quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Homens devem poder recusar paternidade

A lei portuguesa devia reconhecer aos homens o direito de recusar a paternidade de um filho nascido contra a sua vontade. A tese está contida na investigação A igualdade na decisão de procriar, defendida por Jorge Martins Ribeiro, no âmbito do mestrado em Direitos Humanos na Universidade do Minho.

Na óptica do investigador, é uma questão de igualdade. "Do mesmo modo que a mulher tem o direito legalmente reconhecido de abortar ou não abortar, perante uma gravidez não planeada, o homem deve poder decidir se quer ou não ser pai", sustenta.

Desde 1967 que o ordenamento jurídico português (alicerçado no direito da criança a conhecer a sua identidade e ascendência biológica) impõe a obrigatoriedade de o Estado, perante o registo de um recém-nascido sem identificação do pai, desencadear uma acção oficiosa de paternidade, mesmo se contra a vontade dos progenitores. Neste âmbito, os presumíveis pais podem ser sujeitos a um teste de ADN e, sendo este positivo, à obrigatoriedade de perfilharem a criança. "Criou-se assim uma geração de pais à força", sustenta o investigador, insistindo que, "do mesmo modo que um homem não pode coagir uma mulher a abortar, esta não devia poder coagir o homem a ser pai". Quanto ao superior interesse da criança, "um sistema que permite o não nascimento por via de um aborto também pode permitir o nascimento sem atribuição da filiação paterna".

Assim, o investigador sustenta que a determinação da paternidade só deveria aplicar-se aos casos em que "houvesse manifestação de vontade do homem nesse sentido". Se a mulher decidir avançar com uma gravidez contra a vontade do pai, este "deve poder recusar os efeitos jurídicos daquela paternidade, com base nos mesmos argumentos que vigoram na possibilidade que é dada à mulher de abortar, sejam razões de ordem económica, profissional ou simplesmente porque não quiseram ser pais".
 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Religião e sociedade" reúne autoridades e teólogos

Quinta-feira, 23 de agosto de 2012 (ALC) - O teólogo brasileiro Vítor Westhelle será o conferencista de abertura do I Congresso Internacional da Faculdades EST, evento que reunirá, de 10 a 14 de setembro, pesquisadores, estudantes e pessoas interessadas na temática Religião e sociedade: desafios contemporâneos.

Estarão presentes à cerimônia de abertura, agendada para às 20h do dia 10, no auditório do Colégio Sinodal, em São Paulo, o governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e o embaixador da África do Sul, M.N. Mbete.

"A cerimônia de abertura evidencia o entrelaçamento da reflexão teológica e da prática religiosa com a sociedade", disse o coordenador do Congresso, professor Rudolf von Sinner,  ao destacar a presença de autoridades no evento, o que evidencia a percepção do campo político sobre as contribuições oferecidas pelas religiões à sociedade.

Entre os palestras do Congresso estão o professor Dennis Smith, presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, a sigla em inglês) de Buenos Aires, a ex-professora da EST, Dra. Wanda Deifelt, agora lotada no Luther College, Decorah, EUA, o professor Nico Koopman, da Universidade de Stellenbosch, África do Sul, o professor José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo (USP), e a professora Magali Nascimento Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).

As inscrições para o congresso podem ser efetuadas até o dia 3 de setembro, acessando http://www.est.edu.br/noticias/visualiza/vitor-westhelle-palestrara-na-abertura-do-i-congresso-internacional-da-faculdades-est

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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Evangélicos na política: atuação em proveito próprio

Rev. Charles Alcântara
Pastor Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte
 

O escritor Paul Freston em sua pesquisa sobre a atuação dos evangélicos na politica, relata que muitos políticos que se elegem com o apoio de determinados segmentos evangélicos estiveram ou ainda estão no centro de polemicas e escândalos envolvendo corrupção e desvio de dinheiro publico. Podemos nos lembrar do mensalão e da máfia das sanguessugas que desviaram milhões de reais que poderiam ser utilizados na melhoria da saúde e da segurança e foram utilizados para “pagar” deputados e para compra de ambulâncias que nunca transportaram um só doente. Nas eleições de 2010, a bancada evangélica cresceu de 7,2 para 11,2%, de 46 para 66 deputados e senadores. Diante desses números e desses fatos, somos levados a refletir sobre a contribuição (ou não) dos chamados “políticos evangélicos” na melhoria das condições sociais e humanas do nosso povo. Se partirmos do que a imprensa tem noticiado, notamos que sobre os políticos evangélicos pesam acusações de estarem envolvidos em escândalos que envolvem o uso maquina publica em proveito próprio ou de terceiros. Aqueles que com sua ação positiva deveriam influenciar de forma positiva seus pares acabam por se tornar motivo de escândalo não só na sociedade, mas para o próprio evangelho.

O mínimo que esperamos do dito “evangélico” é uma conduta moral acima da média. Que ele com seus valores, influencie de forma positiva aqueles que estão a sua volta, de forma a contribuir para dirimir o sofrimento humano. Os cristãos são chamados por seu senhor a ser um farol na escuridão humana buscando através de sua ação baseada no amor a Deus e ao próximo responder a angustia da alma humana. segundo dados do IBGE, os evangélicos representam hoje 22% da população brasileira e mesmo com este crescimento acelerado identificado a cada novo senso, sua influencia não tem sido capaz de transformar os valores de sua sociedade. Vemos igrejas abarrotadas de fieis em busca da solução de seus problemas proclamando que vivemos tempos de avivamento, um apocalipsismo que beira a histeria. A cada dia proliferam canais de radio e televisão controlados por grandes corporações ditas evangélicas que mais parecem empresas comerciais onde cada fiel é reconhecido por seu numero de inscrição. Evangélicos são eleitos a cada pleito nas diversas esferas do poder publico como sinal da “benção de Deus”. Mas a cada dia aumenta o numero de miseráveis em nossa terra amada, o tão propalado avivamento não tem produzido melhorias na sociedade, mas sim, uma geração de crentes alienadas escrava dos interesses de alguns grupos, alheia ao sofrimento humano.

Jesus disse: “o bem que fizer a um desses meus pequeninos a mim o fazeis”. Será que realmente compreendemos nosso papel como sal e luz no meio de toda essa escuridão de valores que vivemos? Diante de tudo isso, qual sentido tem os evangélicos na política se eles assim como os lideres de hoje só compreendem a dimensão do reino de suas portas adentro e não se importam com milhões que sofrem fora de suas portas. Cristãos sinceros e prontos a responder com amor ao próximo são bem vindos e necessários em qualquer esfera de atuação seja ela política, social ou cultural desde que não tentem impor pela força seus valores e crenças, mas demonstrem por sua ação e testemunho os verdadeiros valores do reino. Abra o olho, novas eleições vêm por ai.

Soli Deo gloria!!!

fonte: boletim de 29/07/12 - também publicado em no espaço do leitor da revista Ultimato

domingo, 12 de agosto de 2012

O que a Igreja pode oferecer aos homossexuais?


Eduardo Ribeiro Mundim


Esta não é uma questão de simples resposta, nem fácil. E esta resposta não é a resposta que busco; ainda é um rascunho, imperfeita, incongruente, em alguns momentos até mesmo hipócrita. Sua única defesa é ser honesta: para com a interpretação que faço da leitura das Escrituras e para com a realidade que bate a minha porta.

A razão da pergunta

Homossexualidade foi encarada como uma atitude de profunda imoralidade e rebelião contra Deus. No ocidente, é bem provável que a cultura judaico-cristã1 seja um dos responsáveis por esta visão. A pessoa que se definia como homossexual era vista, necessariamente, como moralmente má em sua natureza, de forma diferente das demais pessoas. Frequentemente a homossexualidade carrega a pecha, não dita diretamente mas claramente percebida nas entrelinhas, de “pecado imperdoável”.

Muito colaborou, nos últimos anos, para esta visão, o movimento político homossexual quando buscou, pela via legal, impor sua visão de normalidade a todos os aspectos da vida, privada e social, incluindo a criminalização de textos, laicos ou considerados sagrados por religiões estabelecidas, discordantes.

É justo reconhecer que este movimento político é o fruto extremado da crueldade com que os homossexuais foram tratados ao longo da história, seja pela sociedade civil, governo, diversas religiões, e cristãos de diversas denominações2. É justo reconhecer que, enquanto Igreja, pecamos em diversos momentos contra estas pessoas, protegidos de sentimento de culpa por supostas boas intenções e “amor ao pecador, mas odiar o pecado”.

À parte desta movimentação política, conhecemos cristãos sinceros, em tudo semelhantes a nós mesmos, indistinguíveis em suas atitudes, discursos e manifestação de fé autêntica, que assumem, por livre decisão, serem homossexuais. A única diferença que passa a existir entre “eles e eu”, entre “eles e nós”.

Esta descoberta choca por chacoalhar todo um entendimento sobre o assunto. Entendimento este que deve ser escrutinado em busca de preconceitos infundados, preocupação com a ortodoxia com o sacrifício da pessoa e completa harmonização com toda a revelação contida nas Escrituras.

A pergunta insistente é: pode um homossexual ser verdadeiramente um cristão e permanecer homossexual? Quem são estas pessoas a quem chamamos irmãos(ãs) supondo serem heterossexuais e que tememos chamar irmãos(ãs) ao sabê-lo(a)s homossexuais?


O que torna esta questão diferente

Deus, enquanto Criador, tinha um propósito para sua criação, desvirtuado pelo pecado. Desde então, todas as nossas esferas de vida estão imersas em uma dupla condição: mantendo a intenção original do Criador, mas alterada pelo nosso pecado. E isto inclui a sexualidade.

Até o presente momento, sou obrigado a concordar com a expressão “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que encontrar respaldo bíblico para o homossexualismo”3.

Sendo assim, a homossexualidade não está de acordo com o planejado pelo Criador, mas é uma realidade. E sexualidade é uma característica intrinsecamente humana, que nos define ao longo de nossa vida, organiza nossos relacionamentos interpessoais e marca, de forma consciente e inconsciente, nossa estrutura psíquica.

Aceito como verdadeira a afirmativa de que homossexualidade não é uma questão de escolha consciente: ela acontece. Aceito-a porque, até onde seja do meu conhecimento, ninguém provou o contrário. Muito antes, as explicações sobre a hetero e homossexualidade passam por mecanismos subliminares e inconscientes.

E na definição da sexualidade (ou seria genitalidade?) existe uma exceção4 que me paralisa e faz perguntar se as coisas são tão simples como alguns querem fazer crer. Existe um grupo de pessoas, afetadas por diversas alterações nos seus organismos, que não apresentam o sexo genético igual ao corpóreo. Como exemplo, são geneticamente homens (os cromossomos sexuais são XY) mas externamente são mulheres como todas as outras. Frequentemente esta condição é descoberta a partir da adolescência, podendo não sê-lo até a pessoa afetada procurar explicação na sua dificuldade em engravidar. Seria este um casamento homossexual (pois teríamos um homem na aparência e na genética casado com outro homem genético mas de aparência e criação e atitudes e psiquismo e... feminino).

Não estou procurando a proteção da exceção – mas se este casal fosse membro de nossa igreja, como aconselhá-lo se eles fizessem esta pergunta???

Estou usando este exemplo para dizer que a definição da sexualidade é algo muito mais complicado do que pensamos. Que há situações, como esta, não previstas, até prova em contrário, nas Sagradas Escrituras.

Passo para outro exemplo que me incomoda. Obesidade é um problema de saúde pública e é resultado, única e exclusivamente, de uma ingesta calórica superior ao gasto. Quantos obesos que conhecemos que simplesmente não conseguem reduzir e balancear a equação (incluindo alguns que foram operados e não deram certo)? Mas alimentação é outro aspecto de nossas vidas conscientes marcadas por eventos subliminares, culturais e inconscientes5.

A realidade que me bate à porta é que, ainda que haja diversas pessoas “ex-homossexuais”6, talvez esta não seja a regra, da mesma forma como não é possível a todos os obesos se tornarem “ex-obesos”.


As bases da proposta

O chamado do Evangelho é para que aceitemos o perdão dado pela morte de Cristo na cruz e a nova vida, agora e na eternidade, garantidas pela Sua ressurreição. A segunda parte é consequência da primeira, e não o contrário.

A convicção do pecado é algo pessoal e intransferível, assim como a certeza do Seu perdão. Cada pessoa tem sua própria história, consciente e inconsciente, e esta vai definir os pecados ocorridos, sejam acidentais, sejam voluntários.

A santificação é mandamento (Hb 12.14), é para ser buscada voluntária e ativamente(II Co 7.1), sob a direção do Espírito Santo, através de uma vida devocional individual e comunitária. A agenda de santificação de cada cristão é ditada pelo Espírito Santo tendo como base sua história pessoal.

Atitudes corretas não refletem,necessariamente, coração correto, como nos ensina o Sermão da Montanha em diversos momentos.

E cada um de nós sabe as lutas que tem com suas dificuldades pessoais, que se apresentam continuamente como um pecado à nossa frente, como diz Davi: “o meu pecado está sempre diante de mim”.

Pouco provável a santificação 100% nesta vida – e somente posso crer nisto levando em conta a morada na Nova Jerusalém, não antes.


A proposta

1. a Igreja é um braço do Senhor Jesus no mundo, que a todos chama ao arrependimento, à conversão, à nova vida, sem distinção de nenhuma espécie, a começar do “tamanho do pecado”. Raça, cor, sexo, religião, opção política, opção sexual, profissão, e qualquer outro critério de classificação ou divisão, não são excluídos da mensagem de amor. Portanto, a igreja deve estar aberta (e por que não deveria buscar ativamente?) aos modernos cobradores de impostos, as Madalenas contemporâneas (e não só as mais bem situadas financeiramente com roupas de grife e atendimento personalizado), aos atuais jovens ricos enamorados por si mesmos, aos indigentes vítimas do sistema iníquo, às boas pessoas que, apesar de boas, descobrem-se tremendamente pecadoras na presença dEle. E isto inclui os homossexuais masculinos e femininos, travestis, transgêneros e semelhantes.

2. as pessoas que, através de uma igreja local, têm um encontro pessoal com o Ressuscitado, devem encontrar nela todos os recursos necessários ao seu crescimento e amadurecimento na fé.

3. a sexualidade é uma questão sensível para todos, com forte conteúdo emocional inconsciente – e, portanto, perigoso. Os homoafetivos devem ser acolhidos com o mesmo amor com que são os heteroafetivos – qual a razão para a diferença? Estejam acompanhados ou não por parceiros (as). Por uma questão de integridade por parte da liderança da comunidade, as dificuldades inerentes à homoafetividade precisam ser, de modo terapêutico e cuidadoso, pontuadas. A questão ainda está em aberto, havendo dificuldades extras para os cristãos nesta situação. À medida que lhes for possível, o “amor reverso” também precisa ser exercido. Ou seja, em consideração à comunidade, procurar não escandalizá-la futilmente.

4. o cuidado pastoral por parte de todos, mas em especial dos pastores e demais oficiais da igreja local, deve ser ativamente buscado e situações constrangedoras através do púlpito ou doutras circunstâncias litúrgicas ou da escola bíblica dominical, evitadas. O que não deve ser entendido como censura prévia, mas como um lembrete para não cair na armadilha fácil de hierarquização de pecados e no farisaísmo.

5. pelas luzes teológicas e bíblicas até este momento, o ideal seria o não exercício da genitalidade7 - assim como para os heteroafetivos a relação sexual deveria ser restrita ao matrimônio. Contudo, não sendo esta a realidade de quem chega à igreja local, ou de quem já congregando entende ter encontrado o(a) parceiro(a) para dividir sua caminhada pessoal, por analogia o exercício da genitalidade deveria ser restrito à existência de um contrato de união estável na forma da lei, com a mesma solicitação de fidelidade mútua, exigida pelas Escrituras.

6. pelo princípio do “amor reverso”, o(a) irmão(ã) que aspira aos ofícios de oficiais da igreja local sendo homoafetivo deveria discutir, em amor, com os pastores e demais lideranças, seu chamado, e as implicações institucionais decorrentes – entre elas, a expectativa institucional da renúncia à genitalidade, até que ocorra (se ocorrer), alguma modificação.

7. deve ser amorosamente explícito que a homossexualidade enquanto ideologia não encontra guarida nem respaldo na igreja cristã, por não haver possibilidade de harmonização com os ensinos das Escrituras. Discussão de igualdade de direitos civis é absolutamente legítima, mas apoio às “paradas do orgulho gay” não.


1Vou me permitir separar cultura judaico-cristã de teologia cristã, e mesmo de fé cristã autêntica.
2Testemunho disponível, por exemplo, no vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=M9QHrtMLRWo
7Defendido pelo Caio Fábio, https://www.youtube.com/watch?v=Q-FWxg3v8cU

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Bullying" religioso afasta universitários da fé, queixa-se padre

ALC


Cidade do México, quinta-feira, 9 de agosto de 2012 (ALC) - "Bullying" em universidades tem afastado jovens da igreja e da fé, queixou-se o porta-voz da Diocese católica de Aguascalientes, padre Carlos Alberto Alvarado.

Esse tipo de ataque tem se manifestado sobretudo em universidades, onde jovens que têm uma fé cimentada na ética e na moral religiosa sentem-se acossados, até mesmo violentados, pelos que os forçam a adotar outros modelos religiosos e de pensamento, seguindo correntes do agnosticismo ou do ateísmo prático.


"Vemos como os jovens sentem-se atacados por manifestarem publicamente sua fé", disse Alvarado. Esses jovens, de diferentes denominações cristãs, relutam em expressar suas convicções por temerem ser tachados de retrógrados.


Esse tipo de abuso alimentam a indiferença nos jovens para com a religião. Muitos deixam de crer ou caem no que Alvarado denominou de "dúvida metódica", que é crer, mas questionando a fé.


Esse quadro, revelou, tem preocupado os bispos da América Latina, que pretendem incentivar novos modelos de evangelização, que respondam melhor ao contexto e às problemáticas da atualidade. 


Alvarado conclamou jovens cristãos que, apesar das adversidade, se mantenham firme na fé e valorizem a espiritualidade, afastando-se de influências nefastas.

 


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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Dom Eugênio Sales era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE

O tratamento que a mídia deu à morte do cardeal dom Eugenio Sales, ocorrida na última segunda-feira, com direito à pomba branca no velório, me fez lembrar o filme alemão "Uma cidade sem passado", de 1990, dirigido por Michael Verhoven. Os dois casos são exemplos típicos de como o poder manipula as versões sobre a história, promove o esquecimento de fatos vergonhosos, inventa despudoradamente novas lembranças e usa a memória, assim construída, como um instrumento de controle e coerção.
 
Comecemos pelo filme, que se baseia em fatos históricos. Na década de 1980, o Ministério da Educação da Alemanha realiza um concurso de redação escolar, de âmbito nacional, cujo tema é "Minha cidade natal na época do III Reich". Milhares de estudantes se inscrevem, entre eles a jovem Sônia Rosenberger, que busca reconstituir a história de sua cidade, Pfilzing – como é denominada no filme – considerada até então baluarte da resistência antinazista.

Mas a estudante encontra oposição. As instituições locais de memória – o arquivo municipal, a biblioteca, a igreja e até mesmo o jornal Pfilzinger Morgen – fecham-lhe suas portas, apresentando desculpas esfarrapadas. Ninguém quer que uma "judia e comunista" futuque o passado. Sônia, porém, não desiste. Corre atrás. Busca os documentos orais. Entrevista pessoas próximas, familiares, vizinhos, que sobreviveram ao nazismo. As lembranças, contudo, são fragmentadas, descosturadas, não passam de fiapos sem sentido.

A jovem pesquisadora procura, então, as autoridades locais, que se recusam a falar e ainda consideram sua insistência como uma ameaça à manutenção da memória oficial, que é a garantia da ordem vigente. Por não ter acesso aos documentos, Sônia perde os prazos do concurso. Desconfiada, porém, de que debaixo daquele angu tinha caroço – perdão, de que sob aquele chucrute havia salsicha – resolve continuar pesquisando por conta própria, mesmo depois de formada, casada e com filhos, numa batalha desigual que durou alguns anos.

Hostilizada pelo poder civil e religioso, Sônia recorre ao Judiciário e entra com uma ação na qual reivindica o direito à informação. Ganha o processo e, finalmente, consegue ingressar nos arquivos. Foi aí, no meio da papelada, que ela descobriu, horrorizada, as razões da cortina de silêncio: sua cidade, longe de ter sido um bastião da resistência ao nazismo, havia sediado um campo de concentração. Lá, os nazistas prenderam, torturaram e mataram muita gente, com a cumplicidade ou a omissão de moradores, que tentaram, depois, apagar essa mancha vergonhosa da memória, forjando um passado que nunca existiu.

Os documentos registraram inclusive a prisão de um judeu, denunciado na época por dois padres, que no momento da pesquisa continuavam ainda vivos, vivíssimos, tentando impedir o acesso de Sônia aos registros. No entanto, o mais doloroso, era que aqueles que, ontem, haviam sido carrascos, cúmplices da opressão, posavam, hoje, como heróis da resistência e parceiros da liberdade. Quanto escárnio! Os safados haviam invertido os papéis. Por isso, ocultavam os documentos.

Deus tá vendo

E é aqui que entra a forma como a mídia cobriu a morte do cardeal dom Eugênio Sales, que comandou a Arquidiocese do Rio, com mão forte, ao longo de 30 anos (1971-2001), incluindo os anos de chumbo da ditadura militar. O que aconteceu nesse período? O Brasil já elegeu três presidentes que foram reprimidos pela ditadura, mas até hoje, não temos acesso aos principais documentos da repressão.

Se a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio último pela presidente Dilma Rousseff, pudesse criar, no campo da memória, algo similar à operação "Deus tá vendo", organizada pela Policia Civil do Rio Grande do Sul, talvez encontrássemos a resposta. Na tal operação, a Polícia prendeu na última quinta-feira quatro pastores evangélicos envolvidos em golpes na venda de automóveis. Seria o caso de perguntar: o que foi que Deus viu na época da ditadura militar?

Tem coisas que até Ele duvida. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória do cardeal Eugênio Sales, na qualidade de repórter da ASAPRESS, uma agência nacional de notícias arrendada pela CNBB em 1967. Também, cobri reuniões e assembleias da Conferência dos Bispos para os jornais do Rio – O Sol, O Paiz e Correio da Manhã, quando dom Eugênio era Arcebispo Primaz de Salvador. É a partir desse lugar que posso dar um modesto testemunho.   Os bispos que lutavam contra as arbitrariedades eram Helder Câmara, Waldir Calheiros, Cândido Padin, Paulo Evaristo Arns e alguns outros mais que foram vigiados e perseguidos. Mas não dom Eugênio, que jogava no time contrário. Um dos auxiliares de dom Helder, o padre Henrique, foi torturado até a morte em 1969, num crime que continua atravessado na garganta de todos nós e que esperamos seja esclarecido pela Comissão da Verdade. Padres e leigos foram presos e torturados, sem que escutássemos um pio de protesto de dom Eugênio, contrário à teologia da libertação e ao envolvimento da Igreja com os pobres.

O cardeal Eugenio Sales era um homem do poder, que amava a pompa e o rapapé, muito atuante no campo político. Foi ele um dos inspiradores das "candocas" – como Stanislaw Ponte Preta chamava as senhoras da CAMDE, a Campanha da Mulher pela Democracia. As "candocas" desenvolveram trabalhos sociais nas favelas exclusivamente com o objetivo de mobilizar setores pobres para seus objetivos golpistas. Foram elas, as "candocas", que organizaram manifestações de rua contra o governo democraticamente eleito de João Goulart, incluindo a famigerada "Marcha da família com Deus pela liberdade", que apoiou o golpe militar, com financiamento de multinacionais, o que foi muito bem documentado pelo cientista político René Dreifuss, em seu livro "1964: A Conquista do Estado" (Vozes, 1981). Ele teve acesso ao Caixa 2 do IPES/IBAD.

Nós, toda a torcida do Flamengo e Deus que estava vendo tudo, sabíamos que dom Eugênio era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura. Se não sofro de amnésia – e não sofro de amnésia ou de qualquer doença neurodegenerativa – posso garantir que na época ele nem disfarçava, ao contrário manifestava publicamente orgulho do livre trânsito que tinha entre os militares e os poderosos.

"Quem tem dúvidas…basta pesquisar os textos assinados por ele no JB e n'O Globo" – escreve a jornalista Hildegard Angel, que foi colunista dos dois jornais e avaliou assim a opção preferencial do cardeal:
"A Igreja Católica, no Rio, sob a égide de dom Eugenio Salles, foi cada vez mais se distanciando dos pobres e se aproximando, cultivando, cortejando as estruturas do poder. Isso não poderia acabar bem. Acabou no menor percentual de católicos no país: 45,8%…"

Portões do Sumaré

Por isso, a jornalista estranhou – e nós também – a forma como o cardeal Eugenio Sales foi retratado no velório pelas autoridades. Ele foi apresentado como um combatente contra a ditadura, que abriu os portões da residência episcopal para abrigar os perseguidos políticos. O prefeito Eduardo Paes, em campanha eleitoral, declarou que o cardeal "defendeu a liberdade e os direitos individuais". O governador Sérgio Cabral e até o presidente do Senado, José Sarney, insistiram no mesmo tema, apresentando dom Eugênio como o campeão "do respeito às pessoas e aos direitos humanos".

Não foram só os políticos. O jornalista e acadêmico Luiz Paulo Horta escreveu que dom Eugênio chegou a abrigar no Rio "uma quantidade enorme de asilados políticos", calculada, por baixo, numa estimativa do Globo, em "mais de quatro mil pessoas perseguidas por regimes militares da América do Sul". Outro jornalista, José Casado, elevou o número para cinco mil. Ou seja, o cardeal era um agente duplo. Publicamente, apoiava a ditadura e, por baixo dos panos, na clandestinidade, ajudava quem lutava contra. Só faltou arranjarem um codinome para ele, denominado pelo papa Bento XVI como "o intrépido pastor".
Seria possível acreditar nisso, se o jornal tivesse entrevistado um por cento das vítimas. Bastaria 50 perseguidos nos contarem como o cardeal com eles se solidarizou. No entanto, o jornal não dá o nome de uma só – umazinha – dessas cinco mil pessoas. Enquanto isto não acontecer, preferimos ficar com o corajoso depoimento de Hildegard Angel, cujo irmão Stuart, foi torturado e morto pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, procurou o cardeal e bateu com a cara na porta do palácio episcopal.

Segundo Hilde, dom Eugênio "fechou os olhos às maldades cometidas durante a ditadura, fechando seus ouvidos e os portões do Sumaré aos familiares dos jovens ditos "subversivos" que lá iam levar suas súplicas, como fez com minha mãe Zuzu Angel (e isso está documentado)". Ela acha surpreendente que os jornais queiram nos fazer acreditar "que ocorreu justo o contrário!", como no filme "Uma cidade sem passado".
Mas não é tão surpreendente assim. O texto de Hildegard menciona a grande habilidade, em vida, de dom Eugenio, em "manter ótimas relações com os grandes jornais, para os quais contribuiu regularmente com artigos". As azeitadas relações com os donos dos jornais e com alguns jornalistas em postos-chave continuaram depois da morte, como é possível constatar com a cobertura do velório. A defesa de dom Eugênio, na realidade, funciona aqui como uma autodefesa da mídia e do poder.

Os jornais elogiaram, como uma virtude e uma delicadeza, o gesto do cardeal Eugenio Sales que cada vez que ia a Roma levava mamão-papaia para o papa João Paulo II, com o mesmo zelo e unção com que o senador Alfredo Nascimento levava tucumã já descascado para o café da manhã do então governador Amazonino Mendes. São os rituais do poder com seus rapapés.

"Dentro de uma sociedade, assim como os discursos, as memórias são controladas e negociadas entre diferentes grupos e diferentes sistemas de poder. Ainda que não possam ser confundidas com a "verdade", as memórias têm valor social de "verdade" e podem ser difundidas e reproduzidas como se fossem "a verdade" – escreve Teun A. van Dijk, doutor pela Universidade de Amsterdã.

A "verdade" construída pela mídia foi capaz de fotografar até "a presença do Espírito Santo" no funeral. Um voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de Almeida, 59 anos, corretor de imóveis, no caminho ao velório de dom Eugênio, passou pelo abatedouro, no Engenho de Dentro, comprou uma pomba por R$ 25 e a soltou dentro da catedral. A ave voou e posou sobre o caixão: "Foi um sinal de Deus, é a presença do Espírito Santo" – berraram os jornais. Parece que vale tudo para controlar a memória, até mesmo estabelecer preço tão baixo para uma das pessoas da Santíssima Trindade. É muita falta de respeito com a fé das pessoas.  
"A mídia deve ser pensada não como um lugar neutro de observação, mas como um agente produtor de imagens, representações e memória" nos diz o citado pesquisador holandês, que estudou o tratamento racista dispensado às minorias étnicas pela imprensa europeia. Para ele, os modos de produção e os meios de produção de uma imagem social sobre o passado são usados no campo da disputa política.

Nessa disputa, a mídia nos forçou a fazer os comentários que você acaba de ler, o que pode parecer indelicadeza num momento como esse de morte, de perda e de dor para os amigos do cardeal. Mas se a gente não falar agora, quando então? Stuart Angel e os que combateram a ditadura merecem que a gente corra o risco de parecer indelicado. É preciso dizer, em respeito à memória deles, que Dom Eugênio tinha suas virtudes, mas uma delas não foi, certamente, a solidariedade aos perseguidos políticos para quem os portões do Sumaré, até prova em contrário, permaneceram fechados. Que ele descanse em paz!

P.S: O jornalista amazonense Fábio Alencar foi quem me repassou o texto de Hildegard Angel, que circulou nas redes sociais. O doutor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas, foi quem me indicou, há anos, o filme "Uma cidade sem passado". Quem me permitiu discutir o conceito de memória foram minhas colegas doutoras Jô Gondar e Vera Dodebei, organizadoras do livro "O que é Memória Social" (Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de Pós- Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005). Nenhum deles tem qualquer responsabilidade sobre os juízos por mim aqui emitidos.

José Ribamar Bessa Freire e professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

fonte, onde estavam, até a publicação desta postagem, 106 comentários dos leitores do blog da Amazônia: http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2012/07/15/dom-eugenio-sales-era-com-todo-o-respeito-o-cardeal-da-ditadura/

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Protestantismo à brasileira | Carta Capital

Os evangélicos continuam em forte ascensão no Brasil. Apenas na última década, mais de 16 milhões brasileiros se converteram às mais variadas denominações protestantes. De acordo com dados do Censo de 2010, divulgados recentemente pelo IBGE, os evangélicos somam 42,3 milhões de fiéis, ou 22,2% da população. Trata-se da religião que mais cresce no País, a custa de um constante declínio católico. Os seguidores da Igreja de Roma passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010.
Artigos a venda em loga evangélica. Foto: Pedro Presotto
Se mantida a tendência, os evangélicos podem chegar a um terço da população em dez anos. Não é bem o que os pastores mais otimistas previam, mas ainda assim é um grande feito. Há três anos, o Serviço de Evangelização para a América Latina, organização protestante de estudos teológicos conhecida pela sigla Sepal, estimou que a metade dos brasileiros seria evangélica até 2020. Mas o crescimento protestante parece ter atingido o seu ápice nos anos 1990, quando o número de fiéis aumentou 71%. Na década seguinte, a expansão diminuiu o ritmo e ficou em 41%.

O boom evangélico estaria próximo do fim? “Não dá para tratar uma expansão tão acentuada como algo banal ou como a expressão de um enfraquecimento deste segmento religioso”, afirma a socióloga Christina Vital, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser).  “Seria um grande equivoco dizer isso, já que se trata de um crescimento de mais de 40%!”. Em entrevista a CartaCapital, a especialista avalia o fenômeno da explosão numérica dos fiéis e as suas consequências para a sociedade.


CartaCapital: O boom evangélico está próximo do fim?
Christina Vital: Parte das análises sobre os dados de religião do Censo 2010 nos conduzem para uma conclusão: o crescimento evangélico atingiu o seu auge. Estas análises privilegiam a perspectiva do “copo vazio”. Logo, acentuariam a desaceleração do crescimento evangélico em detrimento de buscarem entender o que significa um crescimento de mais de 40% de um segmento religioso. Entendo que as análises do tipo “copo vazio” estão referidas a expectativas vindas do próprio campo evangélico e também anunciadas por estudiosos da religião no Brasil que anunciavam um crescimento mais expressivo.

CC: O que explica o boom dos anos 1990?
O aumento de décadas passadas estava referido a um contexto de mudanças na sociedade ao longo da década de 1980 e que se refletiria no Censo de 1990: êxodo rural (os evangélicos são mais presentes no meio urbano) e a forte rede de solidariedade que os evangélicos oferecem para estes que estão, muitas vezes, longe da família. Também o crescimento dos evangélicos no espaço público seja através da política, seja através da presença na mídia televisiva, além da nova perspectiva cristã que o surgimento dos neopentecostais ofereceu para os que já estavam acostumados com a mensagem bíblica nas igrejas evangélicas históricas, nas pentecostais mais tradicionais ou mesmo no catolicismo.

CC: O movimento neopentecostal foi o grande protagonista da explosão numérica dos evangélicos?
CV: A partir, sobretudo, de meados da década de 1990, uma série de embates começam a emergir no campo religioso brasileiro. O elemento central das várias controvérsias em curso foi o segmento neopentecostal. Estas controvérsias atingiram também, em termos de imagem pública, os pentecostais de modo geral. Mas, com todas as polêmicas e críticas em torno das doutrinas e rituais evangélicos, eles continuaram em crescimento. Assim, eram 3,4% em 1950; 4% em 1960; 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1990; 15,5% em 2000 e agora atingiram 22% da população nacional. Para além de pensar no crescimento percentual que é expressivo, saliento, vale uma reflexão sobre o papel que este segmento religioso tem em nossa cultura.

CC: Quais são as principais contribuições?
CV: O Brasil que tem sua identidade social e cultural amplamente atravessada pelo cristianismo católico. Das últimas décadas para cá, vem sendo afetado pela cultura evangélica seja através do mercado gospel, seja através da articulação de uma gramática tão singularmente acionada pelos seus fiéis. Sendo assim, é comum escutarmos expressões como “só Jesus”; “fulano é um abençoado”, “o sangue de Jesus tem poder”, “tá amarrado”, entre outras. No País, falou-se sempre de uma religiosidade católica difusa que envolvia uma crença compartilhada em certos valores professados pela igreja católica e em um certo repertório sagrado que tinha a ver com a não prática da religião, mas na crença em alguns de seus sacramentos e na força de alguns de seus santos. Mais recentemente observa-se uma religiosidade evangélica difusa, sobretudo no meio popular, mas que se espraia, paulatinamente, para toda a nossa sociedade.

CC: Trata-se de um fenômeno cultural?
CV: Sim, e o meio artístico tem sido importante para isto. Há duplas sertanejas e grupos de pagode que cantam canções evangélicas ou fazem menções a elas. Existem grupos de rap e de funk que articulam a gramática evangélica através de expressões e de acionamento de imagens e situações comumente articuladas pelas lideranças evangélicas em seus cultos seja nas igrejas, nas prisões ou entre traficantes nas favelas. Sendo assim, não olho para o crescimento de mais de 40% dos evangélicos no Brasil do Censo de 2000 para 2010 como algo banal ou como a expressão de um enfraquecimento deste segmento religioso! Mas esta perspectiva, comso disse inicialmente, está muito informada pelas projeções que marcavam um crescimento maior, sem considerar que em momento anterior a sociedade como um todo passava por muitas transformações em diferentes campos da vida social (econômico, político, cultural) e que o campo religioso foi somente mais um deles a ser grandemente afetado.

CC: A senhora acredita que o Brasil terá maioria evangélica em algum momento?
CV: A força da nossa tradição cultural forjada pela articulação política, social e econômica entre Estado, Igreja Católica e elites rurais nos dificulta pensar numa maioria evangélica que implicasse na formação de uma sociedade ascética. No entanto, chamo atenção para o fato de que a sociedade está em movimento e também o campo religioso que pode promover adaptações que venham a surpreender e resultar num crescimento igualmente surpreendente.

Os evangélicos já somam um quinto da população e exercem mais influência na sociedade do que se imagina, analisa especialista. Foto: Adriana Lorete

CC: O que explica o elevado percentual de “evangélicos não determinados” do último Censo (4,8% da população brasileira)?
CV: Estes dados podem indicar que o fluxo de entrada e saída de fiéis das denominações evangélicas é muito acentuado. Isto poderia, por seu turno, indicar que tanto os fiéis estão mudando quanto podem estar sendo mais flexíveis as próprias igrejas evangélicas na relação com o seu público alvo. Por outro lado, observamos um crescimento das igrejas históricas renovadas, que seria o movimento pentecostal entre as denominações ditas tradicionais ou históricas. Este crescimento poderia sinalizar, como alguns sociólogos da religião vem defendendo, um modo de viver a fé pentecostal sem se expor à imagem controversa que desfrutam os evangélicos pentecostais. Uma imagem negativa por vezes ligada à intolerância, ao baixo nível educacional, ao enriquecimento ilícito dos líderes religiosos.

CC: Alguns pesquisadores sustentam que a expansão também se deve à flexibilização dos costumes entre os evangélicos.
CV: É fato que as igrejas evangélicas, pela descentralidade que caracteriza este universo, em oposição à Igreja Católica Apostólica Romana, são mais flexíveis. As igrejas evangélicas têm grande capacidade de se adaptarem ao público alvo desta e daquela denominação. Adaptam-se em termos discursivos, doutrinários e ritualísticos ao meio urbano e ao meio rural, às minorias (lembrando que há igrejas evangélicas chamadas inclusivas, isto é, que são dirigidas por gays), etc. No entanto, não vejo esta flexibilidade como uma continuidade em relação a padrões culturais existentes. O mundo evangélico é de acolhimento, de aproximação para a transformação para os padrões morais que professam. Sendo assim, avançam entre grupos que poderiam parecer antagônicos a esta fé, mas o fazem justamente numa perspectiva de cura. Sempre a cura!

Produtos trazem mensagens de fé em lojas segmentadas. Foto: Pedro Presotto
CC: Curar os que se desviaram da doutrina cristã?
CV: Esta é uma dimensão importante no imaginário evangélico. E assim avançam entre os rockeiros, funkeiros, traficantes, prostitutas, pagodeiros, mas com uma perspectiva proselitista que visa transformar grupos e pessoas. Em termos políticos, sociais e econômicos este segmento já causou muito impacto e continua causando. Só para tratarmos do primeiro ponto, no cenário político nacional e de alguns estados, o elemento religioso é absolutamente fundamental, decisivo.

CC: Qual é o grau de influência política dos evangélicos?
CV: Vimos como eles tiveram importância nas eleições presidenciais de 2010, na qual assumiram papel de destaque na polêmica em torno do aborto. O tema entrou na agenda política a ser tratada pelos candidatos. Também tiveram papel de destaque na controvérsia em torno do Kit Anti-homofobia para as escolas públicas e do caso Palocci. Enfim, a presença evangélica remexeu tanto o campo político nacional que começamos a assistir nas campanhas para os cargos eletivos nacionais, estaduais e municiais a apresentação da identidade religiosa dos candidatos. A identidade católica, que de tão hegemônica não precisava ser mencionada, passou a ser mencionada. Também a identidade de candidatos espíritas e ligados a religiões de matriz africana. Todos nós assistimos recentemente a formação do que vem sendo chamada de frente parlamentar de terreiros, por exemplo.