segunda-feira, 2 de julho de 2012

Amar o pecador, mas odiar o pecado


Eduardo Ribeiro Mundim

Esta é uma frase frequentemente usada quando se está discutindo algum assunto de natureza moral. Ela parece estar de acordo com as Escrituras; parece se ajustar perfeitamente aos desejos de Deus para seus filhos; parece ser a correta recomendação para a correta atitude frente às questões morais.

Eu não concordo!

Esta afirmativa é uma farsa, um arranjado piedoso de palavras com intenção assassina.

Concordo que estou usando termos pesados e confesso que o faço impulsionado pela emoção de já ter sido vitimado por ela. Sim, já me disseram que me amavam, mas odiavam o pecado que, supostamente, eu defendia.

Mas esta é uma história já velha...não sei se perdoei seus atores...tão pouco não estou bem certo de que eles se arrependeram e se desculparam.

Minha intenção com este preâmbulo é sublinhar as consequências emocionais de sua natureza oculta pelo seu aspecto piedoso.

A piedade supostamente reside no amor distribuído a todos, independente de quem são. Deus ama a todos, indistintamente, e na sua presença não há um justo sequer. Logo, amar o pecador nada mais é que repetir a ação divina. Ação esta, o amor, que O define, segundo o apóstolo João: “Deus é amor” (I Jo 4.16). Por amor, Ele cria o mundo, cria seres racionais à Sua imagem e semelhança, torna-se homem e vive como tal, compartilhando as mais ordinárias experiências do cotidiano, como sujar os pés de terra e ter a fome saciada e escolhendo suportar as mais extraordinárias experiências, como a traição, a tortura, a injustiça e a morte.

E Sua Palavra não nega o mandamento. Desde o princípio é amar: a Ele, Criador, em primeiro, e ao próximo, em segundo. Proponho que seja entendido que Sua prioridade não se deva ao fato de que Seus mandamentos definem o que é amar, mas que somente nos é possível tal atitude por sermos alvos dela a partir dEle: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (I Jo 4.19). O Seu amor é o molde, a forma, o modelo, a receita do que é amar. E, em última instância, mais do que “amar ao próximo com a si mesmo” (Mc 12.33) é “devemos dar nossa vida por nossos irmãos” (I Jo 3.16).

Amar é ter afeição, querer bem, ter ternura e devoção; apreciar muito, gostar, preferir. Não há desagregação, destruição, violência. Combina perfeitamente com os frutos do Espírito: “alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”. Na verdade, é o primeiro fruto, “agapê”, amor sacrificial. E como Paulo apóstolo instruiu, o maior dentre os três maiores dons: fé, esperança e amor (I Co 13.13).

Odiar é ter aversão, horror, inimizade, repulsa, desgosto. É desejar estar separado, é ser hostil. Não há intenção de agregar, de somar, de atrair. Contendas, ciúmes, iras, facções, dissensões, invejas são suas companheiras, e são chamadas pelo mesmo apóstolo de frutos da carne – incompatíveis com a herança do Reino de Cristo e de Deus (Gl 5.19-21).

Aos que erguem o título acima com orgulho, pergunto: onde está o mandamento para odiar, seja o que for?

A bandeira de “odiar o pecado” é ilegítima.

Ilegítima porque não há mandamento para que tomemos tal atitude.

Bastarda porque “pecado” não é um ser, é um ato. Como tal, não tem existência própria, mas é uma atitude. Portanto, “pecado” não existe sem “pecador”. Amar um é, em termos humanos, em certa medida, amar o outro; odiar um, odiar o outro.

Enquanto seres humanos é possível a proeza de detestar o ato cometido por alguém que se ama?

Acredito que sim. Se o amor preceder o ódio; se o amor definir a relação entre as pessoas, e não o ódio; se amamos apesar da atitude que repulsa. Mas não podemos começar odiando o pecado, porque será o ódio que dará o tom. E o que deu o tom inicial da criação de Deus foi amor, integração, doação, compartilhar.

É verdade que Paulo explicitamente ordena que odiemos o que é mal, e que nos apeguemos ao que é bom (Rm 12.9). Mandamento perigoso, que nos remete ao fio da navalha, pois odiar é próprio de nossa natureza pervertida e caída, e apegar ao bem é atitude que, frequentemente, demanda esforço. Mas se entendermos odiar como “cultivar o sentimento de repulsa por aquilo que é mal e que brota primeiro em mim, antes de brotar no meu próximo”, todo o perigo se vai.

Se eu odiasse o pecado que primeiramente habita em mim, e me amasse apesar dele, talvez então eu pudesse primeiramente amar o meu próximo e odiar o seu pecado, que encontro primeiro em mim.

Pois nas Escrituras pecado é pecado, não há escala de maior ou menor. Todos ofendem à santidade divina. E é uma impossibilidade bíblica o ser humano isento de pecado. Portanto, se meu próximo é imoral, talvez eu seja mentiroso; se ele é mentiroso, talvez eu seja fofoqueiro; se ele é fofoqueiro, talvez eu não ame...

Odiar o pecado” não deve ser nossa preocupação, mas amar o pecador, pois o estaremos amando como amamos a nós mesmos, e, se buscarmos do fundo do coração, como Ele ama. Não há necessidade de ódio, pois amor e ódio são, neste caso, como luz e trevas: um não está onde está o outro.

Odiar” é chamar o caminho largo e fácil; “amar” é andar pelo caminho estreito, aquele que poucos escolhem trilhar.

Por último, devo confessar: quando odiei o pecado, odiei também o pecador; quando me vi pecador, aspirei a santidade, minha e do meu próximo.

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