Manu Magalhães
 Um  estudo feito na universidade há alguns anos, substituiu o texto bíblico  de João 8 por uma paráfrase, em que Jesus andava pelas calçadas de  Brasília quando a Polícia Federal lhe apresenta Roberto Jefferson. Ao  ser questionado sobre a atitude a ser tomada, Jesus rabisca seu  bloquinho e responde: "Aquele que nunca cometeu um erro, aperte a  primeira algema".
Um  estudo feito na universidade há alguns anos, substituiu o texto bíblico  de João 8 por uma paráfrase, em que Jesus andava pelas calçadas de  Brasília quando a Polícia Federal lhe apresenta Roberto Jefferson. Ao  ser questionado sobre a atitude a ser tomada, Jesus rabisca seu  bloquinho e responde: "Aquele que nunca cometeu um erro, aperte a  primeira algema".Esse texto, assim interpretado, me causou muito  desconforto. Fiquei imaginando se a paráfrase se desse na Alemanha e  Jesus dissesse ao exército que deteve Hitler: "Aquele que nunca cometeu  um erro, que aperte o primeiro gatilho". 
Toda paráfrase é  obviamente deficiente, e reconheço a gritante desproporção das  consequências sociais do pecado da mulher adúltera, de Jefferson e de  Hitler. Entretanto, o ponto não é analisar a crueldade do pecado, mas  evidenciar a grandeza e o escândalo do perdão divino. 
Houve um  Deus que, por causa dos erros dos homens, deixou de lado sua glória e  majestade supremas para sentir a fundo a dor e a alegria de ser um  humano. Só isso já seria suficiente para nos levar a mão à boca, mas  ainda há mais. Esse Deus, em nossa pele, teve desejos tão intensos e tão  "incontroláveis" como nós, sede de poder, de aceitação, tentações das  mais abomináveis às mais sutis. Entretanto, resistiu. Esse Deus  encarnado poderia usar tal prerrogativa para ser implacável com nossas  falhas. Porém, para nosso espanto, cedeu misericórdia à justiça e usou  sua experiência humana para criar uma ponte. Ele se fez um de nós para  fazer de nós um com ele. 
É com essa perspectiva que releio o  pequeno estudo, confrontando o sentimento do Deus encarnado, o Cristo,  com os meus. Por que me causa incômodo pensar que ele perdoaria (ou  melhor, perdoa) pessoas tão abomináveis? Por que meu primeiro impulso é  encontrar erros nessa paráfrase, fazer ressalvas ou questionar a  validade do exercício criativo em vez de me sentir profundamente  agradecida por ele haver se importado com pessoas tão desprezíveis como  Jefferson, Hitler e "eu"?
O perdão ensinado por Cristo não visava  esmigalhar a estima de quem errou, tampouco engrandecer sua própria  retidão e justiça. Sua meta era reconciliar. É por isso que o perdão  genuíno é tão importante nos relacionamentos. Ainda que alguém tenha  cometido alguma injustiça contra mim, não há motivos para que eu a  humilhe por seus erros ou louve a correção de minha conduta. O exemplo  de Cristo não ignora pecados e virtudes, mas não é a eles que enfatiza.  Perdão que não reconcilia não passa de mera desculpa. 
O perdão  que Cristo propõe é custoso. Engolir o próprio ego e, tendo o poder de  castigar, preferir não acusar quem nos prejudicou, não é tarefa indolor.  Nossa tendência é pensar que estamos sendo condescendentes com o erro  quando, na verdade, estamos apenas promovendo a libertação. Ao perdoar,  libertamos o outro da culpa e a nós mesmos do ressentimento e do  orgulho. O perdão não faz o outro ascender ao nosso nível, mas eleva  ambos ao nível de Cristo. Este, sim, é o verdadeiro escândalo do perdão.  
• Manu Magalhães tem 24 anos, é jornalista e gosta de trabalhar com música e discipulado.
fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/329/hitler-roberto-jefferson-e-eu
 
 
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