quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Contágio nas matas - carta à revista Carta Capital

Belo Horizonte, 11 de agosto de 2.008

 

Jornalista Felipe Milanez

Carta Capital

 

Tomei conhecimento do artigo "Contágio nas Matas", no número 505 do semanário Carta Capital, há poucos dias. Desejo apresentar-lhe algumas considerações, tendo em vista o meu alto conceito que reservo para esta revista.

 

Acredito ser correto apresentar-me: Eduardo Ribeiro Mundim, 45 anos, médico, resido na capital mineira, criado em ambiente evangélico e cristão evangélico por livre escolha, co-editor da página "bioética e fé cristã", membro de um dos ramos da Igreja Presbiteriana. Não sou obreiro da Jocum, nem mantenho com ela relacionamento institucional direto; contudo, conheço o casal Suzuki, sua filha Hakani, e estou lutando pela aprovação do projeto de lei número 1057/2007, do deputado federal pelo Acre, Sr. Henrique Afonso, conhecido como "lei muwaji" - a minha participação está registrada no blog crerpensar.blogspot.com.

 

Lamento a escolha efetuada na redação de sua reportagem: postar-se ao lado de uma versão, a da FUNAI, e demonizar a outra, a da Jocum. Este talvez seja o principal defeito de um trabalho que muito teria colaborado para trazer novas luzes sobre um debate que não tem alcançado a repercussão que merece e necessita junto à sociedade nacional.

 

Estou acostumado ao tom anticristão da revista Veja, presença obrigatória na maior parte dos seus números e clara opção de alguns de seus articulistas. Até o presente, não havia detectado o mesmo viés na Carta Capital. Este tom é claro e acredito que tenha sido uma opção consciente de sua parte.

 

Lamento que não tenha existido espaço no texto para discutir questões como, dentre outras, "é a cultura sagrada?"; "qual deve ser o relacionamento entre duas culturas distintas separadas por um grande fosso tecnológico"?; "quem deve determinar qual a política indigenista nosso país deve ter?"; "são os antropólogos funcionários do Estado donos da verdade"?

 

Lamento que a Jocum não tenha sido apresentada também através dos outros trabalhos que desenvolve em todo o Brasil. As acusações que o suposto documento interno da FUNAI elenca transformam aquela organização em algo próximo a Máfia; sendo documento interno vazado, acredito que o autor da reportagem se torne o autor das denúncias, não?

 

Sugiro no futuro uma reportagem sobre por que duas instituições respeitáveis, o CIMI e a Jocum, têm diferenças tão gritantes no que diz respeito ao que os cristãos denominam de "evangelização", e o que o clero católico e o evangélico, assim como os membros leigos de ambos, pensam do assunto.

 

A posição assumida, de que toda missionário que deixa o conforto da cidade para morar na selva, após graduar-se em lingüística e terem a opção de serem apenas professores universitários, brasileiros natos, serem agentes de uma potência estrangeira é pueril. Sugiro que visitem a residência deles, que os acompanhem durante uma semana, leiam os artigos que publicam...

 

Por uma razão que não foi apresentada aos leitores, os índios não foram ouvidos. Já que os suruwahas não falam português, e os únicos intérpretes que o senhor encontrou foram explicitamente declarados não confiáveis, por que não procurar lideranças indígenas que dispensam intérprete? Certamente a FUNAI as conhece; caso contrário, disponho-me a auxiliá-lo na empreitada.

 

É deprimente perceber que ou não ouviu todos os fatos, ou não apresentou (por ter tomado partido) aos leitores todos eles (segundo o ponto de vista dos entrevistados) para que nós, leitores, concluíssemos após uma ampla exposição. Chamo como suporte para esta questão a dúvida levantada sobre a realidade do infanticídio indígena - a FUNAI tem certeza das acusações levantadas, mas "acha que" o problema não existe - por conseqüência, os obreiros da Jocum são mentirosos. Por que o senhor assumiu este ponto de vista, e os tratou assim na reportagem, não dando ao leitor o direito de julgar sozinho? É o leitor um incapaz?

 

Hakani foi adotada legalmente. O Estado Brasileiro perdeu a sua guarda. Foi pesquisado o processo de adoção? o que o Estado, através dos seus agentes, defendeu em juízo contra a adoção?

 

Assisti ao filme citado, que, por sinal, não chama "incinerado vivo". Ele está disponível na internete, tanto na página www.hakani.org, quanto no youtube. Não vi desrespeito pelo índio - ele não é uma obra de ficção. Os pais de Hakani suicidaram para não matá-la. Você a conhece? Viu as suas cicatrizes? Procurou o irmão que a salvou? Mais uma vez, o leitor foi tratado com indulgência - eu sempre tive a Carta Capital como um veículo que busca o leitor articulado.

 

O projeto de lei foi lido? Não me parece que ele responsabiliza o silvícola pelo infanticídio, mas o branco que não o ajuda a não perpretar o crime.

 

Corrija-me se entendi errado, mas pelo seu trabalho caso alguém veja um índio gravemente enfermo (por exemplo, com apendicite aguda), deve aguardar que o Estado autorize o tratamento?

 

Há muito mais que comentar sobre o trabalho, mas não é minha intenção, neste momento, descer aos pormenores. Creio que os atingidos pessoalmente por ele o farão.

 

Atenciosamente

 

 

Eduardo Ribeiro Mundim

 


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