Rev. Éser Pacheco*
É preciso ficar mudo diante de Deus. Bem fazem os judeus, que proíbem que se diga o nome do Senhor. Toda tentativa de definir Deus contém um germe de idolatria.
Em nossa vida devocional, seria útil aprendermos algo com um filósofo francês chamado Paul Ricouer. De origem reformada, aquele eminente filósofo, falecido em 2005, dizia: “A fé é essa região da simbólica onde a função de horizonte não cessa de decair à função de objeto, dando origem aos ídolos”. Para exemplificar o que essa frase quer dizer, deixe-me contar um caso que vi essa semana na TV.
Numa igreja da região norte de Belo Horizonte havia, à porta, uma estátua de Santo Expedito. Algum vândalo, tomado de desrespeito pelo próximo, ou algum fundamentalista, cheio de dogmas, mas vazio de misericórdia, achou de jogar ao chão a imagem cultuada por uma legião de fiéis freqüentadores do templo. As pessoas de bom senso vão todas concordar que vilipendiar objeto de culto alheio é um ato de violência e, por isso, deve ser rechaçado.
Por outro lado, não podemos também deixar de tirar algumas lições, ao observar a reação dos fiéis perante a estátua estatelada e fragmentada no chão. Uns choravam e se comoviam diante da imagem, como quem chora à beira da urna funerária de um parente querido. Outros passavam a mão na cabeça do Santo, como quem consola um ferido que aguarda os paramédicos. Houve ainda quem jogasse sobre o ícone uma manta, como se faz quando alguém morre em espaço público e deixa seu corpo exposto ao olhar dos curiosos e das intempéries do dia.
Naquele momento, para aqueles que confundem o horizonte aberto da Graça de Deus com a precariedade de nossas representações, a esperança de que alguém, neste ou em outro mundo, interceda a nosso favor, diante de causas que nos parecem impossíveis, havia se esfarinhado com o gesso. Construímos ídolos sempre que tentamos aprisionar a misteriosa presença de Deus nos esquemas de adoração adaptáveis ao nosso gosto, nossas expectativas, nossa miopia.
Mas antes que se reacenda a velha iconoclastia calvinista, é bom lembrar que não só de imagens de santos fazemos ídolos. Ídolos podem ser a Igreja, ou as igrejas, a Bíblia, ou o próprio Deus. Sempre que pensamos haver definido o que Deus é, nossa soberba erige seu próprio altar.
Há pastores que se gabam de haverem tido uma revelação especial de Deus, o qual lhes falou “em primeira pessoa”. Perdoem-me o apressado juízo, mas fico sempre a pensar no quanto isso tem de delírio narcisista ou de retórica manipuladora. Não convém julgar, mas, também, é preciso acender nosso espírito crítico sempre que alguém se apresenta como um tradutor especial de Deus, um porta-voz privilegiado. Melhor seria confessar que estamos todos às apalpadelas (Jó 5.14, Is 59.10, At 17.27).
Às vezes, é preciso resgatar o valor de uma adoração muda, de quem reconhece sua ignorância ante o mistério da presença divina em tudo. É preciso deixar o horizonte aberto, não querer aprisioná-lo em nossos conceitos, hábitos e valores. A esperança sempre alarga os limites do presente. A esperança sempre questiona nossa miopia. A esperança não morre, não se deixa matar.
* pastor colaborador da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, professor universitário
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