O mesmo Deus em ângulos diferentes?
A importância do diálogo
Diálogos teológicos no Brasil são raros e difíceis. É penoso para o
“homem cordial” discordar. Gostamos de harmonia, de risadas, e de não
ser levados à sério. Mas quando se trata de teologia (e jogos de
futebol…) nos transformamos no papa. Nossas declaração se tornam ex-cathedra.
Não há espaço para questionamentos. Dogmatizamos o indogmatizável em
busca de uma segurança teológica que vá nos atribuir uma espiritualidade
superior.
Mas como em qualquer área da racionalidade humana, na teologia o
diálogo é essencial. Ouvi alguém dizer recentemente que idéias tem que
fazer sexo para gerarem consequências e projetos intelectuais mais
duradouros. Não quero levar esta metáfora para frente e sugerir uma
“orgia teológica”, mas o fato é que estamos carentes da dialógica da fé,
porque não conseguimos discordar uns dos outros sem xingar a mãe.
Ricardo Gondim, Augusto Nicodemus e outros começaram uma discussão
sobre a teologia relacional ou teísmo aberto, que acabou desaguando em
estereotipações inúteis. Com muita precaução sugiro que o diálogo seja
retomado para o bem senão de nossa teologia, mas de nossa capacidade de
dialogar com respeito.
A natureza da teologia
Teologia sistemática como todas as disciplinas do raciocínio é um
exercício dinâmico. Não estamos dissecando o cadáver de Deus, mas
buscando revelação. A cultura, assim como a experiência, e humildade
diante de Deus, informam nossa revelação. Deus não se revela num
meta-contexto mas dentro dele. Por isto o diálogo teológico se
intensificou e diversificou desde o momento em que a coerção deixou de
existir (tortura e morte aos hereges!).
O liberalismo clássico seguindo a tradição da filosofia iluminista
discutia a revelação genérica de Deus ao mundo. Esta teologia
intuitiva, ancorada no raciocínio filosófico chama-se teologia
natural. Foi Karl Barth quem trouxe a teologia bíblica de volta à cena
com coragem de enfrentar o liberalismo que adoecia o Cristianismo no
início do século 20.
A diferença entre teologia bíblica e teologia natural é que uma se
refere à Bíblia como a palavra de Deus, e que deve ser a base de todas
as nossas conjecturas, e a outra se vale da lógica filosófica e de nossa
experiência existencial.
A chamada teologia de processo que virou no Brasil um “xingamento”
dedicado aos teólogos relacionais é teologia natural. Uma coisa não deve
ser comparada à outra. A teologia de processo desenvolvida por um
matemático Alfred. H. Whitehead. Foi uma tentativa de conciliar a nova
visão de mundo científica com a teologia convencional que partia da
cosmovisão aristotélica: -o que é perfeito não pode ser mutável. John
Cobb é o teólogo mais conhecido desta linha. Ao contrário do teísmo
aberto a teologia de processo não tem a preocupação seguir a Bíblia e
não é considerada teologia evangélica.
Principais pontos do teísmo aberto
O principal proponente do teísmo aberto é Clark Pinnock que um
teólogo respeitado com uma obra extensa em Pneumatologia e Cristologia.
John Sanders, Gregory Boyd também escrevem sob este ponto de vista.
Pinnock, Sanders e Boyd são evangélicos, e suas propostas teológicas
devem ser discutidas dentro da esfera da teologia evangélica. É verdade
que o teísmo aberto se inspirou na teologia de processo para algumas de
suas críticas ao teísmo clássico, mas isto não é pecado. O teísmo
clássico é passível de críticas e tem sido alvo delas muito antes de
Whitehead, Chardin, ou do teísmo aberto.
O principais argumentos do teísmo aberto são, primeiro a mudança de
foco do Deus da glória para o Deus de amor. Para Pinnock o amor é a
principal motivação de Deus em sua interação com a história humana e não
a necessidade de manter intacta a sua glória, como afirmam os teístas
clássicos.
O outro ponto é uma revisão da influência grega na doutrina de Deus. É
ponto pacífico de que a doutrina convencional sobre a pessoa de Deus
(teísmo clássico) tem duas origens: a bíblia e o pensamento grego.
Pinnock propõe uma revisão ao conceito de imutabilidade. O dogma da
imutabilidade que os teístas clássicos consideram indiscutível não é um
dogma bíblico, mas uma interpretação grega. O Deus dinâmico, interativo e
tribal dos hebreus foi explicado nos conceitos pré-existentes dos
filósofos gregos pelos primeiros teólogos cristãos. Seu intuito era
sistematizar o conhecimento judaico para combater o politeísmo que
grassava o Império Romano. Pinnock discute esta questão em seu livro “The most moved mover, A Theology of God’ s Openess” (2001).
Outro ponto de discussão proposto pelos teístas abertos é o
livre-arbítrio. Na visão do teísmo aberto ao permitir que os seres
humanos desfrutem de livre escolha, Deus se auto-limita. Ao contrário do
que disseram alguns este auto-limite não diminui o seu poder. É apenas
poder sob controle. Eles não propõem que Deus não é capaz de intervir em
detalhes mas que escolhe não fazê-lo. Ele é soberano sobre a história
humana e cumpre seus planos mas sua intervenção não é detalhada. Ele não
escreve a história individual mas a coletiva. A intervenção divina na
jornada de cada indivíduo é ganha pela oração e pela obediência pessoal à
sua revelação. Não temos livros desta linha publicados em português, o
que empobrece muito nosso o acesso do leitor comum a uma discussão mais
profunda.
Conclusão
O espaço aqui é pequeno, mas espero que o debate continue. É
necessário que se tire a teologia brasileira do ar confinado do
dogmatismo. Calvinistas, armenianos, relacionais ou não, somos cristãos
se nos dedicarmos a proclamar o mistério da cruz, se nos crermos
remidos pelo sangue e não pelas obras, se prescrevemos ao Sola Scriptura
da reforma assim como a tantas outras tradições que nos inserem na
história do Cristianismo.
Quanto às minhas convicções pessoais posso argumentar e exercitar
minha fé em ambos os lados da cerca. Quando estou num avião no meio de
uma turbulência me volto para o teísmo clássico e recorro à paz que me
traz o conceito do controle absoluto de Deus sobre todas as coisas.
Quando me encontro frente à tentação do pecado, sei com todas as fibras
do meu ser que a decisão de pecar é minha. Mesmo que eu queira culpar
Deus e ao destino inexorável que ele possa ter traçado para mim, a
percepção de culpa é real em mim, e no meu coração sei que vou colher as
consequências do que semeei, portanto me sinto livre para não pecar
como reza a cartilha da teologia relacional.
O que espero que os leitores entendam que estas pequenas
discrepâncias técnicas não nos tornam mais ou menos crentes, mais ou
menos seguros na nossa fé evangélica. Proponentes do teísmo aberto têm
tanta fé, fervor missionário, e compromisso com santidade de vida
quanto calvinistas radicais. Discordar é viver, e um pouco de dúvida de
si mesmo não faz mal à ninguém.
Espero que cresçamos em capacidade de diálogo no cenário teológico
brasileiro. Nossa teologização tem uma contribuição a fazer mas não
vamos alcançá-la sem incentivar-nos uns aos outros Teólogos só nascem
onde se há espaço para respirar. Será que vamos dar este espaço aos
jovens pensadores brasileiros?
Bibliografia
Pinnock, Clark H. 2001. “Most moved mover: a theology of God’s openness”. Carlisle, Cumbria, UK: Paternoster Press.
Karkkainen, Veli-Matti “The Doctrine of God, a Global Introduction” (Baker Academy, Grand-Rapids, 2004)
Grenz, S.J. “Theology for the Community of God”. (Eerdmans, 2000)
Placher, W. C. (2003). “Essentials of Christian Theology”. (Louisville: Westminster John Knox).
fonte, onde se pode ler reação de diversos leitores: http://ultimato.com.br/sites/brauliaribeiro/2012/06/05/um-chamado-ao-dialogo/
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