Lucas
22.31-34; 54-62
Jorge
Eduardo Diniz*
Um
dos discípulos de Jesus o traiu, Jesus o sabia, Judas o entregou às
autoridades religiosas que planejaram sua morte, e fez esta
atrocidade por trinta moedas de prata. Depois de experimentar a dor
dessa traição Jesus experimenta a rejeição de um dos seus
melhores amigos, um de seus discípulos íntimos; Jesus vivencia a
negação de Pedro. Aquele que viveu três anos e meio com Jesus; que
viu Jesus curar a sua sogra; que fez milagres em nome d’Ele; que
experimentou milagres em si mesmo; que andou sobre as águas; que,
com seus próprios olhos viu o Cristo transfigurado conversando com
Moisés e com Elias e ouviu a voz do Pai a respeito do Filho; que
recebeu a revelação do Pai que Jesus era o Filho de Deus; agora,
nega conhecer a Jesus.
Todos
nós caímos, experimentamos erros, vacilos, e ainda vacilaremos
muito. Chamamos isto de QUEDA, decadência, perda de crédito, ato de
cair. A palavra “queda”, nas Escrituras Sagradas, designa o
afastamento do estado de inocência do homem para o estado de
corrupção que predomina na humanidade. A história da queda é
narrada em Gênesis 3. A doutrina do pecado original, como resultado
da queda do homem, é explicada em Romanos 5.12-21 e em I Coríntios
15.22, 44 e 47.
Em
nossos caminhos trilhados, quem nunca negou ao Senhor? Quem nunca
trilhou o caminho da autossuficiência, abandonando a dependência
divina, querendo algo que alguns chamam de liberdade, distorcendo o
conceito da liberdade que Cristo disponibiliza à humanidade, vivendo
apenas com suas próprias regras, rejeitando qualquer normatização,
inclusive religiosa, tratando com desdém a espiritualidade, o
Sagrado e a pessoa de Deus. Há uma sequência muito perigosa e sutil
no caminho da negação. Pedro vivenciou este caminho, penso que para
deixar um ensinamento eterno para cada um de nós: aprendamos com
ele, não precisamos passar pelo caminho doloroso que Pedro trilhou.
PEDRO
NÃO ORAVA MAIS COM JESUS (Mc 14.32-38). Depois de tomar a Ceia com
seus discípulos Jesus foi para o Jardim do Getsêmani com os que
estavam mais próximos dele, com seus três discípulos mais íntimos:
Pedro, João e Tiago. Jesus orava e os três dormiram.
Propositadamente, penso, Jesus chama a atenção de Pedro quando
todos dormiam, dizendo: “Simão, dormes? não podes vigiar uma
hora? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito,
na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”. Parece-nos que
Jesus tenta “abrir os olhos” de Pedro para o que estava para
acontecer. Como se a oração fosse a arma que Pedro pudesse utilizar
para não ser tentado, como se a comunhão com o Pai em oração
fortalecesse a Pedro. Pedro não deu importância à oração, foi
dormir por três vezes sucessivamente diante da tragédia que estava
por vir.
E
nós? Será que repetimos a ação de Pedro? Será que também não
damos o devido valor a oração? Será que estamos propensos a muitas
tentações por não cultivarmos uma relação saudável com nosso
Pai celeste através de uma vida de oração. Oremos sem cessar e
sejamos fortalecidos.
Depois
de não dar o devido valor à oração, PEDRO NÃO OUVE MAIS AS
PALAVRAS DE JESUS (Lc 22.49-50). Logo chegaram os soldados e os
sacerdotes para prenderem a Jesus; e Judas, o traidor, com eles para
apontar, com um beijo, quem era Jesus. Uma pergunta é feita a Jesus:
“Senhor, feriremos á espada?” E Pedro não espera a resposta do
Senhor e logo corta a orelha do servo do sumo sacerdote. Jesus
intervém dando um basta e curando o que tivera a orelha cortada.
Pedro não esperou a resposta de Jesus; faz uma pergunte e age com
seus próprios impulsos. Aquele que tinha adormecido agora queria
mostrar que era capaz de entregar a vida pelo seu Senhor lutando por
Ele, mas não era essa a vontade do Senhor. Quantas vezes também
agimos assim, pedimos a Deus uma direção e logo tomamos o rumo que
melhor nos parece.
Então,
diante da pressão da prisão de Jesus, PEDRO NEGA SEU ENVOLVIMENTO
COM JESUS (v. 54b), se afasta do Mestre. Aqui começa a negação do
próprio Cristo, negando o envolvimento com Ele, se afastando d’Ele,
negando o envolvimento com seu povo, com sua igreja, com seu Reino e
com sua justiça. Muitas desculpas são dadas: “Eu não sou
religioso; vou à igreja apenas por costume”; “Eu sou crente, mas
nada me impede de dar um jeitinho em meus negócios”; “Eu gosto
dos cultos, mas me envolver mesmo, não dá!”. Envolvimento requer
responsabilidade, tempo, vida partilhada, compromisso e muito mais.
Depois
de negar o envolvimento com Cristo, PEDRO ASSUME UMA POSSIÇÃO
ERRADA (v. 55b), e nós repetimos seu comportamento, começamos a
conviver com traidores, com aqueles que, de fato, não querem nada
com Deus, com os que O negam também. A questão aqui não é as
relações saudáveis com os que não são cristãos, relações que
são muito saudáveis para todos nós; o problema é outro, e muito
mais sério: é quando nos refugiamos e nos envolvemos com os que
negam publicamente o Cristo libertador, negamos o envolvimento com
Cristo e assumimos o envolvimento com os que são contra o Cristo. O
salmista desde a antiguidade nos alerta para que “não andemos
segundo o conselho dos ímpios, nem nos detenhamos no caminho dos
pecadores, nem nos assentemos na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1).
Negociamos o inegociável, baixamos o nível de nosso vocabulário,
começamos a compactuar com corruptos, a aceitar e conviver com a
ilegalidade e arranjamos desculpas mirabolantes para adultérios e
impurezas. E assim vai vivendo a humanidade sem Deus.
Após
negar o envolvimento com Jesus e assumir uma posição errada, PEDRO
NEGA QUE CONHECIA A JESUS (v. 57), será que fazemos isto também?
Será que quando não consideramos o que falamos e esquecemos que
tudo o que é proferido tem consequências; será que quando não
refletimos nos desdobramentos de nosso comportamento, das posições
políticas que assumimos, ou das que não assumimos; ou ainda quando
nos rendemos a alguma teoria ou filosofia que nos parece agradável e
lógica mas que, de fato, a Deidade está sendo integralmente
desconsiderada, rechaçada e tratada com desdém, como se Deus fosse
o resultado ou o reflexo da mente culpada da humanidade; não
estamos, de fato, negando também todo o nosso conhecimento da pessoa
de Cristo?
PEDRO
PERDEU SUA IDENTIDADE (v. 58), às vezes, ou muitas vezes a
identidade de cada um de nós se torna turva, confusa e não
conseguimos responder nem dar a razão de nossa fé. Envergonhamo-nos
diante de doutores, de mestres, das academias, dos mais abastados,
esquecemo-nos da salvação toda para o homem todo e nos encontramos
com medo, inclusive da morte, já a esperança não se encontra mais
em nossos corações!
A
vivência da negação de Pedro também traz um caminho para a
RESTAURAÇÃO. Se algum de nós se encaixa em algum desses exemplos e
gostaria de sair desse processo de negação, observemos o fim dessa
história:
Quando
confrontado com o olhar de Jesus, que, para mim não poderia ser um
olhar de condenação, mas de compaixão, de confronto amoroso;
consciente de que Jesus o conhecia totalmente, o tinha advertido a
respeito de sua atitude de negação e que sabia que ela já tinha
acontecido, PEDRO SE LEMBRAR DA PALAVRA DO SENHOR (v. 61) e se
conscientiza de seu erro, de seu pecado. Primeiro passo para nós:
conscientizarmo-nos de nossos erros e pecados e retornarmos para a
Palavra de Deus, para as Escrituras Sagradas, pois só nelas há
palavras de vida eterna.
Depois
de se lembrar da Palavra de Jesus, PEDRO SAI DO LUGAR DE NEGAÇÃO
(v. 62). Excelente exemplo para nós que precisamos refletir sobre
onde estamos, se o lugar onde estamos é um lugar onde negamos o
Senhor. Esse lugar de negação pode ser um relacionamento não muito
saudável, um namoro, uma sociedade, um trabalho, uma opção de
lazer, uma conduta nos negócios, nos impostos, a maneira como
relacionamos com nossos familiares, a educação de nossos filhos, o
tratamento para com nossos pais, etc. Precisamos SAIR DE ONDE NEGAMOS
O SENHOR. Dependemos disso para viver.
Pedro
se lembra da Palavra de Jesus, sai do lugar onde o negou e SE
ARREPENDE (v. 62) chorando amargamente. Não apenas em um remorso
vazio, raso; aqui Pedro chora com dor, com amargura diante de seu
pecado, de sua má postura. Só a consciência do pecado trazida pelo
olhar do Senhor pode gerar esse arrependimento que é a principal
defesa contra a negação (Tg 4.4-10). Talvez Pedro se lembrara do
que ouviu de seu Mestre quando Ele pregara às multidões que
“bem-aventurados são os que choram, porque serão consolados”
(Mt 5.4). Consolo que Pedro precisava, que era essencial, vital
naquele momento. Mas será que ele o receberia? Será que Pedro
acreditava que teria solução para sua tamanha negação? Ele
conhecia seu Senhor e sabia que, em algum momento, ele seria
consolado em tamanha dor.
Jesus
mostra o caminho oposto ao da negação através do perdão e da
restauração da fé. Talvez muitos de nós podemos estar
decepcionados com o nosso Jesus, provavelmente já o negamos e também
já choramos por aquilo que fizemos. Jesus conhece-nos bem e está
sempre disposto a nos consolar, Ele não nos nega, Ele olha para nós
com compaixão e conforta-nos.
Na
manhã da ressurreição Jesus aparece a algumas mulheres (Mc 16.6-7)
e manda um recado aos discípulos e especificamente a Pedro, àquele
que o negara e que se arrependera. Consolo real chega ao coração de
Pedro quando fica sabendo que o Senhor lhe manda um recado, que Jesus
ainda se importava com ele, que ainda contava com ele.
Na
ocasião da pesca dos cento e cinquenta e três grandes peixes,
quando Jesus aparece na praia, depois da ressurreição, para os sete
discípulos, incluindo Pedro, Jesus tem um dialogo libertador com
Pedro (Jo 21.15-23) onde Pedro reconhece que Jesus sabia de tudo,
sabia de sua própria fraqueza, que também o amava, onde Jesus o
comissiona a apascentar as suas ovelhas e a O seguir.
Confiemos
no caminho do perdão e da restauração de nossa fé diante das
dores provocadas por nossas negações. Nesse caminho Jesus se
importa conosco, cura nossas almas, traz de volta a esperança, nos
faz discípulos e instrumentos seus comissiona a cada um de nós e
ordena que sigamo-Lo.
sermão
pregado em 14/07/2013 – Segunda Igreja CM e CV
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