quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A ditadura da Lei e a democracia do Espírito - implicações éticas

Eduardo Ribeiro Mundim

As Escrituras Sagradas expõem de maneira extensiva dois padrões de aliança entre Deus e os homens, ainda que relate várias alianças diferentes. Ambas são vontades explícitas dEle para o homem pecador, e uma sucede a outra, na linha cronológica.

A aliança com Israel nasce de um ato redentor, executado uma única vez, ao custo da vida de milhares de primogênitos, um sem número de soldados sepultados pelo Mar Vermelho e de severos reveses financeiros (gafanhotos, granizo e a morte dos primogênitos dos animais). A geração que viveu estes acontecimentos, com seus filhos, teve a oportunidade de aceitar o pacto oferecido, ou de recusá-lo. O pacto oferecido era o cumprimento de uma promessa feita aos Patriarcas algumas centenas de anos antes, continha obrigações de ambas as partes e foi aceito em nome dos descendentes. Não havia dispositivo na Lei que fizesse um filho hebreu avaliar sua pertença, ou dela se desligar voluntariamente. Apostasia era punida com pena de morte, assim como outros crimes "teológicos" (blasfêmia, por exemplo), "litúrgicos" (trabalho no sábado), contra a vida (homicídio intencional) e contra a santificação (diversas relações sexuais vetadas). Ou seja, cem anos após a chegada na Terra Prometida, os filhos de Jacó, querendo ou não, seriam circuncidados (uma semana após o nascimento) e passariam a viver sob as leis de um pacto não aceito por eles, baseado na livre escolha divina de fazer Israel Sua luz entre os demais povos.

A aliança do calvário nasce de um único ato redentor, jamais repetido, ao custo único da vida humana de Jesus, o Cristo de Deus - Deus feito homem, Deus que se esvazia e assume a forma, a vida, as vicissitudes de ser humano. Aliança proposta se baseia no Seu corpo e no Seu sangue, somente podendo ser aceita livremente pelo indivíduo, e não por algum representante, mesmo familiar direto. O batismo infantil, na visão protestante, significa apenas a intenção dos pais de que a criança batizada será criada de modo a, no momento oportuno, exercer seu direito de escolha, confessando Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O comportamento ético é muito mais um processo de santificação progressivo e infindável que um comportamento exterior inatacável, inexistindo pena capital ou de castigo físico. A igreja tem como recursos disciplinares a admoestação privada, a pública, a suspensão da participação da eucaristia e a exclusão da comunidade de fé, nunca medidas perpétuas, mas sempre com a possibilidade do perdão, pedra sobre a qual todos são remidos.

Ambas alianças nascem no coração dAquele que sabe o que é melhor para o ser humano. Contudo, Ele não repete o padrão da Velha Aliança na Nova. Na primeira, buscava-se uma nação santa, inclusive enquanto sociedade civil; na segunda, povo santo em meio a uma geração "má e adúltera" (expressão que, salvo engano, refere-se aos judeus e não aos gentios...), a qual é ordenada submissão enquanto dentro do estatuto de um governo centrado nas necessidades de todos e não no ego do governante, mas não ao preço da apostasia.

Enquanto povo separado, é guiado espiritualmente por líderes nem infalíveis, nem perpétuos. A regra é "sujeitai-vos mutuamente uns aos outros" (e os presbíteros e diáconos não são exceção),cabendo à comunidade, muitas vezes, a palavra final sobre disputas internas (que não deveriam ser apresentadas aos tribunais do Estado). Solidariedade mútua, onde o governo da igreja (enquanto povo) existe em função da igreja (enquanto povo, e não instituição).

Quando confrontados hoje com as difíceis questões de harmonizar, em uma sociedade que jamais será cristã (pelo menos em uma vertente escatológica), interesses díspares, frequentemente contrárias à vontade de Deus expressa nas Escrituras, qual o modelo que adotamos? E por quê?

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