terça-feira, 16 de julho de 2013

A NEGAÇÃO E A RESTAURAÇÃO


Lucas 22.31-34; 54-62


Jorge Eduardo Diniz*

Um dos discípulos de Jesus o traiu, Jesus o sabia, Judas o entregou às autoridades religiosas que planejaram sua morte, e fez esta atrocidade por trinta moedas de prata. Depois de experimentar a dor dessa traição Jesus experimenta a rejeição de um dos seus melhores amigos, um de seus discípulos íntimos; Jesus vivencia a negação de Pedro. Aquele que viveu três anos e meio com Jesus; que viu Jesus curar a sua sogra; que fez milagres em nome d’Ele; que experimentou milagres em si mesmo; que andou sobre as águas; que, com seus próprios olhos viu o Cristo transfigurado conversando com Moisés e com Elias e ouviu a voz do Pai a respeito do Filho; que recebeu a revelação do Pai que Jesus era o Filho de Deus; agora, nega conhecer a Jesus.

Todos nós caímos, experimentamos erros, vacilos, e ainda vacilaremos muito. Chamamos isto de QUEDA, decadência, perda de crédito, ato de cair. A palavra “queda”, nas Escrituras Sagradas, designa o afastamento do estado de inocência do homem para o estado de corrupção que predomina na humanidade. A história da queda é narrada em Gênesis 3. A doutrina do pecado original, como resultado da queda do homem, é explicada em Romanos 5.12-21 e em I Coríntios 15.22, 44 e 47.

Em nossos caminhos trilhados, quem nunca negou ao Senhor? Quem nunca trilhou o caminho da autossuficiência, abandonando a dependência divina, querendo algo que alguns chamam de liberdade, distorcendo o conceito da liberdade que Cristo disponibiliza à humanidade, vivendo apenas com suas próprias regras, rejeitando qualquer normatização, inclusive religiosa, tratando com desdém a espiritualidade, o Sagrado e a pessoa de Deus. Há uma sequência muito perigosa e sutil no caminho da negação. Pedro vivenciou este caminho, penso que para deixar um ensinamento eterno para cada um de nós: aprendamos com ele, não precisamos passar pelo caminho doloroso que Pedro trilhou.

PEDRO NÃO ORAVA MAIS COM JESUS (Mc 14.32-38). Depois de tomar a Ceia com seus discípulos Jesus foi para o Jardim do Getsêmani com os que estavam mais próximos dele, com seus três discípulos mais íntimos: Pedro, João e Tiago. Jesus orava e os três dormiram. Propositadamente, penso, Jesus chama a atenção de Pedro quando todos dormiam, dizendo: “Simão, dormes? não podes vigiar uma hora? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”. Parece-nos que Jesus tenta “abrir os olhos” de Pedro para o que estava para acontecer. Como se a oração fosse a arma que Pedro pudesse utilizar para não ser tentado, como se a comunhão com o Pai em oração fortalecesse a Pedro. Pedro não deu importância à oração, foi dormir por três vezes sucessivamente diante da tragédia que estava por vir.

E nós? Será que repetimos a ação de Pedro? Será que também não damos o devido valor a oração? Será que estamos propensos a muitas tentações por não cultivarmos uma relação saudável com nosso Pai celeste através de uma vida de oração. Oremos sem cessar e sejamos fortalecidos.

Depois de não dar o devido valor à oração, PEDRO NÃO OUVE MAIS AS PALAVRAS DE JESUS (Lc 22.49-50). Logo chegaram os soldados e os sacerdotes para prenderem a Jesus; e Judas, o traidor, com eles para apontar, com um beijo, quem era Jesus. Uma pergunta é feita a Jesus: “Senhor, feriremos á espada?” E Pedro não espera a resposta do Senhor e logo corta a orelha do servo do sumo sacerdote. Jesus intervém dando um basta e curando o que tivera a orelha cortada. Pedro não esperou a resposta de Jesus; faz uma pergunte e age com seus próprios impulsos. Aquele que tinha adormecido agora queria mostrar que era capaz de entregar a vida pelo seu Senhor lutando por Ele, mas não era essa a vontade do Senhor. Quantas vezes também agimos assim, pedimos a Deus uma direção e logo tomamos o rumo que melhor nos parece.

Então, diante da pressão da prisão de Jesus, PEDRO NEGA SEU ENVOLVIMENTO COM JESUS (v. 54b), se afasta do Mestre. Aqui começa a negação do próprio Cristo, negando o envolvimento com Ele, se afastando d’Ele, negando o envolvimento com seu povo, com sua igreja, com seu Reino e com sua justiça. Muitas desculpas são dadas: “Eu não sou religioso; vou à igreja apenas por costume”; “Eu sou crente, mas nada me impede de dar um jeitinho em meus negócios”; “Eu gosto dos cultos, mas me envolver mesmo, não dá!”. Envolvimento requer responsabilidade, tempo, vida partilhada, compromisso e muito mais.

Depois de negar o envolvimento com Cristo, PEDRO ASSUME UMA POSSIÇÃO ERRADA (v. 55b), e nós repetimos seu comportamento, começamos a conviver com traidores, com aqueles que, de fato, não querem nada com Deus, com os que O negam também. A questão aqui não é as relações saudáveis com os que não são cristãos, relações que são muito saudáveis para todos nós; o problema é outro, e muito mais sério: é quando nos refugiamos e nos envolvemos com os que negam publicamente o Cristo libertador, negamos o envolvimento com Cristo e assumimos o envolvimento com os que são contra o Cristo. O salmista desde a antiguidade nos alerta para que “não andemos segundo o conselho dos ímpios, nem nos detenhamos no caminho dos pecadores, nem nos assentemos na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1). Negociamos o inegociável, baixamos o nível de nosso vocabulário, começamos a compactuar com corruptos, a aceitar e conviver com a ilegalidade e arranjamos desculpas mirabolantes para adultérios e impurezas. E assim vai vivendo a humanidade sem Deus.

Após negar o envolvimento com Jesus e assumir uma posição errada, PEDRO NEGA QUE CONHECIA A JESUS (v. 57), será que fazemos isto também? Será que quando não consideramos o que falamos e esquecemos que tudo o que é proferido tem consequências; será que quando não refletimos nos desdobramentos de nosso comportamento, das posições políticas que assumimos, ou das que não assumimos; ou ainda quando nos rendemos a alguma teoria ou filosofia que nos parece agradável e lógica mas que, de fato, a Deidade está sendo integralmente desconsiderada, rechaçada e tratada com desdém, como se Deus fosse o resultado ou o reflexo da mente culpada da humanidade; não estamos, de fato, negando também todo o nosso conhecimento da pessoa de Cristo?

PEDRO PERDEU SUA IDENTIDADE (v. 58), às vezes, ou muitas vezes a identidade de cada um de nós se torna turva, confusa e não conseguimos responder nem dar a razão de nossa fé. Envergonhamo-nos diante de doutores, de mestres, das academias, dos mais abastados, esquecemo-nos da salvação toda para o homem todo e nos encontramos com medo, inclusive da morte, já a esperança não se encontra mais em nossos corações!

A vivência da negação de Pedro também traz um caminho para a RESTAURAÇÃO. Se algum de nós se encaixa em algum desses exemplos e gostaria de sair desse processo de negação, observemos o fim dessa história:

Quando confrontado com o olhar de Jesus, que, para mim não poderia ser um olhar de condenação, mas de compaixão, de confronto amoroso; consciente de que Jesus o conhecia totalmente, o tinha advertido a respeito de sua atitude de negação e que sabia que ela já tinha acontecido, PEDRO SE LEMBRAR DA PALAVRA DO SENHOR (v. 61) e se conscientiza de seu erro, de seu pecado. Primeiro passo para nós: conscientizarmo-nos de nossos erros e pecados e retornarmos para a Palavra de Deus, para as Escrituras Sagradas, pois só nelas há palavras de vida eterna.

Depois de se lembrar da Palavra de Jesus, PEDRO SAI DO LUGAR DE NEGAÇÃO (v. 62). Excelente exemplo para nós que precisamos refletir sobre onde estamos, se o lugar onde estamos é um lugar onde negamos o Senhor. Esse lugar de negação pode ser um relacionamento não muito saudável, um namoro, uma sociedade, um trabalho, uma opção de lazer, uma conduta nos negócios, nos impostos, a maneira como relacionamos com nossos familiares, a educação de nossos filhos, o tratamento para com nossos pais, etc. Precisamos SAIR DE ONDE NEGAMOS O SENHOR. Dependemos disso para viver.

Pedro se lembra da Palavra de Jesus, sai do lugar onde o negou e SE ARREPENDE (v. 62) chorando amargamente. Não apenas em um remorso vazio, raso; aqui Pedro chora com dor, com amargura diante de seu pecado, de sua má postura. Só a consciência do pecado trazida pelo olhar do Senhor pode gerar esse arrependimento que é a principal defesa contra a negação (Tg 4.4-10). Talvez Pedro se lembrara do que ouviu de seu Mestre quando Ele pregara às multidões que “bem-aventurados são os que choram, porque serão consolados” (Mt 5.4). Consolo que Pedro precisava, que era essencial, vital naquele momento. Mas será que ele o receberia? Será que Pedro acreditava que teria solução para sua tamanha negação? Ele conhecia seu Senhor e sabia que, em algum momento, ele seria consolado em tamanha dor.

Jesus mostra o caminho oposto ao da negação através do perdão e da restauração da fé. Talvez muitos de nós podemos estar decepcionados com o nosso Jesus, provavelmente já o negamos e também já choramos por aquilo que fizemos. Jesus conhece-nos bem e está sempre disposto a nos consolar, Ele não nos nega, Ele olha para nós com compaixão e conforta-nos.

Na manhã da ressurreição Jesus aparece a algumas mulheres (Mc 16.6-7) e manda um recado aos discípulos e especificamente a Pedro, àquele que o negara e que se arrependera. Consolo real chega ao coração de Pedro quando fica sabendo que o Senhor lhe manda um recado, que Jesus ainda se importava com ele, que ainda contava com ele.

Na ocasião da pesca dos cento e cinquenta e três grandes peixes, quando Jesus aparece na praia, depois da ressurreição, para os sete discípulos, incluindo Pedro, Jesus tem um dialogo libertador com Pedro (Jo 21.15-23) onde Pedro reconhece que Jesus sabia de tudo, sabia de sua própria fraqueza, que também o amava, onde Jesus o comissiona a apascentar as suas ovelhas e a O seguir.

Confiemos no caminho do perdão e da restauração de nossa fé diante das dores provocadas por nossas negações. Nesse caminho Jesus se importa conosco, cura nossas almas, traz de volta a esperança, nos faz discípulos e instrumentos seus comissiona a cada um de nós e ordena que sigamo-Lo.


sermão pregado em 14/07/2013 – Segunda Igreja CM e CV

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