domingo, 22 de agosto de 2010

Bioética em época de crise I

Eduardo Ribeiro Mundim

Crise é uma palavra que nasce no contexto médico da época de Hipócrates: um momento decisivo para uma pessoa doente, a partir do qual seu destino será decidido, de forma favorável ou não.


Posteriormente o termo foi estendido a outras esferas da vida humana, inclusive transformações sociais.


Crise é um termo que engloba outros, como:
ruptura = rompimento, quebra, corte, interrupção
instabilidade = falta de solidez, de constância, insegurança, incerteza
transição = passagem, mudança, evolução
desequilíbrio = desarmonia, desigualdade, inadaptação


Quando atinge uma situação dinâmica, a crise lhe imprime um rumo diferente, forçando uma tomada de posição, um rumo, que, não importa qual, estabelecerá uma nova situação dinâmica.


Quando atinge uma situação estática, a crise força um movimento, dando-lhe uma condição dinâmica que antes não existia.


O filósofo Saint-Simon propôs que a história evolui em sucessões de épocas "orgânicas" e "críticas". As orgânicas são os momentos de estabilidade, de prevalência de um sistema de crenças bem definido que a tudo norteia, que, em determinado momento, vê o sistema questionado, com o surgimento de outro, gerando novo período orgânico.


Crise não é, necessariamente, percebida como tal por todos as pessoas, ou grupos sociais, ou mesmo por todos os indivíduos de uma comunidade. Ou, nem toda crise é um fato negativo, ou positivo, para todos.


Crises podem afetar toda uma sociedade, como, por exemplo, guerras; ou afetar segmentos específicos, rearranjando os atores no que diz respeito à influência, poder, posição social.


Estará a fé cristã em crise?


Enquanto instituição cultural, o cristianismo vem perdendo poder político gradativamente. As decisões governamentais contrariam, em aparente escala crescente, valores dele originados, ou por ele incorporados e transformados. Por exemplo, a presença de crucifixo em órgãos públicos, ou da bíblia.


Enquanto modeladora dos limites do uso da razão, cerceadora da criatividade através da subordinação da ciência à teologia, o cristianismo é exilado na Academia.


Enquanto revelação divina, perde, para a sociedade em geral, o caráter de exclusividade em relação à verdade; é apenas uma religião dentre outras, tão significativa, ou insignificante, quanto qualquer outra.


Vejo a fé cristã em crise com o mundo no qual ela está inserida: destituída de poder político (quando já o teve), expulsa da universidade (quando foi seu berço, na Idade Média) e rebaixada a manifestação cultural próxima à superstição.


Certamente há diversas explicações. E, provavelmente, nenhuma será, isoladamente, suficiente para entender as raízes desta crise:
- a aliança com o poder político: iniciada com a suposta conversão do imperador romano Constantino, seguida pela autoridade de sagrar reis (e de destituí-los), assim como o exercício específico do poder político (os estados da igreja). As cruzadas contra os muçulmanos e contra setores considerados heréticos dentro do cristianismo são a sua face, e consequência, mais cruel e desastrada;
- o domínio cultural, sendo a matriz durante séculos de todas as manifestações culturais do ocidente. A aliança com o poder político auxiliou na criação de um ranço difícil de apagar.


Parece-me que o resumo das explicações pode ser expresso pelo fato de que o cristianismo perdeu seu significado ao deixar-se corromper pela ideia da sociedade sobre o individuo, ao deixar de lado a necessária conversão pela simples aculturação: ser cristão é nascer de pais cristãos, em um país cristão, e não um ato de vontade, de escolha, de arrependimento e de confissão.


bibliografia:
Abbagnano N. Dicionário de Filosofia, pag 222-3, Ed Martins Fontes, SP, 2000

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