Regina Fernandes Sanches
Vivemos um tempo de inovação da educação teológica no Brasil e, por
isso, de desafios. Os desafios não dizem respeito somente à sua
competência para lidar com as novidades, mas principalmente em relação
ao testemunho e à ética cristã.
A educação teológica existe no Brasil desde os tempos de implantação do protestantismo de imigração, por meio das escolas de formação cristã e de líderes eclesiais. O protestantismo de missão intensificou este esforço com programas de capacitação de líderes para as igrejas nacionais, criando cursos de Teologia que deram origem aos seminários históricos existentes até hoje em algumas regiões do país. Outros foram ponta de lança para grandes universidades, chamadas de confessionais. Os institutos bíblicos, surgidos em meados do século passado junto aos movimentos de renovação espiritual e às igrejas pentecostais, pretenderam ser uma reação ao que chamavam de academicismo dos seminários históricos. Propuseram então cursos mais voltados para a prática ministerial e com possibilidades em níveis médio e básico.
No final da década de 90, por pressão de algumas instituições teológicas, o MEC decidiu reconhecer os cursos de Teologia por meio da homologação do Parecer CNE/CES 241 de 99. Para não caracterizar tal ato como inconstitucional abriu mão do currículo mínimo, mas exigiu a organização das instituições conforme o que é exigido para o ensino superior. Com o Parecer CNE/CES 0063 de 2004, o MEC possibilitou o aproveitamento dos estudos realizados nos cursos livres pelos cursos agora reconhecidos, permitindo que pessoas que haviam realizado tais cursos pudessem então complementar seus estudos e obter o diploma de curso superior. No final de 2010 o MEC reviu a liberação dos antigos currículos mínimos do Parecer 241 e estabeleceu, então, os eixos curriculares para os cursos de Teologia. São eles: Eixo Teológico, Eixo Filosófico, Eixo Metodológico, Eixo Histórico-cultural, Eixo Sócio-político, Eixo Linguístico e Eixo Interdisciplinar. A partir de então, todos os cursos de Teologia que pretendam autorização e reconhecimento do MEC terão que ter seus projetos pedagógicos organizados a partir de tais eixos.
Este histórico impõe alguns desafios para a educação teológica no país, que são:
1) Optar ou não pela busca do credenciamento institucional e autorização do curso, visto que não há nenhum impedimento para que continuem existindo os cursos livres, para uma formação teológico-ministerial. Aliás, temos notícias de escolas teológicas livres que estão se revitalizando, com projetos mais consistentes e recebendo até mais alunos do que escolas reconhecidas. De fato, isso dependerá mais dos rumos da Igreja no Brasil e de um despertamento vocacional do que de outras questões. Importante mesmo são as instituições repensarem suas motivações e razão de existir, e se organizarem a partir dessa reflexão.
2) Ao decidirem pelo reconhecimento e construírem, para isso, seu planejamento institucional, as escolas teológicas devem definir com clareza sua finalidade: se é meramente a existência como instituição de ensino superior iniciando com a Teologia, ou se é de fato uma instituição de educação teológica. São razões diferentes de existir. Há escolas que perderam o rumo da educação teológica, mas continuam oferecendo o curso e se servindo do discurso ministerial para atrair alunos. São cursos que se configuram em nível de conteúdo e proposta muito mais como de Ciências da Religião ou Filosofia, do que de Teologia. Muitos jovens vocacionados, seja para o ministério cristão ou para a reflexão teológica propriamente dita, sentem-se decepcionados ou desorientados em tais cursos, por não receberem a formação esperada. Se tais escolas desejam um curso genérico com fins empresariais, devem então buscar seu público nesse mesmo meio e não nas igrejas e entre os vocacionados para o ministério eclesial.
Outro risco ou problema que algumas escolas incorre é de tornarem o estudo da Teologia um projeto comercial. Oferece-se o que atrai mais alunos, aos moldes da educação superior comercializada que sabemos existir em nossa sociedade. Quando isto acontece a ética cristã sucumbiu ao dinheiro e à fama institucional, pois nesse meio é mais quem possui mais alunos, melhores prédios, mais recursos financeiros. Esta tendência vem se revelando com a utilização do Parecer 0063 de 2004, que permite o aproveitamento de estudos realizados em cursos livres por cursos superiores de Teologia. Todos que são da educação teológica vêm assistindo, quando não participando, da enlouquecida distribuição de diplomas por instituições que visam prioritariamente o enriquecimento institucional, envolvendo não somente instituições novas, mas algumas antigas e bem conceituadas, seja na forma de oferecedoras, como de mediadoras de tais serviços.
De fato, a ética da educação teológica no Brasil está sobre a mesa e deverá comprovar a que veio. Não basta dizer que se é ético, é necessário se comprovar com decisões institucionais. Ela foi tirada dos âmbitos dos prédios de educação cristã das igrejas e colocada sob os holofotes da sociedade que a Teologia está chamada não a conformar, mas a ajudar na transformação visando um mundo melhor para todos.
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Regina Fernandes Sanches é mestre em teologia e práxis e atuante na educação teológica desde 1995.
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