Albert Schweitzer foi um
dos mais consumados polímatas de sua geração. Nascido em 1875, na
Alsácia-Lorena, obteve doutorados em filosofia, teologia e música,
escreveu uma importante biografia de Johann Sebastian Bach e um livro
revolucionário sobre a vida de Jesus, e também conseguiu ser um dos mais
exímios organistas da Europa.
Schweitzer realizou a
maior parte dessas coisas na casa dos vinte anos. Aos trinta, porém,
optou por uma grande mudança de rumo, abdicando da música e de uma
brilhante carreira acadêmica para fazer um novo curso, dessa vez de
medicina. Em 1913 ele partiu para a África Equatorial francesa, onde
fundou um hospital para leprosos, e em 1952 recebeu o prêmio Nobel da
Paz por décadas de trabalho médico pioneiro na selva africana.
Schweitzer foi motivado pelo desejo de prestar serviço e contribuir para
o que chamou de “a grande tarefa humanitária” de levar o conhecimento
médico às colônias. Ele se sentia no dever, na obrigação, de trabalhar
em benefício dos outros, “mesmo que seja uma coisa pequena”, disse,
“faça algo por aqueles que precisam de ajuda humana, algo pelo que você
não obtenha nenhuma paga a não ser o privilégio de fazê-lo.”1
O caminho clássico para
uma carreira dedicada a um propósito é trabalhar por uma causa que
encarne nossos valores, algo que transcenda nossos próprios desejos e
faça uma diferença para outras pessoas ou o mundo à nossa volta. O
serviço, um dos motivadores mais poderosos na história do Ocidente, está
enraizado na ideia medieval cristã de servir a Deus mediante boas
obras. Os primeiros hospitais da Europa, que começaram a aparecer em
cidades como Paris, Florença e Londres, no século XII, eram fundações
religiosas criadas para servir tanto aos indigentes e doentes quanto a
Deus – atitude que se reflete no antigo termo francês para hospital, hôtel-Dieu,
“albergue de Deus”. Por volta do mesmo período, ordens cristãs fundadas
pelos cruzados, como os cavaleiros de São João de Jerusalém e os
cavaleiros templários – mais conhecidas por sua matança de incréus -,
também construíram hospitais por todos os países mediterrâneos e de
língua alemã como forma de serviço sagrado.2
Albert Schweitzer foi
impulsionado por essa ética cristã de serviço, tal como os fundadores da
moderna profissão da enfermagem no século XIX, como Florence
Nightingale e Clara Barton. No século XX, o ideal de prestar serviço
espalhou-se além das fronteiras religiosas, de modo que aqueles que
trabalham hoje no serviço público – seja como trabalhadores sociais na
linha de frente, seja como estatísticos nas secretarias de educação –
muitas vezes o fazem não apenas porque talvez lhes seja oferecida uma
renda estável ou perspectivas de promoção, mas por sentirem que seu
trabalho contribui para o bem público.
– Roman Krznaric: Sobre a Arte de Viver – lições da história para uma vida melhor (Zahar)
Notas:
1. Schweitzer, 1949, p. 3.
2. Porter, 1997, p. 113.
Foto: Special Collections Research Center, Syracuse University Librar
Nenhum comentário:
Postar um comentário