Rev. Sandro Amadeu Cerveira*
Depois de muita cobertura pela imprensa, horário eleitoral, conversas ao pé do ouvido além de debates mais ou menos sem graça finalmente as eleições 2010 aconteceram. Durante a semana que antecedeu o pleito pensei muito sobre o que diria a minha igreja .
Não queria fazer uma pastoral "espiritualizada" chamando a oração pelos candidatos e eventuais eleitos. Isso é obrigação mais do que conhecida de todo cristão. Dizer o óbvio sobre um tema polêmico parece-me uma forma (algo sonsa) de fugir do assunto.
Por outro lado não me pareceu apropriado usar das prerrogativas e espaços do cargo de pastor para fazer a defesa dos candidatos(as) de minha preferência. Embora eu acredite que não seja possível não misturar religião e política (afinal somos seres atravessados por ambas as dimensões) isso não significa que essa "mistura" possa ser feita de qualquer jeito. Usar o púlpito como palanque ou fazer de conta que sou apolítico é, para mim, algo fora de cogitação. A título de exemplo cito um certo vídeo que circulou pela internet no qual um pastor diz que não vai dizer em quem os irmãos deveriam votar mas utiliza toda sua retórica (inclusive com dados e associações equivocadas) para ensinar sua congregação em quem não votar. Imagino que algumas pessoas tenham sentido que sua inteligência estava sendo insultada. Os que se interessarem em ler mais sobre esse episódio sugiro o editorial de Marcos Bomtempo (Revista Ultimato) que pode ser acessado em nossa página eletrônica da Segunda Igreja.
Que dizer então?
Por fim cheguei a conclusão de que a melhor coisa a fazer a partir de minha formação e do lugar que ocupo era dizer que devemos evitar tanto a sacralização da política como a instrumentalização política da religião.
Acredito que seja consensual que não se deve permitir a instrumentalização da igreja, da fé, dos símbolos e espaços sagrados pelo mundo da política. A espiritualidade pertence ao mundo da transcendência e seu uso com outros fins transforma o que deveria ser santo num arremedo sacrílego e nauseante. Jesus demonstrou isso quando expulsou os comerciantes do templo e pagou com sua vida por denunciar o aparelhamento político do judaísmo promovido pelos partidos religiosos de sua época. Para que possa cumprir seu papel profético e ser espaço genuíno de salvação a igreja não pode vender sua independência por um prato de lentilhas mesmo que elas venham misturadas com estações de tv, bancos para a igreja, telhados, dinheiro e cargos que entre outras benesses tanto fazem brilhar os olhos cobiçosos de alguns líderes religiosos.
Por outro lado os efeitos de sacralizar a política, isto é querer e agir para que a política se transforme numa extensão da igreja, também pode ter efeitos perversos. O Estado tem como missão organizar o mundo dos homens garantindo a todos seus direitos fundamentais. Querer que o Estado faça o papel de igreja é atribuir uma função perigosa ao poder político. Não aprendemos nada com a história de Constantino? Não temos vergonha das execuções perpetradas por católicos e protestantes contra seus respectivos hereges? Não nos assustam os estados teocráticos contemporâneos que apedrejam mulheres apanhadas em adultério e punem severamente aqueles que se convertem a outra religião? Queremos mesmo incentivar essa lógica em nosso país? Atribuir ao Estado o papel de evangelizar, construir igrejas, ensinar religião, transformar em crime o que consideramos pecado é uma sacralização da instituição que detêm o monopólio do uso da violência legitimada que pode ter efeitos danosos de grandes proporções. Neste cenário ganha a religião dominante (que pode não ser a nossa) e perdem todos os demais.
Parafraseando o aposto Paulo, o político cuida das coisas desse mundo e não tem como não faze-lo. Aliás, é disso mesmo que se trata. Votar é um ato político e precisa ser pensado nessa perspectiva. Não estamos elegendo nossos líderes espirituais. Achar que eleições são oportunidades para "evangelizar" os políticos é contribuir (não importa se por ingenuidade ou má fé) para a profanação de nossos púlpitos e altares por candidatos oportunistas e lideres religiosos corruptos. Estamos elegendo homens e mulheres para que cuidem bem da parte terrena e "mundana" da criação de Deus. Isso já é muito. |
* pastor da 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte
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