Não
posso deixar de estimulá-los à leitura do livro Entre a cruz e o
arco-íris da jornalista
Marília Camargo César, pela Editora Gutemberg,
lançado a duas semanas. Livro que, sem dúvida, se tornará uma
referência para todos que queiram entender melhor tantas
controvérsias envolvendo a condição homossexual humana e suas
repercussões religiosas, políticas, jurídicas e culturais.
No
interior das igrejas cristãs tem-se silencioso sofrimento de homens
e mulheres que se descobriram homo-orientados, independente de
suas vontades, e que se sentem atingidos por profunda contradição
entre suas crenças e desejos. O ensinamento clássico das igrejas
cristãs, de condenação do comportamento homossexual, claramente se
choca com o extenso ativismo gay, fenômeno contemporâneo por
excelência - que tem obrigado as denominações históricas a
reestudarem seus posicionamentos públicos, suas exegeses dos textos
bíblicos e a repensarem suas práticas pastorais diante da demanda
de homossexuais que em número crescente esperam ser acolhidos nas
igrejas. Ou que criam suas próprias igrejas.
Pode-se
dizer que antes do Levante Gay em São Francisco, na década de 60,
praticamente não havia uma Pastoral para pessoas com questões de
identidade sexual e de gênero; era como se estas pessoas
simplesmente não existissem; as que não se continham eram vistas
como casos excêntricos e sofriam bullying. E a pedofilia
homossexual, prática multissecular, revelou-se como o mais grave
problema na Igreja Católica, motivando a inédita renúncia do Papa
Bento XVI no início de 2013. Como terapeuta a quarenta anos,
constato que a imensa maioria dos pastores não querem se envolver
no cuidado de alguém homossexual. Gostam de ficar em regiões
celestiais e tratar de amenidades. Mas o barulho das ruas e da mídia
chega aos templos e questiona a fé, o corpo doutrinário e
especialmente a prática pastoral e eclesial. Ninguém quer ser visto
como homofóbico, hostil a homossexuais, mas algumas lideranças
pentecostais e neopentecostais ganharam notoriedade justamente por se
contraporem agressivamente ao movimento GLTTB. Com alguma
dificuldade o grande público distingue a fala destes atores
midiáticos da voz de milhares de pastores comuns. Registre-se
contudo que pastores e terapeutas cristãos continuam sendo
procurados por pessoas que não abrem mão de seus desejo por Deus e
confessam a vivência de um impasse existencial profundo. Exemplos
assim estão documentados no livro Entre
a cruz e o arco-íris
.
Paralelo
a esta demanda de inclusão na igreja, lugar onde abafavam suas
identidades, homossexuais igualmente batalham, e estão conquistando
vitórias significativas em Cortes Supremas, pelo reconhecimento de
direitos a casamento e adoção de filhos como qualquer
heterossexual. Posições milenares que implicavam na
clandestinidade, exclusão e até morte de homossexuais tem sido
revistas nos países ocidentais. O movimento gay se tornou um
gigantesco movimento de massas em âmbito mundial, muito bem
articulado, e com crescente simpatia das populações heterossexuais
dos países democráticos. Isto e muito mais é mostrado no livro da
Marília, resultado de boa pesquisa em fontes históricas, teológicas
e científicas. Entrevistou gays e pessoas que viveram como
homossexuais parte de sua história, militantes gays e seus
críticos, terapeutas e teólogos de variadas tendências, mães
perplexas e pastores. Colocou-se favor das pessoas que estão em
busca de sentido e de integridade. Entregou-nos histórias reais
cheias de humanidade. Seu livro é fruto de sua busca pessoal para se
aproximar do mistério da questão mais espinhosa da igreja de nosso
tempo. Avançou com bastante clareza num caminho que poucos cristãos
ousam caminhar. Deixou que diversas situações se apresentassem,
costurando elos entre as falas, nos brindando com delicado e amoroso
texto. Poderá ser vítima de apressados julgadores ou de gente
insatisfeita com sua falta de dogmatismo, mas alegrará o coração
de muitos por apresentar o rosto paterno-maternal de Deus.
Ageu
Heringer Lisboa, psicólogo [31
out.2013].