quinta-feira, 26 de novembro de 2009

E se o PLC 122 fosse aprovado hoje, como ficaria?




Rubem Amorese

Gostaria de contribuir um pouco mais com o debate sobre o PLC 122/2006, "que pune a discriminação contra homossexuais", cuja enquete está em andamento na página do Senado. Desta vez, minha colaboração é no sentido de permitir a você um julgamento pessoal sobre essa questão.

A gente ouve vozes alarmadas, pedindo que você vá lá e vote "não" e acaba se sentindo manipulado. Então, minha colaboração é a seguinte: veja aqui todo o texto do parecer da senadora Fátima Cleide, na Comissão de Assuntos Sociais (parecer aprovado na Comissão, na forma de um substitutivo).

Para facilitar seu entendimento da matéria, já que o PLC 122 altera uma lei já existente, eu fiz uma consolidação. Ou seja, peguei as alterações propostas e as inseri na lei alterada, de modo a você poder ler o texto final, passado a limpo, como ele ficaria se fosse promulgado hoje. Não é o caso; tem muita água para passar por baixo dessa ponte, ainda. Coloquei as alterações em outra cor para facilitar o entendimento das últimas mudanças.

Se esse assunto lhe interessar, leia o texto e a argumentação da senadora e faça sua própria avaliação. Sem alarde, sem induções pró ou contra (muita gente tem escrito, perguntando se deve responder sim ou não à enquete do Senado; e eu tenho evitado uma resposta desse tipo).

Espero, com isso, ajudar você a adquirir uma consciência crítica e livre sobre um tema tão controvertido e que tem alarmado os cristãos.


• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santosruben@amorese.com.br

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Deus faz mal à vida?

Leonardo Boff *

Adital - Recentemente esteve entre nós o renomado biólogo darwinista Richard Dawkins afirmando que Deus faz mal à saúde humana e que "Deus é um delírio", título, aliás, de seu livro. Quase simultaneamente saiu um outro livro de um renomado filósofo e teólogo anglicano Keith Ward que, sem pretende-lo, deu uma resposta a Dawkings. Seu livro se intitula: Deus, um guia para os perplexos (Difel 2009).
Ward depois de percorrer mais de três mil anos de reflexões sobre Deus, tranquilamente, com o humor inglês que o caracteriza, poderia escrever: Dawkins, um delírio.
A questão fundamental que seu livro suscita é: o que os humanos querem dizer quando falam "Deus"? Por que as culturas, desde sempre, colocam o tema Deus?
Ward começa com a mitologia grega, cujo panteão é repleto de deuses e deusas. Mas adere à interpretação inaugurada por C. G. Jung e por Campbel segundo a qual no panteísmo não temos a ver com a multiplicidade de divindades, mas com múltiplas formas de presença divina na natureza e na vida humana. As divindades não são seres subsistentes, mas representam energias poderosas e criativas para as quais nos faltam as palavras adequadas para descrevê-las. Então se usam nomes divinos e mitos.
Ward passa pelos grandes representantes do pensamento ocidental, sem esquecer seus paralelos orientais, que detidamente se enfrentaram com a problemática de Deus. Mostra a grande ruptura que ocorreu entre o pensamento clássico greco-cristão para qual Deus representava a eternidade, a imutação e a pura transcendência e entre o pensamento moderno que entende a realidade como mutação e evolução, carregada de virtualidades apontando para várias direções.
A figura de Hegel é especialmente estudada porque foi ele que introduziu Deus na história, ou melhor fez da história a forma como Deus se mostra (tese), se autonega (antítese), entrando nos avatares da condição temporal e retorna sobre si mesmo carregando toda a riqueza de sua passagem pela evolução (síntese). Sua essência como Espírito absoluto é ser dinamismo, mutação, liberdade e criação. Vê no próprio conceito cristão da Trindade, a dialética divina da história: o poder auto-afirmativo que se mostra como Pai, a sabedoria que se revela como Filho e o amor unitivo que se concretiza como Espírito Santo.
Ward mostra as implicações lingüísticas e filosóficas que a temática de Deus encerra. Vão desde o discurso raso do fiel que identifica imagem de Deus com Deus mesmo, passando pelo discurso analógico dos teólogos para os quais os conceitos são meras analogias e não descrições do ser divino até o silêncio reverente que sabe ser impossível dizer qualquer coisa objetiva sobre Deus. Famosa é a frase de um dos maiores teólogos cristãos, o Pseudo-Dionísio Aeropagita (século VI): "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe". É a linguagem dos místicos seja dos muçulmanos como os sufis, seja da sabedoria dos taoístas, seja dos místicos cristãos que afirmam que sobre Deus dizemos mais mentiras que verdades. Por isso, vale a advertência do filósofo Ludwig Wittgenstein: "Sobre coisas que não podemos falar, devemos calar". É o que as religiões e igrejas menos fazem.
Mas nem por isso deixamos de permanentemente colocar o tema de Deus. Seguindo a tradição pragmática inglesa Ward enfatiza que ao invés de perguntar o que a palavra "Deus" representa, deveríamos perguntar "como a palavra Deus é usada"? Ela está na boca e nas atitudes dos que oram, cantam e meditam. Esta é uma forma de se relacionar com o Inefável e a partir dele com o mundo. A conseqüência prática é que ocupar-se com Deus libera o eu do desespero e da ilusão e lhe possibilita atingir certa integração que gera a felicidade.
Como se depreende, pensar Deus não é nunca um mero exercício intelectual. É pensar a forma mais adequada de vivermos como seres humanos, compreendermos melhor o mundo e conectar-nos com aquela Energia soberana e boa que tudo pervade e penetra nas profundezas de cada um.
Finalmente, crer em Deus é crer na bondade fundamental do ser, é crer que vale a pena viver e desfrutar da alegria de passar por esse pequeno planeta no qual habitam seres que sentem o pulsar da Realidade Suprema feita de amor, compaixão e último aconchego. Deus é a maior viagem, o melhor delírio jamais experimentado.
[Autor de Experimentar Deus, Verus 2007].
* Teólogo, filósofo e escritor

Ao publicar em meio impresso, favor citar a fonte e enviar cópia para: Caixa Postal 131 - CEP 60.001-970 - Fortaleza - Ceará - Brasil

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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Teologia a favor do racismo

Daniel Santos

"O homem não pode fazer o certo numa área da vida enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível."
Gandhi

Chamamos de "racismo teológico" toda a construção bíblico-teológica que tem o propósito de fundamentar ou justificar a ideia de que o negro (em nosso caso específico) é inferior ao branco.

No contexto histórico-protestante brasileiro, esse tipo de "teologia" contaminada com o preconceito etnocentrista1 surgiu juntamente com os primeiros missionários norte-americanos, oriundos dos estados do Sul. Muitos desses missionários eram membros de igrejas brancas onde, a cada seis meses, eram feitas leituras das leis estaduais que diziam que qualquer branco poderia matar um negro fugitivo sem punição alguma; que um negro receberia trinta açoites caso levantasse sua mão contra um branco cristão; que nenhum negro poderia pregar o evangelho sem o consentimento de um branco; que nenhum negro poderia aprender a ler e escrever e que ninguém poderia dar nenhum livro (nem a Bíblia) a nenhum negro.

Como resquícios da derrota na Guerra da Secessão para os estados do Norte, esses missionários eram a favor da manutenção da escravidão e afirmavam que ela era instituída por Deus como resultado da maldição imposta aos filhos de Cam.

A "base teológica" do racismo ensinava que a palavra hebraica "cam" significava "queimado", "preto", fazendo do filho de Noé o pai da raça negra. Numa maldição imprecada por Noé, Cam deveria ser o mais baixo dos servos (Gn 9.18-27).2 Daí o fato de os negros, segundo os pregadores do racismo teológico, serem excelentes serviçais. Conforme essa interpretação, os filhos de Sem e Jafé têm um "direito teológico" de se aproveitarem do trabalho dos filhos de Cam, contribuindo, assim, para a redenção daqueles que são marcados por dois "pecados originais": o de serem filhos de Adão (pecado comum a todos os homens) e o de serem filhos de Cam (pecado específico dos africanos e negros, em geral).

Ao negro restava suportar sua miserável condição nesta terra (uma espécie de karma) enquanto aguardava sua redenção nos céus. Caso essa doutrina fosse questionada, alguns pastores apelavam para o expediente infalível da miscigenação, que alguns especulavam ser o pecado que havia levado Deus a destruir o mundo nos dias de Noé.

Esse racismo teológico não foi exclusividade das igrejas históricas.3 Segundo Oliveira (2004, p. 86), há vários teólogos pentecostais que ainda hoje sustentam a ideia de que o sinal posto sobre Caim, quando este matou seu irmão Abel, representava uma maldição caracterizada pela cor negra.4

O conceito teológico das igrejas neopentecostais 5 tem contribuído para uma maior proliferação do racismo. Sua postura é eminentemente antiafro (Freire, 2005, p. 19). A doutrina da prosperidade, a batalha espiritual e a doutrina das maldições hereditárias reforçam o estigma da cor negra, como sinônimo de algo negativo ou demoníaco. Nesse aspecto, o racismo sai da esfera do conceitual-teológico e avança para a prática, a vivência e as relações eclesiais.

Na doutrina da prosperidade, o fiel é abençoado conforme a quantidade de seus bens materiais. A situação socioeconômica do negro é vista de forma simplista e racista: "é pobre porque é pecador e oriundo de um continente idólatra e praticante de bruxaria".

Na doutrina das maldições hereditárias, o povo negro é considerado uma raça maldita, usando-se os mesmo argumentos "teológicos" já citados. Para que o negro seja livre de sua maldição é necessário que ele se desvincule de todo o seu passado histórico (origem, costumes, cultura, cosmovisão etc).

Na batalha espiritual, evidente principalmente por meio da literatura, o mal é personificado na cor preta. Em "Este Mundo Tenebroso", de Frank E. Peretti (1991), o exército de Deus é retratado por anjos brancos e louros e o exército do diabo, por anjos pretos e negros.

As igrejas históricas e pentecostais também já manifestaram altas doses de racismo por meio da literatura, hinologia e métodos pedagógicos.

Era bastante comum (em alguns casos, ainda o é) encontrar hinos e cânticos nos quais, em determinados trechos, a palavra "negro(a)" tem conotação do mal: "as negras nuvens", "o meu coração era preto", "a negridão do mal", "o negro pecado". Um dos exemplos mais notáveis foi o da Igreja Presbiteriana Independente que no seu hino oficial, "O pendão real", tinha uma frase racista que dizia: "os negros batalhões do grande usurpador". Essa frase foi mudada por aquela igreja e não mais cantada dessa forma, mas algumas igrejas ainda mantêm a forma original.6

A APEC (Aliança Pró Evangelização das Crianças), entidade evangelística interdenominacional presente em vários países do mundo, inclusive o Brasil, possui como principal método de evangelização infantil a utilização das cores. Sua principal ferramenta é o livro "Sem Palavras", no qual, por meio das cinco cores (verde, dourada, branca, vermelha e preta) a mensagem de salvação é explicada às crianças. As cores são simbolizadas da seguinte forma: o verde é a nossa esperança de ir para o céu, a cor dourada representa o céu, a cor branca simboliza a pureza do coração, a cor vermelha é a representação do sangue de Jesus que nos purifica do pecado e a cor PRETA simboliza o pecado que nos levará para o inferno. Após receber inúmeros protestos, a APEC mudou a expressão "preta" para "escura". Como o livro é muito usado por Escolas Bíblicas de inúmeras igrejas, sua correta utilização fica restrita à imaginação e capacidade de cada professor. A APEC utiliza o mesmo método didático por meio de folhetos, canetas, réguas e pulseiras.7

Concepções teológicas como essas tornam o racismo ainda mais enraizado no conceito de muitos cristãos, fazendo com que atitudes discriminatórias já não sejam tão raras dentro de algumas igrejas:

Um pastor negro, membro de uma respeitada denominação do país, guarda alguns bilhetes anônimos que recebeu, com os dizeres: "Lugar de macaco não é no púlpito, é na bananeira!".
Num seminário para casais, o palestrante branco afirmou: "Jamais permitirei que minha filha se case com um negro". Para angústia dos participantes, havia um casal inter-racial presente.
Determinado pastor consentiu no casamento de sua filha com um negro, desde que se comprometessem a ter apenas um filho. O argumento: se passasse disso, poderia haver problemas "raciais" entre as crianças.
Um pastor negro pentecostal ouviu de um pastor branco: "O negro não pode pregar porque tem o nariz chato, conforme ensinamentos bíblicos".8

Teologia Negra
A Teologia Negra surgiu em resposta às condições de vida dos negros norte-americanos, juntamente com o movimento denominado Poder Negro (Black Power), por volta da década de sessenta, período de maior organização e articulação do movimento a favor dos direitos do negro. Não há um líder específico que possa ser considerado o "pai" do movimento. Martin Luther King Jr. é considerado um importante precursor e também o Dr. James H. Cone, professor de teologia no Seminário Teológico da União, em Nova York, e autor de "Black Theology and Black Power" (Teologia Negra e Poder Negro, 1969) e de "God of the Oppressed" (Deus dos Oprimidos, 1975), o mais profícuo escritor dentro da Teologia Negra.

Seu discurso profundamente centrado nos ideais de libertação do povo negro revela sua estreita ligação com a Teologia da Libertação.

A Teologia Negra procura relacionar mais uma vez Deus e Cristo com o negro e seus problemas cotidianos, o que a torna essencialmente existencial. Isso está explícito na definição de Cone sobre o papel do teólogo negro. "O teólogo é, antes de tudo, um exegeta simultaneamente das Escrituras e da existência. Sua tarefa é investigar exegeticamente as profundezas das Escrituras com o propósito de relacionar aquela mensagem com a existência humana" (Cone, 1985, p. 17).

Se sua principal fonte é a experiência da vivência negra e se ela é essencialmente existencial, é possível concluir que sua forma está limitada ao contexto social e histórico de seu público alvo: os negros.

Toda teologia é "discurso humano e subjetivo" sobre Deus, um discurso que nos revela muito mais acerca dos sonhos e esperanças daqueles que falam sobre Deus do que acerca de Deus, de fato (Cone, 1985, p. 49.51). Toda teologia está relacionada a situações históricas e, por isso, é culturalmente limitada. Isso explica porque brancos e negros veem a Deus de formas diferentes. O pensamento teológico dos negros acerca de Deus está diretamente ligado ao seu contexto social da mesma forma que os pensamentos teológicos dos brancos sofrem influências de sua posição dominante. Como poderiam dois grupos tão distintos enxergarem a Deus da mesma forma? Como isso seria possível, posto que, enquanto o branco cristão europeu veio para o Novo Mundo fugindo da tirania, o negro foi trazido para cá como prisioneiro para se tornar vítima da mesma tirania? "O contexto social e histórico de alguém não apenas decide as perguntas que dirigimos a Deus, mas também o modo e ou forma das respostas dadas às perguntas" (Cone,1985, p. 24).

Cone concorda com a posição de Feuerbach de que "teologia é (antes de tudo) antropologia" (1985, p. 50) e que "o pensamento é precedido pelo sofrimento" (1985, p. 19). Ou seja, o homem não pode raciocinar acerca de Deus e de tudo o mais concernente a ele além da sua experiência social, da sua esfera de visão e da sua condição humana.

A Teologia Negra está fundamentada na forma e no conteúdo do pensamento religioso dos negros. Segundo Cone (1985, p. 65), a forma do pensamento religioso dos negros foi moldada conforme sua história repleta de extrema opressão e o conteúdo desse pensamento religioso não poderia ser outro, senão a libertação dessa opressão. Consequentemente, prática e pensamento não possuem distinção dentro do pensamento religioso dos negros porque suas reflexões teológicas sobre Deus ocorrem no mesmo espaço da sua luta pela liberdade.

Diferentemente da teologia dos brancos, acostumados ao raciocínio filosófico e teológico, a Teologia Negra se expressa por meio de histórias com profundo conteúdo libertador. Isso se dá porque os negros, na condição de escravos, tinham de trabalhar do nascer ao pôr-do-sol, não tendo tempo nem oportunidade para a arte do discurso filosófico e teológico. Assim, narrativas como a libertação do povo de Israel da tirania egípcia, da intervenção divina em favor de Daniel ou do caráter libertador da pessoa do Messias eram frequentemente utilizadas nos sermões.

Isso refletia na forma do sermão direcionado ao público negro. Ele não estava preso aos conceitos acadêmicos do evangelho de matriz branca. A liberdade revelada no evangelho pregado conforme a cosmovisão negra (formada por seu sofrimento e suas esperanças de liberdade) também se revelava no momento da sua proclamação.

A Teologia negra é, portanto, uma teologia do povo negro para o povo negro, refletindo, por meio de um exame de suas histórias, contos e ditos, sobre aquilo que significa ser negro.

O Brasil ainda não possui uma estrutura teológica exclusiva para o povo negro. Provavelmente isso seja reflexo da nossa condição histórico-sócio-cultural, já discutida nesse trabalho. Isso não significa que o assunto seja desconhecido ou não interesse aos brasileiros negros. Há evidentes sinais de um maior engajamento e de tentativas de desenvolvimento de uma Teologia Negra com a "cara" brasileira por parte de alguns líderes e militantes negros, como o pastor Marcos Davi de Oliveira, autor do livro "A Religião Mais Negra do Brasil", Hernani Francisco da Silva, militante do Movimento Negro e co-fundador da Sociedade Cultural Missões Quilombo, e Walter Passos, teólogo, historiador e autor do livro "Teologia Preta – a revelação", bem como de grupos como a Sociedade Cultural Missões Quilombo e o Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos, que realizou seu primeiro encontro nacional em Salvador, no mês de abril de 2007, onde foi discutido sobre "Cristianismo de Matriz Africana" e "Teologia Preta", dentre outros temas.

Notas
1. Alexandre Brasil Fonseca chama essa "teologia contaminada" de "teologia do 'apartheid'" e refere-se a ela como o "fazer teológico contaminado por todo o preconceito resultante de conceitos como o etnocentrismo, produzindo um cristianismo assassino e preconceituoso. Assassino, porque -- apesar de apregoar o amor e a fraternidade -- foi responsável por uma série de barbaridades. Preconceituoso, porque -- apesar de ter a igualdade como referencial -- acabou sendo o motivo para o sepultamento de uma série de culturas, como também de relações racistas no decorrer da história". (Oliveira 2004, p. 16)
2. Ninguém se preocupava em destacar que a maldição fora pronunciada, na verdade, contra o neto de Noé, Canaã, e não contra Cam.
3. Refiro-me às primeiras denominações protestantes que chegara ao Brasil: Congregacionais, Batistas, Presbiterianas, Metodistas, Luteranas e Anglicanas. Conforme distinção feita por SILVA, H. F., em "O Movimento Negro nas Igrejas Evangélicas".
4. Além do profundo racismo, fica evidente o grosseiro erro hermenêutico, visto que o "sinal" colocado por Deus em Caim tinha o propósito de protegê-lo, como representação da graça e do favor divinos, e não amaldiçoá-lo.
5. Denominações surgidas a partir da década de 1970 à sombra das igrejas pentecostais clássicas. Principais denominações: Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Sara a Nossa Terra, Internacional da Graça de Deus e, a mais recente dentre as demais, Mundial do Poder de Deus.
6. Cf. "Igreja e Racismo".
7. Idem, p. 1.
8. Cf. "O Movimento Negro nas Igrejas Evangélicas".


• Daniel Santos, casado, dois filhos, é pastor auxiliar na Igreja Betesda do Tatuapé, em São Paulo.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Eis-me aqui

Paulo de Castro


Pensar... O que me chama a atenção nesta palavra é que sua realização não é, em todos os seus níveis, um ato voluntário.
Desde o "penso, logo existo", a própria existência está ligada ao fato de que é o pensamento que nos dá consciência de que "somos". Ser, existir implica em pensar. Independe de religião, credo, convicção política, formação, cultura, etnia ou qualquer outro critério que possamos citar.
Se para todas as pessoas (em todos os lugares e em todos os tempos) podemos assumir como natural, porque não dizer compulsório, o pensar, por que escrever um blog cujo tema maior é a afirmação de que aqueles que crêem (notadamente em um sistema religioso cristão) também podem fazer uso de suas mentes e formular questões relevantes para todos? Vivemos assim tão alienados que faz parecer estranho à sociedade em geral que possamos oferecer conhecimento válido? Algo que valha a pena ser ouvido, concorde-se com o que foi dito ou não?
A verdade é que na maior parte das vezes só participamos dos problemas, questões e “prazeres” da vida em sociedade quando exista algo que nos afete como cristãos. Agimos, interpretando erroneamente que o mundo “jaz no maligno” e que, portanto “dane-se, quem quiser ser salvo converta-se porque a coisa só vai piorar”.
Prefiro olhar para o “vós sois o sal da terra e luz do mundo”. E para que servem a luz e o sal se não são usados, continua o versículo.
Sou cristão por escolha, opção consciente, voluntária. Sou professor, empresário. Voto, pago meus impostos. Amo, sofro, choro e me alegro como qualquer pessoa. Se cortarem minha pele, eu sangro. Sim, eu penso. Não consigo não pensar.
Quero, humildemente, contribuir neste blog. Acho que tenho algo a dizer, principalmente a perguntar.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A proibição da cruz


Eduardo Ribeiro Mundim

A cruz, ou melhor, crucifixo, está na ordem do dia nas últimas semanas, desde que um tribunal com jurisdição sobre a Comunidade Europeia o proibiu em escolas públicas italianas. O assunto extrapola a comunidade cristã, e é alvo de considerações por pessoas diversas. O filósofo Luiz Felipe Pondé publicou, em sua coluna, à página E9 da Folha de São Paulo de 09/11/09, sua visão sobre o assunto, que tento sumarizar abaixo.

A escola filosófica relativista, ilustrada pelo filósofo sofista Protágoras, defende que o "homem é a medida de todas as coisas". Dito de outra forma, verdade é determinada pela subjetividade individual, e ato moral pela subjetividade cultural de uma população em uma determinada área e em certa época (ver tópico em http://www.defnarede.com/r.html).

Esta "invenção ocidental" traz diversos problemas, e Luiz Felipe destaca um: "o relativismo se transformou numa militância política e moral apenas no ocidente". Ou seja, apenas a metade oeste do globo passou a relativizar até a si mesma, enquanto cultura, aceitando que "cada cultura seria um sistema fechado sobre si mesmo, onde um comportamento só poderia ser julgado pelos valores morais da própria cultura".

Ela cita dois autores, o antropólogo recentemente falecido Lévi-Strauss e o historiador Jacques LeGoff, que expõe a tensão da possibilidade da humanidade ocidental perder sua identidade, dissovlendo-se em uma mea culpa permanente, mas poupando todas as outras identidades culturais. Esta postura, atrevo-me a ponderar, é antirelativista, à medida que é aplicada unilateralmente - parece-me, na verdade, que esta mentalidade adotada pelo pós-modernismo é saturada de sentimento de culpa, idolatrando a cultura alheia e demonizando a própria.

A questão da cruz foi avaliada, por unanimidade da corte, como uma violação dos direitos de uma criança não cristã de não ser exposta a um símbolo religioso de uma fé que não compartilhava. Luiz Felipe termina seu artigo dizendo: "Esta decisão é ridícula, porque a cruz é um símbolo, seja eu cristão ou não, das raízes do próprio Ocidente, naquilo que ele mais preza: o amor ao próximo, generosidade e justiça, enfim, um Deus que morre de amor. Nós contemporâneos somos ignorantes de um modo gritante acerca do cristianismo, confundindo-o com alguns de seus momentos mais infelizes e cruéis (toda cultura é infeliz e cruel de alguma forma). Essa proibição cospe na cara de 2.000 anos de história de uma grande parte da humanidade, e os ignorantes que a realizaram deveriam ser obrigados a pedir desculpas aos cristãos,"

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Das catedrais às cruzes humanas

Antonio Carlos Ribeiro

Cuiabá, sábado, 7 de novembro de 2009

A manifestação do Cardeal Walter Kasper, presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, conhecido por sua cultura teológica e trânsito em ambientes ecumênicos europeus, chama os cristãos a despertarem e se levantarem. Ao afirmar que "querem construir uma realidade que não seria mais a Europa, porque sem cristianismo a Europa não existe", mostra lucidez, mas fica sem impacto em ambientes teológicos católicos, ecumênicos e no universo intelectual e político europeu, por causa dos desdobramentos contraditórios.

Kasper é conhecido como um teólogo lúcido, com clareza não apenas conceitual, mas também pastoral. Sua ascensão às diversas funções foi marcada pelos critérios clássicos da formação, capacidade de diálogo, experiência pastoral, como padre e bispo, e acadêmica, como professor de teologia em universidades europeias e intercâmbios. Isso o fez aprofundar temas teológicos relevantes, desenvolvendo linguagem diplomática para lidar com a mídia e o grande público, e bases conceituais consistentes, para falar com a cúpula, chegando a confrontar-se com setores incumbidos do zelo pela Doutrina da Fé, e a assustar grupos de visão tridentina, associados à direita, com militância agressiva e recursos financeiros.

Sua consistência teológica chegou a criar problemas diplomáticos. Sendo a maior autoridade presente na assembleia do Conselho Mundial de Igrejas em Porto Alegre, a chefia da comitiva foi confiada a um bispo sem expressão. Ao presidir o Conselho para a unidade, ele trouxe uma aura de seriedade teológica e disposição de diálogo pastoral, mas isso não implicou autonomia institucional, mesmo tendo exigido esforços, desgastes e conflitos pessoais para lidar com teólogos e lideranças dos mundos protestante, judaico e muçulmano.

Em tempos difíceis

A falta de impacto em ambientes católicos e ecumênicos tem a ver com o esforço para movimentar-se na estrutura de traços conservadores, na qual precisa atender demandas tradicionais, com lógicas de poder, acordos e resultados. Embora o discurso de defesa do cristianismo, das catedrais e das cruzes na Europa pareça claro, na verdade aponta para o lado menos grotesco dos desastres causados pela civilização cristã, das cruzadas ao nazismo, e uma prática pendular que pede perdão, mas mantém estrutura imperial, defende a família, mas não deixa os padres se casarem, elogia as mulheres, mas não lhes dá poder eclesial.

Já no mundo intelectual e político europeu, sob influência do galicanismo, as resistências são maiores. Que a maior parte da Europa seja cristã é uma dúvida. Minorias comandarem maiorias é verdade, e não apenas na religião. Sobretudo hoje, quando essas visões supõem a existência da cristandade, que já acabou. Sem o sustentáculo de imperadores e nobres, a cruz tem deixado de ser chave para todas as portas. Dizer que cruz é símbolo cultural, agrava a situação. Para os muçulmanos expulsos da península ibérica, para os judeus que migraram por toda a Europa e, hoje, para minorias de imigrantes, refugiados e desterrados, o efeito é outro.

O último elemento pelo qual a reação se afasta das reações do poder e toma a praça é a laicidade. As sociedades são pluralistas, as pessoas têm aprendido a conviver com as diferenças, tolerância e virtude tornaram-se virtudes em todas as regiões que querem crescer. Mas não raras vezes esbarra na instituição que mais pleiteia sua defesa, na postura intolerante de líderes cristãos e nos setores com menor índice de educação. Se o laicismo se mostra intolerante, de quem aprendeu esse comportamento?

Admite que a cruz foi usada muitas vezes para perpetrar o mal, mas tenta resgatar seu significado, não crendo que alguém a use desse modo hoje. E associa o desaparecimento desse símbolo ao vazio e à secularização. De fato, o grito do cardeal se integra a um discurso escarmentado, de lamento e de castigo duro, para lembrar Claude Geffré, numa atmosfera religiosa, política e econômica que cimenta uma ordem social, na qual quanto mais se resiste, mais se torna irreversível o retorno ao mundo que não se quer deixar morrer.

É preciso guardar o discurso e aguardar os sinais dos tempos, afastando-se da oficialidade para recuperar a credibilidade. Ouvir os cristãos, ordenados e leigos, revela sabedoria histórica. Comblin disse que o cristianismo sempre migrou e agora pode ir para a Índia e a China. Para tal, é fundamental lembrar que as igrejas não dão a última palavra sobre o sentido da história. O que podem fazer é lembrar a necessidade de espiritualidade, de atendimento à busca de sentido, da urgência de limite às aventuras tecnológica e militar, e da necessidade de ser mais na relação com a alteridade e o Absoluto, como lembrou Brighenti.

Para dar conta do diálogo entre igrejas, religiões e sociedades, é preciso libertar a mensagem cristã da fixação regressiva na recomposição da unidade perdida, lembrou o professor de Teologia da Universidade Católica de Pernambuco,Degislando Lima. Conquanto não seja desejável, a Europa pode sobreviver sem cruzes e catedrais. Mas terá dificuldades se o clamor das populações, das minorias, e dos discriminados dos quatro cantos do planeta não for atendido.

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Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Marcha para Jesus? ou Blasfêmia disfarçada? duas reações

Eduardo Ribeiro Mundim

Leitor da Folha de S Paulo, morador daquela capital, enviou ao Painel do Leitor (pag A3), no dia 04/11/09, manifestação sobre a cobertura dada pelo jornal à Marcha para Jesus. Sintetizando, aponta que a cobertura optou pelo viés político, omitindo "a verdadeira razão de ser da marcha: o culto e a adoração a Jesus"; que o fato de, nos anos anteriores, o casal Hernandez não ter participado, mostra a inverdade da tese da marcha enquanto desagravo ao casal; o aspecto ordeiro, respeitoso, onde não se viu "drogas, cigarros ou desrespeito, somente alegria, amor e respeito ao próximo"; termina dizendo que gostaria que a marcha tivesse sido tratada com a mesma importância da Parada Gay.

Como cristão evangélico questiono o termo "adoração a Jesus" - ela causa-me certo desconforto, pois sempre penso que adoro ao Deus eternamento Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo. Pela experiência e psicologia de massas, desconfio de grandes ajuntamentos, onde se perde a individualidade - acredito nas intenções de louvor de muitos, mas duvido do todo.

O senador Marcelo Crivella, pastor da IURD, em coluna publicada à página A3 no dia 05/11/09 intitulada "A marcha da legalidade" contraria o leitor. Afirma:
"reafirmo: foi o ato mais solene de revogação popular de todas as injúrias e calúnias que nos irrogaram os ódios e as paixões". Para minha surpresa, sai em defesa do casal nos termos seguintes: "o que ocorreu com o casal Hernandes, que ingressou nos Estados Unidos da América, sem declarar o valor em espécie que levava, é que foi punido com o máximo de rigor por conta da atmosfera de espetáculo, digna do coliseu romano, constituida de denúncias, insinuações e suspeições que, embora não provadas, emularam circunstâncias, as quais, estas sim, preponderaram no julgamento do fato em si, porque foram maciçamente divulgadas pela imprensa....foram sumariamente condenados por supostamente se 'evadirem' do Brasil e adentrar nos EUA com a extraordinária e mirabolante quantia de menos de R$ 50 mil cada um." (grifo meu)

O senador reflete sobre acusões que lhe foram feitas, pelas quais foi exposto publicamente, e que não foram comprovadas ao final. E termina:
"os milhões de evangélicos que marcharam para Jesus ao lado de seus líderes, reafirmo, foi o ato mais solene e majestoso de revogação popular de todas as injúrias e calúnias que, ao longo dos últimos anos, nos irrogaram os ódios e as paixões."

Confesso que pensei ter sido por demais cruel no texto anterior, ao ler a carta do leitor. Cheguei a cogitar em retirá-la do ar (incluindo a página do Ultimato). Mas o posicionamento do Senador Crivella apontou que ambos, o leitor e eu, vimos aspectos diferentes do mesmo fenômeno, e refletimos sobre ele a partir deles. E mantenho o texto anterior.

Quanto ao político, apequenou-se, mostrou-se igual aos outros, digno da casa onde trabalha.

E, curiosamente, no seu texto, agradece ter foro privilegiado em qualquer circunstância, diferente de todos os outros cidadãos...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Marcha para Jesus? ou blasfêmia disfarçada?

Eduardo Ribeiro Mundim

Aconteceu novamente a marcha para Jesus. Segundo a PM, um milhão de pessoas compareceram; segundo os organizadores, 6 milhôes (Folha de S Paulo, 03/11/09, pag A1). Encabeçada, este ano, por dois políticos, Marcelo Crivella e deputado federal por S Paulo, Bispo Gê, e pelo casal Hernandez, o, sem dúvida alguma, grande movimento de massa desperta em mim algumas questões, expostas abaixo, não necessariamente em ordem de importância.

A quem ela serve? A Jesus???

Vamos com calma, que o andor é de barro! Jesus não é um mestre, como querem algumas confissões religiosas não cristãs. É núcleo central do cristianismo que "Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai". Logo, o Cordeiro, presente na criação do mundo, sendo que, sem Ele, nada foi feito, não precisa que marchemos a seu favor, pois Ele não se encontra ameaçado, não tem competidor e já venceu a morte e o diabo. Caso Ele fosse ameaçado, em algum delírio insano, quem seriamos nós para defendê-Lo do Seu oponente?

Alguns, em sua inocência, podem alegar que a marcha é um testemunho da fé em Jesus. Questionável... Que ela é uma declaração de pertencimento, uma pública profissão de fé, é inegável. Mas, de qual fé estamos falando?

Segundo a página oficial na internete, em http://www.marchaparajesus.com.br/home.html o tema atual, "marchando para derrubar gigantes", é "Espiritualmente, entendemos que muitas situações nas vidas das pessoas podem ser consideradas “gigantes”, por serem muito desafiadoras, complexas, crônicas, como enfermidades, desemprego, dificuldade de relacionamento profissional, familiar e sentimental, problemas financeiros entre outras. A Marcha para Jesus 2009 prega uma nova condição. Como Davi marchou em direção ao gigante Golias e o derrubou, cremos que marcharemos para derrubar todos os gigantes que se apresentam nas nossas vidas. É um posicionamento de fé!"

Blasfêmia, segundo o Aulete digital, é o ultraje (insulto) a algo considerado sagrado. Pois bem, as Escrituras não declaram nada do que está dito acima. O assim chamado "evangelho da prosperidade" insulta o sangue dos apóstolos e mártires, envergonha os reformadores e transforma a cruz de Cristo num livro de autoajuda.

Se ela tem o objetivo de proclamar que o sangue de Jesus perdoa todo e qualquer pecado, nos livrando das garras do diabo, ela falha, ao menos para o articulista da Folha de S Paulo, Fernando de Barros e Silva. Na edição do dia 03 /11/09, à página A2, sua coluna traz o título "a marcha de Jesus e o diabo". Nem de longe o jornalista captou a mensagem de salvação, se é que ela foi pregada.
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Para piorar as coisas, a vinculação política do evento, na presença de dois políticos que se dizem evangélicos, além da criação do dia nacional da marcha para Jesus, por ato do nosso vastamente ecumênico Presidente da República, explicitam o uso dos presentes como instrumento político para alguém, e não é a causa do Reino!

Através de um discurso de aparência piedosa, chamativo, há um apelo de luta política ("a liderança da Igreja Renascer em Cristo. Apesar disso, uma coisa precisa ser dita: A marcha é um ato de demonstração de fé em Cristo. Se os homossexuais conseguem levar milhões às ruas de São Paulo, os crentes também podem" - conferir em http://olharcristao.blogspot.com/2009/04/marcha-jesus-2009.html), de busca do poder (alguns se recusam a aprender com a história, de que a Igreja jamais pode se assentar à mesa com o poder político - sendo verdadeira a visão do imperador romano Constantino, ela foi dada pelo inferno, e não pelos céus) e da promoção do "casal apostólico", réus confessos de crimes cometidos em outro país.