Eduardo Ribeiro Mundim
Este é um livro instigante. Já foi acusado de ser oportunista, um modo de fazer dinheiro; de ser repetir à exaustão um tema já conhecido.
Quero discordar. Comprei e li pausadamente - sendo um livro pequeno, não se demora a chegar ao final.
Na minha opinião, reflete sobre um fato que nós evangélicos não costumamos pensar; e quando o faz, é de modo crítico, enriquecendo com pontos de vista de outras pessoas, entre psicólogos e pastores. Reflete sobre um fato que nós evangélicos não costumamos pensar enquanto abuso - na verdade, usamos qual adjetivo?
A autora conceitua abuso espiritual como o encontro entre uma pessoa fraca (emocionalmente abalada, carente, necessitando de segurança por um período de tempo prolongado, buscando ser cuidada de modo infantil por Deus ou por Seu substituto suposto) e outra forte quando esta usa o nome de Deus para influenciar aquela a decidir de modo que se diminua física, material ou emocionalmente.
Os ingredientes do abuso espiritual são:
1) a palavra do pastor transforma-se em palavra literal da boca do próprio Deus
2) o desfrute de benefícios pessoais por parte da pessoa forte, sejam eles emocionais, sociais ou financeiros
3) uma visão de uma obra que é superior às necessidades do indivíduo
O abuso é fruto de uma série de distorções, que contrastam fortemente com as características iniciais da Reforma Protestante; Dentre outras, ele é marcado por:
- liderança inadequada (personalista, isolada, com padrão ético questionável, autoritária e massificada)
- liderança sem formação bíblico-teológica formal e ampla
- liderança que se assume como ídolo (intermediária entre o fiel e Deus, mistificada e portadora/fonte de poder)
- distância entre fé e prática
- apresentação da vontade de Deus como algo fixo; a desobediência a ela traz castigo imediato
- apresentação da vontade de Deus como um segredo que é revelado, extrabiblicamente, a servos escolhidos
- transformação das Escrituras em um "manual do fabricante", fonte de receitas certas para cada detalhe da vida do cristão, e não somente a norma ética-teológica
Mas as características distintivas da Reforma sâo:
= a salvação se manifesta através de uma vida aprovada
= o estudo diligente das Escrituras é estimulado
= não há mediador entre Deus e o homem, a não ser Jesus Cristo, e não há mediador entre o homem e Jesus
= todos os cristãos têm função no corpo de Cristo
= a vida do cristão caracteriza-se por ser uma vida de serviço ao próximo
= o bom pastor é aquele que se torna gradativamente desnecessário
A autora declina pelo menos três diferentes tipos de abuso. A criação de uma atmosfera de medo do pastor, o despertar e o alimentar de sentimento doentio de culpa e a pregação de novas doutrinas.
Apesar do abusador ser ele mesmo vítima de uma série de fatos (que ele poderia ter procurado auxílio profissional para compreender e lidar de modo saudável), o fiel que tinha uma imagem idealizada rompe drasticamente com ele quando o descobre um ser humano normal. Alguns abandonam a comunidade de fé e outros a própria fé.
O líder que se torna um abusador não erra sozinho. Muitos fiéis infantilizados o chamam e o colocam na posição de ídolo. Contudo, a quem cabe a maior responsabilidade: ao que detém o poder ou àquele enfraquecido?
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