Eduardo Ribeiro Mundim
Escrevo desta vez sobre o filme Avatar inspirado pela reflexão do Pastor Christian Gillis, da Igreja Batista Redenção, em Belo Horizonte, publicada na página da Ultimato recentemente (acesse). Minhas primeiras observações sobre o filme, que assisti por duas vezes, foram escritas após a primeira vez (ver em), e foram dirigidas focando outros aspectos. O Pastor Christian traz à tona uma possível teologia panteísta, a iniciar pela escolha do nome (Avatar, na teologia hindu, é uma das encarnações de Vishnu), pelas características planetárias e interrelações entre todos os seres vivos, assim como pela aparência divina do satélite, Eiwa e passando pela própria constituição dos chamados avateres no filme.
Ficção científica é minha leitura favorita desde a adolescência, assim como os romances de fundo histórico. Algumas questões vistas como basicamente teológicas por ele não o são, na minha percepção.
A iniciar pelo contexto: uma obra de ficção científica, feita para divertir nossa imaginação e brincar com o ainda não possível como uma possibilidade real em determinado momento futuro. Não pretende simular a realidade, ou retratá-la mas modificá-la pela fantasia através de recursos minimamente críveis pela possibilidade do desenvolvimento tecnológico.
Os avatares não são uma ideia de James Cameron. O seriado original Jornada nas Estrelas, em um de seus episódios, traz o capitão James T. Kirk frente a uma civilização capaz de transferir a pessoa a um androide extremamente sofisticado, impossível de ser percebido enquanto tal pela aparência externa, textura da pele ou comportamento. A série de Frank Ebert, (Duna, O Messias de Duna, Crianças de Duna, O Imperador Deus de Duna) também flerta com a ideia de imortalidade, através da gestação de um clone da pessoa, que seria "desperta" dentro do mesmo através de uma violenta experiência emocional.
Teologia fala a respeito daquilo que é revelado sobrenaturalmente, e não daquilo que é observável na natureza, seja diretamente através dos cinco sentidos naturais, seja através da extensão dos mesmos, pela tecnologia. Os seres vivos de Eywa estão interligados através de uma rede que pode ser estudada, medida, modelada e testada. Certos animais se tornam parte dos Na'vi através de um contato físico, assim como é possível a conexão com o próprio satélite através de uma ligação física. Nada há de sobrenatural; aquele mundo apenas é assim (lembrando que estamos falando de uma obra de ficção que, até prova em contrário, pretende, em primeiro lugar, entreter).
Quando os humanos são introjetados nos seus avatares, vivem dupla vida: nos seus corpos humanos, em sono profundo, e nos corpos biológicos dos avatares, plenamente conscientes, ativos, senhores de suas decisões. No filme, pura ciência. Igualmente, pura ciência quando Jake Sully abandona seu corpo humano em prol do seu corpo Na'avi. Não vejo migração de almas nisto, no sentido religioso do termo, mas "transferência de pessoa" no sentido científico ("conexão neural" na gíria do filme). Mas estamos no mundo da ficção, e não da realidade. O diretor brinca com o sonho de imortalidade, de superação, de se tornar "super".
Ele também brinca com a possibilidade do próprio satélite Pandora,Eywa na linguagem dos seus habitantes racionais, ser um ser vivo com o qual é possível comunicar. Eywa não tem, em momento algum, atributos divinos de onipotência (longe disto) e onisciência (quantas coisas ela ignorava...). Atributo materno, de fonte de tudo, sim, mas estritamente físico, e não espiritual ou ontológico. Nenhuma novidade, já que a "hipótese Gaia" (conferir) não é nova.
Mas Mo'at é sacerdotisa, e intérprete única da vontade de Eywa. Neste ponto insere-se a teologia, que pode ser vista também na reação dos habitantes de Pandora ao seu mundo. Não foi assim que nossos antepassados reagiram, quando não compreendiam as forças da natureza e lhes atribuíam status de divindade? Não há como não ver uma liturgia na tentativa de transferir a doutora Grace para o seu avatar, bem como a de Jake: comunidade reunida, cantando a uma só voz (a letra da música é desconhecida por mim,mas pouco importa), irmanados entre si e conectados a algo maior que ela mesma. Contudo, a conexão é física, e não espiritual; não é com um deus, mas com um ser vivo maior, que pouco consegue falar por si mesmo, e que exerce muito da função mãe. Neste ponto, temos teologia não como uma fé revelada, mas como uma compreensão não-verificável do mundo - uma construção bem humana.
Não consigo ver perigos reais neste filme. Ele inspira comportamentos altruístas, faz uma crítica ao nosso modo de exploraçao econômica do planeta Terra, e, segundo alguns, questiona o militarismo norte-americano. Mas é uma obra de ficção sem compromisso nenhum com nossa realidade. Tenho mais medo de Batmans, de big-brothers, que inspiram o que há de pior em nós, fazendo a apologia da violência como remédio único e adequado, ou da superficialidade e egoísmo nas relações humanas.
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