terça-feira, 9 de março de 2010

Deus quer que eu desista!

Certa vez, há muito tempo, tive o privilégio de empenhar algum tempo com um velho rabi, curvado pela idade e muito conhecedor, por vivência, do sofrimento. A cada noite, ele contava-me a estória de de um judeu que escapara da inquisição espanhola com sua esposa e filho, através de um bote, navegando em um mar revolto em direção a uma ilha rochosa. Uma explosão de luz matou sua esposa e um forte vento arrancou o filho, afogando-o no mar. Sozinho, miserável, aterrorizado pelos trovões e relâmpagos, cabelos desgrenhados, seu corpo devastado pela fome e com suas mãos levantadas para Deus, ele conseguiu chegar à ilha deserta e se voltou para Deus:

"Deus de Israel", disse, "escapei para este lugar, portanto, O servirei em paz, seguirei Seus mandamentos e glorificarei Seu nome. Contudo, Você está fazendo de tudo para que eu cesse de crer em Você. Mas se pensa que terá sucesso com suas tentativas de tirar-me do caminho da verdade, então grito, meu Deus e Deus de meus pais, nada disso irá ajudá-Lo. Pode insultar-me, punir-me com severidade, tirar-me o que tenho de melhor e mais querido no mundo, torturar-me até a morte - eu sempre crerei em você e O amarei sempre e para sempre - apesar de você."

"Aqui estão, portanto, minhas últimas palavras para Você, meu raivoso Deus: nada disso Lhe valerá no fim! Você tem feito de tudo  para que eu perca minha fé, fazer-me cessar de crer em Você. Mas morro exatamente como vivi, um inabalável crente em Você."

Tudo o que desejamos fazer aqui é reconhecer que no centro da incerteza, nós permanecemos fiéis...Parte da razão para esta fé frágil talvez repouse, assim como com Jó, na crença de que nossas acusações um dia se converterão em cinzas pela consequência da presença inescrutável de Deus; que nossas legítimas preocupações um dia se silenciarão perante Aquele que não pode ser nomeado, mas que nos nomeia. Por hora, podemos nos confortar com a possibilidade de que o Deus que acusamos é um deus que nós criamos. Por esta razão que Slavj Zizek clama que o deus que dizemos entender é como o brinquedo tamagocthi - nossa própria criação que passa a fazer, posteriormente, exigências sobre nós.

traduzido de Rollins, Peter. How (not) to speak of God. Paraclete Press, 2009. Pg 98-99, 101-102

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