Ricardo Wesley Morais Borges
Dois episódios, envolvendo ateus, cristãos e muçulmanos, além de um documento escrito por várias mãos. Com isso encerro a breve reflexão sobre o testemunho cristão no mundo, iniciada aqui antes com dois artigos (Entre a cruz e o papa e Missão rima com diálogo). Essa curta série levanta ideias sobre como viver e comunicar bem o evangelho de Cristo no mundo de hoje.
Episódio 1
Terminada
a palestra na Universidade Federal de Viçosa, fui abordado por um ávido
e gentil grupo de estudantes interessados em dialogar. Faziam parte de
uma agrupação autodesignada “Incrédulos”. O primeiro súbito desafio:
“Prove que Deus existe!”. Intuí que o caminho deveria ser outro:
“Aprecio que tenham essa disposição para ouvir e conversar. Eu não posso
lhes ‘provar’ que Deus exista, do mesmo modo como vocês também não
poderiam ‘provar’ que não exista. Assim, o que acham de começamos de
maneira diferente? Eu lhes falo sobre como cheguei a crer naquilo em que
creio hoje, desde minha perspectiva existencial. Mas além de subjetiva,
ela é também algo objetivo, porque se trata de uma perspectiva
histórica que se constrói a partir de uma visão e compreensão dos fatos.
Mas antes eu gostaria de ouvir sobre o que vocês creem ou não creem, ou
ao que aderem, e como foi que chegaram às suas conclusões”.
O
resultado foi uma boa e longa conversa. No final, quando nos
despedíamos, animei-os a continuar lendo e investigando. Mas não somente
aquilo que reforçava o que eles já pensavam – um conselho que eu também
busco seguir. Então um deles me disse algo assim: “excelente diálogo;
espero que voltemos a nos encontrar no futuro; pode ser que você então
tenha mudado algo na sua fé como fruto de nossa interação ou que a gente
também tenha revisado a nossa posição, quem sabe?”. Fui embora feliz e
esperançoso. Aquele “quem sabe”, para mim, já era promissor.
Episódio 2
Minha
esposa e eu estávamos, antes de nossas filhas nascerem, estudando
teologia na Inglaterra. Durante um trimestre encontrava-se em nosso meio
um acadêmico de uma universidade do Oriente Médio, um muçulmano
convicto e estudioso das relações inter-religiosas. Depois de um período
no Vaticano, sua universidade o havia enviado ali para outra etapa de
estudos e observação em um instituto do ramo protestante do
cristianismo. Houve debates públicos interessantes, como um com nosso
professor árabe cristão sobre violência e fé. Mas o mais fascinante era o
diálogo pessoal, à mesa ou logo após o momento em que cada um se
dedicava, a seu modo, às orações matinais.
Perto
do final de seu tempo de intercâmbio, esse brilhante e devoto estudioso
convidou alguns amigos nossos para acompanhá-lo nessa hora de orações.
Esses amigos cristãos não compartilhavam aquela mesma devoção do
“scholar”, mas respeitosamente o acompanharam e ouviram, para sua
surpresa, sua prece a “Allah”: “Abra os olhos de meus amigos para que
eles vejam toda a verdade. E se há algo que eu não esteja vendo bem,
abra também meus olhos para que eu entenda toda a verdade”. A
intercessão pelos olhos abertos, de um ou de outro, foi uma oração que
me surpreendeu com esperança.
Um documento
Há
pouco recebi um documento através de uma professora que tive, a
brasileira Rosalee Velloso Ewell, quem atualmente desempenha a função de
diretora executiva da Comissão Teológica da Aliança Evangélica Mundial:
“O Testemunho Cristão em um Mundo Multi-Religioso”,
um texto produzido pela Aliança Evangélica Mundial, o Concílio Mundial
de Igrejas e o Vaticano. Me pareceu uma cooperação pouco comum, mas que
resultou em um documento relevante para provocar o debate e para
resgatar alguns princípios para o diálogo com pessoas de outras crenças.
É bem possível (ou mesmo desejável) que não se concorde com tudo o que
está escrito aí, mas o fato de que seja possível o diálogo entre
diferentes tradições cristãs pode ser um sinal auspicioso do caminho
para que com respeito e integridade se possa viver e comunicar melhor o
evangelho de Cristo entre aqueles que professam outras religiões ou o
ateísmo.
Espero aprender a ouvir, a dialogar,
anseio ser coerente e íntegro, na mensagem e na vida. Oro para que
sempre meus olhos se abram e “quem sabe” eu consiga revisar em minha
atitude e missão o que precise ser mudado ou melhorado. Aprender com a
atitude de meus amigos ateus e muçulmanos pode ser um bom começo.
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