Eduardo Ribeiro Mundim
Já é lugar comum falar sobre a crise de fé trazida pela pós-modernidade, descrita como uma situação onde inexistem verdades absolutas por serem algo inatingível ou inexistente. O cristão tradicional, ou seja, que subscreve o credo de Niceia, crê em verdades absolutas, sintetizadas por esta declaração de fé. Ele é, na sociedade contemporânea, uma "anomalia".
E não é de hoje que o cristão evangélico é caracterizado como algo em vias de extinção por sua absoluta dissintonia com o mundo atual, seja por crer em verdades absolutas e universais, seja por defender posturas morais incompatíveis com a atual onda do politicamente correto. Não é por acaso que novelas usam personagens religiosos (com frequência Testemunhas de Jeová, um grupo que não assina o credo niceno-constantinopolitano) para retratar situações particulares como exemplo de norma geral: transfusão de sangue é o prato predileto. Qual personagem cristão evangélico foi retratado em algum filme ou novela com aspecto positivo? Este personagem, se existente, ficou retido na memória comum?
Não se pode fugir ao fato de que pastores e políticos tem fornecido munição suficiente para o descrédito, quando assumindo a filiação evangélica (e, às vezes, por parte de igrejas feitas sob encomenda e de caráter cristão bastante questionável) e tendo um comportamento público de imoralidade flagrante e de incoerência explícita com o Evangelho.
Contudo, percebo que há uma crise sobre a qual pouco se fala. Talvez porque não exista, e seja apenas minha experiência pessoal; talvez porque não é, dentro do arraial cristão evangélico, politicamente correto se levantar determinadas questões.
É a crise do se crer naquilo que não se deve crer, naquilo que o Evangelho e o restante das Escrituras jamais ensinaram. Dentre outras:
1. A única pessoa capaz de um ato de amor desinteressado é o cristão
2. Somente os cristãos têm virtudes
3. O cristão é o modelo que deve ser seguido pelo restante da sociedade
4. Não cristãos não agradam a Deus
5. Não cristãos somente são alvos do amor de Deus através da pregação do Evangelho, buscando convertê-los à verdadeira fé.
Qual apóstolo foi exemplo de amor desinteressado em absoluto? Esta é uma impossibilidade humana, pelo que ensina a psicologia (que explicita o caráter eternamente conflituoso do ser humano); as Escrituras não fazem esta afirmação em lugar algum, e qualquer tentativa de encontrar tal perfeição é tão sólida quanto gelatina no forno acesso. Na era da informação rápida, quantos atos heroicos foram praticados, ao preço da própria vida, por pessoas religiosas de outras confissões e não-religiosas? E quantos atos covardes foram cometidos por cristãos em nome da segurança pessoal e/ou familiar?
Não é prudente confundir as revelações das Escrituras. Elas são claras: nenhum homem pode agradar a Deus por suas próprias atitudes, pois todas estão marcadas pelo pecado, por mais puras que conscientemente elas sejam. Não é este o ensino das Escrituras? E neste quesito não é o ensino das mesmas que este agrado diz respeito ao fato de sermos aceitos por Deus enquanto rebeldes a Suas vontade e ensino? E que estas atitudes não apagam os erros que cometemos? E que somente pelo sacrifício de Jesus na cruz, com Sua ressurreição, apagam diante dEle nossas transgressões?
E não são as mesmas Escrituras que revelam que toda atitude correta, mesmo não tendo valor salvífico, agrada a Deus, não importa quem a pratique?
Não é ensino legítimo de que Deus faz nascer Seu sol sobre justos e injustos, e que por amor de todos "deu Seu Filho Unigênito para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna?" E que Ele ordenou aos cristãos que sirvam ao mundo incrédulo como testemunhas do Seu amor constante para com ele, mesmo que permaneça na incredulidade, até o dia do juízo final?
Quando criança, há quarenta anos, fui ensinado que o crente não fuma, não bebe não dança, não... Fui ensinado, nas entrelinhas, que santidade era não; e que minhas atitudes definiriam se era ou não salvo (ou seja, um cristão).
Dura realidade quando as Escrituras demonstram que a única diferença entre o cristão e o não-cristão é que o primeiro é um pecador perdoado que constantemente peca e pede perdão, não existindo pecado que não possa cometer. O não-cristão é um pecador que não se considera como tal, porque suas referências não incluem este conceito; tão pouco o Deus da Bíblia existe. Nada mais os separa, nada.
Dura realidade quando a experiência mostra cristãos doentemente neuróticos, presos a culpas imaginárias, com o comportamento prisioneiro do recalque, onde as evidências de santificação pessoal são pouco evidentes e o sofrimento por ter prazer na lei de Deus e não praticá-la muito óbvio. Repito que a única diferença entre este sofredor e o não-cristão é que aquele é perdoado pelo sacrifício da cruz e este ainda não, até a confissão de que Jesus é Senhor de sua vida.
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