sábado, 29 de março de 2014

Comentários sobre "Visão Mundial USA volta atrás na decisão de contratar casados com pessoas do mesmo sexo"

Eduardo Ribeiro Mundim
(reação ao publicado em http://crerpensar.blogspot.com.br/2014/03/visao-mundial-usa-volta-atras-na.html)


Conheço a Visão Mundial bastante superficialmente. Aceito-a como instituição séria, e a respeito por isto. Como toda obra humana, há falhas, algumas respingam sobre a instituição (como as críticas no livro "Em busca de um final feliz" de Katherine Boo, Editora Novo Conceito), mas estes problemas pertencem a nossa humanidade.

Desconhecia que era exigido dos seus membros compromissos éticos específicos alheios à ação social. Não sabia que a vida privada era matéria de escrutínio e vigilância. Pelo menos é assim que interpreto "nossa política de emprego antiga que requer abstinência sexual para todos os funcionários solteiros e fidelidade dentro do pacto bíblico do matrimônio entre um homem e uma mulher. "  Requerer é, entre outros significados, "demandar", "exigir". O que é exigido pode ser cobrado, verificado, questionado. Pergunto-me se todas as Visões Mundiais mundo afora atuam desta mesma maneira.

Causa-me desconforto o que está nas entrelinhas: o cristão homossexual que vive uma relação análoga à do casamento não respeita as Escrituras como norma absoluta de fé e prática. As entrelinhas permitem concluir que não há outra interpretação possível, tornando a interpretação tradicional de condenação absoluta e sem rodeios da atividade homossexual (leia-se relação sexual entre pessoas do mesmo sexo) intocável e irretocável. Ou seja, santifica-se uma interpretação tradicional e demoniza qualquer outra, em que base for, como insubmissa à autoridade das Escrituras. O correto seria afirmar que a organização demanda um compromisso com uma interpretação bíblica específica, majoritariamente aceita.

A Visão Mundial está falando de "política de emprego". Portanto, entendo que a Visão Mundial EUA somente emprega cristãos professos - espero que somente os empregue se forem profissionalmente, na área que interessa à organização, competentes.

Certamente é seu direito tomar esta atitude. Certamente é seu direito contratar apenas cristãos confessos (pergunto-me se ela considera cristãos os católicos romanos e ortodoxos, ou se, para manter o seu "forte compromisso com a autoridade bíblica", não considera possível haver cristãos nestas denominações). Pergunto-me que tipo de testemunho a sociedade em geral terá deste particular, pois fica uma amálgama entre a fé cristã e o trabalho social, uma confusão sobre a missão da Visão. Pensava que era fazer o amor de Cristo concreto junto aos mais pobres; entendo que é fazer o amor de Cristo concreto junto aos mais pobres apenas por aqueles que O professam através de alguma denominação evangélica. Implicitamente a organização está permitindo que se entenda que Deus não age através daqueles que não são Seus filhos (o que é um absurdo do ponto da Sua soberania); que não é possível a associação para fins de serviço ao pobre e necessitado entre diferentes interpretações do texto bíblico em aspectos periféricos (sim, sexualidade é periférico nas Escrituras, ao menos no quesito justificação / salvação. Quanto à santificação, é tarefa exclusiva do Santo Espírito, que age como, quando e onde Ele entender que deve, sem necessitar explicar-Se); que perder o emprego na Visão Mundial por ser homossexual não celibatário, que vive em santidade uma relação análoga à do casamento, é compatível com "ser tratado com dignidade e respeito".

Desconheço o histórico da decisão reformada por esta declaração. A instituição não a tornou pública. Ao fazê-lo, ou pediu que os leitores não pensassem, ou assumiu os riscos dos leitores imaginarem o que ocorreu. Emite uma nota pública de arrependimento e de cancelamento de uma decisão para a qual "não procuraram aconselhamento suficiente", e isto apenas dois dias após a publicação da decisão!

Como a nota não me dá alternativas, imagino o que ocorreu.

Parece que a Visão Mundial EUA teve o seu “momento Petrobrás”: tomou uma decisão de importância significativa para o público evangélico, notadamente norte-americano, sem consultas adequada. Uma empresa do seu porte, com a sua história, e importância para o mundo. Sinceramente, não quero acreditar que houve um lampejo de “momento Petrobrás”, pois a única alternativa a ele seria a renúncia dos responsáveis em caráter irrevogável, por imprudência ou imperícia na condução da decisão.

Opto por imaginar que houve um movimento de chantagem de rápida velocidade, onde a sobrevivência da instituição, ou a permanência nos postos dos responsáveis por ela, foi / foram seriamente ameaçadas.

Opto por imaginar que os responsáveis ousaram dar um passo bem pensado, mas faltou-lhes determinação para arcar com os custos do dano à imagem da Visão Mundial frente a igreja evangélica norte-americana. À imagem, e não à capacidade laborativa ou de testemunho do amor de Deus aos mais pobres.

O episódio é triste.

É triste ter que imaginar o que aconteceu, e ficar na ignorância, supondo, sem realmente saber.

É triste pensar que uma empresa cristã de ajuda humanitária tenha sofrido “um momento Petrobrás”.

É triste intuir que uma empresa cristã de auxílio aos mais pobres tenha um comportamento de comunidade de fé, e como tal vigie a vida privada dos seus funcionários / membros.

Qual será a repercussão de tudo isto na vida dos cristãos homossexuais?

Nenhum comentário:

Postar um comentário