quarta-feira, 31 de outubro de 2012

PENSAR NA MORTE, PARA QUÊ?

Acercamo-nos do Dia de Finados, mais uma vez. Faz algum sentido? Convém nos atermos aos que já partiram? Avós, pais, parentes, amigos... Até filhos que se foram precocemente! Tais lembranças trazem-nos lágrimas, mas remetem à nossa própria história de vida. Isso tem papel integrador, pois a identidade é formada a partir da família e do grupo social que nos deu origem.

Uma pesquisa recente demonstra que pensar na morte nos traz benefícios. No curso da existência, precisamos de pausas. Elas nos permitem questionar o valor que atribuímos aos fatos, o sentido que imprimimos a vida. Podemos assim melhor ordenar os compromissos e atividades; além de nos prepararmos para a partida e para eternidade. A ansiedade que habitualmente cerca tais reflexões será superada com a busca de uma fé esclarecida. (VAIL, Kenneth et al. When death is good for life. Personality & Social Psychology Review, 16(4): 303-29, 2012).

Alguns costumam visitar cemitérios. Afinal, foi ali que selamos nosso distanciamento das pessoas queridas que já se foram. Estamos vinculados ao tempo e ao espaço em nossa caminhada terrena. O choro pode vir espontâneo, acompanhando recordações tristes... E outras que são até benfazejas. Flores e velas soam supérfluas, como tentativas vãs de interferir na eternidade.

Orações são inevitáveis em tais ocasiões. Olhar para dentro de nós mesmos, sobretudo diante do momento extremo, faz ruir toda arrogância; e promove um movimento em direção ao transcendente. Mas, orar por quem? Os que partiram fizeram suas escolhas, que devem ser respeitadas. Se não tiveram oportunidades, isso lhes serviu de álibi na destinação eterna. Nós sim, ainda peregrinos, somos os beneficiados pelas preces, das quais carecemos intensamente.

Orar faz muito bem à saúde física e emocional. Mas para quem dirigimos nossos pedidos? Será isso indiferente? Por que evitar o Deus supremo (aquele tão infinitamente grande que é capaz ouvir-nos em nossa insignificância) e nos apegarmos a seres menores, figuras humanas ou elementos da natureza? Um deus pequeno nos apequena.

Mostra-se sempre atual a sugestão: “Memento mori”.

                                                                                                                                                                                                                                                     U.H. (Novembro/2012)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

“Decretem nossa extinção e nos enterrem aqui”


A declaração de morte coletiva feita por um grupo de Guaranis Caiovás demonstra a incompetência do Estado brasileiro para cumprir a Constituição de 1988 e mostra que somos todos cúmplices de genocídio – uma parte de nós por ação, outra por omissão  
ELIANE BRUM

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)




 - Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos juízes federais. 

O trecho pertence à carta de um grupo de 170 indígenas que vivem à beira de um rio no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por pistoleiros. As palavras foram ditadas em 8 de outubro ao conselho Aty Guasu (assembleia dos Guaranis Caiovás), após receberem a notícia de que a Justiça Federal decretou sua expulsão da terra. São 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças. Decidiram ficar. E morrer como ato de resistência – morrer com tudo o que são, na terra que lhes pertence.

Há cartas, como a de Pero Vaz de Caminha, de 1º de maio de 1500, que são documentos de fundação do Brasil: fundam uma nação, ainda sequer imaginada, a partir do olhar estrangeiro do colonizador sobre a terra e sobre os habitantes que nela vivem. E há cartas, como a dos Guaranis Caiovás, escritas mais de 500 anos depois, que são documentos de falência. Não só no sentido da incapacidade do Estado-nação constituído nos últimos séculos de cumprir a lei estabelecida na Constituição hoje em vigor, mas também dos princípios mais elementares que forjaram nosso ideal de humanidade na formação do que se convencionou chamar de “o povo brasileiro”. A partir da carta dos Guaranis Caiovás, tornamo-nos cúmplices de genocídio. Sempre fomos, mas tornar-se é saber que se é. 

Os Guaranis Caiovás avisam-nos por carta que, depois de tantas décadas de luta para viver, descobriram que agora só lhes resta morrer. Avisam a todos nós que morrerão como viveram: coletivamente, conjugados no plural. 

Nos trechos mais pungentes de sua carta de morte, os indígenas afirmam: 
- Queremos deixar evidente ao Governo e à Justiça Federal que, por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo. Não acreditamos mais na Justiça Brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo. Não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy, onde já ocorreram 4 mortes, sendo que 2 morreram por meio de suicídio, 2 em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um ano. Estamos sem assistência nenhuma, isolados, cercados de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários de nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali está o cemitérios de todos os nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje. (…) Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.

Como podemos alcançar o desespero de uma decisão de morte coletiva? Não podemos. Não sabemos o que é isso. Mas podemos conhecer quem morreu, morre e vai morrer por nossa ação – ou inação. E, assim, pelo menos aproximar nossos mundos, que até hoje têm na violência sua principal intersecção.

Desde o ínicio do século XX, com mais afinco a partir do Estado Novo (1937-45) de Getúlio Vargas, iniciou-se a ocupação pelos brancos da terra dos Guaranis Caiovás. Os indígenas, que sempre viveram lá, começaram a ser confinados em reservas pelo governo federal, para liberar suas terras para os colonos que chegavam, no que se chamou de “A Grande Marcha para o Oeste”. A visão era a mesma que até hoje persiste no senso comum: “terra desocupada” ou “não há ninguém lá, só índio”.  

Era de gente que se tratava, mas o que se fez na época foi confiná-los como gado, num espaço de terra pequeno demais para que pudessem viver ao seu modo – ou, na palavra que é deles, Teko Porã (“o Bem Viver”). Com a chegada dos colonos, os indígenas passaram a ter três destinos: ou as reservas ou trabalhar nas fazendas como mão de obra semiescrava ou se aprofundar na mata. Quem se rebelou foi massacrado. Para os Guaranis Caiovás, a terra a qual pertencem é a terra onde estão sepultados seus antepassados. Para eles, a terra não é uma mercadoria – a terra é. 

Na ditadura militar, nos anos 60 e 70, a colonização do Mato Grosso do Sul se intensificou. Um grande número de sulistas, gaúchos mais do que todos, migrou para o território para ocupar a terra dos índios. Outros despacharam peões e pistoleiros, administrando a matança de longe, bem acomodados em suas cidades de origem, onde viviam – e vivem até hoje – como “cidadãos de bem”, fingindo que não têm sangue nas mãos.  

Com a redemocratização do país, a Constituição de 1988 representou uma mudança de olhar e uma esperança de justiça. Os territórios indígenas deveriam ser demarcados pelo Estado no prazo de cinco anos. Como sabemos, não foi. O processo de identificação, declaração, demarcação e homologação das terras indígenas tem sido lento, sensível a pressões dos grandes proprietários de terras e da parcela retrógrada do agronegócio. E, mesmo naquelas terras que já estão homologadas, em muitas o governo federal não completou a desintrusão – a retirada daqueles que ocupam a terra, como posseiros e fazendeiros –, aprofundando os conflitos.

Nestas últimas décadas testemunhamos o genocídio dos Guaranis Caiovás. Em geral, a situação dos indígenas brasileiros é vergonhosa. A dos 43 mil Guaranis Caiovás, o segundo grupo mais numeroso do país, é considerada a pior de todas. Confinados em reservas como a de Dourados, onde cerca de 14 mil, divididos em 43 grupos familiares, ocupam 3,5 mil hectares, eles encontram-se numa situação de colapso. Sem poder viver segundo a sua cultura, totalmente encurralados, imersos numa natureza degradada, corroídos pelo alcoolismo dos adultos e pela subnutrição das crianças, os índices de homicídio da reserva são maiores do que em zonas em estado de guerra. 

A situação em Dourados é tão aterradora que provocou a seguinte afirmação da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat: “A reserva de Dourados é talvez a maior tragédia conhecida da questão indígena em todo o mundo”. Segundo um relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que analisou os dados de 2003 a 2010, o índice de assassinatos na Reserva de Dourados é de 145 para cada 100 mil habitantes – no Iraque, o índice é de 93 assassinatos para cada 100 mil. Comparado à média brasileira, o índice de homicídios da Reserva de Dourados é 495% maior.  

A cada seis dias, um jovem Guarani Caiová se suicida. Desde 1980, cerca de 1500 tiraram a própria vida. A maioria deles enforcou-se num pé de árvore. Entre as várias causas elencadas pelos pesquisadores está o fato de que, neste período da vida, os jovens precisam formar sua família e as perspectivas de futuro são ou trabalhar na cana de açúcar ou virar mendigos. O futuro, portanto, é um não ser aquilo que se é. Algo que, talvez para muitos deles, seja pior do que a morte. 

Um relatório do Ministério da Saúde mostrou, neste ano, o que chamou de “dados alarmantes, se destacando tanto no cenário nacional quanto internacional”. Desde 2000, foram 555 suicídios, 98% deles por enforcamento, 70% cometidos por homens, a maioria deles na faixa dos 15 aos 29 anos. No Brasil, o índice de suicídios em 2007 foi de 4,7 por 100 mil habitantes. Entre os indígenas, no mesmo ano, foi de 65,68 por 100 mil. Em 2008, o índice de suicídios entre os Guaranis Caiovás chegou a 87,97 por 100 mil, segundo dados oficiais. Os pesquisadores acreditam que os números devem ser ainda maiores, já que parte dos suicídios é escondida pelos grupos familiares por questões culturais. 

As lideranças Guaranis Caiovás não permaneceram impassíveis diante deste presente sem futuro. Começaram a se organizar para denunciar o genocídio do seu povo e reivindicar o cumprimento da Constituição. Até hoje, mais de 20 delas morreram assassinadas por ferirem os interesses privados de fazendeiros da região, a começar por Marçal de Souza, em 1983, cujo assassinato ganhou repercussão internacional. Ao mesmo tempo, grupos de Guaranis Caiovás abandonaram o confinamento das reservas e passaram a buscar suas tekohá, terras originais, na luta pela retomada do território e do direito à vida. Alguns grupos ocuparam fundos de fazendas, outros montaram 30 acampamentos à beira da estrada, numa situação de absoluta indignidade. Tanto nas reservas quanto fora delas, a desnutrição infantil é avassaladora. 

A trajetória dos Guaranis Caiovás que anunciaram sua morte coletiva ilustra bem o destino ao qual o Estado brasileiro os condenou. Homens, mulheres e crianças empreenderam um caminho em busca da terra tradicional, localizada às margens do Rio Hovy, no município de Iguatemi (MS). Acamparam em sua terra no dia 8 de agosto de 2011, nos fundos de fazendas. Em 23 de agosto foram atacados e cercados por pistoleiros, a mando dos fazendeiros. Em um ano, os pistoleiros já derrubaram dez vezes a ponte móvel feitas por eles para atravessar um rio com 30 metros de largura e três de fundura. Em um ano, dois indígenas foram torturados e mortos pelos pistoleiros, outros dois se suicidaram.  

Em tentativas anteriores de recuperação desta mesma terra, os Guaranis Caiovás já tinham sido espancados e ameaçados com armas de fogo. Alguns deles tiveram seus olhos vendados e foram jogados na beira da estrada. Em outra ocasião, mulheres, velhos e crianças tiveram seus braços e pernas fraturados. O que a Justiça Federal fez? Deferiu uma ordem de despejo. Em nota, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) afirmou que “está trabalhando para reverter a decisão”. 

Os Guaranis Caiovás estão sendo assassinados há muito tempo, de todas as formas disponíveis, as concretas e as simbólicas. “A impunidade é a maior agressão cometida contra eles”, afirma Flávio Machado, coordenador do CIMI no Mato Grosso do Sul. Nas últimas décadas, há pelo menos duas formas interligadas de violência no processo de recuperação da terra tradicional dos indígenas: uma privada, das milícias de pistoleiros organizadas pelos fazendeiros; outra do Estado, perpetrada pela Justiça Federal, na qual parte dos juízes, sem qualquer conhecimento da realidade vivida na região, toma decisões que não só compactuam com a violência , como a acirram.  

“Quando os pistoleiros não conseguem consumar os despejos e massacres truculentos dos indígenas, os fazendeiros contratam advogados para conseguir a ordem de despejo na Justiça”, afirma Egon Heck, indigenista e cientista político, num artigo publicado em relatório do CIMI. “No momento em que ocorre a ordem de despejo, os agentes policiais agem de modo similar ao dos pistoleiros, visto que utilizam armas pesadas, queimam as ocas, ameaçam e assustam as crianças, mulheres e idosos.”  

Ao fundo, o quadro maior: os sucessivos governos que se alternaram no poder após a Constituição de 1988 foram incompetentes para cumpri-la. Ao final de seus dois mandatos, Lula reconheceu que deixava o governo com essa dívida junto ao povo Guarani Caiová. Legava a tarefa à sua sucessora, Dilma Rousseff. Os indígenas escreveram, então, uma carta: “Presidente Dilma, a questão das nossas terras já era para ter sido resolvida há décadas. Mas todos os governos lavaram as mãos e foram deixando a situação se agravar. Por ultimo, o ex-presidente Lula prometeu, se comprometeu, mas não resolveu. Reconheceu que ficou com essa dívida para com nosso povo Guarani Caiová e passou a solução para suas mãos. E nós não podemos mais esperar. Não nos deixe sofrer e ficar chorando nossos mortos quase todos os dias. Não deixe que nossos filhos continuem enchendo as cadeias ou se suicidem por falta de esperança de futuro (…) Devolvam nossas condições de vida que são nossos tekohá, nossas terras tradicionais. Não estamos pedindo nada demais, apenas os nossos direitos que estão nas leis do Brasil e internacionais”. 

A declaração de morte dos Guaranis Caiovás ecoou nas redes sociais na semana passada. Gerou uma comoção. Não é a primeira vez que indígenas anunciam seu desespero e seu genocídio. Em geral, quase ninguém escuta, para além dos mesmos de sempre, e o que era morte anunciada vira morte consumada. Talvez a diferença desta carta é o fato de ela ecoar algo que é repetido nas mais variadas esferas da sociedade brasileira, em ambientes os mais diversos, considerado até um comentário espirituoso em certos espaços intelectualizados: a ideia de que a sociedade brasileira estaria melhor sem os índios. 

Desqualificar os índios, sua cultura e a situação de indignidade na qual vive boa parte das etnias é uma piada clássica em alguns meios, tão recorrente que se tornou quase um clichê. Para parte da elite escolarizada, apesar do esforço empreendido pelos antropólogos, entre eles Lévi-Strauss, as culturas indígenas ainda são vistas como “atrasadas”, numa cadeia evolutiva única e inescapável entre a pedra lascada e o Ipad – e não como uma escolha diversa e um caminho possível. Assim, essa parcela da elite descarta, em nome da ignorância, a imensa riqueza contida na linguagem, no conhecimento e nas visões de mundo das 230 etnias indígenas que ainda sobrevivem por aqui. 

Toda a História do Brasil, a partir da “descoberta” e da colonização, é marcada pelo olhar de que o índio é um entrave no caminho do “progresso” ou do “desenvolvimento”. Entrave desde os primórdios – primeiro, porque teve a deselegância de estar aqui antes dos portugueses; em seguida, porque se rebelava ao ser escravizado pelos invasores europeus. A sociedade brasileira se constituiu com essa ideia e ainda que a própria sociedade tenha mudado em muitos aspectos, a concepção do índio como um entrave persiste. E persiste de forma impressionante, não só para uma parte significativa da população, mas para setores do Estado, tanto no governo atual quanto nas gestões passadas.  
 “Entraves” precisam ser removidos. E têm sido, de várias maneiras, como a História, a passada e a presente, nos mostra. Talvez essa seja uma das explicações possíveis para o impacto da carta de morte ter alcançado um universo maior de pessoas. Desta vez, são os índios que nos dizem algo que pode ser compreendido da seguinte forma: “É isso o que vocês querem? Nos matar a todos? Então nós decidimos: vamos morrer”. Ao devolver o desejo a quem o deseja, o impacto é grande.  

É importante lembrar que carta é palavra. A declaração de morte coletiva surge como palavra dita. Por isso precisamos compreender, pelo menos um pouco, o que é a palavra para os Guaranis Caiovás. Em um texto muito bonito, intitulado Ñe'ẽ – a palavra alma, a antropóloga Graciela Chamorro, da Universidade Federal da Grande Dourados, nos dá algumas pistas: 
“A palavra é a unidade mais densa que explica como se trama a vida para os povos chamados guarani e como eles imaginam o transcendente. As experiências da vida são experiências de palavra. Deus é palavra. (...) O nascimento, como o momento em que a palavra se senta ou provê para si um lugar no corpo da criança. A palavra circula pelo esqueleto humano. Ela é justamente o que nos mantém em pé, que nos humaniza. (...) Na cerimônia de nominação, o xamã revelará o nome da criança, marcando com isso a recepção oficial da nova palavra na comunidade. (...) As crises da vida – doenças, tristezas, inimizades etc. – são explicadas como um afastamento da pessoa de sua palavra divinizadora. Por isso, os rezadores e as rezadoras se esforçam para ‘trazer de volta’, ‘voltar a sentar’ a palavra na pessoa, devolvendo-lhe a saúde.(...) Quando a palavra não tem mais lugar ou assento, a pessoa morre e torna-se um devir, um não-ser, uma palavra-que-não-é-mais. (...) Ñe'ẽ e ayvu podem ser traduzidos tanto como ‘palavra’ como por ‘alma’, com o mesmo significado de ‘minha palavra sou eu’ ou ‘minha alma sou eu’. (...) Assim, alma e palavra podem adjetivar-se mutuamente, podendo-se falar em palavra-alma ou alma-palavra, sendo a alma não uma parte, mas a vida como um todo.” 
A fala, diz o antropólogo Spensy Pimentel, pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, é a parte mais sublime do ser humano para os Guaranis Caiovás. “A palavra é o cerne da resistência. Tem uma ação no mundo – é uma palavra que age. Faz as coisas acontecerem, faz o futuro. O limite entre o discurso e a profecia é tênue.”

Se a carta de Pero Vaz de Caminha marca o nascimento do Brasil pela palavra escrita, é interessante pensar o que marca a carta dos Guaranis Caiovás mais de 500 anos depois. Na carta-fundadora, é o invasor/colonizador/conquistador/estrangeiro quem estranha e olha para os índios, para sua cultura e para sua terra. Na dos Guaranis Caiovás, são os índios que olham para nós. O que nos dizem aqueles que nos veem? (Ou o que veem aqueles que nos dizem?)
A declaração de morte dos Guaranis Caiovás é “palavra que age”. Antes que o espasmo de nossa comoção de sofá migre para outra tragédia, talvez valha a pena uma última pergunta: para nós, o que é a palavra?

fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/10/decretem-nossa-extincao-e-nos-enterrem-aqui.html 

visão / versão radicalmente diferente do mesmo episódio em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/titulo-falso-a-ilusao-de-um-paraiso

sábado, 6 de outubro de 2012

A mulher adúltera


Eduardo Ribeiro Mundim

Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras.
Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se assentou para ensiná-lo. Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos e disseram a Jesus: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? "
Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo.
Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela".
Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão.
Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele.
Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? "
"Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado".


Contexto

Este interessante e instrutivo episódio é objeto de algumas disputas teológicas. Como seu estilo difere do aplicado ao restante do Evangelho de João, muitos especialistas pensam ser ele um enxerto posterior. Esta ideia é suportada por dois fatos: o texto de Jo 7.53 a 8.11 não é encontrado em muitos manuscritos antigos e nem mencionado pelos “Pais da Igreja”. Não bastassem estes, em alguns autógrafos a história é narrada no Evangelho segundo Lucas. Contudo, a controvérsia não atinge nem a historicidade do evento nem a sua inspiração divinai.

No Evangelho Joanino, o episódio ocorre logo após a festa das cabanas1, em Jerusalém. Jesus propositadamente se atrasa, chegando na metade da festa a qual se dirige incógnito – apesar dos irmãos lhe terem sugerido que aproveitasse a ocasião (e provavelmente o momento positivo que era esta cerimônia em particular) e se revelasse ao mundo, já que desejava ter Sua mensagem recebida e reconhecida (Jo 7.3ss). Apesar da viagem discreta, de alguma forma Ele já era esperado por um número de judeus, que não tinham uma única opinião sobre o seu caráter: verdadeiro profeta ou um embuste?

No templo, Seu ensino é objeto de dupla avaliação. Alguns o admiram: “como foi que este homem adquiriu tanta instrução, sem ter estudado?” (Jo 7.15); outros o tem por endemoniado (7.20). O debate se alonga e Ele parece provocá-lo, no lugar de evitá-lo: expõe a intenção homicida de alguns; acusa outros de não cumprirem a Lei; expõe a contradição entre a ideia prevalente da guarda do sábado (que beira à idolatria) e significado da cura realizada neste dia; usa uma linguagem que O aproxima demais de Deus.

Os versos 25 a 27 do capítulo 7 parecem sugerir que a multidão apoia sua detenção pelas autoridades, e a demora das mesmas em efetuar a prisão a deixa a situação ainda mais confusa, pois subentende a possibilidade delas terem reconhecido Seu ensino. Na contramão deste povo, os guardas enviados para encarcerá-lo voltam de mãos vazias: não é possível prender quem fala como Ele fala (7.46), mesmo que aos olhos do poder constituído Ele nada seja.

Afinal, é Ele o messias ou não? Seu ensino é carregado de valor, mas é necessário que o Cristo seja da família de Davi – e Ele é tido como da Galileia, sua terra adotiva. E por um erro da cúpula dos religiosos, não se admite a existência de um profeta daquela região2, rica, integrada à rede de comércio da época, ladeada por nações pagãs e com judeus de pureza duvidosaii.

O episódio da mulher adúltera parece ocorrer no dia seguinte à discussão entre os fariseus e chefes dos sacerdotes sobre quem Ele é, e o que fazer com Ele. Sem um acordo, após a tentativa de Nicodemos de defendê-lo, cada um se dirige para sua casa.


A mulher no Novo Testamentoiii

A imagem da mulher no ambiente judaico da época de Jesus não era muito favorável.

Teologicamente, era considerada como a responsável pela queda da humanidade. Assim sendo, alguns rabinos defendiam que a maldade do homem era melhor que a virtude da mulher e que um judeu piedoso deveria agradecer diuturnamente o fato de não ter nascido mulher, ou pagão, ou desconhecer a Lei. Tomando Gn 3.16 como motivação, o Midrache ensinava que “nunca Deus se dispôs a conversar com uma mulher, com exceção de Sara, e isto por causa do erro dela”.

Na esfera pública, seu testemunho era inferior ao do homem. Aliás, o espaço público não era o ambiente adequado para ela, que deveria ficar restrita ao lar.

Na sinagoga, sua presença não contava para o quorum de doze adultos necessários para se iniciar os trabalhos. Não eram admitidas na parte central e não podiam fazer a leitura da Lei durante o culto. Muitos discutiam a utilidade de ensiná-la a elas e o talmude de Jerusalém afirmava ser melhor queimar a Torah do que entregá-la às mulheres.


Um episódio violento

Todo o episódio transpira violência desde o contexto imediato.

Observando o texto, Jesus está ensinando a multidão quando uma mulher lhe é trazida e “a obrigaram a ficar em pé no meio de todos” (versão Nova Tradução na Linguagem de Hoje, SBB). Os acusadores não chegam com a mulher em silêncio e aguardam o momento de levarem a Jesus a questão; o texto permite imaginar que eles irrompem na cena e a seguram (de que outra maneira poderiam obrigá-la a permanecer em pé?).

A ameaça de execução deve ser levada à sério. A presença dos soldados romanos não impediram a execução de Estêvão, alguns anos mais tarde (At 6-7); Paulo foi apedrejado (II Co 11.25). Não há nenhuma razão para cogitar que a turba, se autorizada por Jesus, não a executaria.

A terceira violência é a injustiça: onde estava o parceiro no adultério? Tanto Lv 18.20 quanto Dt 22.22 estipulam pena de morte para a mulher casada e o homem que com ela se deita. Como foi possível capturá-la, e a ele, não? Conseguira fugir “com as calças na mão?” Se ele não estava presente, ou não foi visto no ato, como poderiam honestamente acusá-la?

A quarta, a insistência. Jesus somente se manifesta após os acusadores – a elite religiosa – demandar-lhe uma resposta (v. 7) para uma questão armada, capciosa, sem interesse, nem na preservação da Lei, nem no cuidado pastoral dos culpados.


A acusação

Alguns comentaristas supõe que a festa dos tabernáculos possa ter tomado ares bastante profanos para muitos, e a vivência em tendas, de certa forma a essência da festa, facilitado diversas possibilidades de orgiasiv. O contexto da história de adultério não é nem sequer sugerido. Um casal infeliz? Uma esposa repudiada? Um marido impotente, ou infiel, ou que não a amava? O adúltero era seu “verdadeiro amor”? Uma esposa infiel de longa data? Mas dos dois textos mosaicos que condenam à morte os adúlteros, Lv 18.20 e Dt 22.23, apenas o segundo explicita o modo de execução. E esta situação trata da noiva que se deita com um homem na cidade, onde pode gritar por socorro. Segundo alguns, nos textos que tratam de crimes capitais e o modo de execução não é detalhado, este seria o estrangulamento4.

Os escribas e fariseus apresentaram supostamente um caso perfeito. A mulher certamente era culpada – ou, pelo menos, sua inocência estava difícil de ser apoiada. Certamente todo o preconceito contra o sexo feminino estava em ação, assim como sua coisificação: a mulher como propriedade. Não havia Eva levado Adão a pecar? Mais uma vez a história se repetia, e na punição dela estava a revanche tardia do homem, a sua vingança. O clamor social pedia a punição para o crime certo.

E é interessante notar que, provavelmente, o povo que estava sendo ensinado antes da chegada dos acusadores, toma partido destes – se não for assim, porque todos se retiram ao final da história, deixando Jesus e a mulher a sós? Mesmo que sem expressar publicamente esta visão, todos sentem-se culpados e ninguém se alegra com a possibilidade do perdão.

Outra hipótese: todo o povo entende a armadilha montada, e teme serem chamados a se posicionarem da mesma forma que Jesus é convocado.

E qual é a armadilha?

A disposição da Lei é clara, no que diz respeito aos adúlteros. Portanto, porque os escribas e fariseus perguntam qual é o parecer de Jesus?

Não parece que havia, àquela época, discussão teológica a este respeito. A questão não era acadêmica, era legal. Eles não levaram uma disputa teológica, como a questão do divórcio e do casamento dos divorciados; levaram uma questão legal onde o senso comum já determina o desfecho.

No Sermão da Montanha Jesus iguala o olhar do homem para a mulher de modo impuro com o adultério enquanto fato. Mas suas palavras para os pecadores, principalmente os arrependidos, são sempre de ternura e compaixão. E no mesmo Sermão, Ele usa por diversas vezes o refrão “ouviram o que foi dito aos seus antepassados...mas eu lhes digo” (Mt 5.21,27,31,33,38,43), e ainda salienta a permanência da Lei “até que tudo se cumpra” (Mt 5.18). E, para piorar, comia com publicanos e pecadores (Mt 9.11) e afirma que as meretrizes entrarão no Reino antes dos fariseus (Mt 21.31).

Ele é chamado a se pronunciar tendo, de um lado a Lei de Moisés, e do outro Seu próprio ensino. Não fosse a disposição homicida dos acusadores, a questão teria seu mérito acadêmico. Afinal, até hoje a relação entre o Evangelho e a Lei é ponto de debatev. Como Ele concilia Seu ensino e a Lei? E é exatamente a dupla intenção assassina, a mulher e Ele estavam correndo risco, que sinaliza a não disposição em aprender, a humildade da busca do saber – eles queriam um modo de poder acusá-lo, pois não o haviam conseguido no dia anterior. E no dia anterior os guardas enviados não puderam prendê-Lo porque Sua autoridade era por demais evidente (Jo 7.46), ou pelo menos o seu discurso era de tal forma inédito, no conteúdo e na forma, que deixava a todos imobilizados. Quebrar a Lei seria trincar esta autoridade e macular Seu ensino.

Tu, pois, que dizes?”. Os acusadores se apoiam em Moisés; em quem Ele se apoiaria? Declararia sua messianidade? Diria “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30), ou “quem vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9), ou “novo mandamento vos dou, não apedrejareis”? Sobre quem lançaria a responsabilidade por aquela decisão?


O embate

Jesus somente se manifesta após insistentemente provocado. É possível imaginar o barulho crescente da turba, a animosidade cada vez maior, as emoções dominando mentes e corações. Estaria a multidão perdendo o controle?

Jesus se posiciona sentado, escrevendo no chão com o dedo. Inútil tentar adivinhar o que rascunha: uma lista de pecados dos acusadores? Os nomes dos adúlteros não descobertos que a acusam? Diversos ensinos? Desenhos ao acaso? Palavras soltas? As Escrituras nem remotamente levantam qualquer possibilidade. Contudo, alguns manuscritos antigos acrescentam que Ele transcreve os pecados ocultos dos acusadores; outros sugerem que Ele se abstraía, sai de cena como se não estivesse prestando atenção, como se fosse tudo aquilo insignificante4. Santo Agostinho propõe que Ele estabelece um contraste com Deus no Velho Testamento: lá, a Lei foi escrita em pedra; aqui, é escrita no coração do homem, representado pelo pó usado como papelvi.

Não sendo possível saber o que Ele rabisca, é lícito supor que João quer chamar a atenção para o fato: Ele redige com o dedo. É o ato divino na Velha Aliança: é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó que escreve Sua vontade com Seu dedo. Manobra sutil, teológica, subliminar, como o ato de fazer lama para curar o cego em Jerusalémvii.

A resposta, insistentemente cobrada, escapa às possibilidades aventadas pelos acusadores: apoiar Moisés, ou não. A inocência deles a este respeito desperta a suspeita que, de fato, a mensagem de Jesus não lhes chegava ao coração, nem como hipótese acadêmica, se forem verdades duas assunções: que o assim chamado Sermão da Montanha já tinha ocorrido (altamente provável, pois Mateus o situa no início do Seu ministério) e que era largamente conhecido já naquela época (provável, pelo menos de maneira genérica pelos seus inimigos que acompanham sua carreira – se assim não fizessem, como poderiam Lhe ser contrários?). Pois ela se encaixa perfeitamente ao ritmo do “ouviram o que foi dito aos seus antepassados...mas eu lhes digo”, sendo uma aplicação lógica do Seu ensino: “se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”.

Ele não nega a Lei mosaica – propõe que ela seja aplicada como prescrita: as testemunhas da ofensa capital eram as primeiras a atirar pedras, um ato de assumir a responsabilidade pessoal sobre a veracidade da denúncia e do pecado. Mas lhes propõe uma questão: quem não pecou? E a proposta é genérica: “se algum de vocês estiver sem pecado” e não “se algum de vocês não tiver adulterado”. Iniciar a lapidação, após a resposta, é confessar-se puro e imaculado, uma impossibilidade completa para qualquer judeu piedoso e uma armadilha em uma sociedade teocrática. Pois nesta sociedade, a noção de pecado universal faz parte do seu inconsciente coletivo, e todo ordenamento religioso busca a expiação permanente dos mesmos. Jesus devolve-lhes a armadilha montada; arapuca por arapuca, a dEle é superior.

É curioso que, neste momento, os acusadores se imobilizam, incapazes de reagir. Reconhecer que Jesus fugiu da questão é fácil, porque é fato: Ele não a respondeu nos moldes apresentados, e esta atitude poderia ter sido colocada. Por que foi tão fácil desarmá-los?

Talvez porque foram inocentes, despreparados para um debate real, pois imaginam a situação que Lhe propuseram “um beco sem saída”. O flagrante de adultério foi uma oportunidade ao acaso que surge a eles, que, sem refletirem calmamente sobre as possibilidades e preverem possíveis outros desdobramentos (no lugar de somente dois: o apedrejamento dela e/ou uma acusação por desprezar a Lei) impetuosamente introduzem a questão no templo.

Talvez porque os acontecimentos do dia anterior ainda estejam frescos na memória de todos. Jesus discutiu firmemente com seus oponentes, com tal autoridade que, apesar de poder ser cotado como um “João Ninguém” por eles, a força policial não teve condições morais de detê-Lo.

Talvez porque Ele, ao levantar-se, demonstre sua disposição de enfrentá-los como já o fizera no dia anterior. Apesar do evangelista não descrever pormenores, é coerente imaginar que Jesus os olha nos olhos, como pessoas, e não como multidão. “Eu os conheço, assim como vocês se conhecem” pode ser a mensagem subliminar que passa.

Talvez porque ao sentar-Se novamente, e retomar a escrita, reforce o contra desafio lançado: “Eu sei o que vocês fazem, mas vocês nada sabem de mim, tanto que procuram fabricar algo para terem o que usar”. Postura de quem nada teme, nem mesmo um ataque físico à traição.

Talvez porque, de alguma forma, a multidão (aí composta por aqueles que O escutavam antes da chegada da acusada, pelos acusadores e pelos demais que se achegaram para o espetáculo) ainda tem senso de decência. Surpreendidos pela resposta previsível, é desmobilizada pelos mais velhos presentes, que são os primeiros a se afastar. Psicologicamente falando, é neste momento que a força da turba se quebra, sua intenção homicida se esvai.

Sua prisão na páscoa talvez sirva de contraponto para entender este momento. Ele foi preso à noite, quando estava só. Apenas em uma ocasião como esta foi possível subjugá-Lo fisicamente: uma tropa policial o cerca, conduzida por um dos seus (e ela não sabe identificá-Lo, é necessário um traidor para tal – nesta ocasião, o “trabalho” foi bem arquitetado. Um grupo que não O conhece cumpre a missão, planejada em detalhes).


A Mulher

Nenhum dos acusadores permanece.

Jesus se dirige a acusada como “mulher”. É o mesmo termo que usou para se dirigir a sua mãe, durante a festa de casamento na cidade de Caná, na Galileia (Jo 2.4). Na língua grega o termo tem vários usos, inclusive como forma polida de tratamentoviii,ix. Dentro do contexto imediato, e tendo na lembrança todos os encontros entre Jesus e as mulheres, neste momento “mulher” poderia ser substituída por “minha senhora”. Sendo assim, há um enorme contraste entre os dois modos de tratá-la: a turba, que a trouxe com violência, como objeto a ser usado, e Jesus, que a vê com compaixão e respeito – mesmo que ela seja uma adúltera.

Esta mulher, sem nome, provavelmente não acredita no que está acontecendo. É bastante razoável supor que ela se deva como morta. E agora, está viva, sem acusadores, no templo.

Jesus também não procura conhecer a história da mulher, sua motivações ou justificativas. Simplesmente encerra este trágico acontecimento na vida dela. Pergunta aquilo que ambos já sabem: onde estão os acusadores? Ninguém a condenou?

Ela responde apenas a última, não há condenação. Também não procura explicar-se, nem tão pouco saiu correndo em direção contrária à da turba.

O que ela não sabe é o que Ele dirá. Um sermão? Uma penitência?

O diálogo é curto. Jesus afirma não ser um juiz da causas criminais, como não é das cíveis (Lc 12.13-14): ”eu também não a condeno”. Ou, respeitando o contexto, pode ser entendido por: “não a apedrejarei pelo erro que cometeu”.

Mas reafirma que o adultério é um erro: “não faça mais isto”. Simples recomendação, sem enfeites, sem recursos de linguagem, sem ameaças ou chantagem. Parece haver, subliminarmente, uma oferta de perdão, uma sugestão para mudança de vida 3.

1Durava 7 dias, e relembrava aos israelitas sua peregrinação no deserto – 40 anos, e o uso das moradias de palhas. O último dia era o mais solene de todos.
2O profeta Jonas era da Galileia
3 A Nova Versão Internacional escolheu traduzir o “e não peques mais” por “abandone sua vida de pecado”, sugerindo que o adultério não foi uma única vez.

iBíblia de Jerusalém, 9ª ed, Edições Paulinas, SP, comentário pg 2005, 1985.
iiNovo Dicionário da Bíblia, vol II, pg 650-1, Ed Vida Nova, 1979.
iiiGerstenberger ES, Schrage W. Mulher e homem. Ed Sinodal, São Leopoldo, RS, 1981, pg 84-86
vPor exemplo, Biernert D, A descontinuidade e a continuidade da lei mosaica na vida do cristão: uma perspectiva paulina. Vox Scripturae 7(2):29-50, 1997
ixDicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol III, pg 216, Ed Vida Nova, 1989

EBD, 07/10/12

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Universidade rejeita acusações contra estudo que revela drama da "paternidade" gay

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Universidade rejeita acusações contra estudo que revela drama da "paternidade" gay

Mark Regnerus
Texas, 03 Set. 12 / 04:32 pm (ACI/EWTN Noticias).- Depois de uma pesquisa oficial, a Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos) rejeitou as acusações de má conduta científica realizada por um ativista homossexual contra o professor de sociologia Mark Regnerus, logo depois da publicação de um estudo no qual encontrou resultados negativos na vida de crianças cujos pais eram casais do mesmo sexo.

O responsável de integridade da pesquisa da universidade, Robert Peterson, indicou que "revisou cuidadosamente" toda a informação disponível, e discutiu o caso com outros membros da mesa de pesquisa.

"Concluí que o professor Regnerus não cometeu má conduta científica", assinalou em um memorando dirigido às autoridades da universidade, em 24 de agosto.

O estudo de Regnerus recolheu informação do Estudo de Novas Estruturas Familiares, que examinou os resultados da vida de 3000 americanos entre 18 e 39 anos.

Regnerus encontrou que os lares encabeçados por pais de qualquer sexo, que estão comprometidos em relações homossexuais, mostram grande instabilidade.

O estudo descobriu diferenças "estatisticamente significativas" em 25 dos 40 resultados, entre crianças que cresceram com pais casados, de sexos opostos, e aquelas que cresceram com uma relação que tinha uma mãe envolvida em uma relação homossexual.

As crianças de lares com relações homossexuais femininas mostraram mais problemas de saúde física e mental, mais instabilidade nas relações românticas, e uma média inferior de ganhos econômicos ao alcançar a vida adulta.

Estas pessoas também mostraram altos níveis de desemprego, vício ao cigarro, necessidade de assistência pública e vinculação em crimes.

O ativista e blogueiro Scott Rose denunciou a Regnerus por supostas violações éticas, em uma carta remetida ao presidente da Universidade do Texas, Bill Powers. As autoridades universitárias se reuniram com Rose para dialogar sobre suas acusações.

Entretanto, Robert Peterson assinalou que "nenhuma das acusações de má conduta científica realizadas por Rose foi fundamentada, já seja por informação física, materiais escritos ou informação provida durante as entrevistas".

"Muitas das acusações estiveram expressamente fora do âmbito da pesquisa", indicou.

Peterson disse que Rose achava que a pesquisa de Regnerus tinha "graves deficiências" e "inferiu que poderia haver má conduta científica".

"De qualquer forma, não há evidencia para apoiar essa inferência", indicou.

Peterson acrescentou que qualquer problema com a pesquisa e a análise de Regnerus deveria ser deixado aos debates acadêmicos e futuras pesquisas.

Por sua parte, David Hacker, advogado principal do grupo de liberdade religiosa Alliance Defending Freedom, elogiou o resultado da pesquisa.

"As universidades dos Estados Unidos devem servir sempre para buscar a verdade, mercados de ideias livres", disse em 29 de agosto.

"Discrepar com as conclusões de um estudo não é campo para denúncias de má conduta científica; portanto não estamos surpreendidos de que essas acusações fossem declaradas sem fundamento".

A pesquisa envolveu um tempo e esforço significativo. Toda a informação dos computadores de Regnerus, incluindo seu correio eletrônico e documentos foram sequestrados.

A universidade criou um grupo de membros principais da faculdade para assessorar o processo de pesquisa, e a universidade manteve um consultor experiente independente, para monitorar a pesquisa.

As autoridades pesquisadoras entrevistaram tanto a Regnerus como a Rose. As entrevistas foram gravadas e transcritas por um jornalista da corte, revelou o memorando do Peterson.

O diretor e vice-presidente da Universidade, Steven Leslie, disse que aceitou a conclusão de Peterson, de que não há evidência de má conduta, em um memorando de 28 de agosto.

"Consequentemente, o caso está fechado", disse Leslie.

O relatório inicial sobre as descobertas de Regnerus gerou a reação do lobby gay. A Campanha de Direitos Humanos e a Aliança de Gays e Lésbicas contra a Difamação criticaram o relatório da pesquisa.

Um grupo de 18 cientistas sociais assinaram uma declaração de apoio a Regnerus em junho. Eles admitiram que seu estudo tem limitações, mas eles consideraram que muitas das críticas contra ele eram "injustificadas".

Em uma entrevista dada a EWTN News em 12 de junho, Regnerus disse que começou seu projeto "sem ideia do que a informação revelaria".

Em seu anúncio da pesquisa em junho, Regnerus disse que sua descoberta "mais significativa" é "discutivelmente que as crianças parecem mais aptas para ter êxito como adultos quando passam suas vidas com seu pai e mãe casados, e especialmente quando os pais permanecem casados até a atualidade".