há muito a ser corrigido. Mas, estarão todos aqueles que discutem nosso sistema prisional, principalmente aqueles que não estão com ele diretamente envolvidos, inteirados da realidade e das razões pelas quais ano após ano nada muda?

Entrevista recente cedida à jornalista Mônica Bergamo (1), da Folha de S. Paulo, pelo ministro do STF, e seu ex-presidente, Gilmar Mendes, lança algumas luzes a partir da visão de quem está envolvido até o pescoço com o tema.

Se a situação é ruim (talvez catastrófica, já que o título da entrevista foi "é o caos"), isto se deve ao não cumprimento do dever por diversos personagens: Ministério da Justiça, Secretarias Estaduais da Justiça, ministério público, Poder Judiciário. E ruim como?
- apenados doentes colocados no chão
- apenados com o abdômen aberto
- contêiner servindo de cela, com as necessidades dos de cima caindo sobre os debaixo
- 22 mil pessoas presas sem inquérito concluído em determinado ano (certa pessoa estava preso, sem condenação, há 14 anos) (2)
- pessoas que já cumpriram pena e que ainda se encontram presas
- juízes de execução penal que nunca visitaram um presídio

Mas o mais chocante é a principal razão apontada pelo magistrado: todos nós (ou, eufemisticamente, "a sociedade em geral") não se importa com a pessoa que é condenada, não importa por qual crime. Ela passa a ser uma "não pessoa" (3), sem direitos, sem direitos humanos, sem dignidade. Se passa fome ou frio, é justo, pois é o que acontece com quem infringe a lei. Na prática, todos nós condenamos o culpado a diversas penalidades, sendo a privação da liberdade a única prevista em lei. Mas as autoridades e "a sociedade em geral" fazem de conta que esta ilegalidade (para dizer o mínimo) é natural, necessária, etc.

Após esta constatação - e quem pode argumentar que ela seja inverídica? (4) - outras razões ficam menos importantes: falta de defensores públicos, má vontade dos governadores em relação a eles, subutilização dos atuais recursos digitais...

Não deve ser por acaso que a reincidência de crimes, no Brasil, segundo Gilmar Mendes, é de 70%.



(2) certamente o que já foi denunciado pela imprensa não parece ser exceção, mas regra. Por exemplo, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/140808-procura-se-o-processo.shtml
(3) termo não usado pelo entrevistado, mas pelo autor desta resenha
(4) veja o comentário do leitor à reportagem sobre crimes sexuais publicada em http://www.novojornal.com/minas/noticia/regiao-norte-de-bh-lidera-crimes-sexuais-contra-menores-02-09-2013.html


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Postado por Blogger no Serviço Assistencial Dorcas em 12/09/2013 11:06:00 PM



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Eduardo Ribeiro Mundim
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Nota Pública sobre Nelson Mandela



---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Uriel <uriel@pwl.com.br>
Data: 7 de dezembro de 2013 18:54
Assunto: Nota Pública sobre Nelson Mandela
Para:


 

ALIANÇA DE NEGRAS E NEGROS EVANGÉLICOS DO BRASIL (ANNEB)

NOTA PÚBLICA Nº 02 - 2013

 

Tema: Nelson Mandela

 

Assunto: TRIBUTO AO HOMEM DE DEUS NELSON MANDELA

 

 

          A Paz do Senhor para meu irmão metodista convicto Nelson Mandela. Desta vez, a paz eterna e definitiva. Durante um tempo, sob o regime racista do apartheid, a paz foi uma impossibilidade; depois, um sonho; depois, uma luta; depois, uma conquista e, por fim, uma consolidação. Desta vez, não é preciso guardar proporções, para comparar seu nome ao de Moisés, libertador de Israel. Basta lembrar que o Êxodo, que o primeiro profeta judeu, e codificador de sua fé, protagonizou, não foi apenas sob o prisma espiritual a que nossa visão limitada nos remete. Também o foi sob os prismas cívico-nacional e étnico-racial.

          O contraste entre Mandela e Moisés talvez seja este. Em Moisés, a importância espiritual que lhe damos esconde um pouco os valores civis e seculares. Em Nelson, a importância civil esconde os valores espirituais.

          Quem devolveu aos negros sul-africanos a dignidade cidadã foi o líder civil Nelson Mandela. Quem se recusou a fazer depois uma revanche e recomendou a paz e a normalidade foi o irmão, cristão metodista, Nelson Mandela.

          É fato, todavia, que estivemos por noventa e cinco anos convivendo com uma pessoa que, bem situada e bem localizada narrativa, descritiva e dissertativamente, terminará por manter denúncias que ainda não queremos fazer. De fato, não mostrar que a luta de Mandela teve o recorte de fé é manter-se na trincheira demagógica de onde se acena que Jesus só salva almas e nada tem a ver com a opressão feita sobre o corpo das pessoas, sobre a matéria. Esquecer que foi um irmão metodista é não reconhecer a sua fé e que a Palavra de Deus exigiu dele o máximo dessa fé. Não seria sem fé que se passaria da humilhação vivida por ele na pseudoliberdade de sua juventude para uma maturidade forjada na humilhação ainda maior dos vinte e sete anos de cárcere.

          Não fosse o fato de que sobreviveu a tudo isto para ver a vitória final, e ter-lhe-ia cabido, na hipotética  morte precoce, o título de mártir espiritual tanto quanto a qualquer que tenha morrido por defesa apologética e ideológica ou, como preferem os pregadores, por amor a Cristo, amor que se resume, sem acréscimos ou decréscimos, no amor aos indefesos. A todos os indefesos, já que todos respondem à indagação farisaica sobre "quem é o meu próximo?"

            A Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil sentir-se-ia diminuída e sentiria insubsistente um tributo ao Grande Irmão, se não reconhecesse que tudo o que Mandela sofreu não teve gênese no continente tão desgraçadamente acusado de ser o depósito de todas as maldições, congresso de todas as mandingas e bruxarias e herdeiro do legado de Cam-Canaã. A nossa máscara, em homenagem a Mandela, deve cair para que se admita que cristãos, mais que isto, protestantes, levaram da Europa para a África do Sul a mácula que, se avaliada como deveria, talvez tivesse superado na História a marca do holocausto dos judeus. Afinal os povos do mundo, e também o Brasil em especial, são historicamente mais firmes em odiar negros do que em odiar judeus, haja vista a febre em tentar impor nas liturgias ritmos hebraicos e a aversão em fazê-las com expressões artísticas de matriz africana.

            Honrar Mandela é insistir em espiritualizar o que é convenientemente para alguns secularizado. Em outras palavras, é dar-lhe o valor de homem de Deus, hoje praticamente restrito aos líderes clericais. O demônio existe e foi percebido por Mandela e que, em relação a ele, os africanos são vítimas e não aliados do mal, e não sacerdotes de Satã. O demônio existe e muitas vezes é branco. Queiram revoltar-se ou não contra a ANNEB, este é o fato corajosamente apontado. O demônio existe e muitas vezes é ele cristão fervoroso, como foi o apartheid: cristão, como alguns ignoram, e fervoroso, como ninguém negaria. Jesus enviou Mandela ao mundo também para salvar o que se havia perdido e, por mais triste que pareça, em vez de salvar seu povo das forças do demônio, se viu no constrangimento de salvá-lo da maldade do próprio Deus cristão, se entendido como muitos cristãos europeus apresentaram-nO aos africanos.

            Felizmente, a Paz do Senhor, Nelson Mandela, a paz do Deus verdadeiro, e não daquele que por décadas te oprimiu e à sua-nossa gente.

           A paz do Pai da Eternidade que, na Eternidade te recebe como Premio Nobel da paz.

          A Paz do Senhor ao Prêmio Nobel da Paz do Senhor.




 



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Eduardo Ribeiro Mundim
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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Bélgica: líderes religiosos reiteraram a sua profunda preocupação sobre a eutanásia infantil

Em uma nova declaração conjunta sobre os perigos da extensão da lei da eutanásia aos menores de idade divulgado hoje, os líderes das principais confissões religiosas da Bélgica voltaram a rejeitar essa prática sinistra, que depois de aprovada pela Comissão Conjunta de Assuntos Sociais e Justiça do Senado, caminha dramaticamente em direção à legalização. "Não banalizemos o ato de matar, porque somos feitos para a vida", dizem os líderes religiosos". Acabar com a vida é um ato que não só mata, mas lentamente destrói os laços que existem em nossa sociedade, em nossas famílias, vítimas de um individualismo crescente ", denunciam com grande preocupação.

Certamente, os signatários desta declaração compartilham "a angústia dos pais que têm uma criança que se encaminha para um fim prematuro da vida, especialmente quando está sofrendo". "Não temos o direito de deixar uma criança sofrer, porque o sofrimento pode e deve ser atenuado", diz o texto, mas este também lembra que "a medicina tem os meios" para aliviar a dor.

Neste sentido, os representantes das diferentes religiões explicam que os "cuidados paliativos" e a "sedação" são "uma maneira digna" – recomendada por médicos e oncologistas – para tratar as crianças em fase terminal. Isso sim, evitando sempre o "encarniçamento terapêutico", acrescentam.

Além do mais, a carta destaca a importância de "amar as famílias e os cuidadores desses pacientes", e se a doença os leva, "acompanhá-los com profundo afeto". E conclui assegurando que "amar até o final exige uma grande coragem".

Esta preocupante reforma legislativa prevê que as crianças que estejam em uma situação de dor física insuportável e impossível de aliviar e que solicitem que se coloque um ponto final à sua vida, poderão fazê-lo simplesmente com a concordância de uma equipe médica que avaliará a situação.

Diante dessa possibilidade, os líderes cristãos, muçulmanos e judeus da Bélgica já tinham emitido no início de novembro outro comunicado conjunto opondo-se à legalização da eutanásia para menores. "A eutanásia das pessoas mais vulneráveis é desumana e destrói as bases da nossa sociedade", denunciavam. "É uma negação da dignidade dessas pessoas e as deixa ao critério, ou seja, à arbitrariedade de quem decide", acrescentavam.

Na nota, divulgada pela agência Cathobel, os líderes religiosos destacavam também que são "contra o sofrimento físico e moral, em particular das crianças", mas explicavam que "propor que os menores possam escolher a sua própria morte é uma maneira de distorcer a sua capacidade de julgar e, portanto, a sua liberdade". "Expressamos nossa profunda preocupação diante do risco de banalização crescente de uma realidade tão grave", concluíam.

A legalização da eutanásia para crianças tem sido debatida por quase dois anos no Senado, que acelerou o processo. Uma vez aprovada definitivamente, Bélgica vai se tornar um dos primeiros países a legalizar esta prática. Dessa forma se extenderá a lei da eutanásia em vigor desde o 2002, que reconhece a eutanásia para maiores de idade ou menor emancipado ( a partir dos 15 anos), capaz, com diagnóstico de doença irreversível, que padecesse de um sofrimento físico ou psíquico constante e insuportável ou uma doença grave incurável.

A reforma, que tem sido promovida pelos socialistas belgas e apoiada por vários grupos políticos, com exceção do partido flamenco Vlaams Belang e dos democratas cristãos, torna-se muito importante dado que se convertirá na mais permissiva, já que a de outros países como Holando deixa a decisão nas mãos do menor entre 16 e 18 anos e exige o consentimento paterno para casos entre os 12 e os 16.

A eutanásia na Europa está legalizada em Luxemburgo, Suíça , Bélgica e Holanda , onde o número de pedidos de eutanásia e suicídio assistido aumentou um 13% em 2012. No total, a Holanda chegou a ter 4.188 solicitantes esse ano, de acordo com um informe dos comitês regionais encarregados de avaliar estes procedimentos no país.

replicado de http://www.zenit.org/pt/articles/belgica-lideres-religiosos-reiteraram-a-sua-profunda-preocupacao-sobre-a-eutanasia-infantil

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Postado por Blogger no Bioética e Fé Cristã em 12/06/2013 02:29:00 PM



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Eduardo Ribeiro Mundim
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Herodes, esse incompreendido

João Pereira Coutinho
Verdade que a Bélgica sempre foi bastante "liberal" (peço desculpa pelo uso abusivo do termo) nessas matérias. Segundo os manuais da especialidade, a eutanásia (ativa ou passiva) existe para terminar com o sofrimento intolerável (e incurável) de um doente. 
Acontece que a Bélgica foi alargando os casos de "situações extremas". Sim, um doente terminal com câncer cumpre os requisitos para uma injeção letal. Mas o que dizer de uma pessoa em profundo sofrimento psicológico ou acometida por uma deficiência irreversível como a cegueira?  
Foi assim que a Bélgica começou a praticar estas formas de eutanásia "à la carte" muito para além dos casos clássicos de sofrimento irreversível. O passo seguinte --eutanásia para crianças-- era apenas uma questão de tempo. 

artigo completo em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/141830-herodes-esse-incompreendido.shtml

a Folha de São Paulo não permite a reprodução gratuita de seus artigos

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Feira dos rins

Governo iraniano permite e controla o comércio do órgão, mas fila de espera criou mercado negro 
SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ


O funcionário público iraniano Alireza Noruzi (nome fictício), 45, tem um irmão doente que precisa de um transplante de rim. Em qualquer outro país, Noruzi dependeria da morte de algum doador compatível para aliviar o sofrimento da família. 


No Irã, porém, ele pode comprar legalmente o órgão de uma pessoa viva. 


O comércio de rins é permitido, incentivado e controlado pelas autoridades da república islâmica há mais de 20 anos. Por meio de sua Associação Caritativa de Apoio aos Pacientes de Rins, o governo promove encontros entre doadores e compradores, que, uma vez em contato, definem o preço da transação em comum acordo. 


Quem quiser vender seu órgão receberá em média 90 milhões de riais, equivalentes a US$ 3.000, dos quais US$ 300 são pagos pelo Estado como "retribuição" fixa por ajudar a diminuir filas de espera. 

restante em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/139362-feira-dos-rins.shtml (a Folha de São Paulo não permite a reprodução gratuita dos seus artigos)

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Entre a cruz e o arco-íris


Não posso deixar de estimulá-los à leitura do livro Entre a cruz e o arco-íris da jornalista Marília Camargo César, pela Editora Gutemberg, lançado a duas semanas. Livro que, sem dúvida, se tornará uma referência para todos que queiram entender melhor tantas controvérsias envolvendo a condição homossexual humana e suas repercussões religiosas, políticas, jurídicas e culturais. 
No interior das igrejas cristãs tem-se silencioso sofrimento de homens e mulheres que se descobriram homo-orientados, independente de suas vontades, e que se sentem atingidos por profunda contradição entre suas crenças e desejos. O ensinamento clássico das igrejas cristãs, de condenação do comportamento homossexual, claramente se choca com o extenso ativismo gay, fenômeno contemporâneo por excelência - que tem obrigado as denominações históricas a reestudarem seus posicionamentos públicos, suas exegeses dos textos bíblicos e a repensarem suas práticas pastorais diante da demanda de homossexuais que em número crescente esperam ser acolhidos nas igrejas. Ou que criam suas próprias igrejas.
Pode-se dizer que antes do Levante Gay em São Francisco, na década de 60, praticamente não havia uma Pastoral para pessoas com questões de identidade sexual e de gênero; era como se estas pessoas simplesmente não existissem; as que não se continham eram vistas como casos excêntricos e sofriam bullying. E a pedofilia homossexual, prática multissecular, revelou-se como o mais grave problema na Igreja Católica, motivando a inédita renúncia do Papa Bento XVI no início de 2013. Como terapeuta a quarenta anos, constato que a imensa maioria dos pastores não querem se envolver no cuidado de alguém homossexual. Gostam de ficar em regiões celestiais e tratar de amenidades. Mas o barulho das ruas e da mídia chega aos templos e questiona a fé, o corpo doutrinário e especialmente a prática pastoral e eclesial. Ninguém quer ser visto como homofóbico, hostil a homossexuais, mas algumas lideranças pentecostais e neopentecostais ganharam notoriedade justamente por se contraporem agressivamente ao movimento GLTTB. Com alguma dificuldade o grande público distingue a fala destes atores midiáticos da voz de milhares de pastores comuns. Registre-se contudo que pastores e terapeutas cristãos continuam sendo procurados por pessoas que não abrem mão de seus desejo por Deus e confessam a vivência de um impasse existencial profundo. Exemplos assim estão documentados no livro Entre a cruz e o arcoris .
Paralelo a esta demanda de inclusão na igreja, lugar onde abafavam suas identidades, homossexuais igualmente batalham, e estão conquistando vitórias significativas em Cortes Supremas, pelo reconhecimento de direitos a casamento e adoção de filhos como qualquer heterossexual. Posições milenares que implicavam na clandestinidade, exclusão e até morte de homossexuais tem sido revistas nos países ocidentais. O movimento gay se tornou um gigantesco movimento de massas em âmbito mundial, muito bem articulado, e com crescente simpatia das populações heterossexuais dos países democráticos. Isto e muito mais é mostrado no livro da Marília, resultado de boa pesquisa em fontes históricas, teológicas e científicas. Entrevistou gays e pessoas que viveram como homossexuais parte de sua história, militantes gays e seus críticos, terapeutas e teólogos de variadas tendências, mães perplexas e pastores. Colocou-se favor das pessoas que estão em busca de sentido e de integridade. Entregou-nos histórias reais cheias de humanidade. Seu livro é fruto de sua busca pessoal para se aproximar do mistério da questão mais espinhosa da igreja de nosso tempo. Avançou com bastante clareza num caminho que poucos cristãos ousam caminhar. Deixou que diversas situações se apresentassem, costurando elos entre as falas, nos brindando com delicado e amoroso texto. Poderá ser vítima de apressados julgadores ou de gente insatisfeita com sua falta de dogmatismo, mas alegrará o coração de muitos por apresentar o rosto paterno-maternal de Deus.
Ageu Heringer Lisboa, psicólogo [31 out.2013].

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Profissionais de saúde discutem testemunho cristão


Os Médicos de Cristo, organização filiada a RENAS (Rede Evangélica Nacional de Ação Social) e ao ICMDA (International Christian and Dental Association), realizou nos dias 7 a 12 de outubro uma experiência inédita: promoveu um Seminário Internacional Itinerante nas cidades do Rio de Janeiro, Campinas, São Paulo e Belo Horizonte. Somando os eventos, obtivemos a participação de quase 200 profissionais de saúde.

Além dos preletores locais, o médico indiano Vinod Shah, CEO do ICMDA, e a médica holandesa Josephine Maat, membro da coordenação do Congresso Mundial do ICMDA que acontecerá em 2014, em Rotterdam, Holanda, trouxeram relevantes contribuições para capacitação dos presentes.

A temática “Desafios do profissional de saúde cristão no mundo pós-moderno” possibilitou a discussão e a tomada de posição dos profissionais de saúde presentes em torno da importância de mantermos a integridade em ambientes de corrupção. É digno de nota o fato que quanto o acesso e a qualidade dos serviços de saúde são prejudicados com o desvio de verbas destinadas à saúde.

Dilemas éticos, integralidade da missão e proclamação do evangelho no atendimento à saúde foram debatidos na perspectiva da expansão do reino de Deus, entendendo o campo de trabalho como campo missionário.

Frente a frente com os determinantes sociais da saúde (condições sociais nas quais as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem que influenciam na ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco para a população) e iniquidades em saúde – evitáveis, injustas e desnecessárias – compreendeu-se porque os mais vulneráveis adoecem mais e morrem mais cedo. As discussões nos conduziram a uma reflexão profunda sobre a estrutura do sistema de saúde brasileiro, que requer participação ativa dos profissionais na defesa do direito constitucional à saúde.

Esse simpósio possibilitou também uma análise das clínicas de curto prazo realizadas sem planejamento e sem parceria com a comunidade local, com um cunho puramente assistencialista, sem ações que promovam uma participação ativa da população. A metodologia consistiu na análise de cartas de missionários relatando sua experiência e o retorno da liderança local. Essa atividade proporcionou um aprendizado fundamental no sentido de qualificar as clínicas de curta duração, uma das principais contribuições dos profissionais de saúde.

Todos foram conscientizados da relevância da incidência em políticas públicas, controle social e defesa de direitos. Ressaltou-se que os conselhos de direito podem ser importantes espaços de testemunho, serviço e exercício de nossa fé numa perspectiva cidadã e podem contribuir para o bem comum, especialmente no que tange ao acesso à saúde e ao fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde).

Nosso próximo encontro será em Campinas (SP) por ocasião do V CENPS – Congresso Evangélico Nacional de Profissionais de Saúde, no Lar Luterano Belém, que ocorrerá de 17 a 19 de outubro de 2014.

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Soraya Dias é presidente dos Médicos de Cristo e integra o Grupo Coordenador da RENAS (Rede Evangélica Nacional de Ação Social).

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O Japão não é o paraíso que se pensa...

Eu muitas vezes me pergunto: Por que o Japão?

O Japão não parece enquadrar-se no modelo de um campo missionário. O Japão é o lar de algumas das empresas mais respeitadas do mundo, incluindo a Toyota, Sony, Nintendo, Panasonic, Nissan e Honda. Os japoneses são educados, organizados, e são conhecidos por trabalharem duro e serem honrados. O Japão é uma das nações mais ricas do planeta, é a terceira maior economia do mundo, depois dos EUA e da China. O Japão é pacífico e totalmente uma nação de 1º mundo. É uma bela nação de muitas ilhas e também tem uma das mais baixas taxas de criminalidade do mundo.

Entretanto, Há um lado escuro...

1. O Japão tem uma das maiores taxas de suicídio do mundo. Com exceção de 2012, quando a taxa foi de pouco meno que 30 mil pessoas , a cada ano nos últimos 14 anos do Japão taxa de suicídio superou 30 mil pessoas. Mais de 18.000 japoneses morreram no terremoto e tsunami no Japão em 2011, e mais de 35.000 pessoas cometeram suicídio naquele ano. O Japão tem um tsunami de mortes todos os anos...

2. Hikikomori (def = puxando para dentro / estar confinado) é um tipo de depressão extrema que parece existir apenas no Japão. Embora os números oficiais são em torno de 700 mil, por muitos casos não serem relatados alguns estimam que mais de 1,5 milhões de jovens (a maioria homens) são em hikikomori e completamente afastado da sociedade. Alguns apenas se trancaram em uma sala e mal saem uma vez por dia para comer. Alguns não têm falado ou visto alguém por mais de 2 anos, tendo se retirado completamente do contato humano. Alguns dizem que é um suicídio interno ou viver como um cadáver.


3. "A Indústria do sexo do Japão vale cerca de ¥ 2.500.000.000.000 (EUA US $ 30 bilhões), perdendo apenas para a indústria automobilística do país."(via CNN ). Japão tem a maior indústria do sexo no mundo por valor financeiro e alcance pois tem distritos da luz vermelha em todo Japão. [ Patricia Green, ex-diretor de Raabe Ministérios , em Bangkok, na Tailândia, disse uma vez que 90% da indústria do sexo, em Banguecoque, é financiado por empresários japoneses. Não que os homens japoneses estão envolvidos em 90% de todas as atividades, mas sim em financiá-lo, devido às suas contas bancárias de grande porte, gastando em atividades relacionadas a esta indústria, um grande número de turistas sexuais à Tailândia, etc ] Também não é raro para japoneses de meia idade pagar para meninas do ensino médio ou juniores para agir como companheiras em um ato conhecido como Enjo Kosai , que significa "encontro por recompensa", mas muitas vezes leva a favores sexuais pagos / prostituição na adolescência. Os jovens japoneses não precisa do dinheiro, mas muitas vezes têm sido dominado pela necessidade de comprar os mais recentes produtos eletrônicos e da moda. Clique aqui para um gráfico, mas informativo BBC curto documentário sobre Enjo Kosai / prostituição na adolescência. (http://www.youtube.com/watch?v=S8mdYtd6t_8)

4. Muitos jovens no Japão vivem sem esperança e sem vontade de fazer qualquer mudança. A muitos jovens não poderiam se importar menos sobre a política do país ou políticas econômicas. A afluência às urnas é extremamente baixa para uma democracia de primeiro mundo. Há apatia em todo lugar. Apenas 36% dos estudantes japoneses do ensino médio sentem que tem valor como individuo, baseado numa pesquisa recente, contra 75% para a Coreia do Sul, 88% para a China e 89% para os EUA.

O Japão é uma nação em mudança:

5. O Japão tem uma das menores taxas de natalidade do mundo, juntamente com a maior longevidade na terra, o que significa que há muitas pessoas idosas e poucos jovens. Há mais gatos e cães no Japão do que as crianças com idade inferior a 16 anos. 

6. O Japão é um dos países mais caros do mundo para os estrangeiros viverem. Em 2012, Tóquio foi considerada a cidade mais cara do mundo para estrangeiros e Osaka foi 3ª. O governo japonês, por meio de políticas econômicas do primeiro-ministro Abe conhecidos como Abenomics, tem desvalorizado o iene, fazendo no ano passado os custos caírem em 20% para quem utiliza o dólar americano. O Japão é ainda um dos países mais caros do mundo.

7. O Japão tem duas das maiores áreas metropolitanas do mundo . Tóquio é a maior área metropolitana do mundo, com mais de 35 milhões de pessoas vivendo em sua área metropolitana. A população da área metropolitana de Tóquio é equivalente a população de todo Canadá, e 50% maior do que a de todo continente da Australiano. Se Tokyo fosse uma nação, seria o 35º maior país mais populoso do mundo. Osaka é 9 ª maior área metropolitana do mundo, com mais de 17,5 milhões de pessoas em sua área metropolitana. Se Osaka fosse uma nação, seria maior do que 134 nações do mundo, incluindo a Dinamarca, Países Baixos, Portugal, Bélgica, Camboja, Guatemala, e Níger. O Japão em 2011 foi a única nação do mundo com mais de uma área metropolitana entre as 10 maiores do mundo. (Tóquio, Osaka). Nagoya é a terceira maior área metropolitana no Japão, com mais de 6 milhões de pessoas. O Japão é uma nação densamente povoada, com cerca de metade de seus 125 milhões de habitantes vivendo apenas três regiões metropolitanas: Tóquio, Osaka e Nagoya.

O Japão é um país com muito poucos cristãos:

8. A Igreja Protestante do Japão tem uma taxa comparecimento de 0,22%. A percentagem total de cristãos, incluindo os católicos, é inferior a 1%. Além disso, missionários dizem que cerca de 75% destes poucos cristãos realmente se declaram como cristãos. Cerca de 75-80% desse número são cristãos evangélicos, e cerca de 10% são cristãos com menos de 30 anos. Mesmo que ainda estes dados não estão confirmados, se for realmente verdade, significa que menos de 1 em 4.000-5.000 as pessoas com idade inferior a 30 são cristãos evangélicos. (Quase todos os jovens cristãos japoneses que tive contato não conheceram um único cristão em toda sua vida - nem mesmo um primo, tio, tia ou membro da família, nem um colega de trabalho ou de estudo, nem um vizinho, e a maioria considera Cristianismo como algo dos americanos/estrangeiros ocidentais, até terem encontrado um missionário ou colega cristão japonês.)

* Somente comparação com algumas nações vizinhas, a porcentagem de cristãos da Coréia do Sul é de 25% ou superior. A China tem cerca de uma taxa de 9% de cristãos, com mais de 100 milhões de cristãos, tanto na igreja do estado como na igreja subterrânea. Mesmo a Coreia do Norte é conhecida por ter uma população cristã entre 1 a 2%, apesar de os missionários não terem permissão para trabalhar na Coréia do Norte. Houve, no entanto, muito crescimento dos cristãos na fronteira da Coréia do Norte com a China devido aos esforços dos missionários sul-coreanos nessa área.

9. O Projeto Joshua define um povo não-alcançado como o que possui um percentual cristãos menor que 2%. Este é aproximadamente o percentual em que um grupo de pessoas é incapaz, ou acha muito difícil propagar/evangelizar por conta própria sem a ajuda missionária. O Japão é o segundo maior grupo de pessoas não alcançadas no mundo. Entre os 10 maiores grupos de povos não alcançados, os japoneses não são apenas os mais ricos, mas o único grupo de pessoas que tem 100% de liberdade de religião - até mesmo para emissão de vistos de missionários.

10. As maiores igrejas no Japão são predominantemente coreanas. A maior igreja no Japão tem cerca de 2.000 pessoas, Yohan Christ Church, em Tóquio , com a maioria dos membros coreanos. A maior igreja japonesa no Japão é cerca de metade desse tamanho, Yamato Calvary Chapel . Ambas as igrejas são na área metropolitana de Tóquio.Na minha cidade, Osaka, a maior igreja japonesa tem 400 japoneses que adoram lá todos os domingos. A segunda maior igreja é uma igreja coreana, com cerca de 40 japoneses entre os seus 380 fiéis todos os domingos. (O resto são coreanos, etc) Em Nagoya, a terceira maior área metropolitana, a maior igreja é uma igreja coreana com mais de 350 fiéis que frequentam todos os domingos. A maior igreja japonesa tem cerca de 250 pessoas. Todos esses números incluem crianças. O tamanho médio de uma igreja japonesa é de aproximadamente 15-20 japoneses, com a maioria das pessoas com mais de 50 anos.

11. Há um trabalhador cristão por 150.000 japoneses. Esta é a segunda menor taxa do mundo, ao lado de nações islâmicas fechadas, que tem um trabalhador cristão por 500 mil pessoas. (Dados de Michael Oh , Diretor do Movimento de Lausanne ).

Por que o Japão?

Simplificando, há tão poucos cristãos (tanto cristãos japoneses quanto missionários) no Japão - mesmo com 100% de liberdade de religião - que a igreja não consegue crescer por conta própria. Os cristãos nos EUA, muitas vezes me perguntam: "Por que o percentual de cristãos no Japão é tão baixo?". A resposta é simples:"O Japão precisa de mais trabalhadores cristãos. Nós o encorajamos a - "Peçam, pois, ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua seara", como ele diz em Mateus 9:38 .

fonte: http://blogs.law.harvard.edu/josephkimx/2013/08/12/why-japan/

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Dez Questões sobre o Teste da Fé: uma resposta inicial aos críticos

O lançamento recente do “Teste da Fé” gerou discussões acaloradas, e perguntas foram feitas sobre a nossa identidade teológica. Há muito o que dizer, e não há como resolver isso em um único post. Então decidi organizar os questionamentos em perguntas principais, e vamos começar respondendo a 10 perguntas básicas:

(1) Qual é o propósito do “Teste da Fé Brasil”?
Antes de tudo, reabrir a conversação sobre a relação entre ciência moderna e fé evangélica.
O campo evangélico Brasileiro apresenta uma atitude ambígua em relação à ciência, e em geral não apresenta a estima e a valorização da vida intelectual e da vida científica que caracterizam o protestantismo clássico. No seu extremo mais fundamentalista, tendemos a combinar uma leitura Bíblica questionável com um uso seletivo e pragmático da evidência científica, sem reconhecer o campo científico como um campo legítimo e sem ver a ciência como uma vocação legítima para o Cristão.
Por outro lado, no extremo mais “modernista” do movimento evangélico, onde ele se aproxima do que grosso modo se chama às vezes de “liberalismo teológico”, vê-se a tendência de revisar a fé evangélica sistematicamente, em termos de ideologias e cosmovisões seculares que pululam a academia moderna, apelando-se ao avanço da ciência moderna como prova de que a doutrina e as formas confessionais clássicas da Fé Cristã estariam ultrapassadas.
A essas anomalias soma-se um emprego pouco crítico da tecnologia moderna, em si mesma resultado da ciência, não apenas no uso diário e no entretenimento, como também na organização e atividades eclesiásticas e pastorais, numa atitude paradoxal que “coa” as expressões discursivas da ciência e “engole” seus resultados práticos e sociais.
É urgente, por isso mesmo, uma reconstrução crítica da relação entre fé evangélica e ciência moderna, e a combinação de esforços para inspirar uma possível comunidade de cientistas e intelectuais de fé, capaz de mediar entre a comunidade evangélica e o campo científico e contribuir para uma teologia evangélica pública consistente com a vocação integral da igreja.

(2) “O Teste da Fé” é uma defesa do “Evolucionismo Teísta”?
Não exatamente. O livro “O Teste da Fé” apresenta o testemunho pessoal de dez cientistas sobre como eles chegaram à fé Cristã e como integraram sua fé e sua vocação científica. O DVD, sim, apresenta uma introdução ao diálogo de Religião e Ciência hoje, na forma de um documentário em três partes: na primeira o assunto é cosmologia e a inteligibilidade do universo; na segunda, origens biológicas e meio ambiente; na terceira, neurociências e natureza humana. E na segunda parte, a visão evolucionária é apresentada como plausível.
É verdade que o projeto tem uma atitude positiva em relação à evolução biológica. Mas esse não é o tema do livro. O tema é a possibilidade de ser Cristão e cientista ao mesmo tempo. Nesse sentido, é útil para pessoas de qualquer posição: ateus, católicos, criacionistas científicos e evolucionistas teístas. Destacamos, inclusive, que a obra é extremamente útil para ajudar a apresentar a fé Cristã a pessoas que tem preconceitos intelectuais contra o Cristianismo. Se você quer fazer evangelização na universidade, ou educação sobre fé e ciência, o Teste da Fé é um bom recurso.

(3) Como “O Teste da Fé Brasil” interpreta a Bíblia?
A pergunta é essencial, mas sua resposta direta exigiria um estudo de todos os textos centrais envolvidos na discussão de fé e ciência – algo que queremos fazer aos poucos, mas que não temos espaço para fazer aqui. Então vamos fazer algo indireto e mais rápido: vamos apresentar como pensamos que a Bíblia não deve ser interpretada.
Para começar, quero deixar claro que não arredamos o pé das crenças evangélicas clássicas (como Adão histórico, queda espaço-temporal, Providência de Deus, etc), nem da inerrância bíblica. E que o projeto “Teste da Fé Brasil” está comprometido com uma visão elevada das Escrituras. Mas não acreditamos que a Bíblia seja um manual de ciências e que o literalismo seja uma prática hermenêutica sã. Explico:
Muitos cristãos tem enfatizado corretamente que a redescoberta da interpretação literal das Escrituras foi um grande marco na história da teologia Cristã, quando os Reformadores protestantes superaram a forma católica medieval de ler a Bíblia por meio de alegorizações e da exploração de alegados múltiplos níveis de significado. Esse tipo de leitura se prestava à justificação de doutrinas teológicas, morais e regras institucionais que não tinham nenhum fundamento real na intenção dos autores Bíblicos. A interpretação literal das Escrituras ajudou os teólogos protestantes (e aos poucos os Católicos começaram a reconhecer isso) a desenvolver uma teologia realmente Bíblica, atenta à intenção do texto sagrado, ao invés de introduzir elementos estranhos.
Mas a interpretação “literal” não é o mesmo que a interpretação “literalista”. Interpretar literalmente a Escritura é interpretar cada texto de acordo com a intenção do seu autor e à luz de toda a Escritura Sagrada. Isso significa que precisamos dar atenção ao gênero e à estrutura de cada texto, para determinar sua intenção. Se um texto é, por exemplo, uma prosa, seus elementos narrativos devem ser tomados literalmente (é o caso, por exemplo, do Evangelho de Lucas); se é uma parábola, sua narrativa pode ser puramente fictícia (como as parábolas de Jesus). Literalismo é a prática de tratar toda a Escritura de um modo uniforme, mesmo quando o gênero nos sugere outra leitura.
‘interpretação “literal” não é o mesmo que interpretação “literalista”.’
O caso é que para Gênesis 1 temos uma mistura inusitada, descrita por muitos como “Prosa Exaltada”. Não é nem poesia nem prosa pura, mas uma combinação das duas. Gênesis 2 também apresenta esse traço, mas de um modo completamente diferente. Por isso muitos exegetas evangélicos concordam, hoje, que o próprio texto não foi escrito para ser lido literalmente, em todos os seus detalhes (o espaço não nos permite expôr isso agora, mas eu recomendo o livro “Como Ler Gênesis”, de Tremper Longman, editora Vida Nova). Se isso estiver correto (e creio que está), a leitura literal de Genesis 1 é a de um relato poetizado, ou uma “prosa metafórica” e a leitura literalista seria tão não literal quanto uma leitura alegórica.
A outra questão em jogo é a leitura das Escrituras com a finalidade de construir teorias científicas a partir delas. Isso é o que chamamos, às vezes, de “presunção enciclopédica”. Há muitas evidências de que a Bíblia não apresenta um ponto de vista científico. Um exemplo comum é o emprego do ponto de vista pré-científico, como quando o livro de Josué nos diz que o Sol parou no céu em Gibeom (Js 10.12-13). Cristãos geocentristas atacaram Galileu Galilei alegando que isso seria evidência de o Sol que gira em torno da terra, e não o contrário; mas hoje todo Cristão heliocentrista entende perfeitamente que não se tratava de uma afirmação científica abstrata. A verdade no relato não estava na explicação científica do fenômeno, e sim, unicamente na factualidade do fenômeno (que o sol parou do ponto de vista do observador, o dia foi mais longo, e Josué venceu a batalha).
O mesmo se dá quando Moisés nos diz em Gn 7.11 que “as comportas do céu se abriram” para o dilúvio. Literalmente, significa que havia janelas no céu que se abriram para que as águas exteriores descessem à terra. Ora, os antigos acreditavam que o céu era uma abóbada sólida, assim como acreditavam que o Sol se movia no céu, simplesmente porque parecia assim de seu ponto de vista. O curioso é que Deus, sabendo que alguns cristãos fervorosos leriam esses textos literalisticamente no futuro, nem por isso “corrigiu” a ciência antiga, que nesses casos era apenas um desdobramento do senso comum.
Mas porque Deus não corrigiu a ciência antiga ao inspirar as Escrituras? Simplesmente porque isso não interferiria na intenção do texto. E a intenção do texto não era falar sobre cosmologia antiga ou senso comum, mas anunciar que houve uma chuva e um dilúvio; que o fenômeno aconteceu e era um juízo divino. Como ele aconteceu não faz parte de fato da intenção humano-divina do texto, e a narração pré-científica usada para comunicar a mensagem não corrompe ou diminui a veracidade e factualidade do texto. Por isso mesmo, a interpretação literalista não é uma interpretação fiel do texto. Pelo contrário, ela preenche o texto com um nível de significado científico abstrato que nunca esteve na mente dos autores, assim como os católicos medievais introduziam níveis de sentido moral e teológico para justificar suas doutrinas preferidas. Ela desrespeita a intenção do texto sagrado. O texto Bíblico fala sobre Deus, sobre seus atos criadores e salvadores no tempo e no espaço, e sobre a condição humana diante disso, e apresenta toda a precisão necessária para comunicar essa mensagem de modo infalível.
“a interpretação literalista não é uma interpretação fiel do texto. Pelo contrário, ela preenche o texto com um nível de significado científico abstrato que nunca esteve na mente dos autores, assim como os católicos medievais introduziam níveis de sentido moral e teológico para justificar suas doutrinas preferidas.”
“Mas isso não seria desmitologização?” De jeito nenhum. A noção de desmitologização da religião envolve a negação do sobrenatural, milagres, e providência especial. Isso não se aplica ao nosso caso por duas razões: (1) não negamos que o dilúvio aconteceu, e que foi uma intervenção divina; (2) mito é uma coisa, ciência antiga é outra. Vamos tratar mais disso em outro post.
Essa percepção hermenêutica não é nova; é antiga, tendo origens em Agostinho, e mesmo João Calvino sabia reconhecer o fato de que Deus se “acomodou” às limitações humanas ao inspirar as Escrituras. Acomodou-se, não no sentido de permitir erros factuais, falsidades teológicas ou mitologias, mas no sentido de não eliminar a finitude do autor inspirado (e finitude é criaturidade) ao mostrar por ela sua infinitude; de falar de um modo acessível ao público original, que recebeu a mensagem. Colocando de um outro modo: a inspiração Bíblica é econômica, no sentido de que não implica uma correção sistemática de absolutamente tudo o que o homem antigo pensava, mas de tudo o que era necessário corrigir para que seu discurso fosse a própria palavra de Deus, verdadeiro e infalível em sua intenção.
Mas não quero dizer, com isso, que fatos Bíblicos não tenham em alguns momentos uma sobreposição em relação à ciência moderna. Como muitos evangélicos, reconheço que o ensino Bíblico sobre a natureza do homem, do pecado, e da obra redentiva exigem um Adão histórico, e que o relato de Genesis 2 e 3 tem traços literários que não permitem lê-lo como mera parábola, por exemplo. Isso certamente significa que a doutrina Bíblica do homem tem implicações para uma teoria antropológica Cristã. Ainda assim, ela não significa que a “fonte” primária para uma teoria paleoantropológica seja a Bíblia. Ela não implica, por exemplo, que a Criação do homem foi necessariamente especial, nem nos diz se Deus fez o homem a partir de um ancestral, ou se havia pré-adamitas (entre os quais Caim foi habitar e se casou). A Bíblia fala da água, mas a “fonte” primária para estudar a água é a própria água, e não a Bíblia. Nunca encontraremos a composição química da água na Bíblia. Também não encontraremos uma teoria biológica ou paleoantropológica na Bíblia, embora devamos rejeitar toda teoria biológica ou paleantropológica sobre o homem que seja demonstravelmente incompatível com a antropologia Bíblica.
Entendo que a leitura “enciclopédica” das Escrituras, buscando nelas a fundamentação cognitiva para as ciências (e negando assim a sua soberania relativa), é um erro gravíssimo, corretamente chamado de biblicismo. Eu diria aos meus irmãos criacionistas-da-terra-jovem que eles estão lendo a Bíblia errado, na minha opinião, e com isso estão forçando um conflito inexistente com a ciência moderna.
Enfim, a leitura literalista e enciclopédica das Escrituras pratica uma espécie de “docetismo revelacional”: a Bíblia tem a “aparência” de ser um livro humano, mas na verdade não é; na verdade é um livro puramente divino. O divino absorveu completamente o humano, de modo que não há mais acomodação divina. Essa visão não compreende a natureza das Escrituras, nem o sentido da intepretação literal dos Reformadores protestantes, e cria uma hermenêutica que é ultimamente incompatível com a Cristologia ortodoxa.

(4) O “Teste da Fé” propõe que a interpretação Bíblica seja controlada pela Ciência Moderna?
Essa é uma boa pergunta, e a resposta é não. O questionamento da interpretação literalista da Bíblia não tem o propósito de acomodar as Escrituras à Ciência Moderna. Na verdade a interpretação não-literalista é muito antiga. O teólogo Agostinho de Hipona, reconhecido por Católicos e Protestantes como um dos principais doutores da Igreja, defendeu uma interpretação não literalista de Genesis em seu “Comentário Literal ao Livro de Gênesis” escrito no final do século IV AD. Há uma longa tradição de teólogos e cientistas que se recusaram a usar as Escrituras como os defensores do literalismo Bíblico usam agora.
Mesmo assim, isso não significa que a ciência não possa ter um papel na interpretação da Bíblia. Mesmo os criacionistas científicos admitem que a evidência arqueológica pode nos ajudar a ler a Bíblia e até mesmo alterar detalhes de interpretação, como a descoberta dos rolos do mar morto, por exemplo, que lançaram nova luz sobre o judaísmo antigo. Assim também, um desdobramento da ciência moderna pode mostrar que a nossa interpretação da Bíblia está errada. No caso de Gênesis 1, concordo com os que acreditam que tanto os desdobramentos recentes na interpretação de Gênesis, quanto a evidência científica, são testemunhas independentes e complementares a favor de uma hermenêutica não literalista.

(5) A Teoria da Evolução é incompatível com a Cosmovisão Cristã?
A afirmação de que a teoria da evolução corrompe a cosmovisão cristã é falsa, no meu julgamento. Ela confunde sob um único termo (“evolução”) três (ou até mais) usos distintos:
(i) “Evolução” como representação diacrônica e progressiva da vida na terra, envolvendo aumento de complexidade e de diversidade biológica ao longo do tempo. Vamos chama-la aqui de História Natural Evolucionária (HNE), que simplesmente reconhece essa dimensão temporal e uma ou outra forma de gradualismo. Michael Behe, por exemplo, um dos “pais” do Design Inteligente, aceita a teoria nesse ponto e em outros, como a hipótese do ancestral comum. Isso foi negado recentemente pelos líderes brasileiros do DI, mas Behe é muito claro:
“Muitas pessoas pensam que questionar a evolução darwiniana significa defender o criacionismo. Da forma habitualmente entendida, o criacionismo implica a crença em que a Terra foi formada há apenas dez mil anos, uma interpretação da Bíblia ainda muito popular. Desejo deixar claro que não tenho motivos para duvidar que o universo tem os bilhões de anos de idade que os físicos alegam. Acho a ideia de ascendência comum (que todos os organismos tiveram um mesmo ancestral) muito convincente e não tenho nenhuma razão particular para pô-la em dúvida. Respeito muito o trabalho de meus colegas que estudam o desenvolvimento e o comportamento de organismos dentro do arcabouço evolucionário, e acho que biólogos que assim pensam deram enormes contribuições ao nosso conhecimento do mundo.”
Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin. Zahar, 1997, p. 15.
(ii) “Evolução Darwiniana” como mecanismo darwiniano clássico, neodarwiniano ou posdarwiniano. Aqui encontramos o que se pode chamar de Teoria Darwiniana da Evolução (TDE), e seu interesse é explicar porque a história natural sugere uma visão gradual ou semi-gradual do fenômeno da vida terrestre. O mecanismo neodarwiniano envolve processos conhecidos como mutação genética, transformações epigenéticas, seleção natural, deriva genética, especiação, convergência, etc.
(iii) “Evolucionismo”, isto é, evolução transformada em metafísica geral para explicar tudo, e até a moralidade e a racionalidade, como no Naturalismo filosófico. Segundo essa perspectiva, tudo o que o homem é pode ser explicado de forma suficiente por meio das ciências biológicas, e as outras ciências do homem são ultimamente redutíveis à biologia, e esta à física. Essa posição é às vezes chamada de Grande Teoria da Evolução (GTE), e caracteriza a posição, por exemplo, dos neoateístas. Não era essa, no entanto, a posição de Darwin e de muitos cientistas no século XX.
“Respeito muito o trabalho de meus colegas que estudam o desenvolvimento e o comportamento de organismos dentro do arcabouço evolucionário, e acho que biólogos que assim pensam deram enormes contribuições ao nosso conhecimento do mundo.”
Michael Behe, líder do movimento do Design Inteligente
Há muitos biólogos evolucionários evangélicos como Simon Conway Morris (Cambridge University) que aceitam (i), problematizam (ii) movendo-se para posições posdarwinianas (não “anti” darwinianas), e rejeitam (iii), mantendo a fé evangélica clássica sem problemas. A GTE ou “evolucion-ISMO” é certamente incompatível com a fé Cristã. Como qualquer outro “ismo”. Sua falha central é a absolutização de um nível explanatório particular (a partir da abstração de um recorte específico da realidade temporal, que é a dimensão biótica) e a redução dos outros níveis a esse nível. Esse procedimento se baseia no chamado “dogma da autonomia religiosa da razão”, e é um erro intelectual e espiritual.
Mas a HNE não exige o evolucionismo para funcionar, no entanto. Nem mesmo a TDE implica a metafísica evolucionista. Pelo contrário, há evidências de que mesmo a TDE, que tem seus problemas, não pode se manter de pé a não ser dentro de uma cosmovisão teísta, como o filósofo evangélico Alvin Plantinga demonstrou recentemente. Desse modo, mantida estritamente como teoria da história biológica da terra, a teoria da evolução não tem nenhuma força contra a fé evangélica. Se aceita, ela pode e deve ser lida dentro da narrativa Criação-Queda-Redenção que funda a cosmovisão Cristã.
“mantida estritamente como teoria da história biológica da terra, a teoria da evolução não tem nenhuma força contra a fé evangélica.”
Quanto à TDE, eu concordo com o movimento do Design Inteligente em que a síntese neodarwiniana é insuficiente para dar conta da diversidade e complexidade da vida biológica na terra, e por isso me considero posdarwiniano. Mas uma posição posdarwiniana não implica de forma alguma a mera negação de Darwin. Do fato de que o DI apontou o problema, não significa que tenha a solução. O que se espera é uma nova síntese que seja capaz de lidar com as fragilidades da síntese neodarwinana (apontadas pelo DI e por outros críticos) de modo a contê-la e superá-la, mais ou menos como a física relativística de Einstein superou a física newtoniana tornando-a um caso particular de uma teoria maior. Um dos traços de uma teoria posdarwiniana será certamente algo que o DI deseja incluir: a presença de design (mesmo que não seja o microdesign proposto pelos defensores do DI) e a irredutibilidade entre níveis diferentes de realidade (como entre a “vida” e a “matéria”).
Por isso mesmo, a expressão empregada por muitos cristãos que aceitam a teoria da evolução é “criacionismo evolucionário”, ao invés de “evolucionismo teísta”. Destaco ainda que, grosso modo, os criacionistas progressivos e os criacionistas evolucionários concordam em aceitar o ponto (i), concordam em rejeitar o ponto (iii) e discordam no ponto (ii). Além disso, a classificação é difícil. Como eu, por exemplo, acredito que uma singularidade (ou um “milagre”) seria necessário para produzir a primeira forma de vida, sou frequentemente considerado um “criacionista progressivo”. Mas eu mesmo me descrevo como criacionista evolucionário, já que não considero a TDE satisfatória mas nem por isso a considero uma fraude, e aceito a HNE.
Mas o ponto chave, aqui, é que, corretamente compreendida, a teoria da evolução é meramente uma teoria biológica, e não uma cosmovisão. Ela não responde às grandes questões sobre Quem é Deus, de onde veio o mundo, porque ele é inteligível, porque há beleza na Criação, sobre a natureza do mal, sobre o que é o homem, sobre o seu destino, sobre a existência da liberdade, ou mesmo sobre o que é a “vida”. Como ela pode ser uma “cosmovisão”, a não ser se for forçada a trabalhar como escrava para um falso senhor chamado “Naturalismo Filosófico”? O evolucionismo é uma fraude; a teoria da evolução não.
Uma palavra final quanto a esse ponto: há outras questões específicas que precisam de respostas mais detalhadas: por exemplo, a questão do problema do mal dentro de uma visão evolucionária ou não evolucionária da biologia. Vamos tratar dessas questões em artigos posteriores no blog do Teste da Fé Brasil.

(6) Há precedentes para Evangélicos aceitarem a teoria da Evolução?
Muitos cientistas, intelectuais, teólogos e pastores evangélicos aceitaram a possibilidade da teoria da evolução, com graus variados de convicção; homens como Asa Gray, um presbítero e professor de Harvard, colega de Darwin; ou Benjamin Warfield, teólogo presbiteriano de Princeton (com restrições); mesmo Abraham Kuyper ventilou essa possiblidade. Mas podemos citar alguns autores evangélicos populares: C. S. Lewis, John Stott, Alister McGrath, William Lane Craig, N.T. Wright, Alvin Plantinga e o pastor Tim Keller, da Redeemer em NY; e exegetas recentes como Bruce Waltke, editor da Bíblia de Genebra e ex professor do RTS (cujo comentário de Gênesis é publicado pela Cultura Cristã), Tremper Longman (autor do “Como Ler Gênesis”, EVN) e John Walton, do Wheaton College, uma das mais importantes instituições educacionais evangélicas dos Estados Unidos.
“Os nomes não provam nada”, já me disseram. Mormente porque alguns deles têm pontos doutrinários questionáveis. É verdade que nada provam sobre o mérito da questão. Mas indicam, sim, que o criacionismo-da-terra-jovem não é uma ortodoxia. Não tem o status elevado de uma “doutrina agostiniana da queda” ou de uma “cristologia calcedônica”. É apenas uma opinião dominante.
Esse ponto é muito importante, já que muitos líderes cristãos e pastores insistem em tratar esse ponto como um aspecto essencial da fé Cristã histórica, como se o seu questionamento abalasse a fé evangélica. Mas nada poderia estar tão longe da verdade. Pelo contrário, desde o século XIX a tendência geral dos teólogos e intelectuais evangélicos era de aceitar a evidência geológica e física de uma terra muito antiga, ou o “tempo profundo” (deep time), e a viabilidade da evolução biológica, senão aceita por todos e seu discussão, emergia como possibilidade viável para cristãos.
“o criacionismo-da-terra-jovem não é uma ortodoxia. Não tem o status elevado de uma “doutrina agostiniana da queda” ou de uma “cristologia calcedônica”. É apenas uma opinião dominante”
Foi em 1923 que o geólogo amador George McCready Price, membro da igreja Adventista do Sétimo dia, escreveu um livro para defender a posição Adventista sobre geologia, e essa obra acabou influenciando Henry Morris e John Withcomb, fundadores do Criacionismo Científico após a segunda guerra mundial. Poucos cristãos evangélicos sabem que as bases para o moderno Criacionismo Científico foram construídas por Adventistas, cuja leitura do Antigo Testamento era notavelmente literalista não apenas quanto ao Gênesis, mas quanto à aplicação de ordenanças da Lei na Nova Aliança. A história toda foi contada em detalhes no livro de um ex-Adventista que está hoje entre os maiores historiadores do mundo no campo da ciência & religião: Ronald Numbers (The Creationists: from Scientific Creationism to Intelligent Design, Harvard University Press). A vinculação do Criacionismo Científico com uma igreja heterodoxa, às margens da identidade evangélica, não é prova isolada contra essa posição, mas no mínimo deveria nos levar à reflexão.
O fato é que temos mestres o suficiente na igreja Cristã em geral e na igreja evangélica nos dizendo o contrário para suspeitarmos de qualquer um que afirme ser o criacionismo-da-terra-jovem um distintivo evangélico essencial. Repetindo: o criacionismo-da-terra-jovem não é a posição Cristã ou evangélica ortodoxa, mas apenas uma posição entre outras.

(7) Até que ponto o Cristão deve aceitar a autoridade da Comunidade Científica?
Sem dúvida nenhuma a regra final de fé e prática do Cristão é a Bíblia; a ciência moderna é um empreendimento falível, em processo de aperfeiçoamento constante, cheio de becos sem saída e condicionada por pressuposições filosóficas de todo tipo.
Mas essa não é toda a história. Penso que os cristãos evangélicos deveriam mostrar mais respeito pela comunidade científica moderna. Afinal de contas, ela nasceu sob a influência da Reforma Protestante, a partir de um fundamento Bíblico. Foram os protestantes e os calvinistas, principalmente, os atores que libertaram a ciência, tanto do domínio da metafísica aristotélica, abrindo-a para a empiria, quanto das amarras do biblicismo (à época chamado de “ciência mosaica”), reconhecendo (antes de Kuyper explicar o que ocorria) sua “esfera de soberania”. É verdade que a “moderna ciência moderna”, como escreveu Schaeffer, sob o influxo do Naturalismo filosófico, produziu anomalias; mas temos boas razões para considerá-las exceções.
Me parece extremamente contraditório invocar a Reforma e a Bíblia para explicar a ciência moderna, e em seguida negar sua autoridade em seu próprio campo.
Acontece que o reconhecimento da soberania de Cristo sobre o todo da vida nos leva naturalmente a compreender que ele governa cada campo da vida diretamente, e de um modo singular, por meio dos instrumentos que ele mesmo estabeleceu. Ele é o Senhor na Criação e na Redenção, e todas as coisas encontram coerência Nele. E daí veio o reconhecimento da autoridade da ciência pelos protestantes, que viabilizou a revolução científica.
Isso nos leva de volta à questão da hermenêutica enciclopédica, e porque ela nos parece problemática: a Bíblia é a autoridade máxima em nossa vida e pensamento, mas não é a autoridade máxima em matemática, pois as propriedades associativas dos números são realidades objetivas, independentes da nossa interpretação da Bíblia. E na medida em que apreendemos as leis matemáticas, as empregamos na leitura da própria Bíblia. A Bíblia também não é a autoridade máxima em gramática da língua portuguesa. Pelo contrário, precisamos aprender gramática com outras pessoas e outros livros, e então conseguimos ler a Bíblia. As leis da lógica também não se baseiam na Bíblia; nem nossos cinco sentidos. Precisamos aceitar a “autoridade” dos olhos para ler a Bíblia, e não faz sentido depender da visão para ler, dos ouvidos para ouvir, e depois negar que os cinco sentidos sejam formas de conhecimento independentes, sustentadas pelo próprio Deus por meio de Jesus Cristo.
“as Escrituras não substituem as outras fontes de Conhecimento e as outras autoridades cognitivas, mas nos habilitam a reconhecê-las e, eventualmente, a corrigi-las”
Nada disso significa que a Bíblia tenha menos autoridade. É que Deus se revela no livro da Criação e também no livro da Graça, mas o mesmo Deus se revela nos dois livros. As leis da lógica são leis de Deus, não dos lógicos. E não dependem da Bíblia para funcionar. Mas a Bíblia abre os nossos olhos para reconhecer toda a revelação de Deus, e para nos submetermos a todas as autoridades que Deus estabeleceu. Em outras palavras: as Escrituras não substituem as outras fontes de Conhecimento e as outras autoridades cognitivas, mas nos habilitam a reconhecê-las e, eventualmente, a corrigi-las.
“Mas isso torna a Palavra de Deus sujeita à Criação!” De modo algum. A Criação também é o texto da Palavra de Deus. Não foi a Palavra de Deus quem a estabeleceu e a sustenta? Não é o mesmo logos da Bíblia o logos do mundo? Considero perverso procurar meios de colocar a palavra redentiva das Escrituras em contradição com a palavra criativa do espaço-tempo. Além disso, a nossa teologia é a manjedoura da palavra redentiva, assim como a ciência é a manjedoura da palavra criativa. Sejamos humildes quanto às nossas manjedouras.
“a nossa teologia é a manjedoura da palavra redentiva, assim como a ciência é a manjedoura da palavra criativa. Sejamos humildes quanto às nossas manjedouras.”
Sem dúvida todas as nossas experiências cognitivas devem estar submetidas à Palavra de Deus; mas o jugo de Cristo é suave. Sua graça geral não deixou que a experiência humana se tornasse completamente obscura e enganosa. Isso significa que não precisamos ter uma posição “cartesiana”, duvidando de tudo o que conheço até que encontre um versículo da Bíblia para provar aquilo. Essa crença e prática de recusar a legitimidade das outras fontes e autoridades cognitivas, é o que chamamos de biblicismo, que considero uma forma de idolatria cognitiva. Pelo contrário, como as Escrituras já tratam a Criação como obra de Deus, posso estudar a Criação com a expectativa de que minhas descobertas lá serão coerentes, em última instância, com tudo o que a Bíblia diz, mesmo que devido à minha ignorância ou pecado, eu seja incompetente para demonstrar essa coerência.
Enfim, meu sentimento geral é de que a Ciência pertence, em certo sentido, ao solo Cristão, e merece ser ouvida com simpatia e humildade. Isso dito, precisamos reconhecer que a ciência tem becos sem saída, ideológicas estranhas e conflitos de paradigmas.
Recentemente, por exemplo, descobertas arqueológicas na Geórgia (leste europeu) sugeriram que a narrativa paleoantropológica dominante hoje, que distingue, dentro do Gênero “Homo”, várias espécies como “homo habilis”, “homo erectus” e “homo ergaster”, estaria errada – seriam todos variações de uma única espécie, o “homo erectus”, e este, por sua vez, teria dimensões mais próximas do homem moderno do que se pensava. Isso acontece com a ciência; novas descobertas, novas teorias. O mesmo acontece com autoridades políticas: quantas vezes elas já erraram, até mesmo se levantando contra Deus e realizando coisas terríveis? Isso acontece até com a teologia, embora de um modo diferente. A mudança da teologia católica medieval para a teologia da Reforma é um exemplo.
O que fazer então? Eu gosto de uma metáfora frequentemente repetida para dizer isso: assim como um trem só anda sobre dois trilhos, que não podem nem se afastar, nem se unir (do contrário o trem descarrila), devemos manter teologia e ciência paralelas, sem se fundirem nem se ignorarem. Elas devem ficar numa conversação constante, e isso pode ajudar tanto aos cientistas quanto aos teólogos. Em suma: a ciência não é nem absoluta nem irrelevante. Ela tem uma autoridade relativa que deve ser reconhecida, e a própria Bíblia nos dá base para aceita-la.
“a ciência não é nem absoluta nem irrelevante. Ela tem uma autoridade relativa que deve ser reconhecida, e a própria Bíblia nos dá base para aceita-la.”
(8) A editora Ultimato foi “unilateral”, apresentando apenas uma visão das coisas no projeto “O Teste da Fé Brasil”?
A editora Ultimato não foi “desonesta” ou “unilateral”, como alguns irmãos maldosamente declararam, ao publicar “apenas um lado” – no caso, a obra “O Teste da Fé”. Pelo contrário; se não me engano, a querida editora Ultimato é a ÚNICA editora evangélica brasileira que apresenta OS DOIS LADOS da questão! Ela publica um importante livro do Dr. Philip Johnson (“Ciência, Intolerância e Fé”), advogado do “Design Inteligente”, e “O Teste da Fé”, que favorece o Criacionismo Evolucionário. E nos eventos de lançamento do projeto, ambos foram vendidos lado a lado, por decisão minha. Eu desafio os irmãos criacionistas-da-terra-jovem que levantaram essa crítica a fazerem o mesmo com suas editoras, e a terem a honestidade de vender esses livros da editora Ultimato lado a lado em seus eventos daqui em diante.
A propósito, o principal advogado da posição DI no Brasil havia sido convidado para um dos eventos de lançamento do Teste da Fé, e não apenas rejeitou vir no último momento, como declarou nas redes sociais não ter nenhum respeito pela posição representada pelo Teste da Fé. O fundador do movimento do DI no Brasil assumiu comportamento semelhante, com acusações infundadas de “liberalismo teológico” e “heresia”. Tendo em vista o comportamento belicoso e intolerante dos representantes do Design Inteligente no Brasil, só podemos dar por encerrada a conversação antes mesmo de iniciada; mas não sem antes recomendar aos criacionistas-da-terra-jovem que mantém a sobriedade uma atitude melhor – ao menos próxima à de nossos oponentes ateístas.

(9) Mas a Teoria da Evolução não leva à incredulidade e à apostasia?
Como já argumentamos antes, eu não creio que a evolução biológica, em si, seja razão para incredulidade ou apostasia. Acredito que o problema está com seu aprisionamento pelo Naturalismo Filosófico, que é o nosso verdadeiro inimigo. Concordamos com o criacionismo científico no combate ao Naturalismo, mas discordamos quanto a jogar o bebê fora com a água suja do banho.
Na verdade, a julgar por meus contatos pessoais pelo Brasil, temo que o criacionismo-da-terra-jovem seja não o salvador, mas o responsável pela alienação de muitos cientistas em relação à fé cristã, e de muitos jovens cristãos aspirantes à ciência. Certamente muitos falham em manter a ousadia cristã diante da oposição secular; mas para vários o problema é antes o sentimento de não poderem honestamente abandonar a ciência moderna em favor de um criacionismo científico com credenciais questionáveis. Muitos o fazem em campos como a engenharia ou a bioquímica; mas sob a ótica biológica isso parece extremamente difícil, chegando às raias da irracionalidade. Não penso que a explicação seja a falta de fé, apenas. O fato é que a identificação desnecessária de uma fé genuína com o criacionismo científico torna a solução do dilema algo impossível para muitos jovens universitários. E assim eles ganham mais uma razão para abandonar a igreja.
O que acontece, na minha opinião, é que o criacionismo científico torna-se involuntariamente aliado dos Naturalistas e Neoateístas, quando concorda com eles sobre a absoluta incompatibilidade entre a biologia evolucionária e a fé Evangélica. Essa tensão desnecessária acaba dificultando ainda mais a vida do estudante Cristão.
“o criacionismo científico torna-se involuntariamente aliado dos Naturalistas e Neoateístas, quando concorda com eles sobre a absoluta incompatibilidade entre a biologia evolucionária e a fé Evangélica”
(10) O “Teste da Fé” defende a revisão da teologia evangélica à luz da evolução?
De forma alguma. Cada trilho tem que permanecer no seu lugar!
Quanto a isso, devo mencionar um fato interessante. Devido à reação negativa de alguns conservadores contra o Teste da Fé, alguns irmãos que assumem posições revisionistas quanto à teologia evangélica se solidarizaram comigo. Eu agradeço as palavras e apoio, mas quero deixar claro que não pretendo me tornar um revisionista gratuitamente. Continuo sustentando uma visão conservadora sobre autoridade Bíblica e sobre os fundamentos doutrinários do Cristianismo. Não vejo absolutamente nenhum futuro em coisas como “teísmo aberto”, “teologia relacional”, hermenêuticas libertárias da Bíblia, etc. Continuo considerando o anarquismo de esquerda, por exemplo, (como em Ellul) pobre, incompatível com o Cristianismo clássico (católico e evangélico) e insuficiente para uma teologia política evangélica. Digo isso porque aqueles que identificam o criacionismo evolucionário com liberalismo teológico são pessoas desinformadas ou desonestas, estejam elas no extremo fundamentalista ou no extremo liberal do espectro cristão contemporâneo.
“aqueles que identificam o criacionismo evolucionário com liberalismo teológico são pessoas desinformadas ou desonestas, estejam elas no extremo fundamentalista ou no extremo liberal do espectro cristão contemporâneo”
Não quero dizer com isso que o desenvolvimento da ciência não possa, eventualmente, nos ajudar a interpretar melhor um texto Bíblico, ou a pensar melhor sobre uma dimensão da vida humana também tratada nas Escrituras, como já mencionamos anteriormente. Considere, por exemplo, o grande auxílio da arqueologia recente da Corinto Romana nos estudos das Cartas de Paulo realizados por Bruce Winter (em “When Paul Left Corinth”), ou os fabulosos resultados da pesquisa de N. T. Wright em “A Ressurreição do Filho de Deus”. Ocorre que não temos que mudar a teologia para nos tornar palatáveis ao mundo moderno. Se mudarmos a teologia, a mudaremos porque a verdade exige; e a verdade pode aparecer vestida com a ciência moderna. Mas no caso particular da teoria da evolução, aparentemente não há nenhuma necessidade de alterar radicalmente nenhum ponto fundamental da fé Cristã clássica.

Fico por aqui gente. Em posts futuros, tanto originais quanto traduzidos, a equipe do Teste da Fé Brasil continuará a responder a perguntas de teologia, filosofia e ciência relacionadas com esse tema.
E que o Senhor nos ilumine!
Guilherme