Eduardo Ribeiro Mundim
A perseguição está escrita, e inscrita, na história da Igreja, assim como na daqueles chamados por Deus para algumas tarefas em especial. Inscrita, porque no Sermão da Montanha Jesus diz "bem aventurados aqueles perseguidos por causa da justiça (ou por amor do Meu Nome)" e o apóstolo Paulo reverbera "todos aqueles que querem viver piedosamente em Jesus Cristo serão perseguidos". Escrita, porque "os profetas que viveram antes de nós" foram perseguidos pelo seu próprio povo; porque os apóstolos o foram pelas autoridades do seu próprio povo; porque os primeiros cristãos gentios o foram pelo Império, que demandava a adoração do imperador. A associação cristianismo-perseguição é tão íntima que Jonh Stott, no seu comentário ao Sermão da Montanha, afirma "a perseguição é um sinal de genuidade, um certificado da autenticidade cristã"i.
Mesmo nas Escrituras, perseguição é resultado de vários fatores, e cada uma merece uma avaliação. Habitualmente os profetas vétero-testamentários expunham a Palavra do Senhor, que também era uma condenação a uma atitude política isolada, ou a um planejamento a longo prazo, ou mesmo à sociedade como um todo. Não havia separação entre Fé e Estado no antigo Israel, já que sua existência como nação era resultado direto da ação divina. A perseguição ao profeta era, sempre, religiosa e política, por consequência.
No Novo Testamento, Jesus sofre oposição cerrada – e não perseguição. A oposição se dá em função da radicalidade da mensagem (o ápice podem ser as 7 sequências do "Eu sou" retratadas pelo Evangelho de João), do questionamento duro da prática dos fariseus e saduceus (curiosamente a nenhum outro grupo de pecadores Ele dirigiu palavras tão enfáticas e agressivas) e da sua autoidentificação como Messias e Filho de Deus.
Os apóstolos são perseguidos: um grupo de ações coordenadas, de longa duração, com o objetivo explícito de destruir a fé. Estêvão, primeiro mártir, é apedrejado por blasfêmia; Pedro ameaçado e ordenado a não ensinar "no Seu nome". E qual era a mensagem? "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa". A mensagem era puro chamado ao arrependimento, confissão de pecados e aceitação do sacrifício substitutivo da cruz – mais nada. A novidade de vida era um processo permanente, até a morte, onde no dia a dia o cristão deveria fazer morrer sua natureza terrena / carnal e crescer cada vez mais os frutos do Espírito. A epístola aos Corintios, principalmente a primeira, é um exemplo acabado de como nenhuma pessoa torna-se eticamente cristã imediatamente após sua conversão, mas à justificação (não há mais condenação pelo pecado) segue-se a santificação (crescimento dos frutos do Espírito: amor, satisfação, paz, capacidade de suportar com serenidade as incongruências e intempéries da vida, bondade, fé, mansidão, espírito perdoador).
Fatores econômicos, como os artífices de Éfeso, podem originar perseguição sistemática quando a "novidade de vida" implica em modificação de hábitos de consumo, reavaliação das escalas de valores e abandono de práticas culturalmente aceitas. Neste caso, a perseguição não é por causa da mensagem, mas pelas suas inevitáveis consequências.
Pouco provável que no Brasil os cristãos sofram perseguição por proclamarem que "o sangue de Jesus nos limpa de todo pecado", ou por qualquer dos itens do credo apostólico. Mas alguns que se identificam como tal (serão o joio?) enfrentam oposição e/ou perseguição em função de deslizes ético-morais (p. ex., os escândalos ligados ao uso do dízimo ou a arrecadação; a bancada evangélica; o "anão do orçamento" que ganhou na loteria 7 vezes... ) ou de posições agressivas em torno de aspectos teologicamente periféricos, mas moralmente centralizados como a sexualidade. Cabe em um texto cristão expressões repetidas como "gaynazismo" ou simplesmente "gay"? Textos sugerindo que crimes sexuais sejam privilégios de homossexuais? Crimes cometidos por homossexuais tratados de forma folhetinesca?
Talvez esteja na hora de repensarmos a teologia da perseguição, repensarmos se temos proclamado que "todo aquele que nEle crê não perece" em primeiro lugar e tratado as dificuldades dos convertidos com respeito, carinho e confiança no poder e sabedoria do Espírito. Se, quando surge a sombra de alguma perseguição, ela não seja o resultado da nossa vontade de cristianizar a sociedade no lugar de evangelizar os seus cidadãos.
iStott, John RW Contracultura Cristã, 1ª ed, ABU Editora, São Paulo, SP, pag 43
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