domingo, 12 de agosto de 2012

O que a Igreja pode oferecer aos homossexuais?


Eduardo Ribeiro Mundim


Esta não é uma questão de simples resposta, nem fácil. E esta resposta não é a resposta que busco; ainda é um rascunho, imperfeita, incongruente, em alguns momentos até mesmo hipócrita. Sua única defesa é ser honesta: para com a interpretação que faço da leitura das Escrituras e para com a realidade que bate a minha porta.

A razão da pergunta

Homossexualidade foi encarada como uma atitude de profunda imoralidade e rebelião contra Deus. No ocidente, é bem provável que a cultura judaico-cristã1 seja um dos responsáveis por esta visão. A pessoa que se definia como homossexual era vista, necessariamente, como moralmente má em sua natureza, de forma diferente das demais pessoas. Frequentemente a homossexualidade carrega a pecha, não dita diretamente mas claramente percebida nas entrelinhas, de “pecado imperdoável”.

Muito colaborou, nos últimos anos, para esta visão, o movimento político homossexual quando buscou, pela via legal, impor sua visão de normalidade a todos os aspectos da vida, privada e social, incluindo a criminalização de textos, laicos ou considerados sagrados por religiões estabelecidas, discordantes.

É justo reconhecer que este movimento político é o fruto extremado da crueldade com que os homossexuais foram tratados ao longo da história, seja pela sociedade civil, governo, diversas religiões, e cristãos de diversas denominações2. É justo reconhecer que, enquanto Igreja, pecamos em diversos momentos contra estas pessoas, protegidos de sentimento de culpa por supostas boas intenções e “amor ao pecador, mas odiar o pecado”.

À parte desta movimentação política, conhecemos cristãos sinceros, em tudo semelhantes a nós mesmos, indistinguíveis em suas atitudes, discursos e manifestação de fé autêntica, que assumem, por livre decisão, serem homossexuais. A única diferença que passa a existir entre “eles e eu”, entre “eles e nós”.

Esta descoberta choca por chacoalhar todo um entendimento sobre o assunto. Entendimento este que deve ser escrutinado em busca de preconceitos infundados, preocupação com a ortodoxia com o sacrifício da pessoa e completa harmonização com toda a revelação contida nas Escrituras.

A pergunta insistente é: pode um homossexual ser verdadeiramente um cristão e permanecer homossexual? Quem são estas pessoas a quem chamamos irmãos(ãs) supondo serem heterossexuais e que tememos chamar irmãos(ãs) ao sabê-lo(a)s homossexuais?


O que torna esta questão diferente

Deus, enquanto Criador, tinha um propósito para sua criação, desvirtuado pelo pecado. Desde então, todas as nossas esferas de vida estão imersas em uma dupla condição: mantendo a intenção original do Criador, mas alterada pelo nosso pecado. E isto inclui a sexualidade.

Até o presente momento, sou obrigado a concordar com a expressão “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que encontrar respaldo bíblico para o homossexualismo”3.

Sendo assim, a homossexualidade não está de acordo com o planejado pelo Criador, mas é uma realidade. E sexualidade é uma característica intrinsecamente humana, que nos define ao longo de nossa vida, organiza nossos relacionamentos interpessoais e marca, de forma consciente e inconsciente, nossa estrutura psíquica.

Aceito como verdadeira a afirmativa de que homossexualidade não é uma questão de escolha consciente: ela acontece. Aceito-a porque, até onde seja do meu conhecimento, ninguém provou o contrário. Muito antes, as explicações sobre a hetero e homossexualidade passam por mecanismos subliminares e inconscientes.

E na definição da sexualidade (ou seria genitalidade?) existe uma exceção4 que me paralisa e faz perguntar se as coisas são tão simples como alguns querem fazer crer. Existe um grupo de pessoas, afetadas por diversas alterações nos seus organismos, que não apresentam o sexo genético igual ao corpóreo. Como exemplo, são geneticamente homens (os cromossomos sexuais são XY) mas externamente são mulheres como todas as outras. Frequentemente esta condição é descoberta a partir da adolescência, podendo não sê-lo até a pessoa afetada procurar explicação na sua dificuldade em engravidar. Seria este um casamento homossexual (pois teríamos um homem na aparência e na genética casado com outro homem genético mas de aparência e criação e atitudes e psiquismo e... feminino).

Não estou procurando a proteção da exceção – mas se este casal fosse membro de nossa igreja, como aconselhá-lo se eles fizessem esta pergunta???

Estou usando este exemplo para dizer que a definição da sexualidade é algo muito mais complicado do que pensamos. Que há situações, como esta, não previstas, até prova em contrário, nas Sagradas Escrituras.

Passo para outro exemplo que me incomoda. Obesidade é um problema de saúde pública e é resultado, única e exclusivamente, de uma ingesta calórica superior ao gasto. Quantos obesos que conhecemos que simplesmente não conseguem reduzir e balancear a equação (incluindo alguns que foram operados e não deram certo)? Mas alimentação é outro aspecto de nossas vidas conscientes marcadas por eventos subliminares, culturais e inconscientes5.

A realidade que me bate à porta é que, ainda que haja diversas pessoas “ex-homossexuais”6, talvez esta não seja a regra, da mesma forma como não é possível a todos os obesos se tornarem “ex-obesos”.


As bases da proposta

O chamado do Evangelho é para que aceitemos o perdão dado pela morte de Cristo na cruz e a nova vida, agora e na eternidade, garantidas pela Sua ressurreição. A segunda parte é consequência da primeira, e não o contrário.

A convicção do pecado é algo pessoal e intransferível, assim como a certeza do Seu perdão. Cada pessoa tem sua própria história, consciente e inconsciente, e esta vai definir os pecados ocorridos, sejam acidentais, sejam voluntários.

A santificação é mandamento (Hb 12.14), é para ser buscada voluntária e ativamente(II Co 7.1), sob a direção do Espírito Santo, através de uma vida devocional individual e comunitária. A agenda de santificação de cada cristão é ditada pelo Espírito Santo tendo como base sua história pessoal.

Atitudes corretas não refletem,necessariamente, coração correto, como nos ensina o Sermão da Montanha em diversos momentos.

E cada um de nós sabe as lutas que tem com suas dificuldades pessoais, que se apresentam continuamente como um pecado à nossa frente, como diz Davi: “o meu pecado está sempre diante de mim”.

Pouco provável a santificação 100% nesta vida – e somente posso crer nisto levando em conta a morada na Nova Jerusalém, não antes.


A proposta

1. a Igreja é um braço do Senhor Jesus no mundo, que a todos chama ao arrependimento, à conversão, à nova vida, sem distinção de nenhuma espécie, a começar do “tamanho do pecado”. Raça, cor, sexo, religião, opção política, opção sexual, profissão, e qualquer outro critério de classificação ou divisão, não são excluídos da mensagem de amor. Portanto, a igreja deve estar aberta (e por que não deveria buscar ativamente?) aos modernos cobradores de impostos, as Madalenas contemporâneas (e não só as mais bem situadas financeiramente com roupas de grife e atendimento personalizado), aos atuais jovens ricos enamorados por si mesmos, aos indigentes vítimas do sistema iníquo, às boas pessoas que, apesar de boas, descobrem-se tremendamente pecadoras na presença dEle. E isto inclui os homossexuais masculinos e femininos, travestis, transgêneros e semelhantes.

2. as pessoas que, através de uma igreja local, têm um encontro pessoal com o Ressuscitado, devem encontrar nela todos os recursos necessários ao seu crescimento e amadurecimento na fé.

3. a sexualidade é uma questão sensível para todos, com forte conteúdo emocional inconsciente – e, portanto, perigoso. Os homoafetivos devem ser acolhidos com o mesmo amor com que são os heteroafetivos – qual a razão para a diferença? Estejam acompanhados ou não por parceiros (as). Por uma questão de integridade por parte da liderança da comunidade, as dificuldades inerentes à homoafetividade precisam ser, de modo terapêutico e cuidadoso, pontuadas. A questão ainda está em aberto, havendo dificuldades extras para os cristãos nesta situação. À medida que lhes for possível, o “amor reverso” também precisa ser exercido. Ou seja, em consideração à comunidade, procurar não escandalizá-la futilmente.

4. o cuidado pastoral por parte de todos, mas em especial dos pastores e demais oficiais da igreja local, deve ser ativamente buscado e situações constrangedoras através do púlpito ou doutras circunstâncias litúrgicas ou da escola bíblica dominical, evitadas. O que não deve ser entendido como censura prévia, mas como um lembrete para não cair na armadilha fácil de hierarquização de pecados e no farisaísmo.

5. pelas luzes teológicas e bíblicas até este momento, o ideal seria o não exercício da genitalidade7 - assim como para os heteroafetivos a relação sexual deveria ser restrita ao matrimônio. Contudo, não sendo esta a realidade de quem chega à igreja local, ou de quem já congregando entende ter encontrado o(a) parceiro(a) para dividir sua caminhada pessoal, por analogia o exercício da genitalidade deveria ser restrito à existência de um contrato de união estável na forma da lei, com a mesma solicitação de fidelidade mútua, exigida pelas Escrituras.

6. pelo princípio do “amor reverso”, o(a) irmão(ã) que aspira aos ofícios de oficiais da igreja local sendo homoafetivo deveria discutir, em amor, com os pastores e demais lideranças, seu chamado, e as implicações institucionais decorrentes – entre elas, a expectativa institucional da renúncia à genitalidade, até que ocorra (se ocorrer), alguma modificação.

7. deve ser amorosamente explícito que a homossexualidade enquanto ideologia não encontra guarida nem respaldo na igreja cristã, por não haver possibilidade de harmonização com os ensinos das Escrituras. Discussão de igualdade de direitos civis é absolutamente legítima, mas apoio às “paradas do orgulho gay” não.


1Vou me permitir separar cultura judaico-cristã de teologia cristã, e mesmo de fé cristã autêntica.
2Testemunho disponível, por exemplo, no vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=M9QHrtMLRWo
7Defendido pelo Caio Fábio, https://www.youtube.com/watch?v=Q-FWxg3v8cU

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