Eduardo Ribeiro Mundim
Em uma recente polêmica
no espaço do leitor (n
1, n
2, n
3), foram levantadas algumas questões envolvendo a doação de
órgãos e a morte cerebral. A opinião mais assertiva foi “extrair
órgãos de alguém declarado 'encefalicamente morto'(sic), ou
'percentualmente morto'(sic), ou 'parcialmente morto'(sic), ou
'fracionadamente morto'(sic), ou 'semimorto'(sic), ou
'quase-morto'(sic), constitui uma inaceitável aberração, MÁXIME
NO ÂMBITO E SOB A ÓTICA BÍBLICO-CRISTÃ.”
É esta a questão que
quero discutir.
As Escrituras usam o
termo “morte” em dois universos: a morte física e a espiritual.
A primeira, decorrente do processo de viver (pode ser discutido se
esta morte existia no Éden ou não, se é punição pelo pecado ou
não). A segunda, inquestionavelmente, punição pelo pecado. A
primeira, uma porta; a segunda, uma “existência” (ou
“não-existência”).
As Escrituras não dizem
como diagnosticar que alguém está fisicamente morto; mas ensinam
como cada um pode se perceber espiritualmente vivo, ou morto.
A morte sempre foi vista
como um fato simples, até há algumas décadas. Um moribundo estava
mais próximo da morte, mas estava vivo. Quando seu coração não
mais batia, estava morto. Imediatamente? Alguns segundos depois?
Buscando novas formas de
tratamento, passou a ser possível sustentar pessoas incapazes de
respirar por si mesmas, ou incapazes de manter a circulação
funcionando sem medicamentos específicos, ou incapazes de se
manterem conscientes por um tempo. Foi percebido que a morte
biológica é um processo contínuo, que pode ser retardado, mas
nunca evitado. Foi percebido que é possível manter a circulação e
a respiração, mas não a consciência em nenhum nível. Caso o
suporte cardiorrespiratório cesse, a morte como sempre foi percebida
ocorre.
Ainda que questionável
em diversos aspectos, morte cerebral significa exatamente isto: não
há possibilidade do cérebro retomar nem um mínimo de funcionamento
que for. A circulação e a oxigenação (não respiração) ocorrem
de modo artificial – se os meios que os mantém forem suspensos, a
desintegração biológica do corpo terá início (a morte
“clássica”).
Não há “quase morto”,
ou “percentualmente morto” - há um processo contínuo que pode
ter sua velocidade modificada.
Neste momento entra a
doação de órgãos: não existe a remota chance do cérebro retomar
a consciência no seu nível mais elementar (uma das definições de
morte cerebral, que pode ser questionada) e as atividades vitais são
sustentadas exclusivamente pelo uso da tecnologia. É o evitamento da
consumação, inevitável, da morte física (e não espiritual,
decidida antes).
É neste hiato que a
doação, eticamente efetuada, em acordo com os procedimentos legais
instituídos, ocorre.
E não foi apontado por
quê esta prática contraria as Escrituras. Apenas foi pontificado
que contraria, mas as razões não foram dadas.
A bíblia:
- não traz proibição
nem implícita nem sugerida à doação de órgãos;
- explicita a necessidade
do cuidado mútuo, da solidariedade, do cuidado com o mais fraco e
desafortunado;
- ensina a ressurreição
de todos, e é sólida a interpretação de que novos corpos, que não
guardam continuidade com o já desaparecido, serão dados
Repito a pergunta: onde
está a incompatibilidade?
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