quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre a carta aberta aos que questionam a seriedade da Ultimato

A revista Ultimato publicou, na sua edição 323, uma carta aberta (disponível em http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2609&secMestre=2607&sec=2634&num_edicao=323 ). No dia 10 de março encaminhei a correspondência abaixo transcrita aos signatários:

"Acredito que a pressão sentida por vocês deve ter sido enorme, a ponto de considerarem sábio e prudente a carta aberta no número 323 da revista.

Diversos pensamentos cruzaram a minha cabeça desde que a li, e resolvi compartilhar com vocês os que considerei relevantes.

Conheço a revista pelo menos a partir do final da adolescência. Há várias outras; por que assino Ultimato?

Porque é uma revista de linha editorial equilibrada; não deprecia ninguém, é honesta nas avaliações e busca ser caridosa nas críticas.

Porque é uma revista capaz de enxergar o mundo e os que nele habitam; capaz de reconhecer que há conhecimento e ciência além das Escrituras; capaz de reconhecer que ciência e fé cristã não são inimigas, nem mesmo adversárias, ainda que existam pontos focais de tensão.

Porque não fica na mesmice, tocando sempre variações sobre os mesmos temas. Busca estimular respostas a novas questões, rever as antigas e reafirmá-las se assim for considerado correto.

Porque não tem medo de errar. A revista não é morna, arrisca-se a ser quente, e por isso erra. E errar não é pecado - desafio os contrários a provarem, biblicamente, que todo erro é pecado. E caso eu esteja errado, e todo erro, sem exceção for pecado, graças a Deus por Jesus Cristo, em quem temos o perdão, a restauração e o crescimento espiritual. Mas se a revista fosse morna, desatenta à época em que vive, surda às questões que pipocam a torto e à direita, medrosa de errar...não seria uma publicação digna do termo "ultimato". Eu não a assinaria, e a destinaria ao lixo reciclável, caso me viesse às mãos.

Porque tem sido um dos recursos para minha santificação pessoal, crescimento no conhecimento e vivência da graça, desafio intelectual e elaboração de ideias.

Porque seus articulistas procuram cumprir o ministério que foram chamados com fidelidade - e só quem não faz não erra! Porque seus articulistas se expõe publicamente (e muitas vezes com coragem admirável - vide Braulia) e arcam com os bônus e ônus desta exposição pela qual não são remunerados. O fazem como parte do trabalho que o Senhor lhes confiou.

Há críticas irritantes. Há críticas pobres. Há críticas analfabetas. Há críticas razoáveis e sensatas. Estas últimas são úteis no crescimento; as primeiras, para o exercicio de uma santa paciência; as segundas, para o exercício da oração; as terceiras, para o exercício da reflexão de como alfabetizar biblicamente quem não tem condições de o ser.

Não caiam na tentação arrogante de se considerarem causadores de divisão do corpo de Cristo. Este não pode ser dividido, é uma impossibilidade(1). Mas nós nos dividimos, e não há pecado nisso! O pecado é a arrogância de considerar minhas posições teológicas como absolutas, e desprezar como refugo as outras. Mas o Senhor nos tem chamado à paz para construirmos comunidades formais que pensam semelhantemente para buscarmos adoração e crescimento dentro daquele modo de pensar, reconhecendo que Ele chama outros para o mesmo em outros esquemas teológicos. Não há pecado na controvérsia predestinação X livre arbítrio; há pecado quando chamo aos primeiros "tolos" e aos segundos "sábios".

Nós precisamos ser desafiados, e somente o somos por novos pensamentos. Os irmãos que desejam permanecer como estão, que nos deixem em paz, ou melhor, que orem por nós - e que o Senhor lhes responda como desejar! Quando Ultimato é caluniada por ser mal interpretada através de uma leitura míope, a reação do leitor caluniador é que causaria divisão do corpo, e não a revista.

Certamente há erros e problemas, e vocês sabem melhor que todos. E daí? Até onde vejo nas entrelinhas das revistas ao longo do tempo, o propósito de conferir Escritura com Escritura permanece; de contextualizar a interpretação da Palavra presente; de ser relevante, uma missão!

Há alimento líquido a sólido, de papinha a feijoada. Os que não me apetecem, não leio; ou leio e esqueço, após fazer um juízo e ver se há algo bom para reter.

Apesar dos sentimentos negativos que críticas não razoáveis possam trazer, sugiro que as usem como termômetro de trabalho. Não para adequar a revista ao exigido, mas para trabalhar, quando necessário, sábio e proveitoso, os argumentos, buscando remodelar a visão do crítico. Mas continuem a ser como são. Continuem buscando acertar, mesmo que errando. Continuem a buscar articulistas que sacudam visões envelhecidas e inúteis, e nos apontem caminhos para um Evangelho integral.

"O Senhor os abençoe e os guarde;
o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre vocês,
e tenha misericórdia de vocês.
O Senhor sobre vocês levante o Seu rosto,
e lhes dê a paz"

Atenciosamente,

Eduardo Ribeiro Mundim"

(1) ver neste blog  "É possível dividir o Corpo de Cristo?" - não consta da correspondência original

terça-feira, 23 de março de 2010

A ESTRANHA TEORIA DO HOMICÍDIO SEM MORTE

Marcia Suzuki
Conselheira de ATINI – VOZ PELA VIDA

Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão defendendo o indefensável. Através de trabalhos acadêmicos revestidos em roupagem de tolerância cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no mínimo racista.  A teoria de que para certas sociedades humanas certas crianças não precisariam ser enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades, matar essas crianças não envolveria morte, apenas "interdição" de um processo de construção de um ser humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou 10 anos de idade.

Deixe-me explicar melhor. Em qualquer sociedade, a criança precisa passar por certos rituais de socialização. Em muitos lugares do Brazil, a criança é considerada pagã se não passar pelo batismo católico. Ela precisa passar por esse ritual religioso para ser promovida a "gente" e ter acesso à vida eterna. Mais tarde, ela terá que passar por outro ritual, que comemora o fato dela ter sobrevivido ao período mais vulnerável, que é o primeiro ano de vida. A festa de um aninho é um ritual muito importante na socialização da criança. Alguns anos mais tarde ela vai frequentar a escola e vai passar pelo difícil processo de alfabetização. A primeira festinha de formatura, a da classe de alfabetização, é uma celebração da construção dessa pessoinha na sociedade. Nestas sociedades, só a pessoa alfabetizada pode ter esperança de vir a ser funcional. E assim vai. Ela vai passar por um longo processo de "pessoalização", até se tornar uma pessoa plena em sua sociedade. 
Esse processo de socialização é normal e acontece em qualquer sociedade humana. As sociedades diferem apenas na definição dos estágios e na forma como a passagem de um estágio para outro é ritualizada.
Pois é. Esses antropólogos e missionários estão defendendo a teoria de que, para algumas sociedades, o "ser ainda em construção"  poderá ser morto e o fato não deve ser percebido como morte. Repetindo – caso a "coisa" venha a ser assassinada nesse período, o processo não envolverá morte. Não é possível se matar uma coisa que não é gente. Para estes estudiosos, enterrar viva uma criança que ainda não esteja completamente socializada não envolveria morte.
Esse relativismo é racista por não se aplicar universalmente. Estes estudiosos não aplicam esta equação às crianças deles. Ou seja, aquelas nascidas nas grandes cidades, mas que não foram plenamente socializadas (como crianças de rua, bastardas ou deficientes mentais).  Essa equação racista só se aplicaria àquelas crianças nascidas na floresta, filhas de pais e mães indígenas. Racismo revestido com um verniz de correção política e tolerância cultural.
 Foto: Niawi, menino indígena enterrado vivo no Amazonas aos 5 anos de idade, por não conseguir aprender a andar. Seus pais eram contra o sacrifício e se suicidaram antes.
Tristemente, o maior defensor desta teoria é um líder católico, um missionário. Segundo ele "O infanticídio,  para nós, é crime se houver morte.  O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano", afirma." i
Uma antropóloga da UNB, concorda.  "Uma criança indígena quando nasce não é uma pessoa.  Ela passará por um longo processo de pessoalização para que adquira um nome e, assim, o status de 'pessoa'.  Portanto, os raríssimos casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é.  Infanticídio, então, nunca"." ii
Mais triste ainda é que esta antropóloga alega ser consultora da UNICEF, tendo sido escolhida para elaborar um relatório sobre a questão do infanticídio nas comunidades indígenas brasileiras iii. Como é que a UNICEF, que tem a tarefa defender os direitos universais das crianças, e que reconhece a vulnerabilidade das crianças indígenas vi, escolheria uma antropóloga com esse perfil para fazer o relatório? Acredito que eles não saibam que sua consultora defende o direito de algumas sociedades humanas de "interditar" crianças ainda não plenamente socializadas. v
 
O papel da UNICEF deveria ser o de ouvir o grito de socorro dos inúmeros pais e mães indígenas dissidentes, grito este já fartamente documentado pelas próprias organizações indígenas e ONG's indigenistas vi
A UNICEF deveria ouvir a voz de homens como Tabata Kuikuro, o cacique indígena xinguano que preferiu abandonar a vida na tribo do que permitir a morte de seus filhos. Segurando seus gêmeos sobreviventes no colo, em um lugar seguro longe da aldeia, ele comenta emocionado:

"Olha prá eles, eles são gente, não são bicho, são meus filhos. Como é que eu poderia deixar matar?" vii

Para esses indígenas, criança é criança e morte é morte. Simples assim.

 

[ii] idem
[iii] Marianna Holanda fez essa declaração em palestra que ministrou em novembro de 2009 no auditório da  UNIDESC , em Brasília.
[iv] Segundo relatório da UNICEF, as crianças indígenas são hoje as crianças mais vulneráveis do planeta. "Indigenous children are among the most vulnerable and marginalized groups in the world and global action is urgently needed to protect their survival and their rights, says a new report from UNICEF Innocenti Research Centre in Florence."
[v] Em algumas sociedades, crianças não socializadas seriam gêmeos, filhos de mãe solteira, de viúvas ou de relações incestuosas, crianças com deficiência física ou mental grave ou moderada, etc. A dita "interdição" do processo pode ocorrer em várias idades, tendo sido registrada com crianças de até 10 anos de idade, entre os Mayoruna, no Amazonas. Marianna defende essa "interdição" em dissertação intitulada "Quem são os humanos dos direitos?"  Estudo contesta criminalização do infanticídio indígena
[vii] Trecho de depoimento do documentário "Quebrando o Silêncio", dirigido pela jornalista indígena Sandra Terena. O  documentário  está disponível no link www.quebrandoosilencio.blog.br




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Eduardo Ribeiro Mundim
www.medicinaeciencia.med.br
www.bioeticaefecrista.med.br

segunda-feira, 22 de março de 2010

Carta aberta aos que questionam a seriedade da revista Ultimato

Data da impressão: 22 de março de 2010

Reprodução permitida. Mencione a fonte.
www.ultimato.com.br
Faz algum tempo que alguns leitores colocam ao alcance de não sabemos quantos irmãos em Cristo suas preocupações com a revista Ultimato. Se em todas as críticas a verdadeira motivação é o zelo pela sã doutrina, Deus o sabe. Que alguns cometem injustiça, juízo temerário e excessos, não temos dúvida. A injustiça difícil de suportar é aquela que diz que Ultimato está atrás de tiragem e não de glorificar a Deus: "Há quem busque o Reino de Deus, há quem busque apenas maior tiragem", escreveu um dos leitores.

Temos verdadeira aversão a contendas. Não podemos cair na sutil cilada de ser responsáveis por mais uma desavença no Corpo de Cristo. Não devemos atiçar nem o lado de "lá" nem o lado de "cá". Segundo o raciocínio de Paulo, cabe ao cristão impedir ou sufocar o atrito e não tomar partido deste ou daquele (1Co 3.4). É difícil compreender acusações que tratam como inimigos da fé aqueles que compartilham o mesmo conteúdo evangélico. Não podemos dar vazão a atitudes e manifestações injuriosas cujos recursos e afrontas são os mesmos que se veem entre as assim chamadas "torcidas organizadas".

Provavelmente sem o querer, alguns estão construindo um muro separando tanto evangélicos como não evangélicos do ministério da revista Ultimato, pinçando uma coisa e outra e generalizando. Quem sabe muitos irmãos queridos, por causa disso, nunca se aproximarão pelo menos para conferir as declarações da revista com as Escrituras, à moda dos bereanos (At 17.11). Ora, como pode um periódico cristocêntrico como Ultimato receber uma acusação como esta: "Não é de hoje que Ultimato vem disseminando o erro mascarado [como órgão] de imprensa evangélico destinado à evangelização e edificação", como um internauta registrou?

Em 1998, para comemorar o 30º aniversário da revista, estampamos na capa da edição de janeiro: "Há 30 anos Jesus na capa e no miolo!". Quantas matérias de capa sobre Jesus foram publicadas nestes 42 anos de história! Na edição de janeiro de 2003, estampamos o solene título: "O grande desafio do terceiro milênio depois de Cristo é a lembrança contínua do Jesus do Novo Testamento até que ele venha!" Na primeira edição deste ano, o título foi mais curto, mas não menos solene: "O drama da cruz". E agora, estamos trabalhando com muita oração no devocionário da Editora Ultimato para 2011: "À Mesa com Jesus -- do começo até o fim do ano". Parece uma ideia fixa, da qual não pretendemos abrir mão.

E o Jesus que anunciamos é o Jesus do Antigo e do Novo Testamento, o Verbo que se fez carne, tanto Filho do homem como Filho de Deus, o Jesus imatável (capa da edição de março de 2007), o Jesus da cruz vazada (morto e ressuscitado), o Jesus desfigurado (Is 52.14), o Jesus transfigurado (Mt 17.2), o Jesus exaltado à mais alta posição, diante de quem todos os seres vivos nos céus, na terra e debaixo da terra dobrarão os joelhos (Fp 2.9-11). Como, então, alguém pode afirmar que "a revista Ultimato tem se tornado uma plataforma para uma forma híbrida, meio esquisita, do neocristianismo-emergente-pós-moderno, que mistura (para ser sutil) esquerdistas e marxistas com uma forma emergente de pietismo e modernismo politicamente correto", como um anônimo fez questão de asseverar?

De pedradas e colunistas
Na década de 80, fomos bombardeados não poucas vezes por termos Robinson Cavalcanti como articulista. Acusações de "esquerdista", "comunista", entre outras, exigiam a sua cabeça, bem como a de outro colunista, Paul Freston, poucos anos depois. Hoje, a grita se volta principalmente contra Bráulia Ribeiro e Ricardo Gondim.
Filha de pai ateu, Bráulia converteu-se aos 17 anos em Belo Horizonte. Na mesma ocasião, ingressou na JOCUM (Jovens Com Uma Missão). Serviu a Deus na Amazônia e agora mora com a família (marido e três filhos) no Hawaí, onde trabalha com projetos internacionais nos países mais pobres da Ásia.

É uma mulher extrovertida, corajosa e dinâmica. Sabe escrever e provocar. Às vezes exagera. Em algumas ocasiões, Ultimato solicitou que ela desistisse de algumas frases ou lhes desse outra redação. Um artigo ou outro achamos melhor não publicar. Bráulia não se conforma com a hipocrisia, o machismo, o formalismo nem o legalismo, o que é uma virtude.

Quanto ao polêmico artigo Deus -- Pai ou Mãe? (maio/junho de 2009), o título e o uso da expressão "Deus-Mãe" não foram felizes, por causa da heresia de algumas feministas que atribuem a Deus o gênero feminino. Todavia, em nenhum momento Bráulia faz isso. Ela não diz que Deus é feminino ou masculino ou ambos ao mesmo tempo. A mensagem dela é no sentido de nos lembrarmos das características próprias de uma mãe para descobrirmos mais compreensivelmente a capacidade que Deus tem de nos amar. O tiro certeiro que precisamos dar é naquela blasfêmia das mencionadas feministas.

Ricardo Gondim é um dos mais lidos e apreciados colaboradores de Ultimato -- leitores jovens e adultos, históricos e pentecostais, homens e mulheres. O artigo Estou cansado! (julho/agosto de 2004) trouxe alento para muita gente e provocou uma enxurrada de cartas. Ultimamente, Gondim tem enfrentado um bombardeio por escrever sobre a corrente teológica conhecida como "teísmo aberto", com a qual declara não estar comprometido -- muito menos pretende desencadear movimento algum --, como se pode ver em seu site pessoal. Ultimato tem recebido cartas quase iguais e desnecessariamente ameaçadoras: "Se Gondim continuar como colaborador, cancelo minha assinatura". Esse nível baixo de crítica não produz resultados satisfatórios e alimenta reações mais pessoais e profanas do que era de se esperar de servos zelosos de Deus de ambos os lados. Tal confusão pode desaparecer se substituirmos a perseguição pelo acompanhamento, pela intercessão, pelo verdadeiro amor, virtudes e métodos que não sacrificam necessariamente o cuidado pela ortodoxia. O articulista não tem se valido de Ultimato para expor novas ideias. Não por coincidência, basta conferir sua edificante reflexão Espiritualidade.

Sobre ecumenismo
No Brasil chamar alguém de ecumênico é uma sentença de morte. Uma das pessoas que questionam a seriedade de Ultimato escreveu: "Parece que não há muita importância lá [na revista] com respeito à teologia protestante, tendo-se em conta que escritores católicos romanos deitam e rolam em suas páginas". A denúncia é tão sem solidez que não vale a pena apresentar defesa.

Vamos à questão principal: Ultimato é ecumênica? E, para dar uma resposta verdadeira, precisamos saber o que é ecumenismo.

Se ecumenismo é abrir mão do ódio histórico do protestantismo brasileiro aos católicos, se ecumenismo é enxergar alguma coisa positiva na Igreja Católica sob o ponto de vista evangélico e protestante, se ecumenismo é tratar com educação o catolicismo -- então Ultimato é ecumênica.

Porém, se ecumenismo significa encostar ou esconder certos desapontamentos com a Igreja Católica em favor do diálogo; se ecumenismo significa um movimento em favor de uma possível união orgânica com Roma; se ecumenismo religioso significa dividir os benefícios da salvação graças unicamente ao perfeito e único sacrifício de Cristo com a propalada intercessão de Maria, dos santos e da igreja, com a missa e com as obras meritórias; se ecumenismo religioso significa aceitar que Roma é "a" Igreja e que fora dela não há salvação -- então Ultimato não é nem um pouco ecumênica.

Porque enviamos há mais de trinta anos a revista para bispos católicos, paróquias católicas e padres casados de todo o país, como parte do nosso ministério, recebemos e publicamos muitas cartas católicas e ficamos bem mais informados do que lá tem acontecido. Nunca escondemos dos católicos nem dos evangélicos a nossa pretensão: exercer uma influência cristocêntrica lá e cá. O resultado desse trabalho só Deus sabe, mas nós sabemos o quanto ele custa em termos de incompreensão. Temos consciência de que, de maneira discreta e modesta, estamos apoiando a nova evangelização dentro da Igreja Católica e os movimentos de renovação cristã lá existentes.

Sem renegar nossas convicções reformadas, temos entendido e demonstrado ao longo dos anos que "o Reino de Deus é maior que a Igreja Católica Romana, que as Igrejas Ortodoxas e que a Igreja Protestante" (capa da edição de julho de 1996). Na ocasião, o conhecido pastor presbiteriano Valdyr Carvalho Luz alertou que "a lealdade do cristão é primacialmente a Cristo, não à Igreja, por maior respeito que se lhe deva".

Estamos conscientes que temos cometido erros. Erros de hermenêutica, ênfase demasiada em alguns assuntos, silêncio em outros. Temos corrigido parágrafos inteiros e deixado de publicar muitos textos já escritos. Embora peçamos constantemente a Deus sabedoria, capacidade, equilíbrio e acerto, ainda assim podemos cometer novos erros. Depois de muitas cartas, achamos por bem, por exemplo, moderar os escritos envolvendo temas católicos.

E, para encerrar, uma informação até então desconhecida de quase todos os leitores protestantes e católicos. Possivelmente, o pastor presbiteriano Elben César, diretor-redator da revista Ultimato, é um dos poucos pastores brasileiros que sofreram tamanha pressão dos católicos, em Viçosa, MG, e nas cidades vizinhas. Por se tratar de uma região muito católica e por ele ter sido o primeiro pastor a morar na cidade, sofreu coisas do arco da velha, encabeçadas pelos padres formados pelo mais tridentino dos seminários católicos do Brasil, o Seminário de Mariana1.

Enfim, queremos dizer, sinceramente, que temos acatado críticas e sugestões dos leitores e vamos continuar acatando. Esperamos continuar a construir pontes, procurando diminuir o fosso entre grupos de evangélicos, mesmo que sejamos malcompreendidos em alguns momentos. Não temos autoridade nem a pretensão de separar o joio do trigo. Queremos evitar a formação de plateias contra e a favor. Ao mesmo tempo, trabalhamos com limites editoriais que não são necessariamente os mesmos limites demarcados pela denominação de cada leitor. Ultimato quer celebrar e espalhar o conteúdo bíblico e a confiança do povo de Deus no único Senhor da história. Para isso, conta com uma diversidade de experiências cristãs e, ao mesmo tempo, não abre mão da sua identidade evangélica e reformada.

Elben César, diretor-redator
Emmanuel Bastos, diretor financeiro
Klênia Fassoni, diretora administrativa
Marcos Bontempo, editor


Nota
1. Para saber mais, acesse www.ultimato.com.br/blog e leia a série de cinco artigos escritos para o jornal viçosense "Tribuna Livre" intitulada 1960 -- Um ano explosivo na história de Viçosa.

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&secMestre=2607&sec=2634&num_edicao=323#
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domingo, 21 de março de 2010

É possível dividir o Corpo de Cristo?




Eduardo Ribeiro Mundim

Causar divisão no Corpo de Cristo, ou seja, na Igreja, é um pavor legítimo para aquele que verdadeiramente é um cristão. E não poucas vezes, esta acusação é levantada contra alguém – e, provavelmente, de modo leviano.

Mas é possível dividir a Igreja?

Para enfrentar esta questão, ela tem de ser detalhada. O que é dividir? O que é Igreja? Dividir é um mal em si mesmo? Quais as consequências caso o Corpo seja dividido?

A metáfora do corpo, Cristo a(o) Cabeça e a Igreja o corpo, perpassa as epístolas no Novo Testamento. Não é um corpo orgânico, mas funcional; não é visível, mas místico; não é cópia fiel dos nossos corpos, mas um modelo útil de interação, interdependência e cooperação.

Sendo místico, não é possível fracioná-lo fisicamente. Sendo místico, somente a Trindade o vê completamente, sabe como ele realmente é e quem nele está. Não é possível rasgar a Igreja – apenas criar mais e mais igrejas (denominações). Não é possível fazê-la crescer – esta tarefa pertence ao Espírito, e nós não temos poder de mudar o coração de ninguém (pelo menos no que tange a realmente confessar que Jesus morreu e ressuscitou para pagar o preço do nosso pecado). Nós não estabelecemos funções, mas sim o Cabeça, que é Cristo Jesus. Nesse aspecto, não é possível dividir o corpo.

Igreja, por sua vez, é o conjunto, que somente a Trindade conhece, daqueles que realmente confessam serem pecadores, separados irremediavelmente do Criador caso não aceitassem o sacrifício substitutivo realizado na cruz pelo próprio Deus em forma de homem. Não é estabelecida por fronteiras geográficas, ou denominacionais, ou organizacionais. O verdadeiro pertencimento acontece anonimamente na vida do crente – apenas por questões de formalidade humana existe um ritual para tornar público o fato. E o ritual não inclui ninguém no Corpo, apenas conta que o fato aconteceu (ou poderia ter acontecido, quando a confissão e aceitação realmente não aconteceram).

Dividir tem várias conotações. Separar para classificar, como, por exemplo, ao dividir os animais em categorias distintas. O Pai não é o Filho: não foi Ele que se encarnou e morreu e ressuscitou; o Filho não sabe quando será o fim, mas apenas o Pai. O Espírito procede do Pai, e é Ele que O envia.

Também pode significar a realização de grupos que pensam de modo semelhante a respeito de algum assunto. Paulo lembra aos coríntios que não deveriam “converter” aqueles que não comiam carne de animais sacrificados a ídolos, pois estes nada eram; apesar disto, deveriam ser respeitados, mesmo que o apóstolo os chamasse de fracos na fé (I Co 8). Outros foram chamados para o celibato e outros para a vida conjugal (I Co 7). Neste contexto, porque não situar as diferentes denominações? Afinal, qual a diferença destes grupos para aqueles que desejam um governo eclesiástico colegiado, ou episcopal, ou assembleísta? Ou que interpretam as Escrituras a partir do ponto de vista da predestinação e do livre arbítrio?

É possível pensar que todos os cristãos terão o mesmo ponto de vista a respeito de todos os assuntos? Foi isso que Jesus pediu ao Pai em sua oração final (Jo 17.11)? No primeiro concílio da igreja nascente, houve dois candidatos à vaga de Judas Iscariotes no colégio apostólico – ocorreu divisão, resolvida por sorteio. No segundo concílio (At 15) foi decidido que os gentios não necessitariam se tornar primeiro judeus para depois serem cristãos – portanto, a igreja estava dividida entre os de origem judaica e os de origem gentílica. E sem problemas!

Curiosamente, tempos depois, na já citada situação envolvendo o consumo de carnes sacrificadas aos ídolos, Paulo vai na contramão da decisão conciliar, que havia sido “...que se abstenham da carne contaminada pelos ídolos...que se abstenham da carne sacrificada aos ídolos” (At 15.20, 28, 29). Não há relato nas Escrituras de condenação ao apóstolo por parte dos demais.

Mas dividir também é dispersar esforços, enfraquecendo o grupo e seus objetivos, assim como causar desentendimento e inimizades. O primeiro foi condenado firmemente por Paulo, quando questionou a comunidade de Corinto a razão dela se fragmentar em “ser de Cefas”, “ser de Apolo”, “ser de Paulo”... Esta atitude ia contra o cerne da comunidade, ou antes, contra o cerne dAquele sobre O qual a comunidade ser erguia e servia o mundo (I Co 3). Dentre os frutos da carne (atitudes que não nascem de Deus, mas das entranhas pecaminosas do homem) estão “ódio, discórdia, ciúmes, ira, dissensões, facções” (Gl 5.19-21). Mas dentre os frutos que nascem diretamente do coração de Deus não está o pensar da mesma forma, ter o mesmo ponto de vista, mas sim “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22-23).

Aqueles que, por razões diversas, pendem mais para os frutos negativos do inconsciente provocam fratura na aparência, mas não na intimidade do corpo. A imagem é abalada, mas não o corpo real. Este não é prejudicado, mas sua missão se complica. Mas ao se complicar, também ilustra, na prática, o perdão, porque Deus a ninguém exclue (mesmo que se faça por merecer); e o “mau comportamento” mostra apenas o campo missionário do Espírito, na santificação de cada crente.

Não são as diferentes opiniões que minam o testemunho da Igreja, mas os comportamentos aberrantes e em desacordo com o amor, com a tolerância, com o perdão mútuo, e com a confiança de que o Senhor da Igreja a fará chegar, no devido tempo, ao fim de sua missão e santificação.

terça-feira, 9 de março de 2010

Deus quer que eu desista!

Certa vez, há muito tempo, tive o privilégio de empenhar algum tempo com um velho rabi, curvado pela idade e muito conhecedor, por vivência, do sofrimento. A cada noite, ele contava-me a estória de de um judeu que escapara da inquisição espanhola com sua esposa e filho, através de um bote, navegando em um mar revolto em direção a uma ilha rochosa. Uma explosão de luz matou sua esposa e um forte vento arrancou o filho, afogando-o no mar. Sozinho, miserável, aterrorizado pelos trovões e relâmpagos, cabelos desgrenhados, seu corpo devastado pela fome e com suas mãos levantadas para Deus, ele conseguiu chegar à ilha deserta e se voltou para Deus:

"Deus de Israel", disse, "escapei para este lugar, portanto, O servirei em paz, seguirei Seus mandamentos e glorificarei Seu nome. Contudo, Você está fazendo de tudo para que eu cesse de crer em Você. Mas se pensa que terá sucesso com suas tentativas de tirar-me do caminho da verdade, então grito, meu Deus e Deus de meus pais, nada disso irá ajudá-Lo. Pode insultar-me, punir-me com severidade, tirar-me o que tenho de melhor e mais querido no mundo, torturar-me até a morte - eu sempre crerei em você e O amarei sempre e para sempre - apesar de você."

"Aqui estão, portanto, minhas últimas palavras para Você, meu raivoso Deus: nada disso Lhe valerá no fim! Você tem feito de tudo  para que eu perca minha fé, fazer-me cessar de crer em Você. Mas morro exatamente como vivi, um inabalável crente em Você."

Tudo o que desejamos fazer aqui é reconhecer que no centro da incerteza, nós permanecemos fiéis...Parte da razão para esta fé frágil talvez repouse, assim como com Jó, na crença de que nossas acusações um dia se converterão em cinzas pela consequência da presença inescrutável de Deus; que nossas legítimas preocupações um dia se silenciarão perante Aquele que não pode ser nomeado, mas que nos nomeia. Por hora, podemos nos confortar com a possibilidade de que o Deus que acusamos é um deus que nós criamos. Por esta razão que Slavj Zizek clama que o deus que dizemos entender é como o brinquedo tamagocthi - nossa própria criação que passa a fazer, posteriormente, exigências sobre nós.

traduzido de Rollins, Peter. How (not) to speak of God. Paraclete Press, 2009. Pg 98-99, 101-102

sexta-feira, 5 de março de 2010

Demissão coerente com princípios éticos

Hannover, sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010 (ALC) - Assumindo o seu erro, ao ser flagrada dirigindo alcoolizada (veja http://crerpensar.blogspot.com/2010/02/bispa-deixa-presidencia-da-igreja.html), segundo os padrões alemãs, a bispa Margot Kaessmann, presidenta do Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD) e do bispado de Hannover, disse, em manifesto divulgado em coletiva de imprensa, que, baseada em crises anteriores, “não se pode cair mais fundo do que dentro da mão de Deus. Também hoje sou grata por esta convicção de fé”. A tradução da manifestação da bispa é do pastor Clóvis Horst Lindner.
“No último sábado à noite eu cometi um grave erro, do qual me arrependo profundamente. Entretanto, mesmo com tal arrependimento, e que tenha feito a mim mesma todas as acusações que, de modo justificado, devem ser feitas em tal situação, não posso e não quero fechar os olhos para o fato de que o ministério e a minha autoridade de bispa territorial, bem como de presidente do Conselho da Igreja, estão prejudicados. Eu não poderia mais, no futuro, apontar e opinar sobre os desafios éticos e políticos com a mesma liberdade que tinha até agora. A áspera crítica a uma afirmação numa prédica, como esta de que `nada está bem no Afeganistão’, só pode ser enfrentada quando a força pessoal de persuasão é reconhecida de maneira absoluta.
“Um de meus conselheiros ontem me deu suporte para a caminhada com uma palavra de Jesus Sirach:’Permanece naquilo que te aconselha o teu coração’ (37.17). E o meu coração me diz com toda a clareza: Não posso permanecer no ministério com a necessária autoridade. Muita coisa que tenho lido (na imprensa) não condiz com a dignidade deste ministério. Mas, além do ministério, também penso que isso tem a ver com respeito e consideração por mim mesma e por minha coerência, que significa muito para mim.
“Dessa maneira, declaro que a partir deste momento eu renuncio a todos os meus ministérios eclesiásticos. Fui bispa de corpo e alma por mais de dez anos e usei todas as minhas forças nesta tarefa. Permaneço pastora da Igreja Territorial de Hannover. Juntei múltiplas experiências após 25 anos de minha ordenação, que apreciaria aplicar em outro posto.
“Lamento decepcionar muitos que me pediram para permanecer no ministério, sim, que confiadamente me elegeram para exercer estes ministérios. Agradeço a todas as pessoas que me apoiaram e carregaram tão maravilhosamente, por todas as mensagens e flores, que fizeram muito bem à minha alma nesses dias. Ao Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha (IEA) eu agradeço muito por ter expressada sua confiança em mim de maneira explícita ontem à noite.
“Sou grata a todos os colaboradores e colaboradoras na Igreja Territorial de Hannover e na IEA que me apoiaram de maneira profissional ou voluntária. De modo especial agradeço à minha equipe mais direta, que se manteve fiel a mim durante diversas tempestades. Agradeço a todos os amigos e amigas e a todos os bons conselheiros. Também agradeço às minhas quatro filhas por carregarem comigo esta decisão de maneira tão clara e evidente e por estarem junto comigo aqui.
“Por último. eu sei, baseada em crises anteriores, não se pode cair mais fundo do que dentro da mão de Deus. Também hoje sou grata por esta convicção de fé.”
Hannover, 24 de fevereiro de 2010
Dra. Margot Kässmann

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