J. B. Libanio
Jornal de Opinião – janeiro de 2002
Fazer
pode ser fácil. Medir as conseqüências da ação é mais difícil. As
histórias de crianças conhecem cenas em que a fada comunica a uma pessoa
a arte de iniciar e parar um processo de produzir água ou outra coisa.
Acontece que um intruso percebe só o segredo de começar a aventura e
põe-se a executar uma tarefa que não sabe concluir. E daí a catástrofe. A
sabedoria dessas histórias vale para muitas das experiências
científicas. Cientistas geniais conseguiram a fissura do átomo e agora
ninguém sabe o que pode acontecer e o que fazer com o excesso de bombas
atômicas estocadas.
Os experimentos da genética caminham por trilhas semelhantes. Ninguém é capaz de prever que se fará com
as suas experiências, se caírem na mão de algum Hitler futuro. Mais
importante que aprender as técnicas de produção de um artefato, é a arte
de aprender a fazer. A primeira regra da sabedoria de aprender a fazer é
ter uma perspectiva histórica e ética. Tudo que se faz está dentro de
um processo que teve um ontem, tem um hoje e terá um amanhã. Sem
vislumbrar aonde leva nossa pesquisa não se deveria iniciá-la. Sem medir
as suas conseqüências éticas não é lícito conduzi-la
Nem
tudo o que é científica e tecnologicamente factível, é eticamente
justificável. Há momentos em que se deve dizer um basta para não
ultrapassar as barreiras da ética humana.
Evidentemente
este juízo ético não se faz em nome de alguma autoridade extrínseca,
mas de dentro da própria ciência com o conhecimento dos processos em
cursos e seus riscos. Uma vez conhecida a natureza interna da pesquisa, o
cientista, como ser ético que é, está obrigado a medir-lhe o alcance.
Freqüentemente
a imprensa faz um jogo ora explícito ora subliminar contrapondo a
posição da Igreja - quase sempre apresentada como conservadora ou
reacionária contra as pesquisas científicas - e a posição do cientista -
pesquisador buscando o bem da humanidade. E a verdade dos fatos é bem
outra.
Não
se trata de posições de igrejas e crenças, mas de conduta ética que é
de todo ser humano. A Igreja quando interfere o faz em nome da ética
humana, do conhecimento que ela tem do ser humano e não em nome de uma
Revelação que evidentemente não poderia ter contemplado problemas tão
novos. É no campo da ética que se deve travar a discussão. E os
cientistas precisam ser honestos para revelarem os interesses que os
movem. E não raras vezes estão envolvidos megainvestimentos de empresas
lucrativas que apostam em pesquisas que lhes renderão lucros fabulosos à
revelia da ética e do verdadeiro bem da humanidade. A consideração
ética é mais ampla que o simples resultado prático da experiência. Mesmo
que esta possa resultar em certos benefícios para a humanidade, nada
autoriza ao cientista que a faça à custa de outros valores maiores como
da intangibilidade da vida, da dignidade do ser humano.
No
caso da genética está diretamente em jogo o nascer da vida humana cuja
sacralidade não é patrimônio de nenhuma religião, mas de toda a
humanidade. Violá-la é atentar contra a nossa condição de ser humano. Os
riscos e as loucuras de uma manipulação eugênica encontraram nas
atrocidades do nazismo horrendo exemplo histórico que serve para
alertar-nos seriamente. Em campo tão delicado que toca as fímbrias da
vida o sinal de alarme da ética deve soar bem cedo antes que monstros
sejam gerados e processos perversos sejam executados.
fonte: www.jblibanio.com.br/modules/wfsection/article.php?articleid=1185
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