Eduardo Ribeiro Mundim
Desejo retomar o ponto do artigo de João Pereira Coutinho, sumariado em publicação anterior neste blog (os animais têm direitos?), que mereceu um comentário pertinente.
"Os animais não tem direitos. Porque os animais não têm deveres. "Direitos" e "deveres" são concepções e imperativos humanos, criados pela nossa específica superioridade enquanto homens, enquanto seres racionais".
O ponto de partida do autor não é um bíblico, em última análise, pois a partir das Escrituras "direitos" e "deveres" são pontos outorgados pelo Criador às Suas criaturas. Portanto, vou pensar sua afirmativa a partir do seu próprio ponto de vista.
Direitos somente existem quando atrelados a deveres? Acredito que sim.
A capacidade de conceituar, que depende da capacidade de linguagem estruturada, é privativa, até prova em contrário, do animal humano. Desta forma, a ideia de que os termos "direitos" e "deveres" são criação nossa é sensata. A igualdade entre todos os animais humanos obriga a parceria direito/dever, pois aquele que estiver desacompanhado do outro desequilibra a relação entre os humanos. Estes, enquanto espécie, são iguais entre si, ainda que particularidades mais diversas atribuam a cada um singularidade. É perfeitamente aceitável, do ponto de vista lógico, que a superioridade do animal humano sobre os não-humanos, que é incontestável a partir da criação da cultura, desemboque na atitude de tirania e opressão daquele sobre estes.
Mas este não é o único caminho lógico, porque uma visão mais abrangente, ecológica, estipula uma dependência mútua, direta e indireta.
Também a visão materialista do animal humano, derivada da teoria da evolução, dá a ele a capacidade de criar culturas unicamente pelo acaso (e não por vontade de um Criador), sendo a chave do seu sucesso enquanto espécie a capacidade de cooperação mútua em bases racionais - capacidade única na natureza (até prova em contrário).
Estes dois fatos, a necessidade de cooperação mútua para a sobrevivência enquanto espécie e o acaso de sua posição zoológica, formam a matriz da humildade com a qual o animal humano deveria olhar a si e ao mundo que o cerca.
O necessário equilíbrio do poder, fato que esta espécie animal, apesar de milênios de existência teima em não aprender até hoje, sugere a necessidade de benevolência em direção aos não-humanos, e a aceitar o fato deles terem o direito natural de existir porque a negação do mesmo atenta contra a humildade ditada pelo acaso e pela fragilidade individual do animal humano. Esta é uma evolução, e não a única, do ponto de vista expresso pelo colunista.
As crianças de tenra idade, e as pessoas vitimadas por doenças/acidentes que as privem do exercício do raciocínio não perderiam, necessariamente, seus direitos pelo fato de não poderem cumprir seus deveres. As duas situações são exceções estatísticas, e se são tratadas de uma forma por Peter Singer, esta não é a única alternativa a partir das colocações materialistas de João Pereira Coutinho. Pode ser argumentado que o "princípio da cooperação", auxiliado pelo fato da singularidade de cada animal humano, obriga a proteção daqueles desvalidos ou em situação de risco - fato que diferencia o animal humano da norma dos não-humanos, sem comprometer a sobrevivência da espécie. O reconhecimento deste dever, cuidar dos desvalidos que não podem cumprir com seus próprios deveres, é fermento de longo prazo para a manutenção da espécie humana, em contraponto a sua milenar tendência de autodestruição (incapaz de extingui-la, até agora).
Pessoalmente adoto outros óculos para entender a criação - as Escrituras cristãs. As linhas acima são um exercício de se raciocinar partindo de pressupostos que não sejam os meus. Acredito que ouvir novas ideias e avaliar suas repercussões, positivas e negativas, um exercício necessário, não só acadêmico, mas como modo de construir pontes em uma área tão minada como a da bioética, entre outras.
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