terça-feira, 5 de abril de 2011

Proselitismo em um mundo multirreligioso

O termo "proselitismo" significa o empenho para conseguir adeptos a uma idéia, uma religião ou a um partido político. A palavra "evangelizar", para o cristão, resume a atitude de espalhar a boa nova que se tornou homem na pessoa de Jesus Cristo, morto e ressurreto. Estas atividades, proselitismo e evangelização, são concorrentes no mundo de hoje - a bem da verdade, desde sempre. Talvez a grande diferença do mundo contemporâneo para as épocas pregressas seja a velocidade com que a informação é transmitida, a queda das barreiras da geografia, da distância e mesmo da língua. Segundo alguns, existem mais de 2.000 religiões e todas, baseadas no princípio da solidariedade, buscam prosélitos.

Muito se falou, no último quartel do século XX, que Deus morrera, e que o secularismo era a nova religião que mudaria a face do mundo. O século XXI veio, e Deus permanece bem vivo. Apesar da imprecisão das estatísticas quando o assunto é fé religiosa, alguns pesquisadores estimam que no ano de 2025 80% da população mundial estarão filiados a uma das quatro grandes religiões: cristianismo, islamismo, budismo e hinduísmo. Portanto, cenário bem próximo é de alguns bilhões de indivíduos formalmente comprometidos com visões de vida e de mundo distintas, com repercussões na vida cultural, política e entre as diferentes nações.

Qual é o comportamento adequado na evangelização dentro deste contexto? E neste momento pergunto pensando apenas no fato de que os 80% de religiosos (e neste caso os secularistas não estão incluídos) são seres humanos, iguais em dignidade perante o Criador, por Ele amados a ponto de Cristo ter por eles morrido e ressuscitado. A discussão sobre o poder político, e militar, de cada um desses grupos religiosos não está no foco, assim como a questão da emigração e convivência de diferentes culturas.

Deus nos respeita, e nos chama pelo nome, mesmo quando O rejeitamos. Somos únicos mesmo em nossa rebeldia. Adão e Eva não perderam seus nomes, nem Balão, muito menos Judas Iscariotes. Se Ele não nos tira nossa individualidade, nossa natureza extremamente singular que nos faz diferentes uns dos outros (mesmo entre gêmeos idênticos), como poderíamos nós, que clamamos sermos Seus filhos por adoção, atuar de modo contrário?

Agimos de modo diferente quando não respeitamos a religião do outro. E há vários modos de fazê-lo. Supor que a conhecemos sem nunca a termos estudado nas suas fontes mais originais possíveis é uma forma. Imagine o diálogo: um hindu diz adorar o boi, razão pela qual é vegetariano; portanto, deduz, a partir de si mesmo, que o muçulmano adora o porco, pois é proibido ao islâmico consumir a carne deste animal! Conseguiria um muçulmano explicar o conceito cristão de Trindade? Para ele, nós adoramos três deuses! Se quisermos saber o que o nosso vizinho não cristão crê, devemos perguntar a ele e lermos seus textos sagrados.

Uma segunda forma de desrespeitarmos o nosso próximo é alardearmos que sua crença é diabólica, ou fundamentalmente errada, ou está a serviço das forças do mal. Jesus fez isto? alguns dos apóstolos? ou dos profetas do Velho Testamento? Antes que algum apressado cite Elias e os profetas de Baal, lembro do exato contexto do fato: o povo de Israel que viola o pacto celebrado com o Deus de seus pais. A luta última dos profetas não eram contra os deuses estrangeiros, mas contra aqueles que deixavam Jeová por outros deuses. As palavras de condenação, ironia e sarcasmo sempre foram dirigidas aos domésticos da fé, e não aos de fora (pelo menos nos textos bíblicos).

Outro aspecto importante na evangelização em um mundo multirreligioso é que a proclamação do Evangelho é para pessoas, indivíduos, e não para expressões religiosas abstratas. E cada pessoa tem a sua fé por uma série de razões distintas. Entre elas, seu histórico de vida, sua cultura familiar e local, suas aspirações e sonhos de juventude e infância. E cada um vive sua fé de modo particular, ainda que comunitário. E muitas expressões religiosas estão em contradição com os princípios. E isto é verdadeiro para todo radical das quatro maiores religiões citadas: os textos sagrados do cristianismo, islamismo, budismo e hinduísmo não autorizam o uso da força para fazer prosélitos, ou sobressair sobre as outras. Portanto, não podemos julgar os muçulmanos pelos radicais do Irã, os cristãos pelo comportamento de George W Bush, os budistas pelos seus radicais, muito menos os hinduístas. Se formos personalizar a experiência de fé, então usemos Ganhdi, o Dalai Lama e Nelson Mandela, dentre outros.

Não é possível sermos testemunhas do caráter regenerador do Evangelho se desrespeitamos a crença alheia, queimando seus livros sagrados, violando hábitos, ridicularizando crenças específicas e disseminando inverdades (conceitos que assumo serem verdadeiros mas que não verifiquei) ou mentiras (não necessita esclarecimento). Agir assim não significa concordância com o outro, mas respeito pela sua individualidade, história pessoal e desejos íntimos. Há uma diferença entre cobrir a cabeça, em sinal de respeito, junto a uma comunidade que assim entende ser correto estar na presença divina e abraçar a crença daquela sociedade.

E assim como é um dever cristão evangelizar, pois há um mandamento específico para tal, todos os adeptos das outras religiões se sentem compelidos ao mesmo, seja por obediência a um preceito, seja pela simples solidariedade. Se eu acredito em algo que possa beneficiar meu próximo, eu me calaria? Proselitismo sincero é, antes de mais nada, um ato de solidariedade e amor ao próximo. Caso contrário, ou minha crença não é verdadeira, ou falta a mim o amor ao próximo. Qual sistema religioso que defende o não amor recíproco entre a humanidade? Portanto, a livre divulgação da fé de cada um é direito decorrente da nossa condição humana e, em última análise, decorrente do próprio Deus.

Liberdade para pregar, liberdade para crer, liberdade para viver a fé. Deus jamais usou a força para chamar seus eleitos a si. E a nova e eterna aliança celebrada através do corpo e sangue de Cristo busca corações convertidos, e não obediência escrava; busca adesão livre e voluntária, e não opção interesseira. Não vejo autorização das Escrituras para condenarmos os não cristãos, ou desejar-lhes mal por não aceitarem o Evangelho. Não é isto que Jesus ensina quando Tiago e João sugeriram que descesse fogo do céu sobre os samaritanos que se recusaram a recebê-Lo?

este texto foi escrito inspirado pelo artigo "Proselytizing in a multi-faith world", de Ed Stetzer, publicado na página da Christianity Today em 28/03/11. As idéias centrais são do texto em inglês, que foram reescritas com liberdade pelo proprietário deste blog. O texto base está disponível em http://www.christianitytoday.com/ct/2011/april/proselytizingmultifaith.html

Um comentário:

  1. Muito bom esse texto, gostaria de compartilhar dele no meu blog, http://grindlie.blogspot.com, se for possivel

    Thiago

    ResponderExcluir