Crer não é sinônimo de não pensar. Crer implica em pensar, em relacionar fé com a realidade, questionando uma a partir da outra. O conteúdo são pensamentos às vezes rápidos, em elaboração; outros, já mais elaborados. Ambos buscando provocar discussão e reposicionamentos, partindo sempre da confissão de fé protestante. Os artigos classificados como "originais" podem ser reproduzidos desde que com a menção da fonte e autoria. Ano V
domingo, 30 de maio de 2010
Cientistas de olhar estreito
domingo, 23 de maio de 2010
Sobre a morte e o morrer
- Quando morre um ser humano?
- Quando é lícito deixar de intentar manter vivo um ser humano?
- Quando é lícito extrair órgãos de um ser humano com o fim de transplantá-lo a outro?
- a da Idade Média, onde prevaleciam os cuidados espirituais, com pouca efetividade sobre os sintomas orgânicos, incluindo a dor;
- a do modelo biomédico cartesiano do século XVII, onde a tendência era o abandono por não haver conhecimento suficiente para enfrentar as enfermidades terminais de então;
- a do progresso biotecnológico da segunda metade do século XX, onde, após o acúmulo progressivo do conhecimento biológico associado à capacidade de conceber e realizar, resultou na obstinação terapêutica e isolamento daquele que está a morrer;
- a da época dos cuidados paliativos (de inspiração cristãxiv), a partir da década de 60, com a busca de se implementar uma série de cuidados planejados buscando atender à todas as necessidades da pessoa “em fase final” (incluindo as biológicas, psicológicas e espirituais) buscando uma melhor qualidade de vida e de morte.
- viveu-se o máximo do potencial biológico, emocional, espiritual, vocacional e social;
- manteve-se alerta e independente até onde foi possível;
- o conhecimento sobre suas condições estava disponível para ser apropriado ou não, conforme o desejo da pessoa;
- o acompanhamento foi realizado por profissionais competentes, seguros e sensíveis;
- a pessoa foi o juiz final de tudo aquilo que lhe dizia respeito;
- foi possibilitado o uso criativo do tempo;
- as necessidades e temores dos familiares foram também tratados profissionalmente com segurança, competência e sensibilidade, antes, durante e após o óbito;
- houve conforto, dignidade e paz.
domingo, 16 de maio de 2010
Ação política de cristianizados ou cristãos políticos?
Qual era o propósito de Jesus para a Igreja, enquanto conjunto dos salvos, em meio a sociedade? Em nenhum momento Ele ordenou o desenvolvimento em separado; em nenhum momento interditou aos seus discípulos a participação na condução dos negócios "mundanos" - não há contradição entre o ser cristão e a atividade política legítima! Mas como deveria ser esta participação?
Na sua evolução histórica, a igreja se alia ao governo civil, e passa a obter dele vantagens: segurança institucional, segurança teológica através da violência estatal (legitimada pelos padrões da época), propriedades. Em troca, subserviência política e apoio irrestrito. Evoluiu ao ponto de se identificar com ele, através dos "estados pontifícios".
Ser cristão passa a ser identificado com o ser batizado na infância, e não uma escolha adulta, madura, fruto da convicção "do pecado, da justiça e do juízo" e do poder perdoador e santificador da morte e ressurreição do Senhor. Portanto, a sociedade se torna repleta de pseudocristãos, e a igreja conta com o Estado para impor seu padrão de conduta a todos, indistintamente. Isto é cristianização...
Entendo que o caminho adotado foi um equivoco, e grave. Equivoco estratégico, do ponto de vista missionário (porque pregar o Evangelho passa a ser também levar o poder público que o financia a reboque) e equivoco teológico, pois a mensagem das Escrituras é adaptada para não ameaçar o poder político dominante. O Diabo efetuou uma jogada de mestre, se é verdade que o imperador romano Constantino viu aquela cruz com a mensagem de vitória...
Entendo que o caminho apontado por Jesus e por seus apóstolos é o da Igreja como sociedade alternativa. Luz e sal para a grande sociedade. Mostra de um caminho melhor no relacionamento entre as pessoas, no trato da propriedade comum, no uso da decisão conciliar, do convencimento pela argumentação no lugar da imposição pela força.
Entendo que o cristão deveria servir aos seus concidadãos, e não buscar proveito pessoal, ou para seu partido político que não fosse legítimo e em igualdade de condições com aqueles que não exercem, no momento, o mandato popular para governar.
Entendo que o cristão deveria defender a moral cristã, dando mostras em si mesmo e através da comunidade dos remidos, de como os efeitos dela são superiores aos da moral secular vigente. Entendo que é um erro tático, do ponto de vista missiológico, e um erro teológico, a imposição dos nossos valores àqueles que não participam do corpo e do sangue de Nosso Senhor.
Entendo como diabólica a busca por privilégios denominacionais na esfera pública. Entendo como não condizente com o Evangelho o uso dos recursos estatais para dificultar ou suprimir outras manifestações religiosas contrárias ao Evangelho.
Entendo que as portas do inferno não prevalecerão sobre a Igreja enquanto Corpo de Cristo, mas que, muitas vezes, as instituições criadas pelos cristãos atuam segundo os preceitos do Diabo.
Que o Senhor nos renove, nos converta e nos ponha nos caminhos do Seu Reino. Amém.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
A tecnociência é a parteria da pós-humanidade, afirma filósofa argentina
Quarta-feira, 12 de maio de 2010 (ALC) - Futurólogos preveem que antes do final do século XXI desaparecerá o último humano da face da Terra, dando lugar aos cyborgs, seres biológicos e maquínicos, anunciou a filósofa argentina Esther Diaz, professora da Universidade Nacional de Lanús.
"A tecnociência é a religião global de hoje e a saúde é o seu bem maior", disse Esther na segunda-feira, 10, para uma platéia de professores e estudantes da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, ao falar sobre "O desejo e a ética como base para a investigação e a docência universitária".
A ciência, enfatizou Diaz, é muito mais do que conhecimento, porque ela lida com o poder. Daí que a biopolítica, ou o biopoder, quer o controle da vida, da saúde, do sexo, da morte.
Antigamente, quando o coração parava de bater era o indicativo de que a pessoa estava morta. Hoje, um aparelho marca o momento da morte encefálica. Na atualidade, a pessoa não morre mais em casa, numa cama rodeada de parentes e num ambiente familiar, mas morre numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), solitariamente.
Hoje, o biopoder atua sobre a vida, como aconteceu nos campos de extermínio, e atua sobre a morte, como se verifica nas unidades de terapia intensiva. As UTIs não passam de locais onde se espera a morte, disse.
Se no passado cabia às religiões aspirarem a vida eterna, hoje é a técnica que almeja a vida eterna biológica, disse Diaz. "As promessas de salvação não vêm mais do mundo religioso, mas do mundo científico", agregou.
As pessoas passam a ser, então, uma fusão de natureza e técnica, início da era pós-humana. "A técnica, hoje, se introjeta no corpo por manipulação genética, implante, transplante", arrolou a palestrante.
Parodiando Karl Marx – "a violência é a parteira da história" – a filósofa argentina mencionou que "a tecnociência é a parteira do pós-humano".
Embora o poder tente convencer a humanidade de que a ciência é neutra, universal, é preciso questionar a racionalidade científica, brigar para que a ética perpasse a ciência, e ter claro que a ciência não é neutra nem universal.
Enquanto a Aids se restringiu ao continente africano, o vírus HIV mereceu pouca atenção da indústria de fármacos. Assim que a pandemia chegou a países desenvolvidos, o quadro mudou, ganhou pesquisas e medicamentos, apontou a filósofa, ressaltando, assim, que a ciência não é universal nem neutra, que ela não está aí para todos da mesma forma.
Não se trata de negar a técnica e a ciência, frisou, mas de pensá-las, questioná-las e definir que papel elas desempenharão no futuro.
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segunda-feira, 3 de maio de 2010
Por que não é difícil compreender os cristãos de esquerda?
Joanildo Burity A desigualdade natural entre os seres humanos é um velho pensamento. Segundo sua lógica, haveria uma ordem das coisas, definida por Deus de antemão e para sempre, e tal ordem é assimétrica: pessoas nascem para mandar, outras para serem oprimidas; pessoas nascem para ter, outras para viverem em privação; pessoas nascem para serem livres, outras para serem escravizadas. O curioso é que o primeiro termo em cada categoria é sempre reservado a um pequeno número e o outro é reservado à grande maioria. Um cinismo fatalista anuncia que esta é a lei da vida e que os perdedores precisam se conformar e tocar os dias à espera da morte. Parte considerável desta atitude tem sido elaborada e defendida em nome da religião. O cristianismo não é exceção. Respeitáveis figuras da história do cristianismo são parte desta visão: ofereceram o céu, no além-túmulo, como lugar onde os miseráveis da terra poderiam esperar compensação por seu infortúnio. Alguns foram às raias do requinte e trabalharam na defesa de Deus (afinal, que Deus poderia patrocinar tamanho escândalo?) na linha da retribuição: se muitos sofrem é porque merecem – ou são moralmente reprováveis, ou são incapazes, resignados, estúpidos, incrédulos. Teologias da desigualdade natural. Por outro lado, a história humana é violentamente marcada pelas lutas em torno de manter estruturas assentadas na desigualdade ou transformá-las. Não é difícil entender como lutar para manter ou romper a desigualdade tem diretamente a ver com lutar contra ou a favor da liberdade. Isso já nos deveria chamar a atenção para um problema na teologia da desigualdade natural: por que as pessoas resistem? Por que se insubordinam? Ou por que outras, não sendo elas mesmas vitimizadas pela miséria, opressão, discriminação e pelo desprezo, sentem indignação quando veem outros seres humanos sofrerem, independentemente de sua fé? Por que os teólogos e seguidores da desigualdade natural tantas vezes reagiram com impaciência, ira e violência à recusa, por pacífica que fosse, dos desiguais em aceitarem seu destino? Estranho, não? Somente os “de baixo” são desiguais! Respondo: porque há algo profundamente não-natural no fato de que seres humanos criados pelo mesmo Deus sejam considerados superiores e inferiores entre si e diante de Deus. Porque essa desigualdade foi o resultado de processos históricos concretos e não de um decreto divino atemporal. Porque nem sempre foi assim, não em toda parte, nem em todo tempo. Porque na história da religião judaico-cristã (especifico apenas porque não há espaço para explorar outras tradições religiosas) há um conjunto de imagens, ideias e ideais que explicam perfeitamente o que pode levar à denúncia da desigualdade; à necessidade de construir instituições sociais falíveis e imperfeitas como uma resposta positiva a um Deus que é visto como justo, amoroso e altruísta, mas capaz de tomar partido; à idealização de futuros que nunca chegam, mas que fazem de todo presente um momento de decisão sobre o mundo em que queremos viver. Não são poucos os que, a partir de dentro, bem do fundo desta tradição judaico-cristã, ousaram, inspirados na salvação, no céu e/ou no reino de Deus, chamar a isso de socialismo. O socialismo tem raízes profundamente religiosas, disso sabiam mesmo Marx, Engels, Rosa, Gramsci, mas sobretudo cristãos: franciscanos, valdenses, Munzer e os anabatistas, Maurice, Kingsley, Carlyle, Barth, Tillich, Shaull. Assim, a despeito de todas as distorções, desmandos e erros cometidos em nome do socialismo tanto quanto em nome do cristianismo, muitos permanecem convictos de que a luta contra a desigualdade vai além dos limites das experiências concretas que buscam enfrentá-la. Seu compromisso, sua leitura da realidade e seus valores não os permitem ignorar o desafio moral e político da opressão. Mas entre estes estão os que interpretam tais posições à luz de sua fé cristã. Não é difícil entender. Numa edição anterior de Ultimato, Norma Braga varreu para debaixo do tapete tudo isso e se escandalizou com o fato (ao menos isso ela reconhece) de que haja tantos cristãos socialistas ainda hoje. Ignorando que a história das ideias de justiça e igualdade neste mundo está recheada da militância e do sacrifício de milhares de cristãos fieis a Deus, cuja memória temos o dever ético de respeitar, ela julga que os socialistas cristãos são partidários de César. Ora, da Europa nazista à Cuba de Porfírio, Nicarágua de Batista, Angola e Moçambique coloniais, África do Sul do apartheid, o pouco de decência que se tem podido oferecer àqueles povos, ao longo de acidentadas histórias, teve contribuições nunca ausentes desses cristãos socialistas, comunistas e anarquistas. Sua memória não pode ser desprezada e pisada impunemente, em nome de uma leitura torta da liberdade sem o grito da justiça. Por não achar que o socialismo é a única forma histórica possível de expressão política dos valores bíblicos e cristãos, respeito a opinião de Norma Braga e defendo seu direito a defendê-la. Mas insurjo-me contra sua visão desmemoriada e despolitizada da militância cristã, que se dá num mundo de escolhas preto-no-branco, sem história e sem contingência, sem finitude, mas também sem o gosto e o risco da liberdade e da decisão. Confunde ação eficaz com pregação evangelística. Não é à toa que se autodenomina "missionária de ideias". Bonitas palavras, mas não moverão um milímetro das relações e estruturas que asseguram a desigualdade brutal do Brasil e as poderosas forças que movem o capitalismo contemporâneo em escala global. A julgar pelas orientações dadas por Norma, Deus precisa mesmo ajudar a igreja brasileira a saber discernir entre a legitimidade das opções históricas e a pretensão de deter um oráculo divino para guiar o destino do mundo. A “genuína cosmovisão cristã” é um projeto plural, resultante de encontros e desencontros de centenas de gerações de cristãos com suas condições históricas e sociais reais. Ninguém tem como resumi-la em fórmulas sintéticas ou pretender ter a chave para separar o joio do trigo. Enquanto isso, milhares de cristãos vão ousando aliar suas esperanças por um mundo mais justo e livre com velhos sonhos de igualdade e emancipação, que sempre escapam às realizações concretas em cada tempo e lugar. Sonhos de socialismo, por que não? • Joanildo Burity é doutor em ciência política, anglicano e professor na Universidade de Durham (Inglaterra). Escreve mensalmente no blog www.novosdialogos.com. |
domingo, 2 de maio de 2010
Evangelização ou cristianização
Particularmente entendo evangelização como o ato de divulgar o Evangelho de nosso Senhor ressurreto, Cristo Jesus, de modo a possibilitar, a quem com ele toma contato, a possibilidade de livre escolha: aceito ou não o sacrifício voluntário de Jesus na cruz, morrendo a minha morte, pagando o preço do meu pecado? A escolha entre sim e não é informada, livre de constrangimentos de qualquer natureza, que deve acarretar modificações de maior ou menor monta na vida daquele que diz sim (depende de sua história de vida e inserção social); eventualmente, pode significar perda de prestígio, de poder econômico, de poder político, de familiares, e, em alguns rincões, da própria vida.
Esta aceitação, ou nascer de novo no jargão tradicional (emprestado do diálogo entre o carpinteiro Jesus e o fariseu Nicodemos em Jo 3), não é uma troca ou um negócio: minha aceitação do sacrifício para que eu receba a vida eterna; ou receba a bênção A ou a bênção B. Ela é absoluta no sentido de que nada se espera em troca; absoluta porque consequência de uma convicção profunda que nada pode exigir frente à monstruosidade do meu pecado e a imensidão da graça do perdão gratuito e imerecido ofertado pela cruz e pelo túmulo vazio.
Ela é livre por demanda do próprio Senhor Jesus, que livremente aceita a paixão mesmo sabendo que a esmagadora maioria da humanidade a recusará (a partir da ótica do livre arbítrio, por amor de toda a humanidade mesmo daquela porção que negará Seu sacrifício e Seu senhorio). Livre por Sua demanda porque há um preço a pagar - na verdade, consequência ética óbvia. Quem rouba, que não roube mais;quem mente, que não minta mais. Um processo permanente de revisão de vida e de adequação, às vezes sofrida, à ética do Reino de Deus. Este não é a minha parte no acordo - é consequência necessária de toda confissão verdadeira.
Cristianização é quando a ética do Reino é imposta àqueles que não confessam que Jesus morreu pelos seus pecados. É o estabelecimento, por coerção moral, legal ou violenta, das normas do Reino àqueles que não as desejam e que não escolheram viver sob elas. Junto delas vêm os símbolos, as histórias, as datas...
Enquanto evangelização é um dos mandamentos divinos (e não o único, ou o mais importante), cristianização é uma deturpação diabólica, porque traz a aparência de conversão, mas os corações continuam afastados do Evangelho, intocados por Ele. Provavelmente, cristianização é uma pedra de tropeço à evangelização, e imensa.
Muitos acreditam que a salvação da sociedade moderna, que jamais será majoritariamente cristã, seja sua cristianização, que a tornaria menos imperfeita.
Contudo, a história não é evidência desta esperança. Iniciando com o império romano após Constantino, todas as vezes em que a cristianização foi posta em prática, houve violência, sangue, dor e morte. Vide a idade média e as guerras de religião na Europa, assim como a invasão das Américas.
A aliança com Israel é, de certo modo, o protótipo da cristianização. Como ela era? As crianças nasciam no seio de uma sociedade já pronta, com toda cultura e religião, e não a escolhiam; eram forçadas a ela. E qual o juízo dos profetas sobre ela? Que Deus era honrado com os lábios, e não com os corações; que estes eram de pedra, e não de carne. Que havia ajuntamentos solenes, de adoração e culto, os quais Ele não podia suportar pela hipocrisia e falsidade.
A segundo aliança, feita pelo sangue e corpo de Cristo, é o protótipo da evangelização. Adere quem quer, quem atende ao chamado, modificando a si mesmo e, à medida da graça divina, o microambiente imediato no qual esta inserido.
Creio que o mundo está farto de cristianização...