Crer não é sinônimo de não pensar. Crer implica em pensar, em relacionar fé com a realidade, questionando uma a partir da outra. O conteúdo são pensamentos às vezes rápidos, em elaboração; outros, já mais elaborados. Ambos buscando provocar discussão e reposicionamentos, partindo sempre da confissão de fé protestante.
Os artigos classificados como "originais" podem ser reproduzidos desde que com a menção da fonte e autoria.
Ano V
Acercamo-nos do Dia de Finados, mais uma vez. Faz algum sentido? Convém
nos atermos aos que já partiram? Avós, pais, parentes, amigos... Até filhos que
se foram precocemente! Tais lembranças trazem-nos lágrimas, mas remetem à nossa
própria história de vida. Isso tem papel integrador, pois a identidade é formada
a partir da família e do grupo social que nos deu origem.
Uma pesquisa recente demonstra
que pensar na morte nos traz benefícios. No curso da existência, precisamos de
pausas. Elas nos permitem questionar o valor que atribuímos aos fatos, o sentido
que imprimimos a vida. Podemos assim melhor ordenar os compromissos e
atividades; além de nos prepararmos para a partida e para eternidade. A
ansiedade que habitualmente cerca tais reflexões será superada com a busca de
uma fé esclarecida. (VAIL, Kenneth
et al. When death is good for life.
Personality & Social Psychology
Review, 16(4): 303-29, 2012).
Alguns costumam visitar
cemitérios. Afinal, foi ali que selamos nosso distanciamento das pessoas
queridas que já se foram. Estamos vinculados ao tempo e ao espaço em nossa
caminhada terrena. O choro pode vir espontâneo, acompanhando recordações
tristes... E outras que são até benfazejas. Flores e velas soam supérfluas, como
tentativas vãs de interferir na eternidade.
Orações são inevitáveis em tais
ocasiões. Olhar para dentro de nós mesmos, sobretudo diante do momento extremo,
faz ruir toda arrogância; e promove um movimento em direção ao transcendente.
Mas, orar por quem? Os que partiram fizeram suas escolhas, que devem ser
respeitadas. Se não tiveram oportunidades, isso lhes serviu de álibi na
destinação eterna. Nós sim, ainda peregrinos, somos os beneficiados pelas
preces, das quais carecemos intensamente.
Orar faz muito bem à saúde
física e emocional. Mas para quem dirigimos nossos pedidos? Será isso
indiferente? Por que evitar o Deus supremo (aquele tão infinitamente grande que
é capaz ouvir-nos em nossa insignificância) e nos apegarmos a seres menores,
figuras humanas ou elementos da natureza? Um deus pequeno nos
apequena.
Mostra-se sempre atual a
sugestão: “Memento
mori”.
A declaração de morte coletiva feita por um
grupo de Guaranis Caiovás demonstra a incompetência do Estado brasileiro
para cumprir a Constituição de 1988 e mostra que somos todos cúmplices
de genocídio – uma parte de nós por ação, outra por omissão
ELIANE BRUM
- Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos
aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa
extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um
grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido
aos juízes federais.
O trecho pertence à carta
de um grupo de 170 indígenas que vivem à beira de um rio no município
de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por pistoleiros. As
palavras foram ditadas em 8 de outubro ao conselho Aty Guasu (assembleia
dos Guaranis Caiovás), após receberem a notícia de que a Justiça
Federal decretou sua expulsão da terra. São 50 homens, 50 mulheres e 70
crianças. Decidiram ficar. E morrer como ato de resistência – morrer com
tudo o que são, na terra que lhes pertence.
Há cartas, como a de Pero Vaz de Caminha, de 1º de maio de 1500, que
são documentos de fundação do Brasil: fundam uma nação, ainda sequer
imaginada, a partir do olhar estrangeiro do colonizador sobre a terra e
sobre os habitantes que nela vivem. E há cartas, como a dos Guaranis
Caiovás, escritas mais de 500 anos depois, que são documentos de
falência. Não só no sentido da incapacidade do Estado-nação constituído
nos últimos séculos de cumprir a lei estabelecida na Constituição hoje
em vigor, mas também dos princípios mais elementares que forjaram nosso
ideal de humanidade na formação do que se convencionou chamar de “o povo
brasileiro”. A partir da carta dos Guaranis Caiovás, tornamo-nos
cúmplices de genocídio. Sempre fomos, mas tornar-se é saber que se é.
Os Guaranis Caiovás avisam-nos por carta que, depois de tantas décadas
de luta para viver, descobriram que agora só lhes resta morrer. Avisam a
todos nós que morrerão como viveram: coletivamente, conjugados no
plural.
Nos trechos mais pungentes de sua carta de morte, os indígenas afirmam:
- Queremos deixar evidente ao Governo e à Justiça Federal que, por fim,
já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em
nosso território antigo. Não acreditamos mais na Justiça Brasileira. A
quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para
qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e
alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação
atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo. Não
temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na
margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do
rio Hovy, onde já ocorreram 4 mortes, sendo que 2 morreram por meio de
suicídio, 2 em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das
fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um ano. Estamos
sem assistência nenhuma, isolados, cercados de pistoleiros e resistimos
até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia
para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato,
sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão
enterrados vários de nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali está o
cemitérios de todos os nossos antepassados. Cientes desse fato
histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos
nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje. (…) Não temos outra
opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da
Justiça Federal de Navirai-MS.
Como podemos alcançar o desespero de uma decisão de morte coletiva? Não
podemos. Não sabemos o que é isso. Mas podemos conhecer quem morreu,
morre e vai morrer por nossa ação – ou inação. E, assim, pelo menos
aproximar nossos mundos, que até hoje têm na violência sua principal
intersecção.
Desde o ínicio do século XX, com mais afinco a partir do Estado Novo
(1937-45) de Getúlio Vargas, iniciou-se a ocupação pelos brancos da
terra dos Guaranis Caiovás. Os indígenas, que sempre viveram lá,
começaram a ser confinados em reservas pelo governo federal, para
liberar suas terras para os colonos que chegavam, no que se chamou de “A
Grande Marcha para o Oeste”. A visão era a mesma que até hoje persiste
no senso comum: “terra desocupada” ou “não há ninguém lá, só índio”.
Era de gente que se tratava, mas o que se fez na época foi confiná-los
como gado, num espaço de terra pequeno demais para que pudessem viver ao
seu modo – ou, na palavra que é deles, Teko Porã (“o Bem Viver”). Com a
chegada dos colonos, os indígenas passaram a ter três destinos: ou as
reservas ou trabalhar nas fazendas como mão de obra semiescrava ou se
aprofundar na mata. Quem se rebelou foi massacrado. Para os Guaranis
Caiovás, a terra a qual pertencem é a terra onde estão sepultados seus
antepassados. Para eles, a terra não é uma mercadoria – a terra é.
Na ditadura militar, nos anos 60 e 70, a colonização do Mato Grosso do
Sul se intensificou. Um grande número de sulistas, gaúchos mais do que
todos, migrou para o território para ocupar a terra dos índios. Outros
despacharam peões e pistoleiros, administrando a matança de longe, bem
acomodados em suas cidades de origem, onde viviam – e vivem até hoje –
como “cidadãos de bem”, fingindo que não têm sangue nas mãos.
Com a redemocratização do país, a Constituição de 1988 representou uma
mudança de olhar e uma esperança de justiça. Os territórios indígenas
deveriam ser demarcados pelo Estado no prazo de cinco anos. Como
sabemos, não foi. O processo de identificação, declaração, demarcação e
homologação das terras indígenas tem sido lento, sensível a pressões dos
grandes proprietários de terras e da parcela retrógrada do agronegócio.
E, mesmo naquelas terras que já estão homologadas, em muitas o governo
federal não completou a desintrusão – a retirada daqueles que ocupam a
terra, como posseiros e fazendeiros –, aprofundando os conflitos. Nestas
últimas décadas testemunhamos o genocídio dos Guaranis Caiovás. Em
geral, a situação dos indígenas brasileiros é vergonhosa. A dos 43 mil
Guaranis Caiovás, o segundo grupo mais numeroso do país, é considerada a
pior de todas. Confinados em reservas como a de Dourados, onde cerca de
14 mil, divididos em 43 grupos familiares, ocupam 3,5 mil hectares,
eles encontram-se numa situação de colapso. Sem poder viver segundo a
sua cultura, totalmente encurralados, imersos numa natureza degradada,
corroídos pelo alcoolismo dos adultos e pela subnutrição das crianças,
os índices de homicídio da reserva são maiores do que em zonas em estado
de guerra.
A situação em Dourados é tão aterradora que provocou a seguinte
afirmação da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat: “A
reserva de Dourados é talvez a maior tragédia conhecida da questão
indígena em todo o mundo”. Segundo um relatório do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), que analisou os dados de 2003 a 2010, o índice de assassinatos
na Reserva de Dourados é de 145 para cada 100 mil habitantes – no
Iraque, o índice é de 93 assassinatos para cada 100 mil. Comparado à
média brasileira, o índice de homicídios da Reserva de Dourados é 495%
maior.
A cada seis dias, um jovem Guarani Caiová se suicida. Desde 1980, cerca
de 1500 tiraram a própria vida. A maioria deles enforcou-se num pé de
árvore. Entre as várias causas elencadas pelos pesquisadores está o fato
de que, neste período da vida, os jovens precisam formar sua família e
as perspectivas de futuro são ou trabalhar na cana de açúcar ou virar
mendigos. O futuro, portanto, é um não ser aquilo que se é. Algo que,
talvez para muitos deles, seja pior do que a morte.
Um relatório do Ministério da Saúde mostrou, neste ano, o que chamou de
“dados alarmantes, se destacando tanto no cenário nacional quanto
internacional”. Desde 2000, foram 555 suicídios, 98% deles por
enforcamento, 70% cometidos por homens, a maioria deles na faixa dos 15
aos 29 anos. No Brasil, o índice de suicídios em 2007 foi de 4,7 por 100
mil habitantes. Entre os indígenas, no mesmo ano, foi de 65,68 por 100
mil. Em 2008, o índice de suicídios entre os Guaranis Caiovás chegou a
87,97 por 100 mil, segundo dados oficiais. Os pesquisadores acreditam
que os números devem ser ainda maiores, já que parte dos suicídios é
escondida pelos grupos familiares por questões culturais.
As lideranças Guaranis Caiovás não permaneceram impassíveis diante
deste presente sem futuro. Começaram a se organizar para denunciar o
genocídio do seu povo e reivindicar o cumprimento da Constituição. Até
hoje, mais de 20 delas morreram assassinadas por ferirem os interesses
privados de fazendeiros da região, a começar por Marçal de Souza, em
1983, cujo assassinato ganhou repercussão internacional. Ao mesmo tempo,
grupos de Guaranis Caiovás abandonaram o confinamento das reservas e
passaram a buscar suas tekohá, terras originais, na luta pela
retomada do território e do direito à vida. Alguns grupos ocuparam
fundos de fazendas, outros montaram 30 acampamentos à beira da estrada,
numa situação de absoluta indignidade. Tanto nas reservas quanto fora
delas, a desnutrição infantil é avassaladora.
A trajetória dos Guaranis Caiovás que anunciaram sua morte coletiva
ilustra bem o destino ao qual o Estado brasileiro os condenou. Homens,
mulheres e crianças empreenderam um caminho em busca da terra
tradicional, localizada às margens do Rio Hovy, no município de Iguatemi
(MS). Acamparam em sua terra no dia 8 de agosto de 2011, nos fundos de
fazendas. Em 23 de agosto foram atacados e cercados por pistoleiros, a
mando dos fazendeiros. Em um ano, os pistoleiros já derrubaram dez vezes
a ponte móvel feitas por eles para atravessar um rio com 30 metros de
largura e três de fundura. Em um ano, dois indígenas foram torturados e
mortos pelos pistoleiros, outros dois se suicidaram.
Em tentativas anteriores de recuperação desta mesma terra, os Guaranis
Caiovás já tinham sido espancados e ameaçados com armas de fogo. Alguns
deles tiveram seus olhos vendados e foram jogados na beira da estrada.
Em outra ocasião, mulheres, velhos e crianças tiveram seus braços e
pernas fraturados. O que a Justiça Federal fez? Deferiu uma ordem de
despejo. Em nota, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) afirmou que “está
trabalhando para reverter a decisão”.
Os Guaranis Caiovás estão sendo assassinados há muito tempo, de todas
as formas disponíveis, as concretas e as simbólicas. “A impunidade é a
maior agressão cometida contra eles”, afirma Flávio Machado, coordenador
do CIMI no Mato Grosso do Sul. Nas últimas décadas, há pelo menos duas
formas interligadas de violência no processo de recuperação da terra
tradicional dos indígenas: uma privada, das milícias de pistoleiros
organizadas pelos fazendeiros; outra do Estado, perpetrada pela Justiça
Federal, na qual parte dos juízes, sem qualquer conhecimento da
realidade vivida na região, toma decisões que não só compactuam com a
violência , como a acirram.
“Quando os pistoleiros não conseguem consumar os despejos e massacres
truculentos dos indígenas, os fazendeiros contratam advogados para
conseguir a ordem de despejo na Justiça”, afirma Egon Heck, indigenista e
cientista político, num artigo publicado em relatório do CIMI. “No
momento em que ocorre a ordem de despejo, os agentes policiais agem de
modo similar ao dos pistoleiros, visto que utilizam armas pesadas,
queimam as ocas, ameaçam e assustam as crianças, mulheres e idosos.”
Ao fundo, o quadro maior: os sucessivos governos que se alternaram no
poder após a Constituição de 1988 foram incompetentes para cumpri-la. Ao
final de seus dois mandatos, Lula reconheceu que deixava o governo com
essa dívida junto ao povo Guarani Caiová. Legava a tarefa à sua
sucessora, Dilma Rousseff. Os indígenas escreveram, então, uma carta:
“Presidente Dilma, a questão das nossas terras já era para ter sido
resolvida há décadas. Mas todos os governos lavaram as mãos e foram
deixando a situação se agravar. Por ultimo, o ex-presidente Lula
prometeu, se comprometeu, mas não resolveu. Reconheceu que ficou com
essa dívida para com nosso povo Guarani Caiová e passou a solução para
suas mãos. E nós não podemos mais esperar. Não nos deixe sofrer e ficar
chorando nossos mortos quase todos os dias. Não deixe que nossos filhos
continuem enchendo as cadeias ou se suicidem por falta de esperança de
futuro (…) Devolvam nossas condições de vida que são nossos tekohá,
nossas terras tradicionais. Não estamos pedindo nada demais, apenas os
nossos direitos que estão nas leis do Brasil e internacionais”.
A declaração de morte dos Guaranis Caiovás ecoou nas redes sociais na
semana passada. Gerou uma comoção. Não é a primeira vez que indígenas
anunciam seu desespero e seu genocídio. Em geral, quase ninguém escuta,
para além dos mesmos de sempre, e o que era morte anunciada vira morte
consumada. Talvez a diferença desta carta é o fato de ela ecoar algo que
é repetido nas mais variadas esferas da sociedade brasileira, em
ambientes os mais diversos, considerado até um comentário espirituoso em
certos espaços intelectualizados: a ideia de que a sociedade brasileira
estaria melhor sem os índios.
Desqualificar os índios, sua cultura e a situação de indignidade na
qual vive boa parte das etnias é uma piada clássica em alguns meios, tão
recorrente que se tornou quase um clichê. Para parte da elite
escolarizada, apesar do esforço empreendido pelos antropólogos, entre
eles Lévi-Strauss, as culturas indígenas ainda são vistas como
“atrasadas”, numa cadeia evolutiva única e inescapável entre a pedra
lascada e o Ipad – e não como uma escolha diversa e um caminho possível.
Assim, essa parcela da elite descarta, em nome da ignorância, a imensa
riqueza contida na linguagem, no conhecimento e nas visões de mundo das
230 etnias indígenas que ainda sobrevivem por aqui.
Toda a História do Brasil, a partir da “descoberta” e da colonização, é
marcada pelo olhar de que o índio é um entrave no caminho do
“progresso” ou do “desenvolvimento”. Entrave desde os primórdios –
primeiro, porque teve a deselegância de estar aqui antes dos
portugueses; em seguida, porque se rebelava ao ser escravizado pelos
invasores europeus. A sociedade brasileira se constituiu com essa ideia e
ainda que a própria sociedade tenha mudado em muitos aspectos, a
concepção do índio como um entrave persiste. E persiste de forma
impressionante, não só para uma parte significativa da população, mas
para setores do Estado, tanto no governo atual quanto nas gestões
passadas.
“Entraves” precisam ser removidos. E têm sido, de várias maneiras,
como a História, a passada e a presente, nos mostra. Talvez essa seja
uma das explicações possíveis para o impacto da carta de morte ter
alcançado um universo maior de pessoas. Desta vez, são os índios que nos
dizem algo que pode ser compreendido da seguinte forma: “É isso o que
vocês querem? Nos matar a todos? Então nós decidimos: vamos morrer”. Ao
devolver o desejo a quem o deseja, o impacto é grande.
É importante lembrar que carta é palavra. A declaração de morte
coletiva surge como palavra dita. Por isso precisamos compreender, pelo
menos um pouco, o que é a palavra para os Guaranis Caiovás. Em um texto
muito bonito, intitulado Ñe'ẽ – a palavra alma, a antropóloga Graciela Chamorro, da Universidade Federal da Grande Dourados, nos dá algumas pistas:
“A palavra é a unidade mais densa que explica como se trama a vida para
os povos chamados guarani e como eles imaginam o transcendente. As
experiências da vida são experiências de palavra. Deus é palavra. (...) O
nascimento, como o momento em que a palavra se senta ou provê para si
um lugar no corpo da criança. A palavra circula pelo esqueleto humano.
Ela é justamente o que nos mantém em pé, que nos humaniza. (...) Na
cerimônia de nominação, o xamã revelará o nome da criança, marcando com
isso a recepção oficial da nova palavra na comunidade. (...) As crises
da vida – doenças, tristezas, inimizades etc. – são explicadas como um
afastamento da pessoa de sua palavra divinizadora. Por isso, os
rezadores e as rezadoras se esforçam para ‘trazer de volta’, ‘voltar a
sentar’ a palavra na pessoa, devolvendo-lhe a saúde.(...) Quando a
palavra não tem mais lugar ou assento, a pessoa morre e torna-se um
devir, um não-ser, uma palavra-que-não-é-mais. (...) Ñe'ẽ e ayvu
podem ser traduzidos tanto como ‘palavra’ como por ‘alma’, com o mesmo
significado de ‘minha palavra sou eu’ ou ‘minha alma sou eu’. (...)
Assim, alma e palavra podem adjetivar-se mutuamente, podendo-se falar em
palavra-alma ou alma-palavra, sendo a alma não uma parte, mas a vida
como um todo.”
A fala, diz o antropólogo Spensy Pimentel, pesquisador do Centro de
Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, é a parte mais sublime
do ser humano para os Guaranis Caiovás. “A palavra é o cerne da
resistência. Tem uma ação no mundo – é uma palavra que age. Faz as
coisas acontecerem, faz o futuro. O limite entre o discurso e a profecia
é tênue.”
Se a carta de Pero Vaz de Caminha marca o nascimento do Brasil pela
palavra escrita, é interessante pensar o que marca a carta dos Guaranis
Caiovás mais de 500 anos depois. Na carta-fundadora, é o
invasor/colonizador/conquistador/estrangeiro quem estranha e olha para
os índios, para sua cultura e para sua terra. Na dos Guaranis Caiovás,
são os índios que olham para nós. O que nos dizem aqueles que nos veem?
(Ou o que veem aqueles que nos dizem?)
A declaração de morte dos Guaranis Caiovás é “palavra que age”. Antes
que o espasmo de nossa comoção de sofá migre para outra tragédia, talvez
valha a pena uma última pergunta: para nós, o que é a palavra?
Ao amanhecer
ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu
redor, e ele se assentou para ensiná-lo. Os mestres da lei e os
fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério.
Fizeram-na ficar em pé diante de todos e disseram a Jesus: "Mestre,
esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés
nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? "
Eles estavam
usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para
acusá-lo.
Mas Jesus
inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que
continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: "Se
algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra
nela".
Inclinou-se
novamente e continuou escrevendo no chão.
Os que o
ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos.
Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele.
Então Jesus
pôs-se de pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles?
Ninguém a condenou? "
"Ninguém,
Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a
condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado".
Contexto
Este
interessante e instrutivo episódio é objeto de algumas disputas
teológicas. Como seu estilo difere do aplicado ao restante do
Evangelho de João, muitos especialistas pensam ser ele um enxerto
posterior. Esta ideia é suportada por dois fatos: o texto de Jo
7.53 a 8.11 não é encontrado em muitos manuscritos antigos e nem
mencionado pelos “Pais da Igreja”. Não bastassem estes, em
alguns autógrafos a história é narrada no Evangelho segundo Lucas.
Contudo, a controvérsia não atinge nem a historicidade do evento
nem a sua inspiração divinai.
No
Evangelho Joanino, o episódio ocorre logo após a festa das
cabanas1,
em Jerusalém. Jesus propositadamente se atrasa, chegando na metade
da festa a qual se dirige incógnito – apesar dos irmãos lhe
terem sugerido que aproveitasse a ocasião (e provavelmente o momento
positivo que era esta cerimônia em particular) e se revelasse ao
mundo, já que desejava ter Sua mensagem recebida e reconhecida (Jo
7.3ss). Apesar da viagem discreta, de alguma forma Ele já era
esperado por um número de judeus, que não tinham uma única opinião
sobre o seu caráter: verdadeiro profeta ou um embuste?
No
templo, Seu ensino é objeto de dupla avaliação. Alguns o admiram:
“como foi que este homem adquiriu tanta instrução, sem ter
estudado?” (Jo 7.15); outros o tem por endemoniado (7.20). O debate
se alonga e Ele parece provocá-lo, no lugar de evitá-lo: expõe a
intenção homicida de alguns; acusa outros de não cumprirem a Lei;
expõe a contradição entre a ideia prevalente da guarda do sábado
(que beira à idolatria) e significado da cura realizada neste dia;
usa uma linguagem que O aproxima demais de Deus.
Os
versos 25 a 27 do capítulo 7 parecem sugerir que a multidão apoia
sua detenção pelas autoridades, e a demora das mesmas em efetuar a
prisão a deixa a situação ainda mais confusa, pois subentende a
possibilidade delas terem reconhecido Seu ensino. Na contramão deste
povo, os guardas enviados para encarcerá-lo voltam de mãos vazias:
não é possível prender quem fala como Ele fala (7.46), mesmo que
aos olhos do poder constituído Ele nada seja.
Afinal,
é Ele o messias ou não? Seu ensino é carregado de valor, mas é
necessário que o Cristo seja da família de Davi – e Ele é tido
como da Galileia, sua terra adotiva. E por um erro da cúpula dos
religiosos, não se admite a existência de um profeta daquela
região2,
rica, integrada à rede de comércio da época, ladeada por nações
pagãs e com judeus de pureza duvidosaii.
O
episódio da mulher adúltera parece ocorrer no dia seguinte à
discussão entre os fariseus e chefes dos sacerdotes sobre quem Ele
é, e o que fazer com Ele. Sem um acordo, após a tentativa de
Nicodemos de defendê-lo, cada um se dirige para sua casa.
A
imagem da mulher no ambiente judaico da época de Jesus não era
muito favorável.
Teologicamente,
era considerada como a responsável pela queda da humanidade. Assim
sendo, alguns rabinos defendiam que a maldade do homem era melhor que
a virtude da mulher e que um judeu piedoso deveria agradecer
diuturnamente o fato de não ter nascido mulher, ou pagão, ou
desconhecer a Lei. Tomando Gn 3.16 como motivação, o Midrache
ensinava que “nunca Deus se dispôs a conversar com uma mulher, com
exceção de Sara, e isto por causa do erro dela”.
Na
esfera pública, seu testemunho era inferior ao do homem. Aliás, o
espaço público não era o ambiente adequado para ela, que deveria
ficar restrita ao lar.
Na
sinagoga, sua presença não contava para o quorum de doze adultos
necessários para se iniciar os trabalhos. Não eram admitidas na
parte central e não podiam fazer a leitura da Lei durante o culto.
Muitos discutiam a utilidade de ensiná-la a elas e o talmude de
Jerusalém afirmava ser melhor queimar a Torah do que entregá-la às
mulheres.
Um
episódio violento
Todo
o episódio transpira violência desde o contexto imediato.
Observando
o texto, Jesus está ensinando a multidão quando uma mulher lhe é
trazida e “a obrigaram a ficar em pé no meio de todos” (versão
Nova Tradução na Linguagem de Hoje, SBB). Os acusadores não chegam
com a mulher em silêncio e aguardam o momento de levarem a Jesus a
questão; o texto permite imaginar que eles irrompem na cena e a
seguram (de que outra maneira poderiam obrigá-la a permanecer em
pé?).
A
ameaça de execução deve ser levada à sério. A presença dos
soldados romanos não impediram a execução de Estêvão, alguns
anos mais tarde (At 6-7); Paulo foi apedrejado (II Co 11.25). Não há
nenhuma razão para cogitar que a turba, se autorizada por Jesus, não
a executaria.
A
terceira violência é a injustiça: onde estava o parceiro no
adultério? Tanto Lv 18.20 quanto Dt 22.22 estipulam pena de morte
para a mulher casada e o homem que com ela se deita. Como foi
possível capturá-la, e a ele, não? Conseguira fugir “com as
calças na mão?” Se ele não estava presente, ou não foi visto no
ato, como poderiam honestamente acusá-la?
A
quarta, a insistência. Jesus somente se manifesta após os
acusadores – a elite religiosa – demandar-lhe uma resposta (v. 7)
para uma questão armada, capciosa, sem interesse, nem na preservação
da Lei, nem no cuidado pastoral dos culpados.
A
acusação
Alguns
comentaristas supõe que a festa dos tabernáculos possa ter tomado
ares bastante profanos para muitos, e a vivência em tendas, de certa
forma a essência da festa, facilitado diversas possibilidades de
orgiasiv.
O contexto da história de adultério não é nem sequer sugerido. Um
casal infeliz? Uma esposa repudiada? Um marido impotente, ou infiel,
ou que não a amava? O adúltero era seu “verdadeiro amor”? Uma
esposa infiel de longa data? Mas dos dois textos mosaicos que
condenam à morte os adúlteros, Lv 18.20 e Dt 22.23, apenas o
segundo explicita o modo de execução. E esta situação trata da
noiva que se deita com um homem na cidade, onde pode gritar por
socorro. Segundo alguns, nos textos que tratam de crimes capitais e o
modo de execução não é detalhado, este seria o estrangulamento4.
Os
escribas e fariseus apresentaram supostamente um caso perfeito. A
mulher certamente era culpada – ou, pelo menos, sua inocência
estava difícil de ser apoiada. Certamente todo o preconceito contra
o sexo feminino estava em ação, assim como sua coisificação: a
mulher como propriedade. Não havia Eva levado Adão a pecar? Mais
uma vez a história se repetia, e na punição dela estava a revanche
tardia do homem, a sua vingança. O clamor social pedia a punição
para o crime certo.
E
é interessante notar que, provavelmente, o povo que estava sendo
ensinado antes da chegada dos acusadores, toma partido destes – se
não for assim, porque todos se retiram ao final da história,
deixando Jesus e a mulher a sós? Mesmo que sem expressar
publicamente esta visão, todos sentem-se culpados e ninguém se
alegra com a possibilidade do perdão.
Outra
hipótese: todo o povo entende a armadilha montada, e teme serem
chamados a se posicionarem da mesma forma que Jesus é convocado.
E
qual é a armadilha?
A
disposição da Lei é clara, no que diz respeito aos adúlteros.
Portanto, porque os escribas e fariseus perguntam qual é o parecer
de Jesus?
Não
parece que havia, àquela época, discussão teológica a este
respeito. A questão não era acadêmica, era legal. Eles não
levaram uma disputa teológica, como a questão do divórcio e do
casamento dos divorciados; levaram uma questão legal onde o senso
comum já determina o desfecho.
No
Sermão da Montanha Jesus iguala o olhar do homem para a mulher de
modo impuro com o adultério enquanto fato. Mas suas palavras para os
pecadores, principalmente os arrependidos, são sempre de ternura e
compaixão. E no mesmo Sermão, Ele usa por diversas vezes o refrão
“ouviram o que foi dito aos seus antepassados...mas eu lhes digo”
(Mt 5.21,27,31,33,38,43), e ainda salienta a permanência da Lei “até
que tudo se cumpra” (Mt 5.18). E, para piorar, comia com publicanos
e pecadores (Mt 9.11) e afirma que as meretrizes entrarão no Reino
antes dos fariseus (Mt 21.31).
Ele
é chamado a se pronunciar tendo, de um lado a Lei de Moisés, e do
outro Seu próprio ensino. Não fosse a disposição homicida dos
acusadores, a questão teria seu mérito acadêmico. Afinal, até
hoje a relação entre o Evangelho e a Lei é ponto de debatev.
Como Ele concilia Seu ensino e a Lei? E é exatamente a dupla
intenção assassina, a mulher e Ele estavam correndo risco, que
sinaliza a não disposição em aprender, a humildade da busca do
saber – eles queriam um modo de poder acusá-lo, pois não o haviam
conseguido no dia anterior. E no dia anterior os guardas enviados não
puderam prendê-Lo porque Sua autoridade era por demais evidente (Jo
7.46), ou pelo menos o seu discurso era de tal forma inédito, no
conteúdo e na forma, que deixava a todos imobilizados. Quebrar a Lei
seria trincar esta autoridade e macular Seu ensino.
“Tu,
pois, que dizes?”. Os acusadores se apoiam em Moisés; em quem Ele
se apoiaria? Declararia sua messianidade? Diria “Eu e o Pai somos
um” (Jo 10.30), ou “quem vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9), ou
“novo mandamento vos dou, não apedrejareis”? Sobre quem lançaria
a responsabilidade por aquela decisão?
O
embate
Jesus
somente se manifesta após insistentemente provocado. É possível
imaginar o barulho crescente da turba, a animosidade cada vez maior,
as emoções dominando mentes e corações. Estaria a multidão
perdendo o controle?
Jesus
se posiciona sentado, escrevendo no chão com o dedo. Inútil tentar
adivinhar o que rascunha: uma lista de pecados dos acusadores? Os
nomes dos adúlteros não descobertos que a acusam? Diversos ensinos?
Desenhos ao acaso? Palavras soltas? As Escrituras nem remotamente
levantam qualquer possibilidade. Contudo, alguns manuscritos antigos
acrescentam que Ele transcreve os pecados ocultos dos acusadores;
outros sugerem que Ele se abstraía, sai de cena como se não
estivesse prestando atenção, como se fosse tudo aquilo
insignificante4. Santo Agostinho propõe que Ele
estabelece um contraste com Deus no Velho Testamento: lá, a Lei foi
escrita em pedra; aqui, é escrita no coração do homem,
representado pelo pó usado como papelvi.
Não
sendo possível saber o que Ele rabisca, é lícito supor que João
quer chamar a atenção para o fato: Ele redige com o dedo. É o ato
divino na Velha Aliança: é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó que
escreve Sua vontade com Seu dedo. Manobra sutil, teológica,
subliminar, como o ato de fazer lama para curar o cego em Jerusalémvii.
A
resposta, insistentemente cobrada, escapa às possibilidades
aventadas pelos acusadores: apoiar Moisés, ou não. A inocência
deles a este respeito desperta a suspeita que, de fato, a mensagem de
Jesus não lhes chegava ao coração, nem como hipótese acadêmica,
se forem verdades duas assunções: que o assim chamado Sermão da
Montanha já tinha ocorrido (altamente provável, pois Mateus o situa
no início do Seu ministério) e que era largamente conhecido já
naquela época (provável, pelo menos de maneira genérica pelos seus
inimigos que acompanham sua carreira – se assim não fizessem, como
poderiam Lhe ser contrários?). Pois ela se encaixa perfeitamente ao
ritmo do “ouviram o que foi dito aos seus antepassados...mas eu
lhes digo”, sendo uma aplicação lógica do Seu ensino: “se
algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra
nela”.
Ele
não nega a Lei mosaica – propõe que ela seja aplicada como
prescrita: as testemunhas da ofensa capital eram as primeiras a
atirar pedras, um ato de assumir a responsabilidade pessoal sobre a
veracidade da denúncia e do pecado. Mas lhes propõe uma questão:
quem não pecou? E a proposta é genérica: “se algum de vocês
estiver sem pecado” e não “se algum de vocês não tiver
adulterado”. Iniciar a lapidação, após a resposta, é
confessar-se puro e imaculado, uma impossibilidade completa para
qualquer judeu piedoso e uma armadilha em uma sociedade teocrática.
Pois nesta sociedade, a noção de pecado universal faz parte do seu
inconsciente coletivo, e todo ordenamento religioso busca a expiação
permanente dos mesmos. Jesus devolve-lhes a armadilha montada;
arapuca por arapuca, a dEle é superior.
É
curioso que, neste momento, os acusadores se imobilizam, incapazes de
reagir. Reconhecer que Jesus fugiu da questão é fácil, porque é
fato: Ele não a respondeu nos moldes apresentados, e esta atitude
poderia ter sido colocada. Por que foi tão fácil desarmá-los?
Talvez
porque foram inocentes, despreparados para um debate real, pois
imaginam a situação que Lhe propuseram “um beco sem saída”. O
flagrante de adultério foi uma oportunidade ao acaso que surge a
eles, que, sem refletirem calmamente sobre as possibilidades e
preverem possíveis outros desdobramentos (no lugar de somente dois:
o apedrejamento dela e/ou uma acusação por desprezar a Lei)
impetuosamente introduzem a questão no templo.
Talvez
porque os acontecimentos do dia anterior ainda estejam frescos na
memória de todos. Jesus discutiu firmemente com seus oponentes, com
tal autoridade que, apesar de poder ser cotado como um “João
Ninguém” por eles, a força policial não teve condições morais
de detê-Lo.
Talvez
porque Ele, ao levantar-se, demonstre sua disposição de
enfrentá-los como já o fizera no dia anterior. Apesar do
evangelista não descrever pormenores, é coerente imaginar que Jesus
os olha nos olhos, como pessoas, e não como multidão. “Eu os
conheço, assim como vocês se conhecem” pode ser a mensagem
subliminar que passa.
Talvez
porque ao sentar-Se novamente, e retomar a escrita, reforce o contra
desafio lançado: “Eu sei o que vocês fazem, mas vocês nada sabem
de mim, tanto que procuram fabricar algo para terem o que usar”.
Postura de quem nada teme, nem mesmo um ataque físico à traição.
Talvez
porque, de alguma forma, a multidão (aí composta por aqueles que O
escutavam antes da chegada da acusada, pelos acusadores e pelos
demais que se achegaram para o espetáculo) ainda tem senso de
decência. Surpreendidos pela resposta previsível, é desmobilizada
pelos mais velhos presentes, que são os primeiros a se afastar.
Psicologicamente falando, é neste momento que a força da turba se
quebra, sua intenção homicida se esvai.
Sua
prisão na páscoa talvez sirva de contraponto para entender este
momento. Ele foi preso à noite, quando estava só. Apenas em uma
ocasião como esta foi possível subjugá-Lo fisicamente: uma tropa
policial o cerca, conduzida por um dos seus (e ela não sabe
identificá-Lo, é necessário um traidor para tal – nesta ocasião,
o “trabalho” foi bem arquitetado. Um grupo que não O conhece
cumpre a missão, planejada em detalhes).
A
Mulher
Nenhum
dos acusadores permanece.
Jesus
se dirige a acusada como “mulher”. É o mesmo termo que usou para
se dirigir a sua mãe, durante a festa de casamento na cidade de
Caná, na Galileia (Jo 2.4). Na língua grega o termo tem vários
usos, inclusive como forma polida de tratamentoviii,ix.
Dentro do contexto imediato, e tendo na lembrança todos os encontros
entre Jesus e as mulheres, neste momento “mulher” poderia ser
substituída por “minha senhora”. Sendo assim, há um enorme
contraste entre os dois modos de tratá-la: a turba, que a trouxe com
violência, como objeto a ser usado, e Jesus, que a vê com compaixão
e respeito – mesmo que ela seja uma adúltera.
Esta
mulher, sem nome, provavelmente não acredita no que está
acontecendo. É bastante razoável supor que ela se deva como morta.
E agora, está viva, sem acusadores, no templo.
Jesus
também não procura conhecer a história da mulher, sua motivações
ou justificativas. Simplesmente encerra este trágico acontecimento
na vida dela. Pergunta aquilo que ambos já sabem: onde estão os
acusadores? Ninguém a condenou?
Ela
responde apenas a última, não há condenação. Também não
procura explicar-se, nem tão pouco saiu correndo em direção
contrária à da turba.
O
que ela não sabe é o que Ele dirá. Um sermão? Uma penitência?
O
diálogo é curto. Jesus afirma não ser um juiz da causas criminais,
como não é das cíveis (Lc 12.13-14): ”eu também não a
condeno”. Ou, respeitando o contexto, pode ser entendido por: “não
a apedrejarei pelo erro que cometeu”.
Mas
reafirma que o adultério é um erro: “não faça mais isto”.
Simples recomendação, sem enfeites, sem recursos de linguagem, sem
ameaças ou chantagem. Parece haver, subliminarmente, uma oferta de
perdão, uma sugestão para mudança de vida 3.
1Durava
7 dias, e relembrava aos israelitas sua peregrinação no deserto –
40 anos, e o uso das moradias de palhas. O último dia era o mais
solene de todos.
3A Nova Versão Internacional
escolheu traduzir o “e não peques mais” por “abandone sua
vida de pecado”, sugerindo que o adultério não foi uma única
vez.
vPor
exemplo, Biernert D, A descontinuidade e a continuidade da lei
mosaica na vida do cristão: uma perspectiva paulina. Vox Scripturae
7(2):29-50, 1997
Universidade rejeita acusações contra estudo que revela drama da "paternidade" gay
Mark Regnerus
Texas, 03 Set. 12 / 04:32 pm (ACI/EWTN Noticias).- Depois de uma pesquisa oficial, a Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos) rejeitou as acusações de má conduta científica realizada por um ativista homossexual contra o professor de sociologia Mark Regnerus, logo depois da publicação de um estudo no qual encontrou resultados negativos na vida de crianças cujos pais eram casais do mesmo sexo.
O responsável de integridade da pesquisa da universidade, Robert Peterson, indicou que "revisou cuidadosamente" toda a informação disponível, e discutiu o caso com outros membros da mesa de pesquisa.
"Concluí que o professor Regnerus não cometeu má conduta científica", assinalou em um memorando dirigido às autoridades da universidade, em 24 de agosto.
O estudo de Regnerus recolheu informação do Estudo de Novas Estruturas Familiares, que examinou os resultados da vida de 3000 americanos entre 18 e 39 anos.
Regnerus encontrou que os lares encabeçados por pais de qualquer sexo, que estão comprometidos em relações homossexuais, mostram grande instabilidade.
O estudo descobriu diferenças "estatisticamente significativas" em 25 dos 40 resultados, entre crianças que cresceram com pais casados, de sexos opostos, e aquelas que cresceram com uma relação que tinha uma mãe envolvida em uma relação homossexual.
As crianças de lares com relações homossexuais femininas mostraram mais problemas de saúde física e mental, mais instabilidade nas relações românticas, e uma média inferior de ganhos econômicos ao alcançar a vida adulta.
Estas pessoas também mostraram altos níveis de desemprego, vício ao cigarro, necessidade de assistência pública e vinculação em crimes.
O ativista e blogueiro Scott Rose denunciou a Regnerus por supostas violações éticas, em uma carta remetida ao presidente da Universidade do Texas, Bill Powers. As autoridades universitárias se reuniram com Rose para dialogar sobre suas acusações.
Entretanto, Robert Peterson assinalou que "nenhuma das acusações de má conduta científica realizadas por Rose foi fundamentada, já seja por informação física, materiais escritos ou informação provida durante as entrevistas".
"Muitas das acusações estiveram expressamente fora do âmbito da pesquisa", indicou.
Peterson disse que Rose achava que a pesquisa de Regnerus tinha "graves deficiências" e "inferiu que poderia haver má conduta científica".
"De qualquer forma, não há evidencia para apoiar essa inferência", indicou.
Peterson acrescentou que qualquer problema com a pesquisa e a análise de Regnerus deveria ser deixado aos debates acadêmicos e futuras pesquisas.
Por sua parte, David Hacker, advogado principal do grupo de liberdade religiosa Alliance Defending Freedom, elogiou o resultado da pesquisa.
"As universidades dos Estados Unidos devem servir sempre para buscar a verdade, mercados de ideias livres", disse em 29 de agosto.
"Discrepar com as conclusões de um estudo não é campo para denúncias de má conduta científica; portanto não estamos surpreendidos de que essas acusações fossem declaradas sem fundamento".
A pesquisa envolveu um tempo e esforço significativo. Toda a informação dos computadores de Regnerus, incluindo seu correio eletrônico e documentos foram sequestrados.
A universidade criou um grupo de membros principais da faculdade para assessorar o processo de pesquisa, e a universidade manteve um consultor experiente independente, para monitorar a pesquisa.
As autoridades pesquisadoras entrevistaram tanto a Regnerus como a Rose. As entrevistas foram gravadas e transcritas por um jornalista da corte, revelou o memorando do Peterson.
O diretor e vice-presidente da Universidade, Steven Leslie, disse que aceitou a conclusão de Peterson, de que não há evidência de má conduta, em um memorando de 28 de agosto.
"Consequentemente, o caso está fechado", disse Leslie.
O relatório inicial sobre as descobertas de Regnerus gerou a reação do lobby gay. A Campanha de Direitos Humanos e a Aliança de Gays e Lésbicas contra a Difamação criticaram o relatório da pesquisa.
Um grupo de 18 cientistas sociais assinaram uma declaração de apoio a Regnerus em junho. Eles admitiram que seu estudo tem limitações, mas eles consideraram que muitas das críticas contra ele eram "injustificadas".
Em uma entrevista dada a EWTN News em 12 de junho, Regnerus disse que começou seu projeto "sem ideia do que a informação revelaria".
Em seu anúncio da pesquisa em junho, Regnerus disse que sua descoberta "mais significativa" é "discutivelmente que as crianças parecem mais aptas para ter êxito como adultos quando passam suas vidas com seu pai e mãe casados, e especialmente quando os pais permanecem casados até a atualidade".