Eduardo Ribeiro Mundim
Gradativamente os evangélicos brasileiros, em suas mais variadas cores, assumem posturas políticas. E isto deve ser visto como um progresso. Quando ingressei na faculdade, nos anos 80, a cabeça do jovem evangélico era formada para que evitasse ser "inocente útil"; política era coisa com a qual não se devia envolver. Bem, os tempos mudam, e, felizmente, também para melhor.
Um ditado popular diz que religião, política e futebol não se discutem. Talvez seja o ditado que menos credibilidade merece, pois todos os três assuntos são exaustivamente debatidos. E apaixonadamente! E a paixão exila a racionalidade, a visão ampla, a busca (que nunca é completa) de todas as possíveis visões de um assunto.
Em artigo denominado "Lobby cristão e casamento gay" publicado no dia 30/09/10 na Folha de São Paulo, Contardo Calligaris diz que "as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado".
Parte da igreja evangélica assim se comporta. Parece que seu exemplo é a aliança do Antigo Testamento. Quais eram as suas características?
- firmada com os pais valia para toda a descendência. A adesão dos filhos e netos era por nascimento, automática, compulsória;
- visava a construção de uma sociedade política, cultural e religiosa uniforme, com pouca possibilidade de troca de costumes;
- etnicamente centrada, exclusivista, não buscava convertidos (embora os aceitasse, caso houvessem);
- tinha o respaldo do poder de polícia, pois era uma unidade politica-cultural-religiosa, onde previa-se pena de morte para crimes religiosos (como trabalhar no sábado), sexuais (adultério) e sociais (homicídio doloso).
Esta parcela não mira na nova aliança trazida pela morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esta, exposta pelo Novo Testamento caracteriza-se por:
- adesão voluntária, pessoal e intransferível. O preço a pagar na adesão é a confissão de que Jesus é Senhor, e o Cordeiro de Deus morto pelos pecados daquele que adere;
- visa a construção de uma sociedade religiosa, a igreja, conjunto dos que se confessam pecadores e estão arrependidos, e que buscam, de modo solidário, uma vida progressivamente mais próxima do padrão divino;
- aberta a todas as culturas, sociedades, povos, nações e línguas, não coagindo nenhuma delas a negar a si mesmas, mas a terem transformados os seus aspectos contrários às normas do Reino;
- prescindir da força física, excluindo da comunidade aqueles que dela se afastam.
O contraste entre Israel e Igreja é uma evidência histórica, ou uma parábola profética, onde Deus mostra que não é possível a criação de um novo mundo baseado na coação, na cultura. Israel fracassou na sua missão interna (ser povo de Deus) e externa (ser luz para os que não O conheciam). E quando a Igreja é formada, não é o modelo de estado que os apóstolos escolhem, mas o de comunidade inclusiva (escravos, livres, senhores, servos, brancos, negros, etc) que busca ser luz e viver segundo ela!
Quando segmentos evangélicos querem impor a todos os que não são cristãos valores cristãos o espírito do Evangelho é violado! Somos enviados em missão para, simultaneamente (porque não há um aspecto prioritário em relação ao outro), servir ao próximo necessitado e pregar o Evangelho do Reino. Não somos enviados a forçar mudanças de comportamento, mas a oferecer opção melhor que pode ou não ser aceita.
A busca por uma sociedade cristã não se dá por intermédio das leis, ou da força bruta. Seria apenas uma sociedade cristianizada, sem alma, sem compromisso, sem busca pela santidade.
A quem estamos enganando? A nós mesmos? A Nova Jerusalém não será uma construção nossa, mas um presente de Deus vindo dos céus e por Ele preparado!
O comportamento deste segmento apequena as Boas Novas, mundaniza-as, busca um modelo fracassado e, nesta busca, confessa o próprio fracasso em ser Igreja pecadora e santa!
A lição do Sermão do Monte é clara: a comunidade cristã é para ser luz. É para convencer pelo modo de vida, pela santidade pessoal e vida em comum. E a visão de como cada sociedade humana deveria se organizar apresentada ao mundo descrente em bases racionais, inteligíveis para o ouvinte que não é cristão e nem deseja sê-lo, mas que se convence da superioridade dos argumentos apresentados.
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