quinta-feira, 12 de junho de 2014

Carta de um homossexual ao seu pastor


Eduardo Ribeiro Mundim

(esta carta, como a anterior, é fictícia)

Amado Irmão Nicodemus.

Obrigado pela sua correspondência. Antes de tudo, ela é demonstração do seu interesse genuíno por mim. E como tenho sentido falta de amizades verdadeiras e puro amor cristão!

Lembro-me como se fosse hoje o dia da minha conversão. Colocar em palavras a multidão de sentimentos é impossível: ordená-los em ordem de importância seria colocar um como superior ao outro, e não foi assim a experiência. Afirmo, sem medo de errar, que minha vida transformou-se por completo. Nunca pensei que conseguiria ter bons pensamentos e desejar o bem para tantas pessoas que me prejudicaram no passado! Mas num piscar de olhos todo ressentimento, todo ódio, foi lavado como que por uma forte enxurrada. Nunca pensei que passaria a me preocupar com o bem-estar do meu próximo; que sua alegria seria a minha alegria! Nunca pensei que ser ético nas relações sociais e comerciais fosse tão espontâneo! Nem tenho que fazer força para fazer o certo e recusar o errado!

Mas mais importante foi a descoberta de que meus pecados estão perdoados; de que Cristo os cravou na cruz, tornando-me legalmente justo (ainda que permanentemente pecador). Sim, que coisa maravilhosa é a convicção de que nossos pecados estão perdoados. Que certeza gloriosa é o testemunho do Espírito com o meu de que sou Seu filho. Graças a Deus!

Houve algum erro quando minhas angústias atuais chegaram aos seus ouvidos. Não tenho desejo por outros homens! Esta fase da minha vida, de promiscuidade, saunas gays, programas, está, graças ao nosso Pai, enterrada. Dela fui liberto pelo Seu precioso sangue!

A terrível angústia que me assombra é a percepção de que, apesar de todo amor da minha esposa, e dos frutos de nossa união, o interesse sexual mingou. Não foi por uma briga, uma desavença. Gradativamente fui percebendo que (nossa, esta percepção está me matando) eu mentia para ela quando dizia que a desejava. E a maior prova disto é a disfunção erétil que se torna cada vez mais frequente. De comum acordo tenho usado a “pílula azul” (na minha idade!). E cada vez que conseguimos ter uma relação sinto que a traio, ou que voltei à época dos programas sexuais. Isto eu não tive coragem de compartilhar com ela – ela não merece!!! Mas o que lhe escrevo, contando com seu eterno segredo, é a pura verdade.

Revi minha história tentando encontrar respostas. Sabe por que mudamos de igreja? Porque naquela onde minha conversão foi publicamente manifestada o pastor me usou para alavancar seu ministério e ganhar alguns pontos na hierarquia da denominação. Quantas vezes ele me chamou para dar meu testemunho! Confesso, envergonhado, de ter pedido perdão a Jesus por tê-lo feito algumas vezes de modo mecânico.

Quando conheci minha esposa, e começamos a namorar, fui sutilmente (às vezes acho que nem foi tão sutil assim) pressionado a demonstrar minha completa mudança de vida deixando a homossexualidade de lado. Não bastava deixar a promiscuidade, a imoralidade, a prostituição – a homossexualidade tinha que acabar. Se assim não fosse, minha conversão não seria genuína!

Novo na fé, consegui escapar do falso pastor e da sua comunidade doente, mas a mensagem permaneceu como marca feita com ferro em brasa.

Quando chegamos na nossa igreja, fomos muito bem recebidos, graças a Deus. Pouquíssimas pessoas sabem do meu passado, e todas são discretíssimas. Meu pastor nunca me usou, nem chamou-me para dar testemunho. Discipulou-me em amor, tornando-me, ao final, como você sabe, professor da escola dominical. Casamos e tivemos filhos.

A companhia da minha esposa é especial, e adoro estar ao seu lado. Compartilhamos sonhos, nos apoiamos nas nossas desilusões, fortalecemos nossos filhos. Mas – e tenho tomado consciência disto de modo gradual e com grande dor – como amigos, não como marido e mulher.

Verdadeiramente sonho com um companheiro que tenha as características dela. Não o encontrei, nem o procurei. Mas é a mais pura verdade que este é o desejo do fundo do meu coração.

Sei que temos que cultivar os frutos do Espírito, e que não devemos satisfazer os desejos imundos da carne. Sei que é com esforço que vamos sendo santificados, onde a minha decisão de resistir à tentação (e foi boa sua explicação do tema, pois é da forma que ensinou a diferença entre tentação e pecado que tenho direcionado também minha vida espiritual) faz parte do processo de crescimento em graça. Sei que a eleição é irrevogável, e que a graça é irresistível – afinal, foi isto que experimentei em minha vida.

O ensino de Paulo aos romanos sobre Deus ter entregue aqueles que não O reconhecem como Deus e Senhor a paixões infames, cometendo “torpezas uns com os outros” me pesa no coração. É a única passagem das Escrituras que levanta alguma dúvida sobre a certeza que tem crescido dentro de mim: sou homossexual não por escolha, mas o sou. Talvez por contingências da vida (os cientistas não chegam a uma conclusão e as exposições e teorias deles são tão desprovidas de evidências decentes que dá dó).

Divaguei um tempo sobre os frutos do Espírito e da carne. Aí vi o presbítero X (vamos deixar os nomes de lado), com seus 120 kg distribuídos nos seus 160 cm de altura. Não é a glutonaria um pecado? Não é a obesidade resultante do comer em excesso, desnecessariamente? Não está o seu pecado, então, evidente aos olhos de todos?

A Sra. Y está em tratamento para cleptomania, sabia? Novamente, conto com seu silêncio pastoral, pois disto fiquei sabendo por acaso e não desejo causar-lhe mal algum. Mas cito este segredo porque roubo contumaz é pecado. E as Escrituras não dizem que glutonaria ou roubo ou imoralidade sexual ou o que for não são pecados se forem consideradas doenças!

Neste ponto, até que gostaria que a ciência considerasse a homossexualidade uma doença. Alguns conflitos meus seriam resolvidos.

Mas como é natural para o Sr. X comer, é natural para mim desejar um companheiro, para formarmos um casal monogâmico e fiel.

Neste momento, estou entre a cruz e a espada, entre a panela e o fogo. Não sou honesto perante meu Senhor e Salvador Jesus se lhe escondo tudo isto; estou sem coragem de terminar meu casamento – é a atitude correta, pois estou permanentemente cometendo o pecado da mentira com minha esposa.

Repito, para não deixar dúvida no seu espírito: não estou apaixonado por ninguém. Se estivesse, encontraria forças extras.

Hoje vejo que a atitude correta seria deixá-la discretamente, afastar-me da escola dominical e procurar uma comunidade de cristãos onde ser homossexual não fosse motivo de orgulho, como não é o ser heterossexual; onde o centro da pregação seja a cruz e a ressurreição, e não a situação sexual; onde todos possam dizer “Senhor Jesus me chego a ti. Tua ira santa mereci. Oh, dá-me alívio mesmo aqui. Aceita um pecador. Eu venho como estou” (nunca esqueci este hino, cantado no dia da minha conversão); onde possa ter uma união abençoada se o Pai o permitir, ou viver celibatariamente em paz, sem pressão.

Sinto que esta conversa, com qualquer outra pessoa, causaria repulsa e escândalo. Mas conto com sua amizade e vocação pastoral para não me deixar só, falando e meditando, e sofrendo, sozinho. Um ou outro irmão já o fizeram quando a conversa não era pessoal, mas um “caso hipotético”, uma discussão sobre o homossexual na igreja.

Em Cristo, grato pela sua amizade

Sandro

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