Recentemente li um artigo sobre a homofobia na Folha de São Paulo. Chamou-me a atenção a linha de raciocínio adotada por quem o escreveu: na década de 40, a liberação do voto foi vista como prenúncio de uma catástrofe, e a lei do divórcio, idem. A conclusão foi de que todo o barulho realizado por fiéis evangélicos contra a chamada "lei da homofobia" teria destino igual: um sereno esquecimento.
Para uns, a lei evita que os homossexuais sejam discriminados sob qualquer forma; para outros, é um atentado à liberdade de expressão. Talvez ambos estejam certos...
Alguns articulistas evangélicos adotam termos que fazem pensar em uma guerra aberta contra um segmento homossexual específico. "Gaynazismo" é um deles; existem outros que não me parecem adequados para uma página escrita por um cristão.
Por outro lado, alguns segmentos homossexuais parecem querer realmente impor um paradigma a todos, cometendo o mesmo erro que eles denunciam. Padrão que parece ser construído sobre a noção que não há barreiras para a atividade sexual, desde que ela seja previamente acertada entre os envolvidos. Publicamente negam que tal acordo possa envolver menores de idade.
Penso que a lei tenha como alvo sermões que usem termos pejorativos contra a comunidade homossexual, ou que, contrariando as Escrituras, coloquem a atividade homossexual como o maior de todos os pecados; ou, novamente contrariando as Escrituras, a coloquem como exemplo máximo da perversão do ser humano não redimido; ou, pior ainda, deturpando-as, coloquem o alvo da evangelização o cessar da atividade homossexual, e não a confissão do Senhorio de Jesus com toda a adequação ética conseqüente.
Como cristão, de confissão evangélica, pergunto-me às vezes se não aspiramos um governo evangélico de cunho totalitário, onde todos seriam submetidos, querendo ou não, a um governo civil imposto, alicerçado sobre uma hermenêutica determinada. Uma imitação barata dos novos céus e terra que não construiremos, mas que ganharemos como presente, pronto e acabado, vindo das mãos de Deus.
Pergunto-me onde estamos, enquanto evangélicos,
o na luta contra as mortes no trânsito? (quem apoiou publicamente a "lei seca" - excetuando a parte inconstitucional de querer obrigar alguém a produzir provas contra si mesmo);
o na moralidade da vida pública? (talvez Marina Silva seja um dos poucos políticos evangélicos que não nos envergonhem);
o na luta contra o infanticídio indígena? (onde está a mobilização dos políticos que muitas vezes são chamados a ocupar os púlpitos em época eleitoral?)
o na luta pela redução da desigualdade social via desenvolvimento real e não através de medidas paliativas isoladas?
Questiono-me se quando denunciamos o pecado da homossexualidade também denunciamos o da mentira (por exemplo, jeitinhos na declaração do imposto de renda), do roubo (um jeitinho de reduzir ardilosamente a carga horária mantendo o salário), da deslealdade, da violência (durante quanto tempo apoiamos a ditadura militar com todos os seus excessos, justificados pela busca do "bem maior"?)...
Indago-me se estou pronto a aceitar o diferente em minha comunidade de fé, com todos os seus defeitos, até que o Espírito Santo complete a Sua obra nessa "vida diferente"? indago-me se esqueço do conselho paulino "aquele que está em pé, cuide para que não caia"; indago-me se me recuso a escutar Dietrich Bonhoeffer, que nos avisa "quando consideramos o pecado do outro maior que o nosso, estamos longe de conhecer no nosso pecado"? indago-me se meu coração não está endurecido, a ponto de considerar o próximo "o diferente", quando, na verdade, eu é que careço da misericórdia de Deus? indago-me se não nos esquecemos que estamos todos irmanados pelo pecado que cometemos e pela possibilidade de cometer qualquer um? indago-me se o único jeito de trabalhar pelo Reino é aquele que estamos acostumados a trabalhar...
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