Eduardo Ribeiro Mundim
Atribuir valor à vida humana é algo extremamente corriqueiro e, simultaneamente, extremamente difícil. E esta valoração ocorre ditada pelo fato de vivermos em sociedade, co-dependentes mútuos, permeados pela nossa ambiguidade nata (que na sua forma atual está enraizada em nossa natureza aversa a Deus). As nossas leis precisam regulamentar o fato de que somos uma ameaça uns aos outros, apesar da nossa interdependência (cada vez menos visível aos olhos), seja diretamente através de uma ação planejada ou não, seja indiretamente através de algum incidente aleatório. Na esfera cível, a vida é valorada de modo a se estabelecer indenizações no caso de morte ou lesão que cause incapacidade; na criminal, para se estabelecer a punição por um crime perpetrado.
As notícias veiculadas recentemente nos jornais de Belo Horizonte me fazem pensar sobre como nossa sociedade dá um valor bem baixo à vida, no sentido da existência real e continuada até o seu fim natural, das pessoas:
- um motorista alcoolizado mata um casal que se dirigia ao aeroporto para aproveitar recente aposentadoria. Era por volta das 05:30 da manhã, em uma rodovia sinuosa e reconhecidamente perigosa.
- um assaltante toma uma mulher como refém durante um assalto a um supermercado em uma cidade. Enquanto uma negociação, infrutífera, era tentada, um policial consegue atingi-lo com um tiro, e o mata. Ele ameaçava a mulher com uma faca.
- um jovem de 24 anos é assassinado na principal avenida da capital mineira, às 18 horas da tarde. Pela manhã, havia iniciado o período de regime semiaberto de sua condenação pela participação em duas mortes em uma favela da cidade, ocorrida há poucos anos.
Qual o valor que o alcoolizado motorista dá à existência do seu próximo quando decide dirigir sem estar em condições, em alta velocidade, em uma rodovia tida e havida como das mais perigosas da metrópole mineira? Pelas nossas leis, jamais será condenado, ou pelo menos, julgado, por homicídio doloso...
Qual o valor que nossos policias dão à existência dos criminosos? Matar se torna uma rotina, tipo "acidente de trabalho"? É um caminho mais fácil que uma negociação bem planejada, trabalhada, de modo a evitar um crime e poupar duas vidas? A solução para a criminalidade, principalmente aquela exercida pelos mais pobres, é a execução dos mesmos? Fosse o desesperado criminoso um "doutor" a história teria sido a mesma?
Qual o valor que nossos legisladores dão à existência quando criam leis e códigos que permitem o retorno à sociedade em tempo curto de assassinos confessos? O tempo atrás das grades não ressuscita os mortos. Mas ele não revela, mesmo que indiretamente, quão barata é a vida da população pobre (já que é a maioria dos brasileiros não está nas classes A e B, a C, D e E é que são as mais frequentes vítimas e atores dos homicídios). E eu pensava que somente os assassinos de aluguel usassem tabelas de preços...
Após muitos anos, talvez décadas, reencontrei o texto de Ex 21.14. Nunca havia parado para pensar no peso deste mandamento, ressaltado pela tradução da Nova Versão Internacional: para o assassinato premeditado, não haveria cidade de refúgio, lugar santo, ou desculpa que lhe abrandasse a pena. Somente a morte do assassino evidenciaria a importância da vida que fora tirada por razões absolutamente humanas, através de uma atitude planejada. Nem mesmo o altar o protegeria, porque havia eliminado um ser humano.
Não sou defensor da pena de morte - ainda que, frequentemente, ouça sobre crimes que bem a mereceriam. Talvez não seja defensor com medo da execução de um inocente, da nossa incapacidade de prover recursos de defesa iguais a todos os brasileiros, da própria crueldade de matar planejadamente alguém. Mas que o texto sagrado se posiciona de modo muito diferente que nós frente a vida humana, não há dúvida.
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