quarta-feira, 30 de julho de 2008

Homofobia e o Pecado de Todos Nós

Recentemente li um artigo sobre a homofobia na Folha de São Paulo. Chamou-me a atenção a linha de raciocínio adotada por quem o escreveu: na década de 40, a liberação do voto foi vista como prenúncio de uma catástrofe, e a lei do divórcio, idem. A conclusão foi de que todo o barulho realizado por fiéis evangélicos contra a chamada "lei da homofobia" teria destino igual: um sereno esquecimento.

Para uns, a lei evita que os homossexuais sejam discriminados sob qualquer forma; para outros, é um atentado à liberdade de expressão. Talvez ambos estejam certos...

Alguns articulistas evangélicos adotam termos que fazem pensar em uma guerra aberta contra um segmento homossexual específico. "Gaynazismo" é um deles; existem outros que não me parecem adequados para uma página escrita por um cristão.

Por outro lado, alguns segmentos homossexuais parecem querer realmente impor um paradigma a todos, cometendo o mesmo erro que eles denunciam. Padrão que parece ser construído sobre a noção que não há barreiras para a atividade sexual, desde que ela seja previamente acertada entre os envolvidos. Publicamente negam que tal acordo possa envolver menores de idade.

Penso que a lei tenha como alvo sermões que usem termos pejorativos contra a comunidade homossexual, ou que, contrariando as Escrituras, coloquem a atividade homossexual como o maior de todos os pecados; ou, novamente contrariando as Escrituras, a coloquem como exemplo máximo da perversão do ser humano não redimido; ou, pior ainda, deturpando-as, coloquem o alvo da evangelização o cessar da atividade homossexual, e não a confissão do Senhorio de Jesus com toda a adequação ética conseqüente.

Como cristão, de confissão evangélica, pergunto-me às vezes se não aspiramos um governo evangélico de cunho totalitário, onde todos seriam submetidos, querendo ou não, a um governo civil imposto, alicerçado sobre uma hermenêutica determinada. Uma imitação barata dos novos céus e terra que não construiremos, mas que ganharemos como presente, pronto e acabado, vindo das mãos de Deus.

Pergunto-me onde estamos, enquanto evangélicos,

o na luta contra as mortes no trânsito? (quem apoiou publicamente a "lei seca" - excetuando a parte inconstitucional de querer obrigar alguém a produzir provas contra si mesmo);

o na moralidade da vida pública? (talvez Marina Silva seja um dos poucos políticos evangélicos que não nos envergonhem);

o na luta contra o infanticídio indígena? (onde está a mobilização dos políticos que muitas vezes são chamados a ocupar os púlpitos em época eleitoral?)

o na luta pela redução da desigualdade social via desenvolvimento real e não através de medidas paliativas isoladas?

Questiono-me se quando denunciamos o pecado da homossexualidade também denunciamos o da mentira (por exemplo, jeitinhos na declaração do imposto de renda), do roubo (um jeitinho de reduzir ardilosamente a carga horária mantendo o salário), da deslealdade, da violência (durante quanto tempo apoiamos a ditadura militar com todos os seus excessos, justificados pela busca do "bem maior"?)...

Indago-me se estou pronto a aceitar o diferente em minha comunidade de fé, com todos os seus defeitos, até que o Espírito Santo complete a Sua obra nessa "vida diferente"? indago-me se esqueço do conselho paulino "aquele que está em pé, cuide para que não caia"; indago-me se me recuso a escutar Dietrich Bonhoeffer, que nos avisa "quando consideramos o pecado do outro maior que o nosso, estamos longe de conhecer no nosso pecado"? indago-me se meu coração não está endurecido, a ponto de considerar o próximo "o diferente", quando, na verdade, eu é que careço da misericórdia de Deus? indago-me se não nos esquecemos que estamos todos irmanados pelo pecado que cometemos e pela possibilidade de cometer qualquer um? indago-me se o único jeito de trabalhar pelo Reino é aquele que estamos acostumados a trabalhar...

terça-feira, 29 de julho de 2008

O Valor da Falta

Anteriormente, levantei, brevemente, a questão da falta e o jardim do Éden. Agora, desejo aprofundar um pouco mais no tema.

Deve-se ter cuidado para não transportar às Escrituras o modelo psicanalítico, de qualquer escola. Os personagens bíblicos não têm dados biográficos suficientes (com raras exceções) para qualquer interpretação que pretenda ser respeitável. Contudo, alguns conceitos podem, acredito, ser explorados pelas páginas sagradas.

Um destes é o da falta. O ser humano é descrito pelos freudianos como um "ser em falta", "um ser construído em torno de uma falta". Seu maior modelo neste ponto é o complexo de castração. Sumariamente, o efeito produzido na criança ao perceber a diferença entre os sexos, que seja, a presença peniana - e, portanto, a possibilidade de perder o órgão, para uns, e o fato de nunca tê-lo tido, para outros.

Tradicionalmente, a falta é descrita como algo de contorno negativo, ainda que seja a mola mestra de todo processo criativo humano. Apesar disto, continua sendo um fato a lamentar e a desejar um dia em que não mais exista.

Biblicamente, a falta pode ser rastreada na queda do primeiro casal. A falta, ao menos no seu sentido negativo, teria surgido neste momento, quando Adão e Eva são expulsos do Paraíso, do lugar da perfeição.

Minha hipótese é de que a falta faz parte dos planos do Criador desde o primeiro momento, e que a rejeição desta característica deu à luz ao primeiro pecado humano.

A descrição do Jardim é de um mundo perfeito, onde o homem, representado pelo primeiro casal, tornar-se mordomo do Criador, seu representante junto aos demais seres criados. Seu poder é tremendo: guardar, nomear, subjugar e sujeitar. E para esta tarefa, é deixado sozinho, e o autor de Gênesis não faz referência a nenhum "manual do fabricante". Parece que nomear, subjugar e sujeitar eram processos que eles aprenderiam fazendo.

Parece ser correto deduzir que Deus se ausentava do Éden, mas que nele passeava ao final do dia 1. O texto não diz que o Criador passava para "tomar satisfação", ou "fazer auditoria", ou "avaliar o trabalho desenvolvido". Diz que ele "passeava"; atividade de quem está tranqüilo, relaxado, despreocupado - provavelmente, confiante na capacidade dos seus representantes desempenharem a tarefa solicitada.

Usando o referencial psicanalítico, e supondo ser legítimo aplicá-lo a uma época tão arcaica, a convivência tão íntima entre Criador e criatura marcava uma diferença radical. Ela não era Ele! E isto não era fator negativo, não era uma falha na criação, alvo de 7 avaliações do seu autor como "...e viu Deus que era bom". O reconhecimento da diferença era fator constitutivo do casal e, supostamente, dos seus descendentes.

O fruto da árvore da vida nada mais era que o marco simbólico desta diferença. E como observou Rubem Alves 2, símbolo é aquilo que se inscreve na ausência de alguma coisa.

Naquela época primeva, o símbolo não marcava um fato negativo, marcava uma diferença constitutiva, relatava um fato, e punha uma escolha diária: o não comer reafirmava o caráter divino do casal, a aceitação da desigualdade como marca da perfeição. Digo que reafirmava o caráter divino porque este foi-lhe dado a partir do momento que fora criado "segundo a imagem e semelhança" de Deus que é Trino e Uno. Um Deus que é Uno numa coletividade de Três Pessoas que se revelam de modo diferente, através de funções diferentes. Cada dia em que se mantiam longa da árvore, reafirmavam sua aceitação de um mundo perfeito que integrava a falta na sua perfeição.

A rejeição se deu no momento em que decidiram não mais aceitar a falta como algo intrinsecamente bom, mas como algo a ser rejeitado ("sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal"), algo que os promoveria de categoria dentro da Criação.

A partir daí a falta tornou-se sinônimo de separação, de falha constitutiva e não de diferença constitutiva, com todas as conseqüências de milhares de anos de história puramente humana.

 

1 Gn 3.8

2 Alves R O que é religião, Editora Brasiliense

segunda-feira, 28 de julho de 2008

O que acontece agora com a Lei Muwaji

From: Suzuki e Marcia
Sent: Tuesday, July 22, 2008 6:35 PM
Subject: O que acontece agora com a Lei Muwaji

Amigos e irmãos,

A grande campanha a favor da Lei Muwaji, promovida por diversos setores da sociedade, por líderes indígenas, igrejas, jocumeiros, grupos de direitos humanos e pela população, alcançou seu objetivo principal. A Deputada Janete Pietá, relatora do projeto, foi pressionada a desengavetá-lo.
No último dia antes do recesso parlamentar ela entregou seu relatório. Foi um relatório favorável à votação da Lei, o que é uma grande vitória. Com a pressão nacional e internacional, ela foi forçada a admitir que o problema existe e que deve ser discutido pelo Congresso Nacional. O que era antes um "não-problema" passa a ser uma questão de fato, dentro do Congresso Nacional. Com o relatório favorável, o projeto de lei terá que ser discutido e votado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Isso significa que o assunto não pode mais ser ignorado, escondido numa gaveta e fadado ao esquecimento. Além disso, a Comissão aprovou por unanimidade uma audiência pública com a exibição do filme Hakani, seguido de um debate sobre o tema. Os deputados estão sensibilizados e o caminho está aberto.
A outra parte da história é a seguinte. A Deputada Janete aprovou o projeto de lei, mas não na forma que o Deputado Henrique Afonso propôs. Ela escreveu uma proposta substitutiva. Nessa proposta, ela tirou toda a força do projeto.
No PL original, o Estado teria que deixar de ser omisso e oferecer socorro às crianças em situação de risco, bem como providenciar abrigos para as famílias que querem sair das aldeias para salvar seus bebês. Os casos de crianças em situação de risco teriam que ser notificados e a omissão seria tratada como omissão mesmo - como crime.
No sustitutivo da Janete, o Estado se exime de toda a responsabilidade sobre a morte das crianças indígenas.O texto da lei apenas diz que os órgãos competentes deverão promover campanhas pedagógicas nas aldeias. Só isso.
Mesmo assim, a Comissão de Direitos Humanos está se mobilizando e alguns deputados vão entrar com voto em separado. Isso significa que eles não irão votar no substitutivo da Janete, mas farão seu próprio voto. São deputados que estão a favor da causa e entenderam a jogada da Janete para enfraquecer a Lei Muwaji.
Temos agora duas frentes de ação
  • Enviar mensagens e outras formas de conscientização dos deputados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, explicando que o substitutivo da Janete não resolve.
  • Pressionar a Janete para que ela mude seu voto. Ela pode fazer isso. Ela é muito sensível à pressão em Guarulhos - o marido dela é candidato à reeleição lá.
Continuem conosco em oração em oração antenados, pois logo estaremos enviando mais notícias.
Juntos com nossos irmãos indígenas, pelo direito à vida de suas crianças,
Márcia

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Manifestações pela Lei Muwaji

De: Suzuki e Marcia <suzukiemarcia@gmail.com>
Assunto: Clipping Imprensa-ATINI
Para: suzukiemarcia@gmail.com
Data: Quinta-feira, 17 de Julho de 2008, 13:51

Olha o que está saindo na imprensa hoje.

Clipping Imprensa


Hakani

Mobilização contra infanticídio acontece hoje - Jornal do Estado - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134774

Câmara promove manifestação contra infanticídio - Agenciabrasil.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134723

Manifestações em dez cidades condenam a prática do infanticídio entre os índios - Agenciabrasil.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134722

Documentário revela prática de infanticídio entre povos índios do Brasil - Africa21.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134719

Clipping Imprensa


Hakani

Mobilização contra infanticídio acontece hoje - Jornal do Estado - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134774

Câmara promove manifestação contra infanticídio - Agenciabrasil.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134723

Manifestações em dez cidades condenam a prática do infanticídio entre os índios - Agenciabrasil.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134722

Documentário revela prática de infanticídio entre povos índios do Brasil - Africa21.com - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134719
Manifestantes exigem proteção à vida de crianças indígenas - Gazeta do Povo - 16/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134605

Infanticídio

Índios em foco - Folha de S. Paulo - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134822

Infanticídio - O Estado do Paraná - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134812

CARA-PINTADA - Folha de São Paulo - 17/07/2008
http://www.nqm.com.br/Default.aspx?menu=11&clipping=10134746

Edson e Márcia Suzuki
ATINI - VOZ PELA VIDA
www.atini.org

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Cultura, Jardim do Éden e Apocalipse

Segundo Rubem Alves1 a cultura é uma conseqüência da imaginação do homem, o único animal que não é o seu corpo, mas o possui; cultura, ou mundo imaginário, que somente surge porque há uma ausência básica, que se manifesta através do desejo. Este, como nunca é satisfeito, torna-se representado pelos símbolos. O mundo real tem de fazer sentido, por isso o homem atribui valores a diferentes aspectos deste real, buscando na dureza da realidade, torná-la mais humana.


Apesar de teólogo por formação inicial, Rubem Alves não parte, naquele livro, do ponto de vista bíblico. Mas não posso deixar de pensar no relato de Gênesis tendo a hipótese dele em mente.


E o que vejo é um desafio para o primeiro casal: construir um mundo imaginário que, de certa forma, se tornasse um pouco deles mesmos, e não algo que lhes fosse completamente externo. Para alguns crentes, é sempre bom lembrar algumas lições que o Éden traz: Deus não é suficiente para o homem! Ele necessita de algo que a Trindade não lhe pode dar, porque assim Ela o definiu ao criar o homem do material da terra. "Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe CORRESPONDA" (2.18) Por livre e soberana decisão, Deus dá ao homem a constituição de só ser completo na presença de um igual.


E o homem, enquanto comunidade, tem a ORDEM de dar nome aos animais, de coordená-los, e Deus se ausenta do jardim. Para que o homem possa construir um mundo que o retrate / espelhe de algum modo, o Senhor Deus voluntariamente o deixa só, apenas eles, homem e mulher, para tomarem as decisões que julgarem acertadas.


O texto sagrado diz que, ao final da tarde, Deus PASSEAVA pelo jardim; Ele não estava fiscalizando o andamento das obras, verificando se tudo estava conforme a Sua vontade. Passeia quem está se deleitando, relaxando, "curtindo a vida". Na tarefa de criar mundos, Deus se sente tranqüilo e aguarda que Seus filhos lhe tragam, por prazer, os frutos da independência que Ele lhes deu!


Talvez a ausência da constante permanência divina seja a ausência citada por Rubem Alves. Talvez o fruto da árvore da vida represente, seja o símbolo, da ausência voluntária, por decisão unilateral, de Jeová. A outra grande lição é que a ausência não é, necessariamente, um mal, porque ela foi plantada no mundo por Aquele que o planejou e executou. A ausência é divina na sua origem, e é a partir dela que a humanidade deveria ter torneado a natureza.


A cultura humana é um mandato divino - ou melhor, faz parte da constituição do homem por decisão soberana do Criador. Ser homem / mulher é ter a necessidade vital de construir mundos que transcendem o indivíduo, abrangendo a comunidade. Cultura humana é realização divina.


E se o pecado desvirtua o propósito original (e aqui pode ser entendido como a decisão humana de dizer que não aceita o vazio que Deus dá; o homem prefere criar, ele mesmo, a ausência que vai guiá-lo doravante), não o anula. No primeiro grande empreendimento humano, a Torre de Babel, o erro está no desejo da uniformidade: um único projeto, mega-projeto, com um único objetivo. E Deus força o homem a diversidade, impondo-lhe línguas diferentes, para que seu desejo de diversidade e criatividade prevalecesse.


Não é isto que o número de espécies de seres vivos, maior que o número das estrelas do céu, ou dos grãos de areia da praia, demonstra?


Criatividade, diversidade cultural, são intenções divinas. Neste momento me questiono se a constante fragmentação do mundo evangélico não seria uma tosca realização deste mandato divino...


E no Apocalipse, o apóstolo João conta que a realização humana é plenamente incorporada nos novos céus e terra. O que ele vê descendo do céu: um novo Éden? Não, uma cidade. Cidade é idealização humana, construção humana. A vida eterna não é um regresso ao paraíso perdido, mas a redenção de tudo aquilo que construímos, enquanto humanidade, na nossa trajetória.2

 

 

1 Alves R O que é religião, 2a ed, Editora Brasiliense, SP, 1981

2 Ellul Jacques Apocalipse, Estrutura em movimento, Editora Paulinas, SP, 1979

sexta-feira, 11 de julho de 2008

"Por que te calas?"

Há uma ano a chamada Lei Muwaji (projeto de lei 1057/2007 - http://crerpensar.blogspot.com/2008/07/lei-muwaji.html) foi proposta pelo Deputado Henrique Afonso, do PT acreano. Até agora aguarda o parecer da relatora, Deputada Janete Pieta, do mesmo partido, de São Paulo. No dia 05 de setembro de 2007 foi realizada uma audiência pública para discutir o assunto. E pronto.

Recentemente, um panelaço foi efetuado em frente a residência da relatora, para lembrá-la no projeto que dorme em sua gaveta.

A causa não diz respeito a Igreja, seja ela de matiz católico ou evangélico; não diz respeito ao espiritismo; não diz respeito a nenhuma religião específica. Diz respeito a qualquer um enquanto ser humano. Contudo, este blog parte da premissa cristã evangélica e falo enquanto um cristão evangélico. Portanto, pergunto: por que te calas?
- Pergunto ao Deputado Lincoln Portela, PR - MG, pastor (salvo engano) evangélico e radialista, proveniente de Belo Horizonte, membro da mesma Comissão da Deputada Janete;
- Pergunto ao Deputado Pastor Manoel Ferreira, PTB - RJ, pastor e advogado, membro da mesma Comissão;
- Pergunto ao Deputado Gilmar Machado, PT- MG, em quem votei na última eleição;
- Pergunto a cada deputado da assim chamada "bancada evangélica";
- Pergunto ao CIMI, chamado a se pronunciar pelo ex-presidente da FUNAI, antropólogo Mércio Gomes (http://merciogomes.blogspot.com/2008/07/funai-reage-ao-filme-sobre-infanticdio.html) sobre o filme Hakani (www.hakani.org.br);
- Pergunto ao CIMI se sua opinião oficial é a expressa na sua página na internete, http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=2756&eid=259 - quando digitada a pergunta infanticídio, é a única resposta que aparece.

Enviei correio-eletrônico a todos os deputados federais, um a um; recebi alguns poucos retornos de mensagem não entregue; alguns poucos retorno robotizados; alguns poucos retornos de assessores; apenas um deputado afirma ter feito pronunciamento em plenário (http://www.barbosanetoparana.com.br/discursos/default.asp?nrseq=121).

Não digo que o projeto de lei seja perfeito. Digo que é covardia não discutir o assunto, e deixá-lo mofando no fundo de uma gaveta; digo que é incongruente votar contra o aborto e se calar quanto ao infanticídio; digo que é pecaminoso se omitir frente a questões de vida e morte.


terça-feira, 8 de julho de 2008

Uma Realidade Desconhecida


Iganani é filho de uma viúva, e o pai é desconhecido; à medida que crescia, foi descoberto que não andava e não brincava como as outras crianças da tribo (paralisia cerebral); Tititu, ao nascer, não era possível saber se era menina ou menino (genitália ambígua); Bianca também não conseguia brincar e se desenvolver como outras crianças (hipotireoidismo congênito); Harani era filha de mãe adolescente e solteira. Algumas características unem estas crianças: são índias, filhas de índios do Brasil, todas condenadas à morte por razões culturais: doenças, ser filho(a) de mãe solteira, fruto de adultério, segundo gêmeo a nascer....A lista se segue.
Tomei conhecimento do assunto "infanticídio" há cerca de 1 ano, quando conheci Hakani, uma menina índia adotada por um casal de missionários que havia sido enterrada viva pelos parentes, após várias tentativas infrutíferas de matá-la, porque era...amaldiçoada!
Não imaginava que no meu país acontecesse coisa assim. Assassinato por encomenda, por embriaguez ao volante, por vingança, aborto, por estupidez...Coisas que se acostuma e passa a não estranhar; coisas que se aprende estão muito acima da possibilidade de uma só pessoa resolver.
Matar crianças porque é um mandato cultural milenar - a tribo não corre risco de sobrevivência em muitas destas situações. Ao contrário da nossa ingenuidade, há momentos na cultura indígena em geral onde não há espaço para a solidariedade, para o carregar o fardo uns dos outros. Mas há pessoas, como Muwaji e como o irmão de Hakani que não se conformam "com este século" de sua cultura, e resgatam seus irmãos de uma setença de morte.
O Estado Brasileiro faz vistas grossas, influenciado por uma antropologia que coloca a cultura indígena como sacrossanta (mesmo que ela se extingua por falta de gente). "Desculpa, a declaração dos direitos humanos não vale para o índio. A constituição não vale para índio" - são palavras do Deputado Francisco Praciano em pleno Congresso Nacional.
As parteiras egípcias se recusaram a participar do infanticídio ordenado pelo novo faraó; João nos diz que "de tal maneira Deus amou o mundo que deu seu Filho unigênito" e que nós devemos dar a vida pelos irmãos (I Jo 3.16). Qual a resposta que a Igreja de Cristo dará? Como defender a vida contra a morte nesta situação?
Sugestão: acesse www.hakani.org e www.vozpelavida.blogspot.com

segunda-feira, 7 de julho de 2008

ONGS, AMAZÔNIA E NORDESTE BRASILEIRO

Uma conhecida encaminhou-me, por correio eletrônico, os dados abaixo, cuja fonte original eu desconheço:

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Vítimas da seca: 10.000.000, sujeitos à fome, sede e desnutrição; sem auxílio de qualquer ONG estrangeira.

Índios da amazônia: 230.000, não estão sujeitos à fome, sede ou desnutrição; auxílio de várias ONGs estrangeiras.


A Amazônia tem: ouro, nióbio, petróleo, as maiores jazidas de manganês e ferro do mundo, diamante, esmeraldas, rubis, cobre, zinco, prata, a maior biodiversidade do planeta (o que pode gerar grandes lucros aos laboratórios estrangeiros) e outras inúmeras riquezas que somam 14 trilhões de dólares.

O nordeste não tem tanta riqueza, por isso lá não há ONGs estrangeiras ajudando os famintos.

Tente entender: Há mais ONGs estrangeiras indigenistas e ambientalistas na Amazônia brasileira do que em todo o continente africano, que sofre com a fome, a sede, as guerras civis, as epidemias de AIDS e Ebola, os massacres e as minas terrestres.

Agora uma pergunta: Você não acha isso, no mínimo, muito suspeito?

E o governo Lula compactua... até favorece...
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Como tanta informação que circula pela rede, esta tornou-se (ou já era?) apócrifa: sem autor. E sem conhecer o autor, não se pode analisar um texto com clareza. Não se sabe os pressupostos a partir do qual ele foi escrito, o que o autor diz em outros lugares.

Os números podem estar corretos? Acredito que sim.

Não estou bem certo se os 230.000 índios não passam fome ou sede, ou sejam bem nutridos... Qual a fonte de informação?

Qual a fonte para se afirmar não existirem ONGs estrangeiras no nordeste brasileiro? E a contabilidade africana?

Supondo que todas as afirmativas sejam corretas, a explicação é abrangente, completa? Ou simplista e maniqueísta.

Não questiono o interesse pelo subsolo amazônico. Questiono se tudo o que lá acontece tem como explicação o seu rico conteúdo.

Pergunto, então:

1) o que fazem os índios mendigando nas grandes cidades?
2) Como é possível uma índia ser assassinada dentro de um órgão público?
3) Como está a assistência médica a eles?
4) Por que o governo insiste em impedir que eles sejam tratados, quando necessário, nos centros médicos adequados, preferindo deixá-los lidar com situações de saúde complexas com seus próprios recursos? Não é incoerente então dar-lhes recursos "não complexos" como vacinas (e desde quando vacina é uma coisa simples?)
5) Por que o assassinato da Isabela Nardoni comove, mas o de crianças indígenas não?
6) Por que o assassinato de uma única criança "branca" chama a atenção e impede de ser ver todas as outras por nós ignoradas?
7) Por que a estrutura de poder no nordeste brasileiro continua intocável?

O subsolo amazônico não responde estas questões...

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Carta aberta do movimento contra o infanticídio indígena



Publicado em originalmente em www.saudecomcristo.blogspot.com


Terça-feira, 17 de Junho de 2008

Carta aberta do movimento contra o infanticídio indígena

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à Primeira Dama D. Marisa e à Nação Brasileira.


Nós, indígenas do Mato Grosso e do Brasil, pedimos a sua atenção para os casos de infanticídio, que ocorrem impunemente nas aldeias indígenas do Brasil.
O infanticídio, não é um fato novo, infelizmente sempre esteve presente na história das culturas indígenas. Entretanto, tem ganhado a visibilidade na mídia com a divulgação da história da menina Hakani, da etnia Suruwahá, a qual sobreviveu ao infanticídio após o suicídio de seus pais e irmãos. Estamos vivendo um momento de profunda mudança em nossa cultura e estilo de viver, por que vivemos hoje um novo tempo. A realidade dentro das comunidades indígenas é outra. Já não vivemos confinados em nossas aldeias, condenados ao esquecimento e à ignorância. O mundo está dentro das aldeias, através dos meios de comunicação, internet e da escola, o acesso à informação têm colocado o indígena em sintonia com os acontecimentos globais.
Tudo isso tem alterado nossa visão de mundo. Hoje já não somos meros objetos de estudos, mas sujeitos, protagonistas de nossa própria história, adquirindo novos saberes e conhecimentos que valorizam a vida e a nossa cultura.
Somos índios, somos cidadãos brasileiros! Vivendo na cidade ou na aldeia, não abandonamos as riquezas de nossas culturas, mas julgamos que somos plenamente capazes de distinguir entre o que é bom e o que é danoso à vida e a cultura indígena. Desde já, assumimos as responsabilidades de nosso destino e de fazer escolhas que contribuam para o nosso crescimento. Nos recusamos ativamente a ser meros fantoches nas mãos de organizações científicas e de estudos. Chega de sermos manipulados pelas Organizações Governamentais e não-Governamentais!
Portanto manifestamos nosso repúdio à prática do infanticídio e a maneira irresponsável e desumana com que essa questão vem sendo tratada pelos Órgãos Governamentais. Não aceitamos os argumentos antropológicos baseados no relativismo cultural. De acordo com a nossa própria Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 227, determina:
"É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
É em nome deste preceito constitucional que nos dirigimos suplicando à nação brasileira, em especial ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e à Primeira Dama D. Marisa assim como aos Congressistas e Governantes Estaduais e Municipais manifestando a nossa indignação com a falta de respeito à vida, em especial as vidas das crianças vítimas do infanticídio.
O recente caso da menina Isabela alcançou tal repercussão na mídia, que de imediato nós vivenciamos a dor e a angústia de sua família: parecia que Isabela era alguém da nossa própria família. Toda a nação brasileira se comoveu e se encheu de indignação com tamanha violência, acompanhando e exigindo justiça a partir de então. Quanto à punição dos suspeitos, a Justiça tem feito seu papel, e a sociedade está em alerta contra a violência infantil.
Mas nós perguntamos será que a vida da Isabela tem mais valor do que aquelas crianças indígenas que são cruelmente enterradas vivas, abandonadas na mata, enforcadas por causa de falsos temores e falta de informações dos pais e da comunidade? NÃO!
Não aceitamos o infanticídio como prática cultural justificável, não concordamos com a opinião equivocada de antropólogos que têm a pretensão de justificar estes atos e assim decidir pelos povos indígenas colocando em risco o futuro de etnias inteiras.
O direito a vida é um direito fundamental de qualquer ser humano na face da terra, independentemente de sua etnia ou cultura.
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente, a Primeira Dama D. Marisa, Senhores Congressistas, Governantes Estaduais e Municipais e a cada cidadão brasileiro: os direitos humanos estão sendo violados no Brasil!! Milhares de crianças já foram enterradas, enforcadas ou afogadas e quantas mais deixaremos passar por tal crueldade?
Nosso movimento espera que a Lei Maior de nosso país seja respeitada, isto é, independentemente de etnia, cor, cultura e raça, todas as crianças gozem do direito à vida.
Nesse sentido:
- Pedimos que a Lei Muwaji seja aprovada e regulamentada;
- Pedimos ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luís Inácio Lula da Silva e a sua esposa que pessoalmente interfiram nesse processo;
- Pedimos que os Órgãos competentes não mais se omitam em prestar socorro às mães e as crianças em risco de sofrer infanticídio.
Nós, abaixo assinados, concordamos com os termos da carta aberta e juntos com os seus autores, pedimos aos governantes do País em todas as instâncias, providências ao combate e a erradicação do infanticídio, para que assim o sangue inocente não seja mais derramado em solo indígena, em solo brasileiro.
Mato Grosso, Junho de 2008
Movimento contra o infanticídio indígena.
Contato: edsonbakairi@hotmail.com.

Edson Bakairi é líder indígena em Mato grosso, professor licenciado em História com especialização em Antropologia pela UNEMAT, presidente da OPRIMT (Organização dos professores Indígenas de MT) por 3 anos e é sobrevivente de tentativa de infanticídio - abandonado para morrer na mata, foi resgatado e preservado com vida por suas irmãs.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ex-presidente da FUNAI pretende processar os responsáveis pelo filme HAKANI

A respeito do publicado em 
http://merciogomes.blogspot.com/2008/06/jocum-faz-filme-criminoso-sobre-os.html, transcrevemos, com permissão do autor, o comentário postado naquele endereço

Lamentável esta postura defensiva do ex-presidente da FUNAI. Quer negar os fatos denunciados, inventando uma teoria da conspiração estrangeira.Burocrata insensível que, como outros burocratas que vivem nos gabinetes refrigerados,às custas do Estado, e defendem o congelamento do status quo opressivo que vitima indígenas , especiamente os mais frágeis entre eles, crianças e mulheres.
Conheço a Hakani e vários Suruwaha e outros indígenas, que são  independentes em suas opiniões, tem cérebro próprio e detestam agentes da Funai e Funasa. Precisamos rever o Estatuto do Indio que trata os nossos irmãos tribais como débeis mentais e retiram deles a cidadania plena.

O que a FUNAI faz para evitar a mendicância de indígens nas ruas de São Paulo, Vitória, e em várias cidades do Brasil?

Ageu Heringer Lisboa, psicólogo

terça-feira, 1 de julho de 2008

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Lei Muwaji

Lei Muwaji - Projeto de Lei 1057


Autor: Henrique Afonso - PT /AC

PROJETO DE LEI Nº 1057 2007

Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais.


O CONGRESSO NACIONAL decreta:


Art. 1º. Reafirma-se o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos.


Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como
I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores;
II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla;
III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de deficiências físicas e/ou mentais;
IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero;
V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão;
VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo;
VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os diferencie dos demais;
VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;
IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição;
X. Abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas;
XI. Maus-tratos, quando se verificam problemas de desenvolvimento físico e/ou psíquico na criança.
XII. Todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional.


Art. 3º. Qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2º), de crianças correndo risco de morte, seja por envenenamento, soterramento, desnutrição, maus-tratos ou qualquer outra forma, serão obrigatoriamente comunicados, preferencialmente por escrito, por outras formas (rádio, fax, telex, telégrafo, correio eletrônico, entre outras) ou pessoalmente, à FUNASA, à FUNAI, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, à autoridade judiciária e policial, sem prejuízo de outras providências legais.


Art. 4º. É dever de todos que tenham conhecimento das situações de risco, em função de tradições nocivas, notificar imediatamente as autoridades acima mencionadas, sob pena de responsabilização por crime de omissão de socorro, em conformidade com a lei penal vigente, a qual estabelece, em caso de descumprimento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.


Art. 5º. As autoridades descritas no art. 3º respondem, igualmente, por crime de omissão de socorro, quando não adotem, de maneira imediata, as medidas cabíveis.


Art. 6º. Constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. É, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance.
Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica.


Art. 7º. Serão adotadas medidas para a erradicação das práticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educação e do diálogo em direitos humanos, tanto em meio às sociedades em que existem tais práticas, como entre os agentes públicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os órgãos governamentais competentes poderão contar com o apoio da sociedade civil neste intuito.


Art. 8º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

J U S T I F I C A Ç Ã O
A presente proposição visa cumprir o disposto no Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção sobre os direitos da criança, a qual, além de reconhecer o direito à vida como inerente a toda criança (art. 6º), afirma a prevalência do direito à saúde da criança no conflito com as práticas tradicionais e a obrigação de que os Estados-partes repudiem tais práticas, ao dispor, em seu artigo 24, nº 3, o seguinte:
"Os Estados-partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde da criança".

Também visa cumprir recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas para o combate a práticas tradicionais nocivas, como estabelecido na Resolução A/RES/56/128, de 2002, a qual faz um chamamento a todos os Estados para que:
"Formulem, aprovem e apliquem leis, políticas, planos e programas nacionais que proíbam as práticas tradicionais ou consuetudinárias que afetem a saúde da mulher e da menina, incluída a mutilação genital feminina, e processem quem as perpetrem".

Cabe pontuar que a menção à mutilação genital feminina é meramente exemplificativa, como uma das práticas tradicionais nocivas que têm sido combatidas, pelo fato de afetar a saúde da mulher e da menina. Não há, entretanto, registros desta prática consuetudinária no Brasil.
A Resolução A/S-27/19, também da Assembléia Geral da ONU, chamada de "Um mundo para as crianças", estabelece como primeiro princípio:
Colocar as crianças em primeiro lugar. Em todas as medidas relativas à infância será dada prioridade aos melhores interesses da criança.

Destaca-se que a expressão "melhor interesse da criança", presente na legislação nacional e internacional é, hoje, um princípio em nosso ordenamento jurídico e, mesmo sendo passível de relativização no caso concreto, existe um norte a seguir, um mínimo que deve ser respeitado na aplicação do mesmo: os direitos fundamentais da criança.
E como estratégia para proteger as crianças de todas as formas de maus-tratos, abandono, exploração e violência, dispõe a Resolução A/S-27/19, no ítem 44:
"Dar fim às práticas tradicionais e comuns prejudiciais, tais como o matrimônio forçado e com pouca idade e a mutilação genital feminina, que transgridam os direitos das crianças e das mulheres".

Urge destacar que todas as crianças encontram-se sob a proteção da própria Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 227, garante o direito à vida e à saúde a todas as crianças. A mesma proteção é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, em seu art. 7º, estabelece que a criança tem direito a proteção à vida e à saúde.
Também o Código Civil determina, em seu art. 1º, que toda pessoa (incluindo, obviamente, as crianças) é capaz de direitos e deveres na ordem civil e, em seu art. 2º, que o começo da personalidade civil se dá com o nascimento com vida (deixando claro que os neonatos já são titulares de personalidade civil).
Demonstra-se, portanto, que os diplomas legais acima referidos garantem o direito à vida como o direito por excelência. Desta maneira, o Estado brasileiro deve atuar no sentido de amparar todas as crianças, independentemente de suas origens, gênero, etnia ou idade, como sujeitos de direitos humanos que são. Obviamente, as tradições são reconhecidas, mas não estão legitimadas a justificar violações a direitos humanos, como dispõe o art. 8, nº 2, do Decreto 5.051/2004, o qual promulga a Convenção 169 da OIT.
Desta maneira, não se pode admitir uma interpretação desvinculada de todo o ordenamento jurídico do art. 231 da Constituição, o qual reconhece os costumes e tradições aos indígenas. É necessário que este artigo seja interpretado à luz de todos os demais artigos mencionados acima, bem como o art. 5º sobre os direitos fundamentais da Constituição, o qual norteia todo o ordenamento jurídico nacional.
É importante destacar um trecho do estudo intitulado "Assegurar os direitos das crianças indígenas", realizado pelo Instituto de Pesquisas Innocenti, da UNICEF, que diz o seguinte:

"Por outro lado, as reivindicações de grupo que pretendem conservar práticas tradicionais que pelos demais são consideradas prejudiciais para a dignidade, a saúde e o desenvolvimento do menino ou da menina (este seria o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina, do matrimônio não consensual ou de castigos desumanos ou degradantes infligidos sob pretexto de comportamentos anti-sociais) transgridem os direitos do indivíduo e, portanto, a comunidade não pode legitimá-los como se se tratasse de um de seus direitos. Um dos princípios-chave que tem vigência
no direito internacional estabelece que o indivíduo debe receber o mais alto nível possível de proteção e que, no caso de crianças, "o interesse superior da criança" (artigo 3º da Convenção sobre os direitos da criança) não pode ser desatendido ou violado para salvaguardar o interesse superior do grupo".

É importante destacar que a cultura é dinâmica e não imutável. A cultura não é o bem maior a ser tutelado, mas sim o ser humano, no intento de lhe propiciar o bem-estar e minimizar seu sofrimento. Os direitos humanos perdem, completamente, o seu sentido de existir, se o ser humano for retirado do centro do discurso e da práxis. Portanto, a tolerância (no sentido de aceitação, reconhecimento da legitimidade) em relação à diversidade cultural deve ser norteada pelo respeito aos direitos humanos.
Desta forma, entende-se que práticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e étnicos do nosso país, não podem ser ignoradas por esta casa e, portanto, merecem enfrentamento, por mais delicadas que sejam.
Sabe-se que, por razões culturais, existe a prática de homicídio de recém-nascidos, o abuso sexual de crianças (tanto por parte de seus genitores, quanto por parte de estranhos), a desnutrição intencional, entre outras violações a direitos humanos fundamentais. Destaca-se que tais práticas não se circunscrevem a sociedades indígenas, mas também a outras sociedades ditas não tradicionais.
Há que ressaltar, também, o sofrimento por parte dos genitores que, muitas vezes, não desejam perpetrar tais práticas, mas acabam obrigados a se submeterem a decisões do grupo, tendo, assim, seus próprios direitos humanos violados (como, por exemplo, sua integridade psíquica).
Quando a família ou o grupo não deseja rejeitar a criança, mas sim buscar alternativas, a atuação do governo deve guiar-se pelo princípio fundamental de respeito à vida e à dignidade humana, os quais permeiam todo o ordenamento jurídico brasileiro e dar a assistência necessária para que a família ou o grupo possam continuar com a criança.
Porém, se um grupo, depois de conhecer os meios de evitar as práticas tradicionais nocivas, não demonstrar vontade de proteger suas crianças, entende-se que a criança deveria ser encaminhada, provisoriamente, a instituições de apoio, governamentais ou não, na tentativa de ainda conseguir a aceitação da família ou do grupo. Se esta tentativa for frustrada, então a alternativa da adoção poderia ser adequada, pois garante o direito à vida que a criança possui. É imprescindível destacar que este processo todo deve ser realizado, em todos os momentos, com base no diálogo.

Preocupada com a postura dos órgãos governamentais de não interferir em práticas tradicionais que se choquem com os direitos humanos fundamentais, postura esta embasada no relativismo radical e demonstradamente contrária ao ordenamento jurídico brasileiro e à legislação internacional, a organização não-governamental ATINI – Voz pela Vida, que defende o direito humano universal e inato à vida, reconhecido a todas as crianças, empenha-se no enfrentamento e debate sobre as práticas tradicionais que colidem com os direitos humanos fundamentais.
De acordo com pesquisas realizadas pela ATINI, existem poucos dados oficiais a respeito do coeficiente de mortalidade infantil em razão de práticas tradicionais. Segundo dados da FUNASA, entre a etnia Yanomami, o número de homicídios elevou o coeficiente de mortalidade infantil de 39,56 para 121, no ano de 2003. Ao todo, foram 68 crianças vítimas de homicídio, naquele ano.[1] No ano seguinte, 2004, foram 98 as crianças vítimas de homicídio (erroneamente divulgado como infanticídio).[2]

Também foi divulgado pela mídia um caso de gravidez de uma criança de 9 anos, da etnia Apurinã, com suspeita de que haja sido por estupro.[3]

Fica clara a urgência de providências que este assunto demanda, visto que inúmeras crianças, as quais devem ter seus direitos e interesses postos em primeiro lugar, têm sido vítimas silenciosas de práticas tradicionais nocivas e sem que haja providências suficientes para cessar estas violações à sua dignidade e a seus direitos fundamentais mais básicos, dos quais elas são indiscutivelmente titulares.

Objetivando tornar realidade os propósitos da ATINI – Voz pela Vida, manifestados nesta justificação, venho assumir a tarefa de apresentar esta proposta de Projeto de Lei.

Dada a importância do tema conto com o apoio dos nobres parlamentares para a provação do presente Projeto de Lei.

Sala das Sessões, 11 maio de 2007.


Deputado HENRIQUE AFONSO (PT/AC)

[1] COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Conselho Yanomami se reúne para aprovar Plano Distrital de Saúde. Fonte: Brasil Norte, 26 de maio de 2004. Disponível em: , acesso em 02.01.2006.
[2] COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Parabólicas. Fonte: Folha de Boa Vista, 11 de março de 2005. Disponível em: , acesso em 20.03.2006.
[3] Disponível em:http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI949683-EI306,00.html


Data de Apresentação: 11/05/2007
Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Regime de tramitação: Ordinária
Situação: CDHM: Aguardando Parecer da relatora até a presente data, após mais de 1 ano.

Ementa: Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais.

Despacho:
21/5/2007 - Às Comissões de Direitos Humanos e Minorias e Constituição e Justiça e de Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD) Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário Regime de Tramitação: Ordinária

Envie sua aprovação para a Relatora
Deputada Janete Rocha Pietá (Professora e Arquiteta)
PT de São Paulo

E-mail
dep.janeterochapieta@camara.gov.br

Pelo Correio
Dep. Janete Rocha Pietá
Gabinete 578 Anexo III
Câmara dos Deputados
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Por telefone
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0xx61 3215-2578 (fax)
0800 619 619 (mensagem para a Deputada Janete Rocha Pietá)

Obs.: ao enviar e-mails para a Deputada, favor fazê-lo com cópia para leimuwaji@gmail.com