domingo, 21 de março de 2010

É possível dividir o Corpo de Cristo?




Eduardo Ribeiro Mundim

Causar divisão no Corpo de Cristo, ou seja, na Igreja, é um pavor legítimo para aquele que verdadeiramente é um cristão. E não poucas vezes, esta acusação é levantada contra alguém – e, provavelmente, de modo leviano.

Mas é possível dividir a Igreja?

Para enfrentar esta questão, ela tem de ser detalhada. O que é dividir? O que é Igreja? Dividir é um mal em si mesmo? Quais as consequências caso o Corpo seja dividido?

A metáfora do corpo, Cristo a(o) Cabeça e a Igreja o corpo, perpassa as epístolas no Novo Testamento. Não é um corpo orgânico, mas funcional; não é visível, mas místico; não é cópia fiel dos nossos corpos, mas um modelo útil de interação, interdependência e cooperação.

Sendo místico, não é possível fracioná-lo fisicamente. Sendo místico, somente a Trindade o vê completamente, sabe como ele realmente é e quem nele está. Não é possível rasgar a Igreja – apenas criar mais e mais igrejas (denominações). Não é possível fazê-la crescer – esta tarefa pertence ao Espírito, e nós não temos poder de mudar o coração de ninguém (pelo menos no que tange a realmente confessar que Jesus morreu e ressuscitou para pagar o preço do nosso pecado). Nós não estabelecemos funções, mas sim o Cabeça, que é Cristo Jesus. Nesse aspecto, não é possível dividir o corpo.

Igreja, por sua vez, é o conjunto, que somente a Trindade conhece, daqueles que realmente confessam serem pecadores, separados irremediavelmente do Criador caso não aceitassem o sacrifício substitutivo realizado na cruz pelo próprio Deus em forma de homem. Não é estabelecida por fronteiras geográficas, ou denominacionais, ou organizacionais. O verdadeiro pertencimento acontece anonimamente na vida do crente – apenas por questões de formalidade humana existe um ritual para tornar público o fato. E o ritual não inclui ninguém no Corpo, apenas conta que o fato aconteceu (ou poderia ter acontecido, quando a confissão e aceitação realmente não aconteceram).

Dividir tem várias conotações. Separar para classificar, como, por exemplo, ao dividir os animais em categorias distintas. O Pai não é o Filho: não foi Ele que se encarnou e morreu e ressuscitou; o Filho não sabe quando será o fim, mas apenas o Pai. O Espírito procede do Pai, e é Ele que O envia.

Também pode significar a realização de grupos que pensam de modo semelhante a respeito de algum assunto. Paulo lembra aos coríntios que não deveriam “converter” aqueles que não comiam carne de animais sacrificados a ídolos, pois estes nada eram; apesar disto, deveriam ser respeitados, mesmo que o apóstolo os chamasse de fracos na fé (I Co 8). Outros foram chamados para o celibato e outros para a vida conjugal (I Co 7). Neste contexto, porque não situar as diferentes denominações? Afinal, qual a diferença destes grupos para aqueles que desejam um governo eclesiástico colegiado, ou episcopal, ou assembleísta? Ou que interpretam as Escrituras a partir do ponto de vista da predestinação e do livre arbítrio?

É possível pensar que todos os cristãos terão o mesmo ponto de vista a respeito de todos os assuntos? Foi isso que Jesus pediu ao Pai em sua oração final (Jo 17.11)? No primeiro concílio da igreja nascente, houve dois candidatos à vaga de Judas Iscariotes no colégio apostólico – ocorreu divisão, resolvida por sorteio. No segundo concílio (At 15) foi decidido que os gentios não necessitariam se tornar primeiro judeus para depois serem cristãos – portanto, a igreja estava dividida entre os de origem judaica e os de origem gentílica. E sem problemas!

Curiosamente, tempos depois, na já citada situação envolvendo o consumo de carnes sacrificadas aos ídolos, Paulo vai na contramão da decisão conciliar, que havia sido “...que se abstenham da carne contaminada pelos ídolos...que se abstenham da carne sacrificada aos ídolos” (At 15.20, 28, 29). Não há relato nas Escrituras de condenação ao apóstolo por parte dos demais.

Mas dividir também é dispersar esforços, enfraquecendo o grupo e seus objetivos, assim como causar desentendimento e inimizades. O primeiro foi condenado firmemente por Paulo, quando questionou a comunidade de Corinto a razão dela se fragmentar em “ser de Cefas”, “ser de Apolo”, “ser de Paulo”... Esta atitude ia contra o cerne da comunidade, ou antes, contra o cerne dAquele sobre O qual a comunidade ser erguia e servia o mundo (I Co 3). Dentre os frutos da carne (atitudes que não nascem de Deus, mas das entranhas pecaminosas do homem) estão “ódio, discórdia, ciúmes, ira, dissensões, facções” (Gl 5.19-21). Mas dentre os frutos que nascem diretamente do coração de Deus não está o pensar da mesma forma, ter o mesmo ponto de vista, mas sim “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22-23).

Aqueles que, por razões diversas, pendem mais para os frutos negativos do inconsciente provocam fratura na aparência, mas não na intimidade do corpo. A imagem é abalada, mas não o corpo real. Este não é prejudicado, mas sua missão se complica. Mas ao se complicar, também ilustra, na prática, o perdão, porque Deus a ninguém exclue (mesmo que se faça por merecer); e o “mau comportamento” mostra apenas o campo missionário do Espírito, na santificação de cada crente.

Não são as diferentes opiniões que minam o testemunho da Igreja, mas os comportamentos aberrantes e em desacordo com o amor, com a tolerância, com o perdão mútuo, e com a confiança de que o Senhor da Igreja a fará chegar, no devido tempo, ao fim de sua missão e santificação.

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