Eduardo Ribeiro Mundim
Crise não é a mesma para todos os membros de determinada cultura, ou cidadãos de um mesmo país. Subculturas podem passar por crises específicas, que não atingem a sociedade como um todo, assim como podem ser poupadas daquelas que afligem a cultura maior.
Dentro da subcultura evangélica, penso que levam a uma crise específica deste setor:
1. As igrejas (ou seitas) neopentecostais. Chamadas pelo bispo anglicano, e professor universitário, Robinson Cavalcanti de neo-pós-iso-pseudo-pentecostalismo trazem uma grande confusão para o público não-evangélico, e também para o evangélico menos esclarecido. A identidade protestante da IURD e semelhantes é bastante questionável. Ainda que aquela estampe em sua fachada "Jesus é Senhor", suas práticas não respeitam o princípio de "somente a Escritura" na construção de sua teologia, assim como o uso de recursos mágicos dignos da igreja pré-lutero. Os evangélicos menos atentos a detalhes facilmente aceitam a identidade evangélica delas, e a grande massa que nem sequer tem ideia do que é a igreja protestante (genericamente denominada "crentes") aceitam automaticamente. A repetição nauseante na mídia, habitualmente em notícias desastradas, acaba trazendo um desconforto duplo aos protestantes históricos e pentecostais: a tarefa de explicar que "eles não são tão crentes assim...", além de negar as práticas mágicas e a blasfema teologia da prosperidade. Um sentimento de ausência de defesa, de falta de delimitação de territórios, de fragilidade da identidade protestante acaba sendo injetada sutilmente, forçando a um exercício frequente de reforço doutrinário e de identidade para si mesmo - além de um preparo apologético para reforçar "eles não são iguais a nós". E como o Espírito sopra como vento, que não se sabe de onde vem nem para onde vai, há verdadeiros cristãos nestas igrejas-seitas, através do qual Deus opera. O não cristão Luiz Felipe Ponde, articulista da Folha de São Paulo, em artigo recente, pondera: "O que é uma espiritualidade mesquinha? ...é, antes de tudo, uma forma de crença que deforma a face do crente, iluminando seus caninos ocultos. Aquela que sempre medita com o objetivo de nos tornar mais poderosos e bem sucedidos. Esta praga espiritual está em toda parte, porque, simplesmente, não conseguimos entender que, para salvarmos a nossa vida, temos de perdê-la".
2. A síndrome da igreja única. Aspiração oficial católico-romana (o que não implica na concordância de todos os leigos e sacerdotes católicos-romanos com este conceito) foi absorvida em algum ponto após a primeira reforma, com a noção de inexistência da Igreja entre o fim da era dos pais e a reforma do século XVI. Somente uma expressão da fé cristã é legítima, excluindo-se como inadequadas todas as outras. Aspiração que demonstra a incapacidade de fazer frente a diferentes interpretações biblicas, de conviver com a dúvida em pontos periféricos da fé cristã (alguns erroneamente alçados a dogmas centrais), de aceitar como irmão aquele que adora diferente, ou se comporta, dentro dos limites da moral do Reino, de modo diverso. Incapacidade que sutilmente mina a verdadeira espiritualidade porque a leitura atenta das Escrituras somente demonstra que tal incapacidade é uma infração da moral do Reino, uma desobediência ao Senhor da Igreja. A convivência com este pecado oculto (e muitas vezes não percebido) retira porção de energia vital do cristão, comprometendo seu testemunho no mundo.
Bibliografia:
Cavalcanti R. Protestantes: autênticos católicos. http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&secMestre=2077&sec=2095&num_edicao=310
Ponde LF. Abel. Folha de S Paulo, 16/08/10, caderno Ilustrada