Por Danilo Fernandes
Depois de vários anos sumido do noticiário nacional, o pastor Caio
Fábio D’Araújo Filho voltou às manchetes no fim do ano passado. Réu na
ação movida contra ele por conta do episódio conhecido como Dossiê Caimã
– conjunto de documentos falsos que, pouco antes da eleição
presidencial de 1998, acusava altas figuras do governo de ter contas
secretas naquele paraíso fiscal –, Caio foi condenado por uma juíza
federal a pouco mais de três anos de reclusão. Cabe recurso, e o pastor
já avisou que vai até às últimas instâncias. “A juíza quer aparecer”,
ataca, sustentando a mesma versão que conta desde o início do imbróglio:
a de que foi envolvido inocentemente numa conspiração política. Essa
parte de seu passado, bem como muitas outras, já não são conhecidas
pelas novas gerações de crentes. Contudo, os evangélicos mais maduros
sabem que Caio foi a mais destacada liderança evangélica já surgida no
país, cuja visibilidade, catapultada por uma ação ministerial intensa –
como a criação da organização Visão Nacional de Evangelização, a Vinde, e
da Fábrica de Esperança, megaprojeto social que atendeu centenas de
milhares de carentes num conjunto de favelas do Rio –, marcou época
entre os anos 1970 e 90.
Hoje, Caio olha para esse passado com serenidade. Ele diz que não
repudia nada do que fez, mas que não quer mais saber de ser a figura
pública, aclamada e requisitada de outrora. “Esse tempo acabou
definitivamente para mim. Minha alma não tolera mais a possibilidade
dessa vida itinerante”, diz, em sua casa em Brasília. Cercado de
árvores, jardins e recantos, é dali que ele grava os programas que exibe
pela internet, parte importante das atividades do Caminho da Graça,
ministério que hoje capitaneia. Tida como uma igreja de perfil
alternativo, o grupo reúne-se em várias cidades brasileiras e, segundo
Caio Fábio, procura restaurar o sentido da comunhão cristã. “Ele é um
movimento conduzido pela Palavra e pelo Espírito Santo. Queremos que
invada a massa, abranja tudo e se torne incontrolável como o vento que
sopra onde quer”, diz, com a retórica privilegiada que conquistou
milhões de admiradores e fez sucesso em mais de 100 livros publicados.
De certas experiências do passado, ele não esconde a dor – como a
separação de sua primeira mulher, Alda Fernandes, com quem teve quatro
filhos, e a trágica morte de Lukkas, o terceiro deles. Contudo, embora
muito criticado e contestado ao longo desses anos todos, ele assegura,
“diante de Deus”, que não sente mágoa de ninguém. Aos 57 anos de idade,
casado com Adriana Ribeiro, Caio Fábio D’Araújo Filho se diz em paz. “Eu
sou livre. Sou nascido do Evangelho, nascido de Jesus. Hoje, sirvo ao
Senhor e não preciso perder o meu ser, a minha saúde, a minha paz, o meu
convívio familiar. Isso é graça de Deus para mim!”
CRISTIANISMO HOJE – Recentemente, o senhor voltou ao noticiário
com a notícia de sua condenação no processo que investiga o episódio do
Dossiê Caimã. Como ficou esse processo?
CAIO FÁBIO D’ARAÚJO FILHO – Meu advogado entrou com
recurso e eu ganhei. Agora, deve seguir para outra instância. Esse
processo é uma loucura inominável. Até o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, que seria o maior prejudicado se a história fosse verdadeira,
já veio a público me isentar de qualquer culpa.
Se sua inocência é tão óbvia como diz, por que um assunto
praticamente esquecido pela opinião pública foi trazido novamente à
tona?
Por iniciativa de uma juíza federal que gosta de aparecer. Como o
episódio foi um fato histórico que envolveu até a Presidência da
República, ela quis ser a mulher que decretou a prisão do indivíduo que
seria o boi de piranha daquele negócio todo. Um grupo de advogados
amigos de São Paulo queria até entrar com uma representação contra ela
perante os conselhos de Magistratura, porque acharam que ela passou dos
limites. Mas o advogado que me representa nos autos não deixou.
A quem interessaria uma condenação sua?
Ah, interessaria a muitos religiosos. O próprio pessoal da imprensa que
me ligou disse que isso é uma coisa surreal, que aquela mulher é doida.
Ninguém acredita em nada daquilo. Só a Folha de São Paulo é que deu com
um destaque maior por uma razão política que eu não vou dizer aqui. E a
TV Record [ligada à Igreja Universal do Reino de Deus], por razões
óbvias. Estou junto como réu ao lado de Paulo Maluf e Lafayette
Coutinho. No entanto, só eu fui condenado! Mas olha, se, por algum
motivo totalmente inexplicável, esse negócio chegar ao Superior Tribunal
de Justiça, será liquidado lá. E, se por alguma insanidade passar e for
ao Supremo, vai morrer na praia.
O senhor trabalha com a hipótese de uma condenação definitiva?
Se, por alguma conjunção cósmica totalmente irracional, eu for mesmo
condenado a prestar serviço comunitário ou fazer ação social, eu vou dar
um grande “aleluia”, porque estarei sendo condenado a ser eu mesmo, a
fazer o que sempre fiz esses anos todos, por minha total iniciativa.
O senhor concebeu e liderou um dos maiores projetos de cunho
social de iniciativa de evangélicos já feitos neste país, a Fábrica da
Esperança, considerado o maior do gênero na América Latina. Com esta
credencial, como o senhor avalia a relativamente pequena atuação da
Igreja brasileira na área social, ainda mais evidenciada quando
consideramos as altíssimas somas de dinheiro arrecadadas pelos grandes
ministérios e denominações?
Não existe nenhum grupo mais ególatra dentre todos os movimentos
religiosos planetários do que o movimento evangélico. Isso por causa da
semente dele – a semente é má, é de divisão. A semente original, de
protesto contra a Igreja Católica, transformou-se numa semente de
protesto existencial contra tudo. Essa divisão criou a ênfase no dogma
doutrinário. Isso divide, qualquer que seja o desencontro, em qualquer
nível na escala de valores. Falta tolerância naquilo que não tem
significado para a salvação, no que não altera o DNA do Evangelho. Esse
tipo de tolerância no olhar nunca existiu. O que se instituiu foi a
prevalência do existencialismo espiritual, e esse não lida com as
categorias objetivas de valor. E logo o chamado movimento protestante
virou esse guarda-chuva evangélico, sob o qual cabem todas as coisas.
Quando é que pode haver unidade e serviço ao próximo se, no meio
evangélico a unção para nada serve senão para erigir egos? A unção do
Espírito Santo deve redundar no amor, na compaixão, na misericórdia, no
serviço – mas a “unção” que vemos aí só tem poder para criar lúciferes
com purpurina na cara, que atuam em palcos com luzes.
Em função deste e de vários outros projetos e iniciativas, o
senhor levantou muito mais recursos do que o de diversos líderes de
hoje, que estão até comprando aviões particulares. À época, o senhor
teve o seu?
Nunca tive avião ou helicóptero. Faz parte da minha filosofia não
adquirir nada. Nem esta casa onde vivo eu comprei, ela me foi alugada a
um valor simbólico por três senhoras amigas. Eu nunca comprei coisa
nenhuma, nunca acreditei em compra de nada. O Caminho da Graça nunca vai
comprar nada. Creio que imobilizar dinheiro do povo de Deus com
patrimônio físico é pecado. Quem diz que a nossa pátria está nos céus e
faz aquisições poderosas ou erige templos salomônicos está pecando
contra o espírito do Evangelho. Tudo o que eu construí e mantive era
alugado. Passei 25 anos declarando que não tinha o menor compromisso com
a manutenção de coisa alguma que virasse um fim em si mesmo. Quando
você é dono de propriedades, você acaba vivendo para fazer a manutenção
de tudo e as coisas perdem a finalidade.
E o senhor vive de quê?
Sempre vivi exclusivamente do ministério. Todos os direitos autorais
dos meus livros e a renda obtida com nossas atividades no passado – TV,
rádio, revista, editora – era voltada para a atividade missionária,
social, evangelizadora e de treinamento. Era tudo reinvestido naquilo
que fazíamos. E continua sendo assim hoje.
Quem o ouve falar percebe que o senhor faz questão de traçar
uma linha divisória entre o que é hoje e o que fez, em especial em
relação ao seu passado institucional, quando era uma figura pública
dentro e fora da Igreja. Há algo que o senhor repudia em seu passado?
Não. Eu nunca rechacei meu passado. Só não faria de novo. Naquela
época, contudo, foi necessário. Só de uma coisa me arrependo no meu
passado institucional: ter aceitado a imposição de ter sido feito
presidente da Associação Evangélica Brasileira [AEVB], pela qual eu
mesmo trabalhei muito para ver criada. Eu não queria a função, mas fui
eleito por aclamação. Praticamente me obrigaram a aceitar, porque a
entidade surgiu com o patrocínio da Vinde. Noventa por cento da AEVB
estavam ligados aos ministérios que eu dirigia. Eu não queria e nem
precisava presidir a AEVB. Pelo contrário – eu é que dei mídia para ela.
Mas a AEVB não cumpriu um papel importante na época? Afinal,
ela esteve à frente de movimentos marcantes dos anos 90, como o
Celebrando a Deus como Planeta Terra, o Rio Desarme-se e o Reage Rio,
entre outras mobilizações que contaram com o apoio dos evangélicos.
Quando se criou a AEVB, a gente já havia perdido tempo demais
discutindo o sexo dos anjos. Já estávamos correndo no vácuo do prejuízo.
Esperamos muitos anos num processo lento, de muita conversa
infrutífera. A AEVB só surgiu em 1991, depois que o [bispo Edir] Macedo
já havia começado a dar as cartas do neopentecostalismo brasileiro. A
AEVB foi criada com apoio desse pessoal que agora fundou a Aliança
Cristã Evangélica Brasileira e de outros, mas ninguém botava dinheiro,
ninguém se mobilizava para fazer nada.
O senhor foi convidado a participar da Aliança?
Não fui convidado, e mesmo se fosse, não iria, porque não acredito mais
nisso. Todos esses irmãos queridos que estão lá sabem que eu sempre
quis ser livre para dizer o que eu queria. Esse tipo de iniciativa
tinha que ser criada bem antes, lá no início dos anos 1980, quando havia
muita gente séria, respeitável, de corações generosos. Isso tinha de
ser criado logo depois do Congresso Brasileiro de Evangelização, em
1983, que para mim foi o maior evento representativo da história da
Igreja brasileira. Ali ocorreu a grande oportunidade de unidade. As
almas ainda estavam ingênuas, puras, sinceras. A teologia da
prosperidade não existia por aqui, o que prevalecia era a teologia da
missão integral. Havia uma quantidade enorme de pastores piedosos e
desejosos de ver o melhor de Deus acontecer neste país. Creio que,
àquela altura, ainda dava tempo de a Igreja ter um papel de relevância e
significado, Ainda dava para virar as coisas e não perder os
significados do termo evangélico.
A sua separação foi um acontecimento público, que envolveu
adultério. Naquela época, isso ganhou enorme peso perante a Igreja. No
entanto, já àquele tempo diversas denominações já ordenavam pastores
divorciados e encaravam a questão de forma liberal. Também são muitos os
exemplos de pastores famosos – alguns, líderes de denominações – que se
divorciaram em condições semelhantes às suas, mas a repercussão em nada
se aproximou do tratamento que lhe foi concedido. Por que o seu caso,
até hoje, suscita tanto escândalo? O senhor se considera perseguido?
Eu daria três razões para este tratamento especial e a grande comoção
que o episódio causou. Em primeiro lugar, a minha situação para essa
moçada toda foi insuportável. Ministerialmente, eu funcionava como uma
espécie de foice, rodando em cima de cabeças conceituais. Toda vez que
aparecia um maluco – e eu nunca precisei nominar os malucos, apenas
expunha seus erros e dizia que o Evangelho era de outro jeito –, essa
foice cortava logo aquela cabeça, o cara virava herege. Por isso, todo
mundo tinha medo de que minha opinião conceitual colocasse alguém em
situação difícil. Eu tenho certeza absoluta da quantidade enorme de
gente que torcia por uma fragilidade de minha parte justamente por causa
desse papel que eu exercia. E esse não foi um papel que eu pleiteasse
ou buscasse; ele aconteceu espontaneamente. Foi Deus que fez isso por
sua graça, eu só estava pregando o Evangelho, que, aliás, é o que eu
sempre fiz.
Então, o senhor acredita que parte desta liderança que ai está
não teria o espaço que tem se não fosse a sua saída do cenário? Seu
espólio foi negociado?
Com certeza. Não preciso falar nada. Basta ver até 1998 quem era quem e
o que aconteceu de 2000 em diante. Quer ver uma coisa? Logo depois do
que aconteceu, diante daquela comoção toda sobre o que tinha acontecido
comigo, houve uma reunião de 300 pastores em São Paulo especificamente
para tratar sobre quem ia ficar com qual parte do meu despojo, para
saber quais eram os espaços que eu havia deixado abertos e quem deveria
ocupá-los. E foram milhares que também fizeram isso. Não quero nem falar
de traição, porque no meu coração já estão todos perdoados, mas se eu
abrisse a boca ninguém ficava em pé. Esta foi uma razão. Em que pese o
fato de que eu cometi um ato pecaminoso de traição e infidelidade, isso
está longe de ser a causa principal da grande comoção. Sabe qual foi a
causa? Eu ter tomado a iniciativa de contar tudo, ou seja, por minha
vontade expor tudo em verdade, sem que qualquer coisa tivesse sido
descoberta por ninguém. E eu que ouvia a confissão de tantos deles e
sabia de suas fraquezas, das promiscuidades… E, depois, estes mesmos iam
à TV bater em mim confiando na minha integridade, pois sabiam que eu
não os exporia.
E a terceira razão foi que, naquele momento, eu aproveitei a
oportunidade e pulei fora do barco. Este foi o elemento mais doído de
todos. A Igreja Presbiteriana me propôs uma discipina como condição para
minha restauração. Eu respondi que não estava pleiteando nada, e que
estava me desligando da denominação unilateralmente. Eu não queria mais
ser parte daquilo. Escrevi três cartas e eles não aceitaram nenhuma.
Pensei: “Meu Deus, isso aí não é a máfia, da qual o camarada só sai
morto”! Depois me propuseram dar o tempo que eu julgasse necessário e
que, depois, se eu quisesse voltar, seria restaurado e estava tudo
certo. Mas eu disse que não queria.
O que passava pela sua cabeça naquele momento. O que o senhor desejava? Para onde queria ir?
Eu queria vir para cá! Queria voltar aos meus 18 anos... Eu nunca quis
ser pastor ordenado. Eu sabia quem eu era e que Deus tinha me ungido.
Sabia que isso tinha vindo do céu, e que não dependia de ninguém. Foi a
Igreja Presbiteriana que disse que não era possível que eu, aos 19 anos,
em Manaus, fosse considerado pastor pela cidade inteira, pregasse a
Palavra sem ser ordenado pastor e sem aceitar ir para ao seminário.
Então a questão crucial foi a rejeição?
Sim. Eles agiram passionalmente. Era como se dissessem: “Nós amávamos
esse cara e ele decidiu não ser mais parte do nosso grupo”. E, conquanto
eu estivesse fazendo aquilo sem que, na minha mente, quisesse ofender
nenhum daqueles irmãos, o que eu não queria era, depois do acontecido,
ter de me curvar a nenhum tipo de restauração humana, mentirosa,
hipócrita e plástica que queriam me oferecer. Eu sabia que o único a me
restaurar era o Senhor. Eu não aceitaria nada que não viesse daquele que
me ungiu e sabendo que entrar naquele esquema era vender a minha alma.
Então, eles aproveitaram essa minha atitude para vender ao povão a ideia
de que eu estava rebelado contra a comunhão dos santos e o amor dos
irmãos.
Ao longo dos anos, foram construídos certos mitos a seu
respeito e que o rotulam como extremamente liberal e até antibíblico. Um
deles é de que o senhor, devido ao que lhe aconteceu, seria um
incentivador de divórcios, em especial de pastores. O que o senhor tem a
dizer sobre isso?
Isso é uma suposição absurda. Já haviam acontecido milhares de
separações de pastores antes da minha. E muita dessa gente vinha me
contar os dramas conjugais e chorar as mazelas comigo. Então, é
hipocrisia dizer que o que me aconteceu é que abriu as portas para que
outros pastores adulterassem ou largassem da mulher. Essa percepção a
meu respeito é suscitada pelo diabo na cabeça de muita gente doida. Eu
nunca defendi o divórcio. Defendo que continuem casados aqueles que se
amam, mas que todos aqueles que se fazem mal, que se machucam, que se
ferem e se odeiam, não deveriam estar casados, pelo bem de suas almas.
Sempre aconselhei todo mundo a não adulterar, a não trair a mulher.
Quando cheguei aqui em Brasília, no meu primeiro ano o que eu mais fiz
foi atender pastores e mulheres de pastores que queriam se divorciar e
vinham me pedir aconselhamento. Gente de tudo quanto é igreja –
batistas, assembleianos, presbiterianos, pentecostais. Na medida do
possível, ajudei esse pessoal todo a não se divorciar. Eu dizia a quem
me procurava com casos extraconjugais: “Sai dessa, você vai se estrepar
com essa amante”. O que Deus uniu, que o homem não separe; e o que Deus
não uniu, que não se ajunte, porque vira uma desgraça. O que me
aconteceu foi, isso sim, um ato pecaminoso, de traição e de
infidelidade. Um pecado diante de Deus e perante a mãe dos meus filhos.
Mas o que me aconteceu não teria derrubado nada que já não estivesse
demolido. É ridículo dizer que meu caso serviu de legitimação para os
atos de quem quer que seja.
Por falar nisso, como é sua relação com Alda Fernandes, sua ex-mulher?
Ela é minha amiga. Passamos o último Natal juntos. Estamos sempre com nossos filhos e netos.
Quando seu filho Lukkas morreu atropelado, em 2004, houve quem
atribuísse a tragédia e um juízo de Deus sobre sua vida. O que o senhor
sentiu na época e como lida hoje com as pessoas que o criticam?
Só tive coração para a dor e a saudade pela partida do meu filho. Nada
do que soube que disseram teve poder de gerar qualquer coisa ruim em
mim. O que senti naquele momento foi paz, e se todos os meus filhos
morressem, a minha resposta seria a mesma. E tem mais uma coisa – não
existe ninguém, nenhum ser humano, que eu não tenha perdoado. Digo isso
diante do Deus vivo e dos principados e potestades malignas. Meu coração
nunca dormiu com ira em relação a ninguém, eu não tenho ódio nenhum
para contar. Não tenho inimizades contra pessoas. Por outro lado, tenho
opiniões a dar sobre ideias e conceitos equivocados de quem quer que
seja. Não é por causa do fato de eu não ter inimizade pessoal por um
indivíduo que vou deixar que a vandalização do Evangelho aconteça sem
que eu me una a Paulo na luta comum da defesa do Evangelho, como todo
aquele que carrega o temor de Jesus no coração.
Esse seu discurso costuma ser extremamente crítico em relação
ao que chama de “igrejas institucionalizadas” e “sistema religioso”. Na
sua opinião, as igrejas não têm nada de bom?
Mas é claro que têm coisas boas! Elas têm gente boa, e gente é o que
existe de melhor em qualquer lugar. Ministério, para mim, é gente, só é
bom se for feito por gente e para gente. Está cheio de gente boa de Deus
nas igrejas. Mesmo quando há um pastor paspalhão lá na frente, os
bancos estão repletos de gente boa, que sente até pena daquele indivíduo
lá na frente, que faz negócios para todos os lados e com quem apareça.
Tem gente que suporta o púlpito muito mais para não perder os
relacionamentos de comunhão e o convívio de anos com os irmãos. Eles
sabem que aqueles caras lá na frente vão passar, as modas vão passar,
mas eles vão continuar ali. Existe gente maravilhosa nos ministérios.
Veja aquele pessoal da Juvep [Juventude Evangélica da Paraíba, entidade
que atua de maneira missionária no sertão nordestino], por exemplo. Eles
perseveram há anos na mesma purezinha de alma, na mesma ideia de
serviço ao próximo. Há também a Jocum [Jovens com uma Missão, movimento
missionário internacional], com seus tantos braços de ação penetrados
nos lugares mais distantes, em favelas, em comunidades miseráveis, em
bolsões de carência no mundo todo.
O Caminho da Graça é uma espécie de reinvenção da igreja?
Não, ele é simplesmente a sequência de um caminho que eu sempre
trilhei. O Caminho da Graça é a expressão de visibilidade de uma coisa
subversiva que eu incito. Eu tento fazer com que o Caminho seja apenas,
com muita leveza, um elemento de visibilidade mínima da possibilidade de
uma comunhão cristã sem que uns mordam e devorem uns aos outros. Por
isso, não tenho aquele desejo de fazê-lo crescer, ter expansão numérica
simplesmente – quero que o que cresça seja essa coisa que ninguém
nomeia, um movimento conduzido pela Palavra e pelo Espírito Santo que
invade a massa, abranja tudo e se torne incontrolável como o vento que
sopra onde quer.
O senhor diz que o Caminho da Graça é um movimento não
institucionalizado, mas recentemente nomeou presbíteros e diáconos para
sua sede em Brasília. Isso não vai acabar tornando o ministério como uma
das igrejas que o senhor tanto critica?
Nós funcionamos baseados em dons, e não em hierarquias. Nas igrejas
convencionais, o diácono é mais do que o membro e o presbítero é mais do
que o diácono. Aqui no Caminho, essas funções expressam simplesmente
dons de serviço. O presbítero, o mentor, não é um sujeito mais elevado
na hierarquia, não tem poderes ou prerrogativas especiais. Ele é
simplesmente o cara que surge pela observação dos outros: “Puxa, quanta
sabedoria fulano tem recebido e manifestado”. Essas funções surgem por
opiniões múltiplas, não existe reunião de concílio ou votação para
escolher ninguém. E tem outra coisa: se, algum dia, lá na frente, o
Caminho da Graça deixar de ser o que nasceu para ser, é a coisa mais
simples do mundo – acaba tudo e começa outra vez. O problema do pessoal é
que eles querem se eternizar. Querem que o grão de trigo dure para
sempre, mas se o grão não morrer, não há fruto. Eu não quero perenizar
nada. Eu só tenho o compromisso de servir à minha geração, não quero
deixar nenhum legado, nenhum império. É preciso reconhecer que a vida é
cíclica. Eu já acabei com muita coisa que tinha começado no curso da
minha vida. E que ninguém duvide que, se eu tiver vida longa e alguma
coisa que estou fazendo hoje se corromper lá na frente, eu mesmo vou lá e
termino com tudo, não espero, não.
A manutenção do Caminho da Graça e dos ministérios a ele ligados é feita através de dízimos e ofertas?
A gente recolhe ofertas. A espontaneidade da dádiva tem que ser baseada
no amor, na alegria de dar. Quem pode dar mais, dá mais; quem pode dar
menos, dá menos; e quem não pode dar nada não dá nada, recebe. Paulo
ensinou que é justo que aqueles que recebem bens daqueles que lhes
ministram os galardoem e ajudem com bens. Mesmo com toda a capacidade
que Jesus tinha de multiplicar pães e peixes e de transformar água em
vinho, ele era sustentado pelas ofertas práticas e objetivas das
mulheres que o serviam e de outras pessoas. O princípio espiritual da
doação era operativo na vida e no ensino de Jesus e no Novo Testamento
como um todo.
E quanto ao dízimo? Nesta ótica, ele seria antibíblico?
O que as igrejas ensinam é lei, é obrigatoriedade. A Igreja tornou-se
uma espécie de agente substitutivo do antigo templo de Jerusalém, uma
espécie de “receita federal” de Deus. É uma coletora de impostos. O
dízimo é esse imposto, e ainda dizem que quem não pagar vai sofrer as
desgraças descritas no capítulo 3 de Malaquias. Como a Igreja não ensina
a obediência ao Evangelho como resultado do amor de Cristo
constrangendo nosso coração, como Paulo ensina em II Coríntios 5, as
pessoas não veem a questão da doação como algo inerente à generosidade.
Se um homossexual assumido quiser frequentar o Caminho nesta condição, como ele será tratado?
Nunca ninguém chegou no Caminho da Graça dizendo para mim que é gay
praticante e que quer ficar ali. Mas não sou persecutório e nem
homofóbico acerca de nenhum ser humano. Se ele quiser ficar, ouvirá o
Evangelho e saberá que esse Evangelho pode criar um espaço de
generosidade misericordiosa para ele ouvir a Palavra de Deus e crescer –
mas nunca ouvirá uma única palavra de incentivo a qualquer relação
sexual que não seja heterossexual. Se eu fizesse isso, estaria
estabelecendo um paradigma que não encontro nenhum precedente para
estabelecer.
Logo, ainda que solicitado, o senhor não celebraria um casamento gay?
Eu não faço esse tipo de casamento, até porque a união estável entre
homossexuais não é casamento, é uma relação societária, uma empresa
limitada. O Estado tem o dever de defender essa relação no que se refere
ao respeito à propriedade, aos bens. Se dois gays que construíram uma
vida juntos, com aquisição de bens e tudo o mais, resolvem não mais
viver em comum, que se divida o que têm, e cada um leva a sua parte.
Isso é uma questão de Estado, não tem nada a ver com a Igreja. Mas não
estimulo nenhum tipo de união estável, a não ser aquela estabelecida
entre homem e mulher que se amem.
Sua maneira de falar e até as roupas que o senhor tem usado
provocam muitos comentários. A esta altura da vida, o senhor sente-se
livre para dizer e fazer o que quer?
Pelo amor de Deus, você não pode mais ser o que é? Eu me visto desse
jeito porque gosto. Eu sou só um carinha que deseja viver. Quem não
gosta do meu jeito é livre para viver da maneira que quiser. Eu sou
livre como o Evangelho. Sou nascido do Evangelho, nascido de Jesus. Sou
como o vento, nascido do Espírito Santo. Quem não suporta minhas
declarações, minha sinceridade e a propriedade do que digo que vá dormir
com esse barulho.
(Colaborou Carlos Fernandes)
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