domingo, 17 de abril de 2011

O cristão e a liberdade de expressão

Eduardo Ribeiro Mundim

"Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo" é uma frase atribuída ao enciclopedista francês Voltaire. Alguns fóruns de discussão, notadamente alguns blogs cristãos, parecem exigir que esta liberdade seja completa e irrestrita. E certamente nossa legislação permite - mas há mecanismos para conter abusos.

A liberdade de expressão é, em si, valor absoluto? E para o cristão?

Não há dúvidas de que quando há uma decisão a ser tomada o direito de livre expressão é a base onde a própria democracia repousa. Todos que desejarem explicitar seu ponto de vista têm o direito sagrado de fazê-lo. E o termo sagrado não é mera retórica. Fazer-se conhecer, através de opiniões e atitudes, é um ato de afirmação da existência de um ser racional (e, portanto, autônomo) e de igualdade com todos os outros seres racionais. Opinar é uma forma de existir.

Provavelmente pouca discussão há sobre afirmativas de caráter moral ou que impliquem em testemunho de transgressão à lei. Opinar que fulano é ladrão obriga a produzir a prova que baliza o dito, sob pena de injúria. Mas expressões como reacionário, conservador, liberal, fundamentalista e semelhantes não incorrem no mesmo risco. Outras têm nitidamente um caráter dúbio, ofensivo/não ofensivo. E outros parecem ofender e dizer que não o fizeram - esta parece ser a especialidade do deputado federal Jair Bolsonaro (cf. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/03/29/preta-gil-vai-processar-jair-bolsonaro-por-declaracoes-em-programa-de-tv-924115474.asp e o vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk).

Didaticamente, as opiniões cumprem ao menos três funções: participação no processo democrático, insulto ao próximo e desabafo.

É o direito à livre expressão valor absoluto?

Pela ótica racional, objetivando organizar a sociedade, não há porque absolutizar o direito dentro do debate democrático - aqui entendido como a análise e discussão de um problema/tema para o qual se busca uma solução. A mesma racionalidade permite antever que, se absolutizado o direito ao insulto, poucas sociedades humanas ficariam em pé. E o reconhecimento da nossa fragilidade e humanidade tolera o desabafo, desde que a fronteira com o ultraje não seja ultrapassada.

Para o cristão, as Escrituras ditam a norma:
- a palavra tem de ser agradável e temperada com sal, e individualizada de acordo com o interlocutor (Cl 4.6)
- insultos (palavras que visam humilhar o próximo, ou negar-lhe a capacidade de entendimento, ou negar-lhe o próprio direito de existir) são irmãos consanguíneos do homicídio (Mt 5.21-25). E o autor da epístola de Judas afirma que nem mesmo arcanjos insultam Satanás! (Jd 1.9)
- no juízo palavras fúteis, ociosas, inúteis e vãs terão de ser explicadas (Mt 12.36)
- a correção, exortação e repreensão devem ser pacientes e amparadas na Palavra (II Tm 4.2), não anulando o tempero, a individualização e a proibição do desejar destruir (e o que é a humilhação senão uma destruição social?)
- entre outras funções, a palavra é para animar e fortalecer (II Ts 2.17)

Por este apanhado é correto assumir que também do ponto de vista do Reino (e este ponto só é compulsório para aqueles que livremente aceitam o Senhorio de Jesus Cristo) o direito à expressão não é absoluto.

Debates ferozes ocorrem atualmente, tanto dentro da Igreja, quanto entre ela e "o mundo". Temas especialmente delicados, que tocam sensibilidades e susceptibilidades (aborto e homossexualismo para ficar em dois exemplos), levam os cristãos, frequentemente, a não dominarem a língua (e Tiago fala muito dela: Tg 1.26, e todo o capítulo 3). Intolerância recebe o nome de amor, argumentos contrários não são discutidos, mas desqualificados sem justificativa, adjetivos pejorativos usados como substantivos. Nestes momentos, caímos no erro de nos moldarmos ao mundo, no lugar de moldá-lo, de desobedecer o ensino do Evangelho (que assumimos livremente como nosso guia ético) e de dificultarmos a sua pregação.

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