Susan Kim
Terça-feira, 24 de maio de 2011 (ALC) - Em 6 de agosto de 1945, às 8h15, Setsuko Thurlow, com 10 anos de idade na época, viu um flash azul brilhante do lado de fora da janela de sua sala de aula. "Eu me lembro da sensação de flutuar no ar. Quando recuperei a consciência, na total escuridão e silêncio, vi que estava no meio do entulho."Ela começou a ouvir as vozes de suas colegas desaparecendo aos poucos: "Mãe, me ajude. Papai, me ajude."
Thurlow é uma "hibakusha" - sobrevivente da bomba atômica de Hiroshima, cidade alvo de uma das duas bombas nucleares lançada sobre o Japão pelos Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial. Ela também é, hoje, uma defensora do desarmamento.
Sua memória viva e dolorosa contagiou os participantes da Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz (CEIP), na segunda-feira, 23, em Kingston, Jamaica. O tema do dia foi "Paz entre os Povos". No painel principal, os participantes ouviram uma análise das questões críticas acerca dos obstáculos para a paz em nível internacional.
Mesmo que o testemunho de Thurlow tenha sido feito por vídeo, por causa da impossibilidade de viajar até a Jamaica, suas palavras foram um forte lembrete de como o recente caso do uso da bomba atômica realmente foi.O lançamento da bomba atômica aconteceu há apenas uma geração e, desde então, as grandes potências mundiais ampliaram e proliferaram seus arsenais nucleares, que são, na melhor das hipóteses, mutuamente destrutivos.
Em 1945, disse Thurlow, a ajuda veio das mãos de um estranho. "De repente, algumas mãos começaram a tremer meu ombro esquerdo, e uma voz disse: 'Saia daí o mais rapidamente possível'."
Todos ao seu redor pareciam figuras fantasmagóricas, com queimaduras pretas, carne e pele dependuradas em seus ossos. Houve um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelos gemidos dos feridos e os seus pedidos por água, relembrou.
Quando sobreviventes, como Thurlow, contam suas histórias, eles lembram a forma injusta como as 260 mil pessoas inocentes morreram depois de 1945 devido aos efeitos do calor e da radiação.
Os governos tentam justificar a ação militar em grande escala, cuja pior expressão é a guerra nuclear, em nome da "segurança", destacou Lisa Schirch, professora de processos de construção da paz na Eastern Mennonite University, em Harrisonburg, Estados Unidos. Ela desafiou os participantes do evento a refletirem o que segurança significa para os cristãos.
"Jesus não usa a palavra 'segurança'. A linguagem da Igreja é muito mais sobre a justiça e paz do que sobre segurança ", disse ela.
Ao visitar o Iraque, em 2005, Schirch trabalhou com iraquianos que estão empenhados na construção da paz em nível comunitário. "Eles me disseram o seguinte: a segurança vem aqui de helicóptero, ela cresce de baixo para cima".
O Iraque foi apenas um dos países lembrados pelos participantes da CEIP enquanto analisavam o tema da "Paz entre os Povos" em discussões acerca do desarmamento nuclear e o fim de todas as guerras.
O moderador do debate, reverendo Kjell Magne Bondevik, que é presidente do Centro para a Paz e Direitos Humanos de Oslo e, por duas vezes, foi primeiro-ministro da Noruega, disse que se lembra do dia, em 2003, em que o presidente dos EUA, George W. Bush, pediu seu apoio à invasão do Iraque.
"Eu disse não", lembrou Bondevik aos cerca de 1 mil participantes da CEIP, que irromperam em aplausos. "Eu não posso. Primeiro, não há um mandato da ONU e, na minha perspectiva ética cristã, o uso de meios militares deve ser a última alternativa, depois que todos os outros meios pacíficos forem esgotados", alegou.
As igrejas tinham uma voz decisiva diferente neste ponto, disse ele. "Na época, a Igreja da Noruega fez uma campanha contra uma possível guerra no Iraque".
Como o arcebispo Dr Avak Asadourian, ortodoxo armênio de Bagdá, estava ouvindo-o, Bondevik disse que gostaria que a paz cristã fosse transmitida através do mundo. "Lamento que outros líderes não estejam escutando", disse ele. "Durante os últimos 32 anos, o Iraque passou por três guerras e um embargo. Um embargo, por definição, é também um ato de guerra. Os iraquianos estão numa situação muito ruim. " Asadourian expressou preocupação diante do fato de que cristãos são agora referidos como um grupo minoritário no Iraque. "Os cristãos no Iraque não são minorias, são parte importante da sociedade iraquiana. Estamos fazendo tudo o que podemos para a paz. Paz, nesse sentido, não é apenas a ausência de guerra. Paz é também igualdade."
A vice-diretora e cientista do Instituto de Monterey, Patrícia Lewis, dos EUA, destacou que as mulheres têm um papel especial a desempenhar. "Se você não perguntar às mulheres, você não saberá o que está realmente acontecendo", frisou.
Lewis acredita que a mudança virá. "Militares e autoridades vão entender que as armas nucleares não têm quase nenhuma utilidade militar. Eles também irão perceber que não se pode cometer erros pequenos com armas nucleares", afirmou.
Se as igrejas esperam causar impacto na busca de estancar a a guerra e a proliferação de armas nucleares, elas devem ir além de documentos declarativos e partir para a ação, enfatizou a vice-diretora do Instituto das Nações Unidas para Investigação sobre Desarmamento, Dra. Christiane Agboton-Johnson. "Muitas vezes, as mulheres são as que mais sofrem num conflito, apesar de seu compromisso de acabar com o conflito. Podemos considerar que um documento ou uma lei é suficiente para lidar com esse tipo de problema? Eu não estou convencida disso. A ONU está preparada para passar das palavras às ações? Temos de implementar o que já está escrito", cobrou.
A sobrevivente da bomba de Hiroshima desejou que nenhum ser humano tenha que repetir a experiência de desumanidade, ilegalidade, imoralidade e crueldade da guerra atômica.
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