domingo, 28 de fevereiro de 2010

Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?

Eduardo Ribeiro Mundim

Peter Rollins, no livro "How (not) to speak fo God" (Paraclet press), tece interessantes comentários sobre o sábado de aleluia. Inicia comentando como a Paixão tem que ser vista como uma unidade, pois a crucificação e a ressurreição se completam, não só enquanto drama histórico, mas como teologia. Uma não subsiste sem a outra, em nenhuma das duas vertentes. Contudo, as horas que separam estes dois eventos são pouco usadas como reflexão, apenas como um momento de espera.  Ele propõe a seguinte estória:

No dia em que Jesus foi crucificado, um grupo de seguidores embalou seus pertences e saíram em busca de um novo lar, pois o abalo emocional sofrido pela crucificação tornavam impossível a permanência deles onde Cristo havia sido sacrificado. Saíram da Palestina, e nunca mais retornaram. Viajaram por milhares de quilômetros até encontrarem um lugar remoto e isolado, onde construíram uma vila. Juraram  proteger a memória de Jesus e viver segundo os seus ensinamentos.

Após 300 anos de isolamento, um grupo de missionários cristãos os encontrou e ficou maravilhado em encontrar uma vila onde todos viviam o modo sacrificial ensinado por Jesus, apesar de desconhecer Suas ressurreição e ascenção. Imediatamente convocaram a todos e os ensinaram o que havia ocorrido, após a partida dos seus pais fundadores.

Naquela noite houve uma grande festa. Um dos jovens missionários notou a ausência do líder da comunidade e saiu a sua busca. Encontrou-o, afinal, em um barraco na periferia do território da vila, orando e chorando. Surpreso, questionou toda aquela tristeza frente à grande notícia trazida. Agachado, em dor, o ancião respondeu:

"Um dia de grande celebração e grande dor. Por 300 anos temos seguido o caminho que Cristo nos ensinou. O seguimos fielmente, apesar do grande custo, e nos mantivemos resolutos apesar do medo da morte tê-lo vencido e de que, um dia, nos venceria."

O ancião levantou-se e fitou o jovem missionário compassivamente. 

"Diariamente renunciamos às nossas vidas por ele, porque o consideramos completamente digno de receber este sacrificio, de receber nosso ser. Mas agora estou preocupado porque minhas crianças e as crianças de minhas crianças podem seguí-lo não pelo valor implícito que Ele tinha, mas pelas promessas que Ele fez."

Com isto, o ancião deixou o barraco, se dirigindo para a festa, e deixando o jovem com seus pensamentos.

O horror da cruz não foi a morte pela tortura lenta, nem a suprema humilhação pública (os condenados eram expostos nus), mas a possibilidade de Deus ter abandonado Deus - este é o inimaginável, o impensável, o intolerável. Entre outras coisas, é o fracasso.
Nesta estória somos apresentados a uma comunidade que seguia Cristo não por causa da ressurreição, mas pela sedução. Eles sabiam o verdadeiro significado daquele brado na cruz, pois viveram com ele até onde sua memória permitia.

É neste local de radical incerteza que nós, como esta comunidade, devemos nos perguntar por que lutamos para sermos fiéis a Cristo. Aqui podemos nos perguntar se é por causa das promessas e segurança, ou se o nosso compromisso com Ele as transcende.

A fé não nasce no sábado de aleluia, mas é nele que ela é testada.

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