Eduardo Ribeiro Mundim
(esta carta, como a
anterior, é fictícia)
Amado Irmão
Nicodemus.
Obrigado
pela sua correspondência. Antes de tudo, ela é demonstração
do seu interesse genuíno por mim. E como tenho sentido falta de
amizades verdadeiras e puro amor cristão!
Lembro-me
como se fosse hoje o dia da minha conversão. Colocar em palavras a
multidão de sentimentos é impossível: ordená-los em ordem de
importância seria colocar um como superior ao outro, e não foi
assim a experiência. Afirmo, sem medo de errar, que minha vida
transformou-se por completo. Nunca pensei que conseguiria ter bons
pensamentos e desejar o bem para tantas pessoas que me prejudicaram
no passado! Mas num piscar de olhos todo ressentimento, todo ódio,
foi lavado como que por uma forte enxurrada. Nunca pensei que
passaria a me preocupar com o bem-estar do meu próximo; que sua
alegria seria a minha alegria! Nunca pensei que ser ético nas
relações sociais e comerciais fosse tão espontâneo! Nem tenho que
fazer força para fazer o certo e recusar o errado!
Mas
mais importante foi a descoberta de que meus pecados estão
perdoados; de que Cristo os cravou na cruz, tornando-me legalmente
justo (ainda que permanentemente pecador). Sim, que coisa maravilhosa
é a convicção de que nossos pecados estão perdoados. Que certeza
gloriosa é o testemunho do Espírito com o meu de que sou Seu filho.
Graças a Deus!
Houve
algum erro quando minhas angústias atuais chegaram aos seus ouvidos.
Não tenho desejo por outros homens! Esta fase da minha vida, de
promiscuidade, saunas gays, programas, está, graças ao nosso Pai,
enterrada. Dela fui liberto pelo Seu precioso sangue!
A
terrível angústia que me assombra é a percepção de que, apesar
de todo amor da minha esposa, e dos frutos de nossa união, o
interesse sexual mingou. Não foi por uma briga, uma desavença.
Gradativamente fui percebendo que (nossa, esta percepção está me
matando) eu mentia para ela quando dizia que a desejava. E a maior
prova disto é a disfunção erétil que se torna cada vez mais
frequente. De comum acordo tenho usado a “pílula azul” (na minha
idade!). E cada vez que conseguimos ter uma relação sinto que a
traio, ou que voltei à época dos programas sexuais. Isto eu não
tive coragem de compartilhar com ela – ela não merece!!! Mas o que
lhe escrevo, contando com seu eterno segredo, é a pura verdade.
Revi
minha história tentando encontrar respostas. Sabe por que mudamos de
igreja? Porque naquela onde minha conversão foi publicamente
manifestada o pastor me usou para alavancar seu ministério e ganhar
alguns pontos na hierarquia da denominação. Quantas vezes ele me
chamou para dar meu testemunho! Confesso, envergonhado, de ter pedido
perdão a Jesus por tê-lo feito algumas vezes de modo mecânico.
Quando
conheci minha esposa, e começamos a namorar, fui sutilmente (às
vezes acho que nem foi tão sutil assim) pressionado a demonstrar
minha completa mudança de vida deixando a homossexualidade de lado.
Não bastava deixar a promiscuidade, a imoralidade, a prostituição
– a homossexualidade tinha que acabar. Se assim não fosse, minha
conversão não seria genuína!
Novo
na fé, consegui escapar do falso pastor e da sua comunidade doente,
mas a mensagem permaneceu como marca feita com ferro em brasa.
Quando
chegamos na nossa igreja, fomos muito bem recebidos, graças a Deus.
Pouquíssimas pessoas sabem do meu passado, e todas são
discretíssimas. Meu pastor nunca me usou, nem chamou-me para dar
testemunho. Discipulou-me em amor, tornando-me, ao final, como você
sabe, professor da escola dominical. Casamos e tivemos filhos.
A
companhia da minha esposa é especial, e adoro estar ao seu lado.
Compartilhamos sonhos, nos apoiamos nas nossas desilusões,
fortalecemos nossos filhos. Mas – e tenho tomado consciência disto
de modo gradual e com grande dor – como amigos, não como marido e
mulher.
Verdadeiramente
sonho com um companheiro que tenha as características dela. Não o
encontrei, nem o procurei. Mas é a mais pura verdade que este é o
desejo do fundo do meu coração.
Sei
que temos que cultivar os frutos do Espírito, e que não devemos
satisfazer os desejos imundos da carne. Sei que é com esforço que
vamos sendo santificados, onde a minha decisão de resistir à
tentação (e foi boa sua explicação do tema, pois é da forma que
ensinou a diferença entre tentação e pecado que tenho direcionado
também minha vida espiritual) faz parte do processo de crescimento
em graça. Sei que a eleição é irrevogável, e que a graça é
irresistível – afinal, foi isto que experimentei em minha vida.
O
ensino de Paulo aos romanos sobre Deus ter entregue aqueles que não
O reconhecem como Deus e Senhor a paixões infames, cometendo
“torpezas uns com os outros” me pesa no coração. É a única
passagem das Escrituras que levanta alguma dúvida sobre a certeza
que tem crescido dentro de mim: sou homossexual não por escolha, mas
o sou. Talvez por contingências da vida (os cientistas não chegam a
uma conclusão e as exposições e teorias deles são tão
desprovidas de evidências decentes que dá dó).
Divaguei
um tempo sobre os frutos do Espírito e da carne. Aí vi o presbítero
X (vamos deixar os nomes de lado), com seus 120 kg distribuídos nos
seus 160 cm de altura. Não é a glutonaria um pecado? Não é a
obesidade resultante do comer em excesso, desnecessariamente? Não
está o seu pecado, então, evidente aos olhos de todos?
A
Sra. Y está em tratamento para cleptomania, sabia? Novamente, conto
com seu silêncio pastoral, pois disto fiquei sabendo por acaso e não
desejo causar-lhe mal algum. Mas cito este segredo porque roubo
contumaz é pecado. E as Escrituras não dizem que glutonaria ou
roubo ou imoralidade sexual ou o que for não são pecados se forem
consideradas doenças!
Neste
ponto, até que gostaria que a ciência considerasse a
homossexualidade uma doença. Alguns conflitos meus seriam
resolvidos.
Mas
como é natural para o Sr. X comer, é natural para mim desejar um
companheiro, para formarmos um casal monogâmico e fiel.
Neste
momento, estou entre a cruz e a espada, entre a panela e o fogo. Não
sou honesto perante meu Senhor e Salvador Jesus se lhe escondo tudo
isto; estou sem coragem de terminar meu casamento – é a atitude
correta, pois estou permanentemente cometendo o pecado da mentira com
minha esposa.
Repito,
para não deixar dúvida no seu espírito: não estou apaixonado por
ninguém. Se estivesse, encontraria forças extras.
Hoje
vejo que a atitude correta seria deixá-la discretamente, afastar-me
da escola dominical e procurar uma comunidade de cristãos onde ser
homossexual não fosse motivo de orgulho, como não é o ser
heterossexual; onde o centro da pregação seja a cruz e a
ressurreição, e não a situação sexual; onde todos possam dizer
“Senhor Jesus me chego a ti. Tua ira santa mereci. Oh, dá-me
alívio mesmo aqui. Aceita um pecador. Eu venho como estou” (nunca
esqueci este hino, cantado no dia da minha conversão); onde possa
ter uma união abençoada se o Pai o permitir, ou viver
celibatariamente em paz, sem pressão.
Sinto
que esta conversa, com qualquer outra pessoa, causaria repulsa e
escândalo. Mas conto com sua amizade e vocação pastoral para não
me deixar só, falando e meditando, e sofrendo, sozinho. Um ou outro
irmão já o fizeram quando a conversa não era pessoal, mas um “caso
hipotético”, uma discussão sobre o homossexual na igreja.
Em
Cristo, grato pela sua amizade
Sandro
artigo em resposta a "carta a um ex-gay tentando voltar atrás"
versão menor publicada em http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/carta-de-um-homossexual-ao-seu-pastor
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