Eduardo Ribeiro Mundim
(reação ao publicado em http://crerpensar.blogspot.com.br/2014/03/visao-mundial-usa-volta-atras-na.html)
Conheço
a Visão Mundial bastante superficialmente. Aceito-a como instituição
séria, e a respeito por isto. Como toda obra humana, há falhas,
algumas respingam sobre a instituição (como as críticas no livro
"Em busca de um final feliz" de Katherine Boo, Editora
Novo Conceito), mas estes problemas pertencem a nossa humanidade.
Desconhecia que era exigido dos seus membros compromissos éticos específicos alheios à ação social. Não sabia que a vida privada era matéria de escrutínio e vigilância. Pelo menos é assim que interpreto "nossa política de emprego antiga que requer abstinência sexual para todos os funcionários solteiros e fidelidade dentro do pacto bíblico do matrimônio entre um homem e uma mulher. " Requerer é, entre outros significados, "demandar", "exigir". O que é exigido pode ser cobrado, verificado, questionado. Pergunto-me se todas as Visões Mundiais mundo afora atuam desta mesma maneira.
Causa-me desconforto o que está nas entrelinhas: o cristão homossexual que vive uma relação análoga à do casamento não respeita as Escrituras como norma absoluta de fé e prática. As entrelinhas permitem concluir que não há outra interpretação possível, tornando a interpretação tradicional de condenação absoluta e sem rodeios da atividade homossexual (leia-se relação sexual entre pessoas do mesmo sexo) intocável e irretocável. Ou seja, santifica-se uma interpretação tradicional e demoniza qualquer outra, em que base for, como insubmissa à autoridade das Escrituras. O correto seria afirmar que a organização demanda um compromisso com uma interpretação bíblica específica, majoritariamente aceita.
A
Visão Mundial está falando de "política de emprego".
Portanto, entendo que a Visão Mundial EUA somente emprega cristãos
professos - espero que somente os empregue se forem
profissionalmente, na área que interessa à organização,
competentes.
Certamente
é seu direito tomar esta atitude. Certamente é seu direito
contratar apenas cristãos confessos (pergunto-me se ela considera
cristãos os católicos romanos e ortodoxos, ou se, para manter o seu
"forte compromisso com a autoridade bíblica", não
considera possível haver cristãos nestas denominações).
Pergunto-me que tipo de testemunho a sociedade em geral terá deste
particular, pois fica uma amálgama entre a fé cristã e o trabalho
social, uma confusão sobre a missão da Visão. Pensava que era
fazer o amor de Cristo concreto junto aos mais pobres; entendo que é
fazer o amor de Cristo concreto junto aos mais pobres apenas por
aqueles que O professam através de alguma denominação evangélica.
Implicitamente a organização está permitindo que se entenda que
Deus não age através daqueles que não são Seus filhos (o que é
um absurdo do ponto da Sua soberania); que não é possível a
associação para fins de serviço ao pobre e necessitado entre
diferentes interpretações do texto bíblico em aspectos periféricos
(sim, sexualidade é periférico nas Escrituras, ao menos no quesito
justificação / salvação. Quanto à santificação, é tarefa
exclusiva do Santo Espírito, que age como, quando e onde Ele
entender que deve, sem necessitar explicar-Se); que perder o emprego
na Visão Mundial por ser homossexual não celibatário, que vive em
santidade uma relação análoga à do casamento, é compatível com
"ser tratado com dignidade e respeito".
Desconheço
o histórico da decisão reformada por esta declaração. A
instituição não a tornou pública. Ao fazê-lo, ou pediu que os
leitores não pensassem, ou assumiu os riscos dos leitores imaginarem
o que ocorreu. Emite uma nota pública de arrependimento e de
cancelamento de uma decisão para a qual "não procuraram
aconselhamento suficiente", e isto apenas dois dias após a
publicação da decisão!
Como
a nota não me dá alternativas, imagino o que ocorreu.
Parece
que a Visão Mundial EUA teve o seu “momento Petrobrás”: tomou
uma decisão de importância significativa para o público
evangélico, notadamente norte-americano, sem consultas adequada. Uma
empresa do seu porte, com a sua história, e importância para o
mundo. Sinceramente, não quero acreditar que houve um lampejo de
“momento Petrobrás”, pois a única alternativa a ele seria a
renúncia dos responsáveis em caráter irrevogável, por imprudência
ou imperícia na condução da decisão.
Opto
por imaginar que houve um movimento de chantagem de rápida
velocidade, onde a sobrevivência da instituição, ou a permanência
nos postos dos responsáveis por ela, foi / foram seriamente
ameaçadas.
Opto
por imaginar que os responsáveis ousaram dar um passo bem pensado,
mas faltou-lhes determinação para arcar com os custos do dano à
imagem da Visão Mundial frente a igreja evangélica norte-americana.
À imagem, e não à capacidade laborativa ou de testemunho do amor
de Deus aos mais pobres.
O
episódio é triste.
É
triste ter que imaginar o que aconteceu, e ficar na ignorância,
supondo, sem realmente saber.
É
triste pensar que uma empresa cristã de ajuda humanitária tenha
sofrido “um momento Petrobrás”.
É
triste intuir que uma empresa cristã de auxílio aos mais pobres
tenha um comportamento de comunidade de fé, e como tal vigie a vida
privada dos seus funcionários / membros.
Qual
será a repercussão de tudo isto na vida dos cristãos homossexuais?